MEMORIAS DEL V CONGRESO LATINOAMERICANO DE AGROECOLOGÍA Archivo Digital: descarga y online ISBN 978-950-34-1265-7



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Transcrição:

A4-354 Sustentabilidade socioeconômica de comunidades negras rurais do Semiárido Brasileiro frente à degradação ambiental e as pressões socioambientais locais. Luclécia Cristina Morais da Silva, UNIVASF, lucrisms@gmail.com (Bióloga e Mestre em Antropologia) Moisés Felix de Carvalho Neto, UNIVASF, moises.fcn@gmail.com (Engenheiro Agrônomo e Mestrando em Produção Vegetal com ênfase em Agroecologia). Resumo Na região do semiárido nordestino, Brasil, existem muitas comunidades negras rurais que têm sido impactadas por projetos governamentais diversos e pelo crescente desmatamento da vegetação nativa e processo de desertificação da caatinga. Tais impactos têm contribuído para intensificar o período de estiagem na região e para modificar as práticas agrícolas tradicionais dessas populações. A pesquisa traz mais especificadamente os resultados de pesquisas etnográficas, com uso de entrevistas semiabertas, em duas comunidades negras rurais: a primeira no município de Orocó e a segunda no município de Cabrobó, na região Nordeste do Brasil e teve como objetivo compreender como a degradação ambiental tem contribuído para a intensificação da seca na região, na perda dos hábitos culturais desses grupos sociais que tentam perpetuar a cultura agrícola sustentável de seus antepassados em meio às diversas transformações sociais e econômicas vivenciadas. Atualmente essas comunidades buscam se inserir em projetos de valorização de suas práticas produtivas sustentáveis e também diminuir a emigração existente entre as famílias locais. Palavras chave: comunidades tradicionais; mudanças climáticas; degradação ambiental; nordeste do Brasil. Abstract In the region's semi-arid northeast, Brazil, there are many rural black communities that have been impacted by various government projects and the growing deforestation of native vegetation and desertification of the savanna process. Such impacts have contributed to intensify the dry season in the region and to change traditional agricultural practices of these populations. The research brings more specifically the results of ethnographic research, using semi-open interviews in two rural black communities: the first in the city of Orocó and the second in the city of Cabrobó, in northeastern Brazil and aimed to understand how the degradation environment has contributed to the intensification of drought in the region, the loss of the cultural habits of these social groups trying to perpetuate sustainable agricultural culture of their ancestors among the various social and economic transformations experienced. Currently these communities seek to enter in recovery projects of their sustainable production practices and also decrease the existing emigration among local families. Keywords: traditional communities; climate changes; environmental degradation; Northeastern Brazil. Introdução O critério de crescimento econômico difundido na atualidade não tem levado em consideração a sustentabilidade socioeconômica das populações tradicionais rurais e muitas ações e projetos governamentais em muitas localidades tem gerado degradação ambiental e dificultado a perpetuação dos hábitos culturais desses grupos sociais. 1

As comunidades possuíam uma prática produtiva tradicional a partir dos conhecimentos empíricos dos agricultores e a partir de práticas agroecológicas e sustentáveis. No entanto, devido aos longos períodos de seca que se estendem desde 2010, muitos agricultores migraram para a agricultura irrigada e com uso de defensivos agrícolas. Assim, o objetivo da pesquisa foi compreender como a degradação ambiental tem contribuído para a seca da região e tem influenciado na mudança dos hábitos tradicionais agrícolas, transformando a vida social e econômica dessas populações. Metodologia Na pesquisa foi realizada uma revisão de bibliografia sobre as áreas de estudo e também incursões