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Transcrição:

Proc.º n.º C. Bm. 40/2011 SJC-CT Sumário: Registo de veículo automóvel com reserva de propriedade a favor do alienante. Partilha deste bem mediante recurso ao procedimento simplificado de partilha e registos previsto no Código do Registo Civil. Vertente informática. Consulentes: Conservatórias dos Registos Predial e Comercial de. e do Registo Civil de.. Relatório 1 O senhor conservador da Conservatória dos Registos Predial e Comercial de. pretende saber se no âmbito do balcão das heranças, divórcio e partilha (BHDP) é possível proceder à partilha de um veículo automóvel com reserva de propriedade e, em caso afirmativo, como proceder em termos de aplicação informática já que esta não permite o registo da transmissão do direito de propriedade a favor de outrem sem que a aludida reserva se encontre cancelada. 2 Também o senhor conservador da Conservatória do Registo Civil de. se interroga acerca da possibilidade de se proceder à partilha de veículo automóvel adquirido com recurso ao crédito e reserva de propriedade a favor da entidade financeira, considerando exequível fazer constar as prestações pagas como ativo e o valor ainda em dívida como passivo, dando como assente (e bem, acrescentamos já) que o próprio veículo não pode ser relacionado no elenco dos bens a partilhar uma vez que não integra o património comum do casal enquanto não se extinguir a reserva. 3 Por outro lado, reitera-se também nos autos que o sistema informático aplicável ao registo de automóveis não permite, realmente, que se efetue um novo registo de transmissão da propriedade sobre bem com registo de reserva de propriedade, sem que a cláusula seja antecipadamente cancelada. 4 Com vista à obtenção de resposta jurídica para as questões suscitadas pelas conservatórias supra mencionadas (inclusive no que concerne à aplicação 1

informática do registo de automóveis) foi proposta (e sancionada) na informação dos SJC a audição deste Conselho, pelo que cumpre emitir parecer. II Pronúncia O thema decidendum demanda uma análise prévia, ainda que perfunctória, da natureza ou estrutura jurídica da reserva da propriedade, que tão debatida tem sido na doutrina e na jurisprudência sem que sobre a mesma se atinja consensualidade absoluta. A A natureza ou estrutura jurídica da reserva de propriedade 1 Como decorre do prescrito no n.º 1 do artigo 408.º do Código Civil, a constituição ou transferência de direitos sobre coisa determinada ocorre, em regra, por mero efeito do contrato. A lei, contudo, traça logo no n.º 1 do artigo 409.º do citado Código uma exceção à referida regra, na medida em que concede ao alienante a possibilidade de reservar para si 1 a propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da contraparte ou até à verificação de determinado evento 2, afirmando-se a sua eficácia erga omnes 3. 1 Com respeito ao registo de reserva de propriedade a favor do exequente e respetivo cancelamento da cláusula, e, em especial, quanto à impossibilidade de outrem, que não o proprietário, reservar para si a propriedade do veículo, veja-se o acórdão uniformizador de jurisprudência proferido pelo STJ em 9 de outubro de 2008, publicado em 26 de novembro de 2008, no Diário da República n.º 230, I Série, págs. 8 485 e 8 504. Aí se salientou, para além do mais, que nem mesmo nos contratos de crédito ao consumo, a entidade financiadora pode reservar para si a propriedade do veículo adquirido pelo executado/comprador a um terceiro vendedor, já que nunca tendo tido a propriedade do bem em causa não se veria como pudesse reservá-la (reservar significa, pois, manter/guardar para si). Excecionam-se, obviamente, os casos em que o crédito ao consumo tenha sido concedido por quem mantenha simultaneamente a qualidade de proprietário da coisa e proceda à venda da mesma sob reserva. Neste sentido, cfr., ainda, o acórdão do TRL de 14 de dezembro de 2004, e o que dispõem, designadamente, os artigos 2.º e 12.º do Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de Setembro. 2 Consultar, sobre o ponto, LUÍS DE LIMA PINHEIRO, in A Cláusula de Reserva de Propriedade, 1988, pág. 78 e segs. 3 No entanto, como claramente decorre do prescrito no n.º 2 do artigo 409.º do Código Civil, essa eficácia absoluta depende do registo da cláusula de reserva da propriedade se a coisa objeto mediato do negócio se encontrar sujeita a registo. 2

