A INFÂNCIA EM SEU UNIVERSO SINGULAR: PROTAGONISMO E REFLEXIVIDADE



Documentos relacionados
O REGISTRO COMO INSTÂNCIA DE FORMAÇÃO DO PROFESSOR

ÁLBUM DE FOTOGRAFIA: A PRÁTICA DO LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL 59. Elaine Leal Fernandes elfleal@ig.com.br. Apresentação

O professor que ensina matemática no 5º ano do Ensino Fundamental e a organização do ensino

ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NUMA ESCOLA DO CAMPO

CIRCUITO DAS BRINCADEIRAS: O CURRÍCULO EM MOVIMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

OS SENTIDOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NA CONTEMPORANEIDADE Amanda Sampaio França

ITINERÁRIOS DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA: O ESTÁGIO SUPERVISIONADO E A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA

UnP. fazendo e compartilhando a gente aprende mais

Projetos Interdisciplinares Por quê? Quando? Como?

O ENSINO DA DANÇA E DO RITMO NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA: UM RELATO DE EXPERIENCIA NA REDE ESTADUAL

A LUDICIDADE NO CONTEXTO ESCOLAR

A PRÁTICA PEDAGÓGICA DO PROFESSOR DE PEDAGOGIA DA FESURV - UNIVERSIDADE DE RIO VERDE

O PROCESSO DE INCLUSÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL: UM ESTUDO DE METODOLOGIAS FACILITADORAS PARA O PROCESSO DE ENSINO DE QUÍMICA

A QUESTÃO ÉTNICO-RACIAL NA ESCOLA: REFLEXÕES A PARTIR DA LEITURA DOCENTE

Profa. Ma. Adriana Rosa

A CRIANÇA DE SEIS ANOS NO ENSINO FUNDAMENTAL

A escola para todos: uma reflexão necessária

INTERPRETANDO A GEOMETRIA DE RODAS DE UM CARRO: UMA EXPERIÊNCIA COM MODELAGEM MATEMÁTICA

SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS ÀS AÇÕES DE FORMAÇÃO CONTINUADA DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DO RECIFE/PE

AS CONTRIBUIÇÕES DAS VÍDEO AULAS NA FORMAÇÃO DO EDUCANDO.

Necessidade e construção de uma Base Nacional Comum

MONITORIA: EXPERIENCIA DA PESQUISA EM SALA DE AULA NO CURSO DE LICENCIATURA EM PEDAGOGIA. Resumo

Organização Curricular e o ensino do currículo: um processo consensuado

EDUCAÇÃO INFANTIL E LEGISLAÇÃO: UM CONVITE AO DIÁLOGO

FACULDADES INTEGRADAS SIMONSEN INTERVENÇÃO EDUCATIVA INSTITUCIONAL PROJETO PSICOPEDAGÓGICO

Novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil

O COORDENADOR PEDAGÓGICO COMO FORMADOR: TRÊS ASPECTOS PARA CONSIDERAR

1. Introdução. Palavras Chaves: Observação do Espaço Escolar. Cotidiano. Processo formativo.

CRIANÇAS NA UNIVERSIDADE: EXPERIÊNCIA DO CURSO DE INGLÊS DO PROJETO MENINAS DA VILA

AS CONTRIBUIÇÕES DO CURRÍCULO E DE MATERIAS MANIPULATIVOS NA FORMAÇÃO CONTINUADA EM MATEMÁTICA DE PROFESSORES DOS ANOS INICIAS DO ENSINO FUNDAMENTAL

REPRESENTAÇÕES DE AFETIVIDADE DOS PROFESSORES NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Deise Vera Ritter 1 ; Sônia Fernandes 2

Disciplina: Alfabetização

A aula de leitura através do olhar do futuro professor de língua portuguesa

Relato de experiência sobre uma formação continuada para nutricionistas da Rede Estadual de Ensino de Pernambuco

I SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS E AÇÕES AFIRMATIVAS Universidade Federal de Santa Maria Observatório de Ações Afirmativas 20 a 21 de outubro de 2015

EMENTAS DAS DISCIPLINAS OFERECIDAS NO CURSO DE PEDAGOGIA Catálogo 2012

CONSTITUINDO REFERENCIAIS TEÓRICO-METODOLÓGICOS: CONTRIBUIÇÕES DO PIBID PARA O TRABALHO COM ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

Pedagogia Estácio FAMAP

FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES 1

AS RELAÇÕES DO ESTUDANTE COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E SUAS IMPLICAÇÕES NO ENSINO REGULAR INCLUSIVO

CAIXA MÁGICA. Sala 6 Língua Portuguesa EF I. E.E. Heidi Alves Lazzarini. Professora Apresentadora: Renata Lujan dos Santos Mufalo.

CURIOSOS E PESQUISADORES: POSSIBILIDADES NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA

VII E P A E M Encontro Paraense de Educação Matemática Cultura e Educação Matemática na Amazônia

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA À DISTÂNCIA SILVA, Diva Souza UNIVALE GT-19: Educação Matemática

CASTILHO, Grazielle (Acadêmica); Curso de graduação da Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Goiás (FEF/UFG).

ENSINO DE PROGRAMAÇÃO NO ENSINO FUNDAMENTAL

ORIENTAÇÃO PEDAGÓGICA N. 15/2014 TÓPICO DE ESTUDO: PLANO DE TRABALHO/PLANO DE AÇÃO OS SENTIDOS E AS RAZÕES! 1 INICIANDO...

Da sala de aula à sala de ensaio: uma proposta para a formação do professor de teatro

PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: COMPROMISSOS E DESAFIOS

A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR PARA AS CRIANÇAS COM O TRANSTORNO

FACULDADE DE CALDAS NOVAS UNICALDAS SANDRA REGINA SILVA MARTINS NÚCLEO DE ATENDIMENTO PSICOPEDAGÓGICO CALDAS NOVAS 2013

ISSN PROJETO LUDICIDADE NA ESCOLA DA INFÂNCIA

DICA PEDAGÓGICA EDUCAÇÃO INFANTIL

O AMBIENTE MOTIVADOR E A UTILIZAÇÃO DE JOGOS COMO RECURSO PEDAGÓGICO PARA O ENSINO DE MATEMÁTICA

O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO E TECNOLOGIA ASSISTIVA: FORMAÇÃO DO PROFESSOR

AS PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO E A CONSTRUÇÃO DA LEITURA E DA ESCRITA PELA CRIANÇA

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS TEMPO FORMATIVO JUVENIL

TÍTULO: Entendendo a divisão celular. NÍVEL DA TURMA: 1º ano do ensino médio. DURAÇÃO: 1h e 80 minutos (3 aulas)

A INCLUSÃO DE ALUNOS COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

SUPERVISOR DARLAN B. OLIVEIRA

IMPLANTANDO OS DEZ PASSOS DA ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL NA EDUCAÇÃO INFANTIL RELATO DE UMA EXPERIENCIA

Programa de Pós-Graduação em Educação

O LÚDICO COMO INSTRUMENTO TRANSFORMADOR NO ENSINO DE CIÊNCIAS PARA OS ALUNOS DA EDUCAÇÃO BÁSICA.

A PRODUÇÃO DE VÍDEOS COMO RECURSO METODOLÓGICO INTERDISCIPLINAR

LEITURA E ESCRITA NO ENSINO FUNDAMENTAL: UMA PROPOSTA DE APRENDIZAGEM COM LUDICIDADE

O PSICÓLOGO (A) E A INSTITUIÇÃO ESCOLAR ¹ RESUMO

Faculdade Sagrada Família

PROJETO DO LIVRO BRINQUEDO: SOMOS O MEIO AMBIENTE

SABERES BIOGRÁFICOS E SABERES DOCENTES: A DIMENSÃO HEURÍSTICA E AUTOPOIÉTICA NAS NARRATIVAS DE PROFESSORAS ALFABETIZADORAS

