A DONA DO FOGO E DA ÁGUA

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Guia para o professor Projeto de leitura A DONA DO FOGO E DA ÁGUA CELSO SISTO Ilustração: Rubem Filho A OBRA Indicação de leitura: leitor fluente (a partir dos 10 anos) Resumo: Jeguedé, um bom contador de histórias, narra aos irmãos Chainan e Azinza a briga de dois orixás, filhos do Rei do Universo, a qual provoca caos e terror em uma região da África. Homens, animais e plantas começam a morrer por falta de água. Quem irá se responsabilizar pelas consequências? É possível um líder exercer sua autoridade de modo ético e justo? Nesta obra, baseada em uma alegoria africana, Celso Sisto acrescenta elementos contemporâneos à narrativa, provocando reflexões sobre responsabilidade, ética e sobre o que é essencial e supérfluo em nossas vidas. Formato: 24 x 18 cm - 32 páginas ISBN 978-85-617-3084-0 Eixos temáticos: partilha x ganância; solidariedade x egoísmo; liderança; responsabilidade; limites e ética; perdão; recursos naturais Interdisciplinaridade: língua portuguesa, história, geografia, artes, ciências, filosofia POR QUE LER Os mitos sempre nos ajudaram a entender dimensões profundas da existência humana, tanto pessoal quanto coletiva. No Brasil, vários mitos nos foram legados por povos africanos, em especial pelos iorubás, da atual Nigéria, conformando vasto panteão de deuses nas variantes da religião brasileira chamada de candomblé. Considerando que o nosso povo é marcado pelo hibridismo cultural, é fundamental que o professor trabalhe com os alunos questões ligadas à África. Segundo diz a lenda, o guerreiro Xapanã, em suas andanças e combates, acabou por chegar ao Daomé (atual Benin), nas terras dos mahis, onde foi denominado Sapatá. Como seu nome original era perigoso demais para ser pronunciado uma vez que ele era o senhor da peste e da varíola, preferiram chamá-lo Obaluaiê (ou Obaluaê), Rei da Terra, ou ainda Omulu, Filho do Senhor. De forma genérica, podemos considerar Sapatá um orixá (ou um vodum, na tradição do candomblé jeje) uma espécie de divindade. Além da riqueza advinda da literatura oral, este mito vai dar ao professor boas oportunidades de trabalhar temas e projetos com seus alunos, conforme exporemos adiante. Estrutura da obra A obra trabalha com uma estrutura de reconto, apresentando dois tempos: o primeiro, em que as duas crianças conversam e, posteriormente, se encontram com o contador de histórias; e um segundo tempo, que é o tempo da explicação da lenda propriamente dita, mesclada à narrativa de Jeguedé, com a participação das falas das duas crianças. Notas de rodapé também auxiliam no entendimento de diversas palavras. Os personagens são humanos e divinos. Esses últimos são: o Criador (o Pai supremo); Sapatá, príncipe filho do Criador; Sobô, uma das qualidades (variações) da orixá do candomblé ketu denominada Oiá (popularmente, Iansã); Ifá (que é tanto uma espécie de divindade quanto oráculo, jogo de adivinhação). Há ainda referências a Olorum (ou seja, o dono do Orun, o Céu, o Deus supremo).