Neste caso, a fonte convencional da não produção imediata da eficácia real dos negócios jurídicos situa-se na aludida cláusula de reserva de propriedade. A sua estipulação produz um estado de pendência que obstaculiza a existência de um direito de propriedade pleno na pessoa do adquirente (embora seja possuidor em nome próprio e não a título precário), mas este tem já um direito à aquisição plena que podemos designar por «expetativa jurídica» 4, integrada por um direito real de aquisição 5. 1.1 A maioria dos civilistas 6 considera a cláusula de reserva de propriedade (pactum reservati dominii) como uma condição suspensiva que subordina a produção dos efeitos do negócio jurídico a um acontecimento futuro e incerto 7, que será normalmente o cumprimento total ou parcial das obrigações por uma das partes em conformidade com os termos acordados entre os contratantes 8. A venda com reserva de propriedade é uma alienação com condição suspensiva. O efeito translativo suspende-se mas os demais efeitos do negócio produzem-se imediatamente. No caso de se reportar a bem móvel não sujeito a registo a eficácia absoluta da cláusula não depende de qualquer formalidade. Esta solução é, porém, criticada, designadamente por RUI PINTO DUARTE, in Curso de Direitos Reais, 2002, pág. 250, por dela poderem resultar frustradas legítimas expetativas de terceiros. 4 Fala-se em «expetativa jurídica» quando, para além de uma certa proteção, a lei concede ao seu titular um poder jurídico autónomo, posto à disposição da sua vontade, para proteção de interesses próprios, isto é, quando a situação se traduz na atribuição ao titular de um verdadeiro direito subjetivo cfr., em conformidade, ANA MARIA PERALTA, in A Posição Jurídica do Comprador na Compra e Venda com Reserva de Propriedade, 1990, pág.159. 5 Veja-se, a este propósito, o parecer proferido pelo Conselho no proc.º n.º R.P.56/2002 DSJ- CT, in BRN n.º 11/2002, II Caderno, págs. 14 e segs., bem como os autores e obras nele referidos (HEINRICH EWAL HÖRSTER e CARVALHO FERNANDES), e, ainda, PAULO RAMOS DE FARIA, in Revista Julgar, n.º 16, pág. 43. 6 Vd., entre outros, ANTUNES VARELA e PIRES DE LIMA, in Código Civil Anotado, Volume I, 2.ª edição, pág. 334. 7 Cfr., novamente, ANTUNES VARELA e PIRES DE LIMA, in ob. cit., pág. 271, e, ainda, ALMEIDA COSTA, in Obrigações, 4.ª edição, pág. 197, reafirmando também que, em face do disposto no n.º 1 do artigo 409.º do Código Civil, o negócio será celebrado, quanto à transferência da propriedade, sob condição suspensiva. 8 Veja-se GALVÃO TELLES, in Obrigações, 3.ª edição, pág. 61. 3

1.2 Ora, os efeitos essenciais da compra e venda consistem na transmissão da propriedade da coisa e na obrigação da sua entrega, por parte de vendedor, bem como na obrigação do pagamento do preço, por parte do comprador, como resulta do preceituado no artigo 879.º do Código Civil 9. Mas sabe-se, por seu turno, que a produção integral dos efeitos de alguns negócios jurídicos podem ser subordinados a um acontecimento futuro e incerto (condição suspensiva) ou à sua resolução (condição resolutiva), ao abrigo do disposto no artigo 270.º do Código Civil 10. Perfilhamos, assim, o entendimento que vai no sentido de que a cláusula de reserva de propriedade reveste a configuração de condição suspensiva já que condiciona a transmissão do direito de propriedade à verificação de um facto futuro e incerto o pagamento convencionado em contrapartida do bem por parte do comprador 11. 2 Em termos estruturais, a reserva em apreço assume a natureza próxima de um direito real de gozo, embora desempenhe uma função económica de garantia do cumprimento da obrigação de pagamento do preço ou da devolução da coisa caso o crédito não possa ser cobrado. Assim, tendo em consideração a estrutura própria da cláusula de reserva de propriedade, o vendedor, entrementes, continua a ser o titular do direito de propriedade da coisa objeto mediato do contrato, gozando o comprador de uma expetativa jurídica de aquisição do direito de propriedade sobre ela 12. 9 Cfr. ANTUNES VARELA e PIRES DE LIMA, in Código Civil Anotado, Volume II, 2.ª edição, pág. 152 e segs. 10 O negócio sob condição suspensiva não produz efeitos desde a sua realização, mas apenas a partir da verificação da condição; por seu turno, o negócio sob condição resolutiva produz imediatamente os seus efeitos, os quais cessam quando a condição se verifica cfr., adrede, MOTA PINTO, in Teoria Geral, pág. 307 e segs., e de JOÃO DE CASTRO MENDES, in Estudos, com publicação no BMJ n.º 263, pág. 43. 11 Na jurisprudência dominante também se considera que a reserva de propriedade consignada no contrato de compra e venda constitui condição suspensiva do mesmo contrato vd., entre outros, o acórdão do TRP, de 19 de Maio de 1981, publicado na CJ, 1981, III Tomo, pág. 127, além do supra mencionado acórdão do STJ, de 9 de outubro de 2008. 12 No que concerne à alienação da coisa na pendência da propriedade reservada pelo comprador, veja-se a doutrina firmada em sede de registo predial no já citado parecer proferido no proc.º n.º R.P. 56/2002 DSJ-CT, no qual se sustenta a sua possibilidade, embora a alienação seja ineficaz porque a coisa ainda não é do alienante. 4