em campo. Foi priorizado o método qualitativo, pois segundo Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (1999), as concepções, crenças e valores das pessoas são revelados a partir de análises interpretativas. Os procedimentos utilizados visaram fazer uma comparação entre as comunidades pesqueiras e relatar os principais problemas vivenciados pelos pescadores dessas duas localidades. Foram realizadas pesquisas etnográficas em duas comunidades quilombolas existentes nos municípios de Cabrobó e Orocó, no ano de 2013. O estudo se concentrou no semiárido de Pernambuco, região Nordeste do Brasil, na Mesorregião do São Francisco que abrange as microrregiões de Petrolina e Itaparica. Os dados da pesquisa se concentraram sobre os municípios de Orocó e Cabrobó, ambos mais diretamente impactados pelo projeto de Transposição do Rio São Francisco. Os municípios de Orocó e Cabrobó possuem respectivamente 13.180 hab. e 30. 873 hab. segundo dados do IBGE (2010). O primeiro possuindo uma área territorial de 554,7 Km 2 e o segundo 1.623,1 Km 2. O município de Orocó tem por base a agricultura como principal fonte de renda (com plantio de lavouras temporária e permanente), também predomina no município a indústria, o setor de serviços e a agropecuária (IBGE, 2010). O município de Cabrobó tem por base a agricultura como principal fonte de renda, sendo responsável por 60% da produção de arroz em todo estado e por 17% da produção de cebolas. Além disso, há ainda o cultivo de feijão, banana, melancia, milho, manga e tomate, além da atividade pecuária, com destaque para a caprinocultura extensiva. Além da agricultura com plantio de cultivos temporários e permanentes, também predomina no município de Cabrobó a indústria e o setor de serviços (IBGE, 2010). Os municípios de Orocó e Cabrobó fazem parte da Região Hidrográfica do Rio São Francisco, que de acordo com a Agência Nacional das Águas (ANA, 2012), compõe 06 estados: Minas Gerais, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Goiás, além do Distrito Federal. Com 2.700 km, o Rio São Francisco nasce na Serra da Canastra, em Minas Gerais, e escoa no sentido Sul-Norte pela Bahia e Pernambuco, quando altera seu curso para o Sudeste, chegando ao Oceano Atlântico na divisa entre Alagoas e Sergipe. A região hidrográfica, por sua extensão e distintos ambientes, é dividida em quatro sub-regiões: Alto, Médio, Submédio e Baixo São Francisco. A região onde se localizam os municípios de Orocó e Cabrobó localiza-se no semiárido nordestino e faz parte do Polígono das Secas, que abrange boa parte do Nordeste (SOARES, 2012). Por conta de um clima caracterizado por uma irregular distribuição da precipitação, elevadas temperaturas mensais, altas taxas de evapotranspiração e déficit 2

hídrico permanente, ambas as localidades possuem um ambiente susceptível ao processo de desertificação (Ministério do Meio Ambiente, 2007). As entrevistas semiabertas realizadas se concentraram em duas comunidades negras rurais: Cruz dos Riachos (localizada em Cabrobó) e Águas do Velho Chico (localizada em Orocó). A comunidade Cruz dos Riachos localiza-se próximo ao rio São Francisco e é cortada por dois grandes riachos (riacho Grande e riacho Ouricuri) que desde 2010 estão completamente secos. Possui cerca de 150 famílias que sobrevivem, atualmente, basicamente da agricultura. A comunidade Águas do Velho Chico localiza-se a margem do rio São Francisco e é formada por cinco povoados denominados: Umburana, Remanso, Caatinguinha, Mata de São José e Vitorino. Possui cerca de 480 famílias que sobrevivem, atualmente, basicamente da agricultura. Resultados e discussões Na Região Nordeste do Brasil existem muitas comunidades negras rurais que têm uma intrínseca relação com a natureza e os bens naturais, mas o desmatamento da região tem contribuído para tornar os riachos circunvizinhos intermitentes e, assim as comunidades negras rurais atualmente depende da irrigação para realizar a prática agrícola. A sazonalidade das lavouras já não é mais a mesma e, muitos homens saíram para