QUADRO DE EQUIVALENTES, CONTIDAS E SUBSTITUTAS DA FACULDADE DE EDUCAÇÃO

ÁGORA, Porto Alegre, Ano 4, Dez ISSN EDUCAR-SE PARA O TRÂNSITO: UMA QUESTÃO DE RESPEITO À VIDA

PEDAGOGIA EM AÇÃO: O USO DE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS COMO ELEMENTO INDISPENSÁVEL PARA A TRANSFORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA AMBIENTAL

JOGOS ELETRÔNICOS CONTRIBUINDO NO ENSINO APRENDIZAGEM DE CONCEITOS MATEMÁTICOS NAS SÉRIES INICIAIS

UMA PROPOSTA DE LETRAMENTO COM FOCO NA MODALIDADE ORAL DE LINGUAGEM EM SUJEITOS COM SÍNDROME DE DOWN

O ESTÁGIO SUPERVISIONADO COMO ESPAÇO DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DOCENTE DE LICENCIANDOS EM MATEMÁTICA

RELEVÂNCIA DA LITERATURA INFANTIL NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO Universidade Federal de Alfenas. UNIFAL-MG 1º SEMESTRE 2º SEMESTRE 3º SEMESTRE 4º SEMESTRE 5º SEMESTRE

Palavras-chave: Creche. Gestão democrática. Projeto Político-Pedagógico.

O mundo lá fora oficinas de sensibilização para línguas estrangeiras

ESPAÇO INCLUSIVO Coordenação Geral Profa. Dra. Roberta Puccetti Coordenação Do Projeto Profa. Espa. Susy Mary Vieira Ferraz RESUMO

FACULDADE ASTORGA FAAST REGULAMENTO ESTÁGIOS SUPERVISIONADOS LICENCIATURA EM PEDAGOGIA

TENDÊNCIAS RECENTES DOS ESTUDOS E DAS PRÁTICAS CURRICULARES

UM ESTUDO DAS POSSIBILIDADES DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA ESCOLAR DE JOVENS E ADULTOS NA PERSPECTIVA DO NUMERAMENTO

UNIDADE III Análise Teórico-Prática: Projeto-intervenção

EMENTAS DAS DISCIPLINAS

INCLUSÃO ESCOLAR: UTOPIA OU REALIDADE? UMA CONTRIBUIÇÃO PARA A APRENDIZAGEM

RELATO DE EXPERIÊNCIA DA PRÁTICA DE LEITURA SIMULTÂNEA: FORMANDO COMPORTAMENTO LEITOR

DICA PEDAGÓGICA EDUCAÇÃO INFANTIL

A EDUCAÇÃO PARA A EMANCIPAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE: UM DIÁLOGO NAS VOZES DE ADORNO, KANT E MÉSZÁROS

compreensão ampla do texto, o que se faz necessário para o desenvolvimento das habilidades para as quais essa prática apresentou poder explicativo.

PEDAGOGIA ENADE 2005 PADRÃO DE RESPOSTAS - QUESTÕES DISCURSIVAS COMPONENTE ESPECÍFICO

ERRADICAR O ANALFABETISMO FUNCIONAL PARA ACABAR COM A EXTREMA POBREZA E A FOME.

VIOLÊNCIA NO ESPAÇO ESCOLAR: UMA ANÁLISE A PARTIR DA ESCOLA CAMPO

Folclore Brasileiro: Uma possibilidade de se ensinar o conceito de número na Educação Infantil em um espaço não-formal de aprendizagem.

Aula RELAÇÕES DE DISCIPLINARIDADE. TEMAS TRANSVERSAIS. CONTEXTUALIZAÇÃO NO ENSINO DE MATEMÁTICA

ACESSIBILIDADE E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: EXPERIÊNCIA COM UM ALUNO CEGO DO CURSO DE GEOGRAFIA, A DISTÂNCIA

DESAFIOS DA INCLUSÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL EM PARINTINS-AM.

UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL CURSO DE GRADUAÇAO EM PEDAGOGIA LICENCIAMENTO EAD

QUALIFICAÇÃO DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NAS REDES PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO BÁSICA DA REGIÃO SUL DO RIO GRANDE DO SUL: REINVENTANDO O PODER ESCOLAR

COLÉGIO MATER CONSOLATRIX PROJETO DE INTERVENÇÃO DE PSICOLOGIA

Transcrição:

A INFÂNCIA EM SEU UNIVERSO SINGULAR: PROTAGONISMO E REFLEXIVIDADE Gianine Maria Pierro (1); Maria da Conceição Passeggi (2) (Pós Doutoranda PPGED/GRIFARS/UFRN FFP/UERJ gianine@oi.com.br) (Profª Titular PPGED/GRIFARS/UFRN mariapasseggi@gmail.com) RESUMO Esta comunicação se volta para as questões do protagonismo infantil, destacando o olhar e reflexões sobre a escola contadas por alunos de escolas de periferia na rede pública de ensino na cidade de São Gonçalo, no Rio de Janeiro. Nossa intenção é dar visibilidade à infância através de suas vozes, destacando a reflexividade da criança para pensar o mundo, o papel da escola e a produção do conhecimento. Para tanto dialogamos com o pensamento de Bruner, Josso, Passeggi, Pino. A metodologia referida na pesquisa autobiográfica utiliza as rodas de conversa, propostas por Passeggi (2011), das quais participam de 5 a 6 alunos com idade entre 6 e 10 anos, em escola pública de Ensino Fundamental. Nesses encontros são contadas histórias utilizando livros ou vídeos de historias infantis. Nas rodas de conversa as crianças narram, desenham, refletem e apresentam proposições através da produção de histórias ou vídeos, considerando suas experiências nas instituições educacionais reais onde frequentam e estudam, reconhecendo suas formas específicas de ver e representar o mundo, assumindo o lugar de novas gerações de atores sociais, posição política e ética com a qual nos identificamos. Os resultados que vamos encontrando nesta investigação reafirmam a dimensão antropológica e social, a diversidade e a pessoalidade da infância, como também das infâncias, rompendo com a naturalização de que só os adultos pensam e refletem sobre infância e educação, desafio sobre o qual nos debruçamos nesta pesquisa. Palavras-chave: Pesquisa autobiográfica; Protagonismo infantil; Reflexividade; Rodas de conversa.

INTRODUÇÃO Um homem nunca é um individuo; seria melhor chamá-lo um universo singular Franco Ferrarotti Nesse texto pretendemos cruzar caminhos e olhares sobre os estudos da infância, à luz das ciências humanas, contribuindo para o campo da educação e seu manancial teórico através dos estudos sobre as pesquisas autobiográficas, suas concepções, dimensões e metodologias. Pensando a Educação como processo e prática significativos nas relações sociais, a problemática que se coloca pretende, com a criança e seus olhares dignos de interesse, tornar visível o lugar de sujeito e de mediador nos processo de aprender, nas reflexões sobre a cultura e a escola e assim levantar algumas bandeiras com as quais estamos na luta pela educação: protagonismo infantil, mediações e subjetividade. Esta perspectiva vem sendo incorporada pelas pesquisas do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa, Formação, AutoBiografia e Representações - GRIPHAR, na UFRN, cadastrado no CNPq, e investigada no projeto Era uma vez um lugar de aprender: olhares, experiências e imaginário de crianças lançados para a escola, que apresenta como justificativa socializar e produzir, junto com alunos e professores do Ensino Fundamental, qualidade ao processo de ensino-aprendizagem, tendo no protagonismo infantil ponto de referência, potencializando interrogações e transformações. Os estudos sobre a pesquisa autobiográfica fundam concepções, dimensões e metodologias e seu aporte assume tanto a perspectiva interdisciplinar como transdisciplinar. A opção em investigar a infância através deste tipo de pesquisa se justificativa porque socializa e produz, junto a professores e alunos, qualidade no processo de ensino-aprendizagem, oferecendo oportunidades de tomada de consciência, potencializando aberturas, interrogações e transformações. Desejamos assim compreender a inserção da criança no mundo da escola, numa perspectiva dialógica entre o estatuto de criança e de aluno, contribuindo para a reflexão sobre cultura escolar