2.1 Verificando-se o referido facto futuro transmite-se então o direito de propriedade sobre o objeto mediato do contrato para o comprador, independentemente de qualquer outra conduta das partes, retroagindo os seus efeitos à data da conclusão do contrato em conformidade com o prescrito nos artigos 276.º, 408.º, n.º 1, e 879.º, alínea a), todos do Código Civil. 2.2 Havendo resolução do contrato por incumprimento da obrigação de pagamento do preço, o comprador, ou terceiro a quem eventualmente tenha sido transmitido o seu direito, fica vinculado à obrigação de restituir a coisa, se a cláusula lhe for oponível. B O registo da reserva de propriedade 1 O direito de propriedade de veículo automóvel encontra-se sujeito a registo por força do prescrito no artigo 5.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro. De igual modo, também a reserva de propriedade do veículo automóvel estipulada nos contratos de alienação está sujeita a registo por força do disposto na alínea b) do n.º 1 do citado artigo 5.º, sendo efetuado mediante menção especial a inserir no extrato do registo de propriedade 13, em conformidade com o disposto no artigo 46.º do Decreto-Lei n.º 55/75, de 12 de Fevereiro, na versão introduzida pelo Decreto-Lei n.º 178-A/2005, de 28 de outubro 14. Os mencionados registos encontram-se submetidos ao regime de obrigatoriedade em face do estatuído no n.º 2 do citado artigo 5.º. Consequentemente, a oponibilidade da cláusula de reserva de propriedade em relação a terceiros, tratando-se de factos sujeitos a registo (coisas imóveis ou Em sentido contrário, pode consultar-se o parecer emitido no proc.º n.º 66/92 R.P.4, publicado no BRN n.º 6/2002, II Caderno, págs. 50 e segs. Relativamente à realienação da coisa reservada pelo vendedor veja-se, inter alia, ANA MARIA PERALTA, in ob. cit., págs. 112 e segs. 13 Como é sabido, também a convenção de reserva de propriedade estipulada em contrato de alienação, que está prevista na alínea a) do artigo 94.º do CRP, é publicitada nas tábuas pela sua inserção no extrato da inscrição de aquisição efetuada a favor do adquirente sob reserva. 14 Até então, isto é, no domínio do direito pregresso, a redação deste preceito consignava que a existência da reserva de propriedade estipulada em contratos de alienação constituía objeto de registo próprio (autónomo). Depreende-se da aludida alteração legislativa que, mesmo no âmbito de registo de veículos automóveis, deixou de se considerar a reserva de propriedade como um «encargo» vd., nesta conformidade, LUÍS LIMA PINHEIRO, in A Cláusula, pág. 104. 5