trabalhar na construção civil em outros estados brasileiros. Nas comunidades existem predominantemente plantações de cebola, feijão e melancia, pimentão, melão, coentro, milho, tomate, etc. O principal cultivo e de maior comercialização é o de cebola e melancia, sendo os demais, geralmente, para consumo da própria comunidade e para venda de excedentes na feira municipal do município que acontece todos os sábados. Cerca de metade da colheita do milho é utilizada na própria comunidade para alimentar os animais, assim como o feijão, que em sua maioria serve ao consumo interno da comunidade com venda dos excedentes na feira livre do município. Existem ainda outros cultivos que também são apreciados pela comunidade, contudo, são menos praticados devido ao seu valor comercial ser baixo e por conta do período extenso de espera pela colheita, como por exemplo, a mandioca. A comunidade quilombola de Cruz dos Riachos, assim como a maioria dos pequenos agricultores, sofre com a falta de autonomia em sua própria segurança alimentar e nutricional. Algo que poderia ser plantado na comunidade tem que ser comprado na feira livre municipal já que a terra da comunidade é pouca e sem fontes de água. Muitos integrantes da comunidade não possuem roça própria, trabalham em roças arrendadas e, portanto não podem ter o controle do que é produzido. Mesmo quando a roça é particular não é possível plantar apenas o que eles gostariam, mas é necessário seguir a economia do município para poder conseguir alguma renda com o trabalho agrícola, já que o espaço das roças é pequeno.. A comunidade de Cruz dos Riachos percebe que o capital condiciona a produção agrícola (pautado nos monocultivos preconizado pelo agronegócio) no território, mesmo quando as roças são de propriedade dos próprios quilombolas. 3

Outro problema existente na região é o aparecimento de plantas exóticas que tem se espalhado rapidamente pelo território das comunidades devido ao histórico desmatamento da caatinga, essas espécies têm dificultado a recuperação da vegetação local. Em consequência da retirada de cobertura vegetal há a aceleração dos processos erosivos que, associados a pouca e concentrada precipitação, fazem com que essa área corra o risco de desertificação, pela salinização do solo. Segundo relatos de algumas pessoas das comunidades, alguns projetos governamentais de incentivo à criação de animais proporcionaram um aumento no desmatamento da vegetação local, já que não houve uma formação dos moradores locais. Durante o trabalho de campo verificou-se, por exemplo, que atualmente todos os riachos circunvizinhos à comunidade quilombola estão secos, assoreados e sem vegetação ciliar devido ao grande desmatamento da região. Tal fato dificulta ainda mais a recuperação dessa provável fonte de água e também inviabiliza a existência de antigas cacimbas ou nascentes. A falta de água impossibilita a autonomia e soberania alimentar da comunidade Os antepassados da comunidade eram pescadores profissionais e todos pescavam no importante rio São Francisco e nos açudes da região. Contudo, atualmente, o rio São Francisco já não é mais como antes e eles relatam que os locais onde pescavam já estão assoreados e difíceis de conseguir o pescado. Em virtude das obras das hidrelétricas e da recente obra de Transposição do Rio São Francisco muitas espécies de peixe deixaram de existir na região, causando assim uma perda significativa na alimentação dos moradores da região, que relatam a pesca como uma das antigas principais atividades da região. Atualmente está em curso na região o projeto da transposição do rio São Francisco e, mesmo antes desse projeto, comunidades ribeirinhas já sofriam com a diminuição dos pescados em decorrência da construção da barragem de Sobradinho, inaugurada em 1979. Muitos membros da comunidade quilombola de Cruz dos Riachos, em Cabrobó relataram que antigamente plantavam nas áreas de várzea do rio São Francisco e que antes da barragem de Sobradinho era feito também o cultivo de arroz entre outras colheitas. A barragem de