e a cultura da infância focalizando aproximações, conflitos ou distanciamentos, a partir das narrativas sobre o que dizem as crianças sobre a escola. Especificamente nesta comunicação apresentamos as bases conceituais que sustentam esse caminho e o protocolo dessa investigação, com algumas inferências preliminares que foram observadas e vividas na pesquisa, uma vez que os dados estão em fase de análise. A mirada sobre a infância A infância tem sido alvo de atenção e construção de aporte teórico nos diferentes campos do conhecimento. O olhar e a voz da criança, como objeto e elementos de pesquisa, podem compor fontes para colorir ou ilustrar o que se estuda e conhece sobre a infância. Ao rompermos com a naturalização de que só os adultos pensam e refletem sobre a infância e a educação, descortina-se o desafio sobre o qual objetivamos nossa pesquisa: dar visibilidade às vozes da criança através de narrativas sobre suas experiências nas instituições educacionais reais onde frequentam e estudam, reconhecendo suas formas específicas de ver e representar o mundo, assumindo o lugar de novas gerações de atores sociais. No campo da pesquisa com crianças podemos nos surpreender e perceber que estamos longe de atender às demandas da sociedade atual. Para pensar na melhoria da educação básica no Brasil e avançar na perspectiva das políticas educacionais, é necessário dar visibilidade às vozes das novas gerações de atores sociais que ingressam na escola, possibilitando que falem de suas vivencias sobre as instituições educacionais reais que frequentam. Embora alguns autores venham trabalhando na compreensão da criança como sujeito Corsaro (2009), Cruz, (2008) e Sarmento (2005), é possível aprofundar esta compreensão ao nos aproximarmos dos trabalhos de Pino (2005) sobre o caráter cultural do psiquismo humano, estudos embasados na origem social das funções mentais superiores ou culturais desenvolvidos por Vygotski (1998).

A experiência cultural da espécie humana, no entendimento de Pino (2005) é uma condição única e fundante que beneficia a experiência cultural da espécie humana para devir um ser humano1 (PINO, 2005, p.46). Este autor considera que através da aquisição dos mecanismos da cultura o ser humano vive um segundo nascimento, uma vez que o nascimento biológico não garante, por si, só a condição humana, sendo necessário passar do estado de natureza para o estado de cultura. A relação entre a criança e o mundo se firma ao construir significações, com e através da presença do Outro, mediador entre a criança e o universo cultural (PINO, 2005). No entanto entende-se que a criança, neste processo, não será um agente passivo já que ela participa ativamente, de maneira e em graus diferentes, em função do seu próprio amadurecimento biológico e das suas características pessoais, seus desejos e emoções recriando no plano pessoal, os sistemas simbólicos, como condição do seu acesso à cultura. A mediação necessária do Outro (adulto; professor; colega) não impede que seja ela sujeito do processo de internalização das funções culturais, por isso no âmbito da escola nos questionamos sobre o sentido das aprendizagens para a criança, e assim é que nos perguntamos: como a cultura é construída na escola? O que a criança fala de suas experiências de aprendizagem? Bruner (2001) escreve a respeito da constituição social da mente e chama atenção para o papel da escola na promoção da atividade compartilhada, da reflexão, do diálogo e da negociação no contexto educacional. Essas atividades, segundo o autor, se apresentam como formas de equipar a mente com habilidades voltadas à compreensão, à percepção e à ação crítica no mundo social e cultural. Para Bruner (2001) a partir dos elementos da cultura, a criança narra para si mesmo e para o outro o que lhe acontece. (p. 90) Assim ao construir suas narrativas, ela situa ou contrasta seus relatos dentro de um amplo modelo cultural, organizando sua experiência, contando uma história que faça sentido para ela, conferindo significado aos acontecimentos e não necessariamente, para resolver seus dramas. Ao tomar como instrumento de pesquisa as narrativas de crianças da pré-escola e da escola, uma das linhas de pesquisa que desenvolvemos no grupo de pesquisa

