O PSICÓLOGO NO CONTEXTO DE SAÚDE COLETIVA E A PRÁTICA DA VISITA DOMICILIAR 1 MIRANDA, Cezar P. 2 ; SILVA, Naiana G. ²,SILVA, Ticiane R. ² JAEGER, Fernanda P. 3 1 Trabalho vinculado ao projeto Psicologia e Comunidade: promovendo saúde na atenção básica - UNIFRA 2 Curso de Psicologia do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Santa Maria, RS, Brasil 3 Docente do Curso de Psicologia do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Santa Maria, RS, Brasil E-mail: cmiranda@unifra.br; naianagomes.s@hotmail.com; ticipsico@yahoo.com; fpjager@unifra.br. RESUMO As visitas domiciliares são atividades que cada vez mais vem sendo desenvolvidas por profissionais da saúde no contexto da saúde coletiva. A inserção da psicologia na Atenção Básica à Saúde tem levado muitos profissionais a se depararem esta possibilidade de intervenção. No entanto, existem poucas referências teóricas que dêem subsídio a esta atividade. Assim, o presente trabalho pretende apresentar algumas reflexões teóricas sobre a atuação do psicólogo no contexto de saúde coletiva através da visita domiciliar. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica que foi desenvolvida buscando-se em livros e revistas científicas publicações que servissem de base teórica para o desenvolvimento desta prática. Para tanto, a partir dos autores que trabalham com Saúde Coletiva identificou-se que esta atividade é uma importante ferramenta para auxiliar as famílias no desenvolvimento da autonomia no processo saúde doença. Ao mesmo tempo, esta ténica permite ao profissional maior compreensão da realidade do sujeito e suas relações. Palavras-chave: Psicologia; Visitas Domiciliares; Saúde Coletiva. 1. INTRODUÇÃO A trajetória da psicologia no Brasil ainda é bastante recente especialmente no contexto da saúde. A partir da década de 70 os psicólogos passaram a se inserir no campo da assistência pública a saúde e desde então o contingente de psicólogos tem aumentado cada vez mais tal como destacam Dimenstein (1998) e Campos e Guarido (2007). Os movimentos da reforma psiquiátrica e sanitária no Brasil impulsionaram uma nova forma de compreesão sobre os processo de saúde e doença que culminaram na criação da lei 8.080/90. Este processo foi acompanhado de uma reformulação do modelo de saúde e a partir de uma visão ampliada do conceito de saúde e também como um fenômeno da coletividade tal como revela Campos (2003). A perspectiva de que a saúde e o adoecimento estão carregados de uma dimensão social que modificou totalmente a compreensão deste fenômeno. Com isto o social passou a ocupar lugar nas explicações sobre estes processos e permitiu que se ficasse atento ao contexto, as situações de vulnerabilidade, a violência, a exclusão social e suas relações com a saúde (SPINK e MATTA, 2007) Além disso, a visão multidisciplinar que é incorporada a noção de integralidade, um princípio básico do SUS, abre espaço para inclusão da psicologia nas equipes de saúde e 1
envolve uma ampliação dos objetos de intervenção. Dentro desta pespectiva as noções de promoção de saúde e qualidade de vida dão um novo sentido as ideias de prevenção e atenção primária a saúde. Assim, há também uma modificação na forma de inserção profissional para além do ambiente institucional, com maior inserção na comunidade, espaço que vinha sendo ocupado por outras vertentes da Psicologia. Dentre as atividades desenvolvidas pelo psicólogo neste novo cenário a visita ou atendimento domiciliar encontra-se como uma perspectiva. De acordo com Amaro (2003) a visita domiciliar, em contexto comunitário, consiste em uma prática profissional investigativa ou de atendimento, juntamente com o indivíduo em seu próprio meio familiar ou social. Tal técnica possibilita ao profissional maior compreensão da realidade do sujeito e suas relações, produzindo assim uma intervenção mais eficaz junto deste. Assim, o presente trabalho pretende apresentar algumas reflexões teóricas sobre a atuação do psicólogo no contexto comunitário e de saúde coletiva através da visita domiciliar. Para a realização do mesmo se desenvolveu em uma pesquisa bibliográfica através da problematização de distintas ideias de autores de Saúde