Principais conceitos Religiosidade e liberdade de expressão religiosa Recursos naturais e meio ambiente Liberdade de ação, livre-arbítrio e responsabilidade Uso e efemeridade do poder Consequência das ações humanas Meio ambiente e preservação Hibridismo cultural (influências das culturas africanas no Brasil) ANTES DE LER O belo texto poderá ser mais bem aproveitado se o professor estimular os alunos a uma breve discussão sobre as influências africanas na cultura brasileira tanto na religião quanto em usos e costumes, culinária, vestimentas e vocabulário. Se perceber alguma resistência ou preconceito no bate-papo, o professor poderá trazer à discussão a liberdade de culto e de expressão religiosa, e também a tolerância para com as diferentes formas de se pensar e entender o mundo. Ainda se está por descobrir muito da riqueza que a África nos legou. Se temos por Portugal nosso pai ancestral, certamente o continente que nos confronta geograficamente é a nossa grande mãe. O professor pode incluir esta questão de referência paterna e materna os pais fundantes a Portugal e à África, e trazer para a classe a importância da diversidade cultural que existe entre nós a partir do somatório de vários elementos que vieram de outros lugares. No caso específico das culturas africanas, ele pode começar a aula oferecendo alguma comida típica aos alunos, projetando imagens ou mesmo um vídeo breve. Pode ainda listar palavras que usamos em nossa língua e que vieram de povos africanos. Se entrar especificamente na questão da religiosidade, valeria a pena o professor apresentar brevemente os principais orixás do panteão afro-brasileiro, CONECTE-SE Cinema Alguns filmes abordam a questão das religiosidades afro-brasileiras de forma central. Sugerimos, junto às indicações abaixo, a faixa etária para a qual deve ser apresentado cada filme. O pagador de promessas (Anselmo Duarte, 1962). Filme clássico do cinema nacional, inspirado em peça teatral de Dias Gomes. Trata de Zé do Burro, homem simples que se depara com a intransigência da Igreja ao tentar cumprir uma promessa feita em um terreiro de candomblé. A partir de 10 anos, mas, provavelmente, alunos mais velhos terão uma compreensão melhor. Pierre Verger, mensageiro entre dois mundos (Lula Buarque de Hollanda, 1998). Documentário sobre a vida e obra do fotógrafo e etnógrafo francês Pierre Verger, narrado e apresentado por Gilberto Gil. Verger estudou as relações e as influências culturais mútuas entre Brasil e o Golfo do Benin, na África. A partir de 12 anos. Jardim das folhas sagradas (Pola Ribeiro e Henrique Andrade, 2010). Bonfim, um negro casado com uma evangélica, recebe a incumbência de montar um terreiro de candomblé e enfrentará a especulação imobiliária numa cidade de crescimento vertiginoso, preconceito racial e intolerância religiosa. A partir de 14 anos. Há ainda um documentário, Candomblé Paz e Fraternidade, com pouco mais de 20 minutos sobre o candomblé e que serve como introdução ao universo das religiões afro-brasileiras. Está disponível no site: www.youtube.com/watch?v=6c3qpho5aw4. Indicado a partir de 10 anos. Literatura Alguns livros podem servir ao professor para pesquisa e cruzamento de informações. Dentre eles, mencionamos: BASTIDE, Roger. O candomblé da Bahia. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. BENISTE, José. Orun Aiye, o encontro de dois mundos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos orixás. São Paulo: Companhia das Letras. 2001. VERGER, Pierre Fatumbi. Lendas africanas dos orixás. Salvador: Corrupio, 1997. Além disso, sugerimos a coleção História Geral da África, disponível para download gratuito no site do Ministério da Educação. O link é: portal.mec.gov. br/index.php?itemid=872&id=16146&option=com_ content&view=article Conheça os outros livros da série Filosofia em contos : O coco que guardava a noite, de Eliane Potiguara e ilustrado por Suryara Bernardi reconto de uma alegoria indígena que aborda dualidades como responsabilidade x livre-arbítrio; revolta x obediência; e dia x noite. Uma luz na escuridão, de Glaucia Lewicki e ilustrado por Edu Cardoso reconto da Alegoria da caverna, de Platão, que estimula reflexões sobre a necessidade de se ir em busca da verdade e da sabedoria.