móveis sujeitas a registo, como as que temos aqui em tabela) depende da sua inserção no registo cfr., adrede, o que estatui os artigos 409.º, n.º 2, do Código Civil, e 5.º, n.º 1, do CRP, este aplicável subsidiariamente aos veículos automóveis ex vi do disposto no artigo 29.º do citado Decreto-Lei n.º 54/75. Deste último preceito flui que: «São aplicáveis, com as necessárias adaptações, ao registo de automóveis as disposições relativas ao registo predial, mas apenas na medida indispensável ao suprimento das lacunas de regulamentação própria e compatível com a natureza de veículos automóveis e das disposições contidas neste diploma e no respetivo regulamento». Do descrito derivam, em suma, duas presunções que cumpre, desde já, assinalar, tendo em conta que o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo o define cfr. o que dispõe o artigo 7.º do CRP aplicável subsidiariamente em sede de registo de automóveis. Da primeira decorre que o direito de propriedade pertence ao alienante, por força da cláusula de reserva de propriedade, nos precisos termos em que o registo o define. Resulta, por seu turno, da segunda que a expetativa jurídica de aquisição do bem existe e pertence ao titular inscrito como comprador, nos termos que se encontram definidos no registo correspondente. C A transmissão da expetativa jurídica de aquisição 1 Salientámos já que a doutrina maioritária considera que o comprador goza de uma expetativa jurídica de aquisição do direito de propriedade sobre a coisa objeto mediato do contrato. Ana Maria Peralta 15 considera a expetativa do comprador como «um direito real de aquisição automática, visto ser desnecessária qualquer manifestação de vontade do seu titular para que a propriedade seja adquirida». A expetativa jurídica do comprador, enquanto direito real de aquisição, é autónoma, porquanto a pretensão do vendedor ao pagamento do preço continua a dirigir-se contra o primeiro comprador, mesmo que este já a tenha transmitido. E, acrescenta a autora, «Esta solução permite tutelar o interesse do comprador em aproveitar-se imediatamente do valor patrimonial da expetativa e não lesa os interesses do vendedor. O terceiro adquirente encontra-se, por sua 15 In ob. cit., pág. 165. 6

vez, numa situação que é mais favorável do que a que resultaria da alienação pelo comprador do próprio bem. A alienação da expetativa é imediatamente eficaz, porque o comprador dispõe do que lhe pertence enquanto que a alienação da coisa é ineficaz porque esta não é ainda sua». Também Lima Pinheiro 16 sustenta que a transmissão do «direito de expetativa» e da posse não depende do consentimento do vendedor, porque não se trata de uma cessão contratual, mas da transmissão de um direito real, segundo as regras aplicáveis ao direito de propriedade. Por conseguinte, o comprador continua adstrito ao pagamento do preço e com o pagamento da última das prestações, o «direito de expetativa» ascende, ipso iure, a direito (de propriedade) pleno. Segundo estes ilustres autores, se o comprador tiver transmitido o seu direito, o direito de propriedade é adquirido pelo titular do «direito de expetativa», se o vendedor exercer o seu direito de resolução, o comprador ou terceiro a quem tenha transmitido o seu direito, se a cláusula lhe for oponível, encontra-se obrigado a restituir a coisa 17. 2 Parece-nos agora oportuno regressar à questão registral para salientar que, sendo embora certo que da literalidade da supra citada alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 54/75 [nem da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CRP, subsidiariamente aplicável] não se extrai que a expetativa jurídica de aquisição (direito real de aquisição) esteja sujeita a registo, não devemos ser redutores atendo-nos a uma interpretação meramente literal das aludidas normas. É por isso que temos por correta, na linha de orientação traçada pelo Conselho a propósito do registo da penhora da posição jurídica do locatário financeiro, a sustentabilidade do registo da transmissão da expetativa do direito (real) de aquisição (do direito de propriedade) que tem, in casu, idêntica razão de ser 18. 16 In ob. cit., págs. 58 e segs. 17 No que tange às primeiras construções dogmáticas da reserva da propriedade, em especial, quanto à possibilidade do alienante sob reserva alienar a sua posição, veja-se a breve resenha histórica feita por RUI PINTO DUARTE, in ob. cit., pág. 251 e 252. 18 Para mais desenvolvimentos, veja-se o parecer proferido no proc.º n.º R.P.141/2004 DSJ-CT, in BRN n.º 3/2005, II Caderno, págs. 6 e segs., do qual se extrai que a transmissão da posição jurídica do locatário em contrato de locação financeira encerra uma expetativa jurídica (real) de aquisição, que é penhorável nos termos do disposto no artigo 860.º-A do CPC. 7