Coletiva. A pesquisa de caráter bibliográfico conforme Gil (1995), é um tipo de pesquisa que se desenvolve baseada em materiais já elaborados, principalmente de livros e artigos científicos. Para tanto, serão utilizados na elaboração da pesquisa autores de referência na temática da Psicologia Comunitária e Saúde Coletiva. Além disto, serão pesquisados livros e bases de dados científicas disponiveis online. A PSICOLOGIA E A SAÚDE COLETIVA De acordo com os dados do Cadastro Nacional de Psicólogos do Sistema Conselhos o Brasil possui o total de 216.000 psicólogos ativos. Destes mais de 50 mil estão atuando nas políticas públicas sendo que 29.212 especificamente no contexto da saúde. Cada vez mais os psicólogos estão comprometidos com a construção de novas práticas nestas políticas (CRP, 2012). Desde a regulamentação da profissão, em 1962, a psicologia ampliou em muito as suas possibilidades de intervenção. A inserção no contexto das políticas públicas de saúde foi acompanhada pelo processo de reconstrução do sistema de saúde no Brasil. A partir da década de 1980, a perspectiva de atenção integral à saúde passou a ser uma premissa importante desencadeada por movimentos de trabalhadores e a crise do INAMPS. Com isto universidades e prefeituras passaram a realizar convênios para atender a população através de serviços de atenção integral a populações locais (CAMPOS e GUARIDO, 2007). Na década seguinte houve a implantação do SUS, decorrente do movimento sanitário, tendo como princípios básicos a equidade, a universalização e a integralidade. Assim, a saúde passa a ser um direito básico de todo o cidadão (BRASIL, 2007). Este 2
cenário passa a exigir da psicologia um novo perfil profissional, pois há um descrédito de que um modelo da clínica particular individual pudesse dar conta das necessidades de atenção integral oriundas deste novo sistema (CAMPOS e GUARIDO, 2007). Somando-se a isto o Movimento de Luta Antimanicomial, que lutava contra o confinamento das pessoas em sofrimento psíquico e apontava as fragilidades do modelo assistencial asilar, ganhou força. A reforma psiquiátrica propôs uma nova forma de atenção a saúde mental levando muitos psicólogos para novos contextos de cuidado na saúde pública como as Unidades Básicas de Saúde (DIMENSTEIN, 1998; CAMPOS e GUARIDO, 2007). Com o desenvolvimento do Programa de Saúde da Família, que mais recentemente passou a ser denominado de Estratégia de Saúde da Família, a ênfase na atenção básica tem sido muito forte nos últimos anos. Reconhece-se que a atenção básica deve ser a porta de entrada do serviços de saúde, ou seja, de acordo com o Organização Mundial de Saúde, 80% do problemas de saúde devem ser resolvidos sem ser encaminhados (CAMPOS, GUTIERREZ, GUERREIRO e CUNHA, 2010). A psicologia tem se inserido neste contexto de trabalho cada vez mais como apontam diferentes estudos (ANDRADE e SIMON, 2009; BOARINI e BORGES, 2009). A construção de novas ferramentas profissionais capazes de dar conta das necessidades de intervenção nestes territórios tem sido referidas como a visita domiciliar. VISITAS DOMICILIARES A visita domiciliar pode ser considerada uma prática profissional investigativa, ou de atendimento, realizada por um ou mais profissionais, juntamente do indivíduo em seu próprio meio social, ou familiares. Enquanto técnica se organiza mediante o diálogo entre o visitador e visitado, este diálogo, distinto de uma simples conversa empírica, é metodologicamente conhecido por entrevista, que é guiada por uma finalidade específica, pois há um planejamento ou roteiro específico (AMARO, 2003). No contexto comunitário a visita domiciliar tem foco na atenção às famílias e a comunidade, como entidades, influenciadoras no processo de adoecer dos indivíduos, os quais são regidos pelas relações com o meio e com as pessoas. O processo de sair para a comunidade necessita ter impacto na maneira de atuação dos profissionais, questionando os seus conceitos acerca do modo de vivência e sobrevivência das famílias (SAKATA, et.al, 2007). Um dos objetivos da visita domiciliar é capacitar as famílias a utilizarem recursos próprios na resolução dos seus problemas, garantindo assim maior autonomia dos sujeitos envolvidos. A partir da construção de autonomia a família poderá sentir-se mais segura para enfrentar as demandas que surgem no seu cotidiano (BRANDÃO, 2001). A visita domiciliar 3