por exemplo, escolhendo uma ou outra tradição/nação (ketu, jeje, fon, angola). Isso dependerá do nível de maturidade da turma e dos objetivos da aula. DURANTE A LEITURA Apesar de o personagem principal do mito ser Sapatá, quem dá título ao livro e está presente na capa é sua irmã, Sobô, dona dos ventos e das tempestades. O professor fará a leitura do livro ou a deixará a cargo de alguns alunos que, entretanto, deverão fazer um ensaio prévio para a leitura correr fluida e clara. Um pode ser o narrador e outros assumirão as vozes dos personagens. Apesar de as notas de rodapé serem esclarecedoras, sugiro que elas sejam deixadas para depois de uma primeira leitura, evitando, assim, interrupções. Em nosso entendimento, a leitura coletiva de um livro é um ato simples, não precisa de muitos artifícios. Entretanto, seria poético se o professor escurecesse a sala e todos se assentassem em círculo, ao redor de algo que simulasse uma fogueira. Como ler as ilustrações As ilustrações de Rubem Filho remetem o leitor à esfera africana que o livro busca oferecer. Desde a capa, em que Sobô aparece com seus lindos e volumosos cabelos, sua aparência austera de guerreira, passando pelas molduras estilizadas das páginas com mais texto, tudo colabora para que o aluno penetre no universo desse mito. As ilustrações que retratam as crianças e o contador de histórias trazem a lembrança de cidadezinhas interioranas ou bairros mais afastados de grandes cidades. A presença da noite também provoca uma esfera de contação de história. O professor pode explorar com os alunos a possibilidade de aquelas casinhas fazerem parte de um antigo quilombo de uma comunidade negra. Em qual local do Brasil ela poderia se localizar? (Alguns dirão Bahia, por exemplo, mas o professor deve reforçar que temos comunidades quilombolas em muitos locais.) Na página 13, Sapatá conversa com seu pai, um Deus Todo-Poderoso, entronizado entre as nuvens. Talvez seja interessante o professor indagar aos alunos se aquela imagem lembra alguma representação de outra forma de expressão religiosa. (Por exemplo, o Deus supremo da tradição judaico-cristã.) Peça também para que eles descrevam aspectos que lhes tenham chamado atenção nas páginas 15, 16, 17 e 19. Nas páginas 21 e 25, peça que descrevam a irmã de Sapatá. Existe a possibilidade de se discutir diferenças e preferências étnicas e estéticas com a ajuda desta imagem. Por exemplo: os cabelos de Sobô são essenciais em sua caracterização. Eles a tornam uma figura forte, poderosa, austera. Mas não se parecem aos cabelos que em geral são apresentados na mídia como cabelos ideais. O professor pode indagar aos alunos se Sobô, uma mulher de personalidade forte e decidida, se deixaria levar pelos modismos ou imposições socialmente instituídas pelos meios de comunicação, em que o cabelo liso, nos dias de hoje, é a norma corrente. DEPOIS DE LER É hora de ler e debater as questões apresentadas pelo livro. Devido ao universo de possibilidades, estas questões serão divididas em três pilares: cultural, ambiental e filosófica. Cultural O professor, após a leitura, pode dar continuidade a alguma atividade que tenha utilizado previamente como mote ou como estímulo ao interesse dos alunos. Religiosidade alguém conhece alguma religião de influência africana? (Neste caso, as respostas mais esperadas seriam umbanda e candomblé. O professor deve se instrumentalizar para orientar uma discussão provavelmente delicada.) Saberiam dizer o que é importante nessas religiões? Quais são seus valores éticos? Como são feitos os cultos? Há festas? Alimentação alguém conhece alimentos que fazem parte de nossa dieta e que vieram da África? (Por exemplo, acarajé, vatapá, azeite de dendê, inhame, coco, banana, pimenta malagueta, café, quiabo etc.) Qual a importância e a presença desses alimentos entre nós? Vocabulário que palavras usamos no nosso dia a dia e que vieram de idiomas africanos? (Por exemplo, angu, batuque, cachimbo, marimbondo, moleque, quitute, senzala, pipoca, caçula, cafuné, orixá, bagunça, xingar, rapadura, moqueca, pamonha, samba etc.) Como essas palavras são usadas hoje? Com que frequência? Ambiental Diz a lenda que, como Sapatá e Sobô brigavam muito, o primeiro foi viver na Terra, onde muito prosperou, enquanto a segunda ficou no Céu, vivendo com