Aliás, mal se compreenderia que a lei admitisse a penhora de expetativas de aquisição (cfr. o que estatui o artigo 860.º-A do CPC) e o seu registo [alínea m) do n.º 1 do artigo 101.º do CRP, e alínea h) do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 54/75] e vedasse o ingresso nas tábuas à transmissão da expetativa jurídica (real) de aquisição. Acresce, por outro lado, que devemos ainda ter em consideração que a segurança do comércio jurídico, que perpassa a trave mestra do edifício registral e se encontra consagrada no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 54/75, demanda que, tratando-se de um direito real de origem convencional, a oponibilidade a terceiros de factos determinantes das suas vicissitudes dependa de registo 19. Nesta conformidade, a norma elegível para dar cobertura ao registo do aludido facto não poderá deixar de ser, de igual modo, a alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º do aludido, alusiva ao direito de propriedade. 3 Em sede de registo automóvel a transmissão da expetativa jurídica do comprador reveste forçosamente a natureza de inscrição já que, por força do seu regime jurídico, não se admitem averbamentos, enquanto que no âmbito do registo predial tal transmissão ingressará nas tábuas mediante averbamento à inscrição de aquisição, com menção de reserva, a favor do comprador alienante. 3.1 Assente que a cláusula de reserva de propriedade se configura como condição suspensiva, logo que se verifique o evento de que depende a produção do efeito translativo da venda sob reserva de propriedade, haverá, pois, que atualizar o registo de aquisição com reserva de propriedade. Para o efeito, a nível de registo de automóveis, tal ocorrência revestirá a forma de nova inscrição atualizada, i.e., efetuar-se-á uma nova inscrição que apenas difere da anterior na medida em que suprime a menção da reserva em causa 20. D Partilha do veículo registado com reserva de propriedade Assim, atenta a inoponibilidade à execução dos atos de disposição, a referida posição jurídica não pode deixar de ser penhorável e registável, integrando-se na facti species das normas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea l) e 101.º, n.º 1, alínea m), ambos do CRP. 19 Veja-se, neste sentido, o parecer do C.T. emitido no proc.º n.º C.Bm.43/2007 SJC-CT, publicado em www.irn.mj.pt (Doutrina). 20 A nível de registo predial, tal facto revestirá a forma de averbamento de atualização que reflita a eliminação pura e simples da menção da reserva da propriedade. 8

Parece-nos que, após esta exegese, estaremos agora mais confortáveis para responder às difíceis questões suscitadas embora, que tenhamos conhecimento, nunca tenham sido monograficamente abordadas na perspetiva colocada nos autos, vale por dizer, do ponto de vista do registo de transmissão da coisa reservada na sequência de partilha hereditária 21 ou de partilha por divórcio 22. Urge, por isso, compaginar a realidade substantiva com a registral nos casos em que o comprador de um veículo automóvel registado com reserva de propriedade a favor do alienante 23 falece ou os cônjuges procedem à dissolução do seu casamento, promovendo os interessados a partilha do património hereditário ou do conjugal, consoante o caso. Vejamos, pois, em que termos tal se mostrará viável. 1 Como é sabido, a sucessão abre-se no momento da morte do seu autor, que desencadeia o chamamento dos herdeiros (e eventuais legatários) à titularidade das relações jurídicas do falecido, nos termos prescritos nos artigos 2031.º e segs. do Código Civil 24. Por força do prescrito no n.º 1 do artigo 2102.º do Código Civil, a partilha da herança pode ser feita por via extrajudicial, designadamente segundo o procedimento simplificado consagrado no artigo 210.º-A do Código do Registo Civil (no aludido Balcão das Heranças, Divórcio e Partilha), observados que sejam 21 Remete-se, no que concerne à natureza jurídica da partilha de herança, para o que dissemos no parecer emitido no proc.º n.º R.P. 222/2010 SJC-CT, disponível em www.irn.mj.pt (Doutrina), visto que não se justifica, na economia dos autos, o desenvolvimento de tal temática. 22 Como já salientámos na deliberação tomada no proc.º R.P. 175/2010 SJC-CT, in www.irn.mj.pt., «na partilha devem ser observadas três operações básicas e de acordo com a ordem cronológica seguinte: 1) a separação dos bens próprios como operação ideal preliminar; 2) a liquidação do património comum destinada a apurar o ativo comum líquido, através do cálculo das compensações e da contabilização das dívidas a terceiros e entre os cônjuges; e 3) a partilha propriamente dita». 23 Restringimos a abordagem do ponto a esta situação, atento que o acórdão uniformizador de jurisprudência atrás mencionado, considerou a reserva de propriedade a favor de outrem que não o proprietário, designadamente do mutuante, inadmissível. Apesar de não ter sido concretizada na consulta em apreço nos autos a qualidade em que o financiador procede à reserva, temos, porém, como seguro que o breve trecho transcrito do aludido aresto do Supremo na nota 1, responde com clareza à dúvida suscitada pelo senhor conservador de qualquer que seja o alcance que a mesma encerre. 24 Sobre estes preceitos, que regulam o complexo processo jurídico da sucessão no património do falecido, vejam-se as anotações de ANTUNES VARELA e PIRES DE LIMA, in Código Civil Anotado, Volume VI, 1998, págs. 27 e segs. 9