potencializa as condições de conhecimento dos sujeitos, sendo no seu ambiente familiar ou comunitário. Esta propicia ao visitador maior conhecimento das condições em que vivem os sujeitos visitados, tomando consciência de aspectos do seu cotidiano, de suas relações ou outros aspectos que só poderiam ser observados através da visita (MIOTO, 2001). Com relação a prática profissional, a visita domiciliar não somente modifica a maneira de trabalhar dos profissionais, como também, em potencialidades para sensibilizar o modo de agir e pensar destes profissionais. Assim, ao prestar a assistência nos lares, nos domicílios, nos locais de vivências e trabalhos das pessoas, favorece a aproximação da realidade, sendo esta complexa e dinâmica, possibilitando, portanto, uma reflexão e revisão da própria atitude dos profissionais na busca de transformações no cuidado (SAKATA, et.al, 2007).A realidade que se apresenta é complexa, de modo que, patrocina de alguma forma o encontro da realidade do outro, com a do profissional, ao provocar uma necessidade de redefinição de paradigmas que falam da vida (AMARO, 2003). 3. CONCLUSÃO Nota-se que, a Psicologia ao adentar no contexto da saúde coletiva evidencia uma nova forma de produzir saúde, de modo que amplia suas ações ao enfocar-se na perspectiva da saúde coletiva, considerando aspectos históricos, sociais e culturais de uma determinada comunidade. Assim, a prática do psicólogo propõe-se a intervir possibilitando ações que conferem a promoção da saúde dos sujeitos, como também, o empoderamento dos mesmos, para que possam lutar pelos seus direitos. Neste contexto, a visita domiciliar enquanto técnica a ser utilizada, é vista como um facilitador, pois permite a compreensão da realidade, bem como, auxilia no contato com os sujeitos assistidos, para a manutenção de sua saúde, desenvolvimento da autonomia e resgate de identidade. REFERÊNCIAS ANDRADE, J.F.S. de M. e SIMON, C. P. Psicologia na atenção primária à saúde: reflexões e implicações práticas. Paidéia. V. 19, n. 43, p 167-145, 2009. AMARO, Sarita. Visita Domiciliar: Guia para uma abordagem complexa. Porto Alegre. AGE. 2003. BRANDÃO, S. N. Visita Domiciliar: Ampliando Intervenções Clínicas em Comunidade de Baixa Renda. Dissertação de Mestrado, defendida na Universidade de Brasília, 2001. BOARINI, M.L. e BORGES, R.F. O psicólogo na atenção básica à saúde. Psicologia: ciência e profissão.nº 29, n. 3, p.602-613, 2009. BRASIL. Direitos dos usuários dos serviços e das ações de saúde no Brasil: legislação federal compilada - 1973 a 2006. Brasília: Ministério da Saúde, 2007. 4
CAMPOS, F.C.B.e GUARIDO, E.L.O psicólogo no SUS: suas práticas e as necessidades de quem o procura. Em: SPINK, M.J.P. (Org.) A psicologia em diálogo com o SUS: prática profissional e produção acadêmica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007. CAMPOS, G.W.de S. Saúde Paidéia. São Paulo: Editora Hucitec, 2003. CAMPOS, G.W.de S.et al. Reflexões sobre a atenção básica e a estratégia de saúde da família. Em: CAMPOS, G.W.de S. e GUERREIRO, A. V. (Org.) Manual de Práticas de Atenção Básica: saúde ampliada e compartilhada. 2.e. São Paulo: Aderaldo & Rothschild, 2010. CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Jornal do Federal. Ano XXIII, nº 104. Jan/Ago 2012. DIMENSTEIN, M. D. B. O psicólogo nas Unidades Básicas de Saúde. Estudos de Psicologia. 3(1), p. 53-81, 1998. GIL, A.C. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo; Atlas, 1995. MIOTO, R. C. T. Perícia social: proposta de um percurso operativo. In: Serviço Social e Sociedade, n.º 67. 2001. SAKATA, K.N. et al.concepções da equipe de saúde da família sobre a visita gem. Brasília, 2007, Nov-dez, 60(6), p.659-664. domiciliar. SPINK, M.J. A prática profissional Psi na Saúde Pública: configurações históricas e desafios contemporâneos. Em: SPINK, M.J.P. (Org.) A psicologia em diálogo com o SUS: prática profissional e produção acadêmica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007. 5