seu pai, o Criador. Porém, a chuva parou de cair e os homens reclamaram com Sapatá da imensa seca que se fez. Para aplacá-la, foi preciso enviar um pássaro ao Céu com presentes a Sobô. Essa, por sua vez, disse ao irmão que ele havia sido muito ganancioso tomando para si as riquezas do pai. E, por outro lado, ele havia sido ingênuo ao se esquecer de levar o fogo e a água para junto de si. A grande lição de Sobô para o irmão egoísta foi que, sem água e sem fogo, não se governa terra alguma, mesmo tendo muitos bens materiais. Sapatá, depois disso, esmoreceu e abriu mão de seus poderes que julgava tão plenos. Foi só por isso que a irmã, dona das tempestades, fez a chuva cair novamente. E Sapatá e Sobô se reconciliaram. O primeiro ainda é visitado pela irmã, que costuma aparecer na forma de relâmpago. Neste resumo da lenda, o professor pode apreender questões socioambientais de forma mais ampla. Primeiramente, ele pode conduzir uma discussão sobre a presença das intempéries e dos caprichos da natureza como condição comum na vida na Terra. Vários povos já passaram por secas, enchentes, desmoronamentos, avalanches, queimadas, tsunamis e terremotos, por exemplo, os quais se mostraram catástrofes que independeram de ações hostis contra a natureza. Por outro lado, existe a responsabilidade humana quanto à degradação e destruição dos ecossistemas: queimadas, desmatamentos, assoreamento de rios, construções de casas em áreas indevidas, poluição de formas variadas, animais e plantas levados à extinção são alguns exemplos de como o ser humano pode ser nocivo e destruidor. No caso específico da lenda, em qual das duas leituras se encaixa a seca que se abateu sobre a região da África governada por Sapatá? (Parece que, juntamente com uma seca vinculada ao clima local, o governador nada fazia para amenizar o sofrimento de seu povo. Provavelmente, ambos os aspectos estão presentes.) Outro item a ser pensado é a presença da água (alimentação, refrigério, agricultura, cura, vida...) e do fogo (a grande metáfora da tecnologia ), em uma união indissociável, ainda que paradoxal, pois são culturalmente opostos. Aqui residem dois símbolos civilizacionais: os povos, desde os mais antigos, preferiram habitar a margem de cursos de água, de onde tiravam água para matar a sede, cozinhar, cultivar alimentos e criar animais. Por outro lado, o fogo também foi essencial para o surgimento das civilizações. Com ele, não somente se obtinha calor para se proteger, aquecer, cozinhar alimentos, mas também afugentar feras, fazer rituais mágicos e iluminar a escuridão da noite. E era extremamente difícil se obter e conservar o fogo quando ainda não se conhecia técnicas para isso (como o choque entre determinadas pedras ou a fricção de um pedaço de pau sobre a casca de determinadas árvores). Muitas vezes, em noites de tempestade ( água ), os homens ficavam de olho nos raios que caíam e incendiavam certas partes das florestas. Iam lá buscar o fogo e tentavam preservá-lo na forma de brasas. Filosófica Na alegoria A dona do fogo e da água, encontramos como uma das questões centrais a necessidade de voltarmos nossa atenção para o que é essencial na existência humana. Pode-se discutir com os alunos o que é essencial para o exercício de uma vida plena e quais virtudes precisam ser estimuladas, desenvolvidas e valorizadas para a construção de uma sociedade mais pacífica e mais justa. (O professor pode fixar no quadro algumas palavras: ganância, prosperidade, bens materiais, partilha, solidariedade, ética e compaixão, por exemplo.) O professor deve se certificar de que seus alunos entenderam que Sapatá levou consigo muitos tesouros (bens materiais) para seu governo na África, mas se esqueceu de coisas essenciais (simbolizadas pelo fogo e pela água). Seu egoísmo trouxe o sofrimento coletivo. Este reconto estimula nossa reflexão sobre algumas atitudes do ser humano quando ele é movido pela liderança gananciosa, por exemplo. De que forma podemos ter e ser líderes éticos? Como é que se coloca isso em prática? (O livro possibilita entender que um líder se faz, se forma, em vez de nascer pronto. A liderança, para cada situação, será construída a partir das experiências cotidianas, do aprendizado, da correção dos erros. Quem lidera precisa desenvolver virtudes importantes como capacidade de diálogo, escuta atenta, criticidade, humildade, tolerância e amorosidade.) ASSUNTO PUXA ASSUNTO O professor pode usar a imaginação para criar projetos interessantes com os alunos a partir deste livro. Dentre eles, sugerimos: Música: levar referências, citações e diversas canções da MPB inspiradas diretamente nas alegorias dos orixás, escritas e interpretadas por nomes como Chico Buarque, Maria Bethania, Caetano Veloso, Vinicius de Morais, Toquinho, Marisa Monte, Clara Nunes, Maria Rita etc.