os requisitos constantes dos restantes preceitos do mesmo Código que ao caso respeitem. 1.1 Encontrando-se registado a favor do autor da herança um veículo automóvel com reserva de propriedade em benefício do alienante, ainda vigente, o que integra o acervo dos bens a partilhar será, em face das teses supra explanadas, a expetativa jurídica de aquisição do veículo, já que a coisa ainda não é propriedade do de cuius. Naturalmente que, nas operações básicas a efetuar para apurar o ativo e o passivo da herança, se há de ter em consideração tanto as prestações que já foram pagas como as prestações a pagar, tudo sendo devidamente ponderado na atribuição do valor dos bens integrantes da herança e na posterior adjudicação das quotas aos herdeiros (e/ou legatários) respetivos, sendo que a partilha tem natureza meramente declarativa. 2 Uma das formas de pôr termo ao casamento, vale por dizer, às relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges, é mediante a dissolução do casamento, que pode ter por base o divórcio, como decorre do disposto no artigo 1688.º do Código Civil. 2.1 Também nestes casos em que as relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges cessam por divórcio e exista a favor deles, como compradores, registo de veículo automóvel com reserva de propriedade que integre o seu património comum, o objeto de partilha será, por identidade de razão, a expetativa jurídica de aquisição do veículo, tendo sempre em consideração, nas diversas operações da partilha, designadamente na adjudicação, as prestações pagas e as prestações ainda por pagar, nos termos legais 25. 3 O que importa realçar, in casu, é que o veículo adquirido sob reserva não integra o acervo dos bens da herança, nem da comunhão conjugal, logo não pode ser partilhado, qua tale, mas apenas a expetativa jurídica de aquisição. Por conseguinte, se é indiscutível a admissibilidade da transmissão desta expetativa jurídica de aquisição por negócio inter vivos (ou no âmbito da ação 25 A aplicação informática acolhe o registo de transmissão da propriedade de veículo automóvel já registado a favor do ex-cônjuge a quem, na sequência de partilha por divórcio, seja adjudicado o bem, sendo que, na verdade, a alteração operada no direito de propriedade deve ser rigorosamente publicitada, tratando-se, para efeitos registais, de pessoa distinta. 10

executiva 26 ), como já referimos, não há como negar a possibilidade de transmissibilidade e registo dessa mesma expetativa seja por sucessão hereditária seja por partilha subsequente a divórcio, por maioria de razão na primeira situação e por identidade de razão na segunda 27. 4 As questões aqui em apreço foram colocadas na ótica do BHDP, mas afigura-se-nos que se poderá afirmar, sem margem para dúvidas, que a partilha efetuada neste Balcão não reveste qualquer especificidade substantiva relevante em relação à partilha dos mesmos bens noutra sede, elaborada por outras entidades competentes, sendo apenas de assinalar a diversidade dos prazos para a promoção dos subsequentes registos. 4.1 Na verdade, os procedimentos simplificados de sucessão hereditária, partilha e registos, bem como os da partilha do património conjugal, que se encontram regulamentados nos artigos 210.º-A e segs., e 272.º-A e 272.º-B, todos do Código do Registo Civil, respetivamente, culminam com a elaboração imediata do registo dos bens partilhados se os mesmos estiverem sujeitos a registo obrigatório [artigos 210.º-F, n.º 1, alínea f), e 272.º-C]. 4.2 Sendo as aludidas partilhas efetuadas pelas entidades referidas no artigo 8.º-B do Código do Registo Predial estas têm um prazo mais dilatado para a promoção do respetivo registo, em face dos termos fixados no artigo 8.º-C do mesmo Código e no artigo 42.º do Decreto n.º 55/75, de 12 de fevereiro. 5 Por fim, não podemos deixar de salientar que se o direito substantivo aceita determinadas soluções jurídicas não pode ser negado o seu acesso ao registo, por razões de índole processual, e menos ainda, por razões atinentes à aplicação informática, isto é, por o sistema não estar preparado para as acolher já que tal desvirtuaria (ou impediria) a concretização e o bom funcionamento do 26 A expetativa jurídica de aquisição é penhorável, como expressamente decorre do prescrito no artigo 860.º-A do CPC, e a penhorabilidade está intrinsecamente ligada com a possibilidade de alienação das coisas ou direitos, pois só são penhoráveis as coisas ou direitos que podem ser alienáveis, sendo aquela uma consequência natural desta cfr. o disposto nos artigos 821.º e segs. do citado Código, bem como LEBRE DE FREITAS, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º, págs. 461 e segs. 27 Cfr., no que concerne à interpretação das leis, BAPTISTA MACHADO, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 2008, págs. 175 e segs. 11