Sobradinho também causou uma perda significativa na garantia da segurança alimentar e nutricional do quilombo, pois teve um impacto negativo no fluxo de peixes do São Francisco e na produção agrícola tradicional que era feita nas vazantes do rio. Quando a barragem de Sobradinho entrou em funcionamento, esta provocou mudanças na atividade econômica na região em função das oscilações do nível do rio entre o período de cheias e vazantes, o que interferiu na exploração da rizicultura e na procriação dos peixes. As práticas socioprodutivas de base ecológica dos membros do quilombo Águas do Velho Chico foram seriamente alteradas e a comunidade foi perdendo o hábito da rizicultura e outros cultivos que eram realizados nas vazantes do Rio São Francisco. Posteriormente, com a construção de outra barragem, a Barragem de Xingó, a situação da ictiofauna agravou-se pela falta de carreamento de sedimentos, praticamente extinguindo a pesca como atividade econômica sustentável. O assoreamento do rio São Francisco aumentou e hoje as tradicionais áreas propícias para pesca no trecho do rio São Francisco próximo à comunidade já não existem mais. Pois, o efeito degradante produzido pelos barramentos do setor elétrico interfere na mudança nos processos de sedimentação, de erosão nas margens, de redução das cheias, de alterações na foz e até na modificação da 4

sua forma em alguns trechos do rio. Todos esses efeitos comprometem a vida dos peixes e refletem negativamente na atividade da pesca. É notório o número de pesquisas 1 que demonstram que as populações atingidas por grandes empreendimentos geralmente tem grande dificuldade de obter as mesmas condições de vida que seu ambiente natural propiciava e em muitos casos os benefícios dessas obras não compensam o impacto gerado para milhares de pessoas que tradicionalmente vivem nessas áreas. Os estudos feitos para a execução da transposição do São Francisco foram feitos de modo rápido, sem incluir estudos sobre a flora e fauna da caatinga e sem incluir as populações tradicionais locais. Os grandes projetos de aproveitamento hídrico são uma ameaça às comunidades ribeirinhas, que reclamam a falta de informação sobre o assunto, as arbitrariedades dos processos e se colocam claramente contra a implantação de projetos que prejudiquem seus modos de vida e cultura. No entanto, é perceptível a falta de publicidade por parte dos órgãos públicos sobre tais projetos para a região, confirmando a estratégia da desinformação como meio de evitar qualquer forma de resistência aos projetos (ACSELRAD et al., 2009). Conclusão As comunidades negras rurais do semiárido nordestino do Brasil têm sido impactadas por projetos governamentais diversos e pelo crescente desmatamento da vegetação local. Tais impactos têm contribuído para intensificar o período de estiagem na região e para modificar as práticas agrícolas tradicionais dessas populações, que carecem de apoio e de projetos que as ajudem a perpetuar a cultura agrícola sustentável de seus antepassados. Referencias bibliográficas Acselrad, H.; Mello, Cecilia C. do A.; Bezerra, G. das N. (2009). O que é justiça ambiental. Rio de Janeiro: Garamond. 160 pp. ANA Agencia nacional de águas (Brasil). (2012). Panorama da qualidade das águas superficiais do Brasil. P.264, Brasília: ANA. Disponível em http://arquivos.ana.gov.br/imprensa/publicacoes/panorama_qualidade_aguas_superficiais_br_2 012.pdf. Acesso em: 14 de mar. de 2015. Alves-mazzotti, A. J.; Gewandsznajder, F. (1999). O método nas ciências naturais e sociais pesquisa quantitativa e qualitativa. 2. ed. São Paulo: Pioneira Thomson Leraning, p. 203. IBGE. Censo de 2010. BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Ministério do Meio Ambiente. (2007). Atlas das áreas suscetíveis à desertificação do Brasil. Brasília, DF. Scott, Parry. (2009). Negociações e resistências persistentes: agricultores e a Barragem de Itaparica num contexto de descaso planejado. Recife: Editora Universitária da UFPE, 290pp. 1 Scott, Parry (2009); Valencio (2010); Zhouri e Oliveira (2010). 5