Literatura: as alegorias dos orixás estão presentes em diversas obras da literatura mundial, com destaque para as brasileiras e africanas. O professor pode mesmo cruzar e comparar este mito com outros e pedir que os alunos, em dupla, pesquisem lendas sobre orixás diferentes: Exu, Xangô, Iemanjá, Oxum, Oyá, Oxossi, Nanã, Obaluaiê, Oxalá, Obá etc. Culinária: a culinária de santo ou as comidas de santo (ou seja, dos orixás do candomblé) são muito ricas e populares. O professor pode buscar em sua cidade pessoas que saibam preparar alguns pratos típicos ou tentar preparar algum deles com sua turma. Religião: há terreiros ou roças de candomblé, populares em vários estados do Brasil, que estão abertos à visitação. Com a crescente mobilização pró-valorização das culturas afro-brasileiras, encontram-se, com relativa facilidade, pessoas de comunidades de candomblé dispostas a mostrar um pouco sobre o dia a dia da religião e a vivência dos ensinamentos que são deixados pelos orixás e seus mitos. Gestão e liderança: uma atividade produtiva seria transformar a classe toda em uma gestora de uma pequena cidade, feudo, reino, país. Isso seria feito por meio de maquetes. Cada grupo cuidaria de uma parte ou departamento da cidade. Por exemplo: haveria uma cúpula geral para dirigir os demais departamentos, que seriam voltados para alimentação e saúde, transportes, educação e cultura, moradia, emprego e bem-estar etc. Uma das laterais da classe pode se transformar em um balcão no qual será erigida, aos poucos, a maquete. Deverão existir casas, vias, locais com água, instituições de saúde, educação e lazer, templos, atividades de agricultura, criação de animais, áreas preserva- das... Os diferentes departamentos devem se reunir semanalmente para discutir as melhorias e problemas da administração. SOBRE O ESCRITOR Celso Sisto nasceu no Rio de Janeiro (RJ), mas vive no Rio Grande do Sul, num eterno vai e vem entre Porto Alegre e a praia de Cidreira, no litoral norte do estado. Estudou literatura, teatro e especializou-se em Literatura Infantil e Juvenil. É contador de histórias, arte-educador, ilustrador e tem mais de 50 livros publicados para crianças e jovens. Mais informações em: www.celsosisto.com. SOBRE O ILUSTRADOR Rubem Filho nasceu em Belo Horizonte. É ilustrador e artista gráfico, formado em Artes pela Escola Guignard, da Universidade do Estado de Minas Gerais. Especializou-se em gravura em metal e litografia e trabalha com literatura infantojuvenil desde 1996. Tem cerca de 80 livros publicados como ilustrador e projetista gráfico e dois como escritor. ELABORADO POR ADRIANO MESSIAS escritor de livros infantojuvenis, tradutor e adaptador, doutorando em Comunicação e Semiótica, mestre em Comunicação e Sociabilidade, graduado em Jornalismo e em Letras. Email: adrianoescritor@yahoo.com.br. Blog: www.adrianomessiasescritor.blogspot.com.br