nosso sistema jurídico, antes se tem de procurar arquitetar as soluções que com ele melhor se conformem. Por conseguinte, quando tal se justifique ou se considere como oportuno, haverá que proceder à alteração da aplicação informática concebendo, verbi gratia, um campo aberto idêntico ao que foi criado para o SIRP, sob a epígrafe «Outros factos», de molde que se dê guarida a factos não especificados mas que devam ser submetidos a registo. 5.1 O sistema informático do registo de automóveis não contempla expressamente no elenco dos factos sujeitos a registo a expetativa jurídica de aquisição (do direito de propriedade). No entanto, e à semelhança do que acontece com a «penhora da expetativa de aquisição», cujo registo se integra no disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 54/75, culminando a mesma, a esmagadora maioria das vezes, com a «transmissão da expetativa de aquisição» (direito real de aquisição), também o registo desta, enquadrável no disposto na primeira parte da alínea a) do n.º 1 do citado artigo 5.º 28. De qualquer modo, caberá à equipa responsável pela aplicação informática encontrar uma solução que viabilize o registo do aludido facto. Em consonância com o que precede, a posição deste Conselho vai condensada nas seguintes Conclusões I Do registo de transmissão de veículo automóvel a favor do comprador com reserva de propriedade em benefício do vendedor resultam duas presunções a de que o direito de propriedade pertence ao alienante e a expetativa jurídica de aquisição do bem pertence ao comprador, nos termos do artigo 7.º do Código do Registo Predial aplicável in casu por força do prescrito no artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro. 28 Estranho será, na verdade, que tendo a aplicação informática décadas de vigência nunca a impossibilidade de efetuar o aludido registo (ou até mesmo o da transmissão da coisa sob reserva) tenha sido colocada ao IRN, I.P. 12

II Falecendo o titular inscrito como comprador de veículo automóvel na vigência da aludida reserva de propriedade, apenas a expetativa jurídica de aquisição integra os bens da herança pelo que só esta pode figurar como objeto mediato da partilha cfr. o disposto nos artigos 2031.º, 2101.º e 2119.º do Código Civil. III Se as relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges cessarem por divórcio e existir a favor de qualquer deles, como compradores, registo de veículo automóvel com reserva de propriedade que integre o seu património comum, o objeto de partilha será, de igual modo, a expetativa jurídica de aquisição. IV A segurança do comércio jurídico demanda que a transmissão da expetativa jurídica de aquisição de veículo automóvel seja registável, integrando-se tal facto na facti species da norma do artigo 5.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro. Parecer aprovado em sessão do Conselho Técnico de 19 de abril de 2012. Isabel Ferreira Quelhas Geraldes, relatora, Luís Manuel Nunes Martins, Ana Viriato Sommer Ribeiro, Maria de Lurdes Barata Pires de Mendes Serrano, Laura Maria Martins Vaz Ramires Vieira da Silva, Maria Filomena Fialho Rocha Pereira, António José dos Santos Mendes, José Firmino Fernandes Lareiro, José Ascenso Nunes da Maia. Este parecer foi homologado pelo Exmo. Senhor Presidente em 24.04.2012. 13