GRIPHAR, cuida-se, com rigor, da interpretação do que dizem as crianças para dar sentido ao que aprendem e ao que vivem na escola, servindo-se da noção de reflexividade para questionar as práticas de investigação e os processos de produção de conhecimento sobre a infância. Bruner (2001) levanta detalhadamente, alguns preceitos, mutuamente relacionados, que enfatizam os poderes da consciência, da atividade de reflexão, da amplitude de diálogo e da negociação no contexto educacional e que falam da necessidade de equipar as mentes com habilidades para compreender, sentir e agir no mundo cultural. (BRUNER, 2001, p. 46). Assim o recurso das narrativas se apresenta como um instrumento privilegiado onde a percepção da criança sobre a cultura escolar indica possibilidades, caminhos e melhoria do sistema educacional na Educação Infantil e no Ensino Fundamental. A voz das crianças não deve ser encoberta pelas interpretações e generalizações do adulto, ao contrário desejamos a interlocução como metodologia no trato de dados e informações e de legitimação da criança como ser capaz de refletir sobre suas experiências ao narrar suas vivências, porque enraizadas em suas realidades e na diversidade cultural do país. A mirada da infância nas rodas de conversa Na convivência com a escola pública onde realizamos esta pesquisa, situada no município de São Gonçalo do Amarante, no Estado do Rio de Janeiro, percebemos um ambiente dinâmico onde alunos, professores e funcionários interagem na busca de reinventar um processo de aprendizagem de qualidade, mas que necessita de investimento nas condições físicas e de pessoal, dada a dura realidade que enfrentam as escolas que atendem populações carentes. Nesta escola, com um total de 64 professores trabalhando além daqueles que compõe a equipe de gestão escolar, estão matriculados 911 alunos que estudam da Educação Infantil ao Ensino Fundamental, distribuídos em 32 turmas, sendo 03 turmas de Educação infantil e as outras 29 turmas são freqüentadas por alunos de Ensino Fundamental, do 1º ao 9º ano. Os alunos da escola, se olhados nas suas atitudes cotidianas, são alegres, brincam, correm pelos corredores e rampas, freqüentam suas

salas de aula, carregam e deixam cair mochilas e objetos pessoais, organizam-se em grupos, conversam bastante entre eles, se relacionam com os adultos da escola, dominam os espaços do prédio no dia a dia das relações e rotinas que vivem na escola. Estamos participando com muita freqüência das atividades e da dinâmica da sala de aula construindo vinculo com crianças e professoras. Nesta escola temos três turmas de cada ano escolar com 25 a 30 crianças na lista de presença, porém a freqüência dos alunos varia bastante. Como metodologia realizamos as Rodas de conversas (Passeggi et alli 2014) com contação de histórias explorando o universo imaginal e da sensibilidade onde a memória e a narrativa se encontram. As rodas são fotografadas e gravadas em vídeos. As histórias no formato de vídeos ou filmes 1 de pequena duração, foram selecionadas considerando o interesse e a faixa etária / ano escolar, seja para alunos das turmas de 1º ano (crianças entre 6 e 7 anos) ou para os alunos do 2º ano (crianças com idade que variam de 8 a 10 anos) Depois da apreciação do vídeo são propostas às crianças que desenhem sua escola para contar, ao personagem da história, como sua escola é, o que fazem e vivem ali. Enquanto desenham as crianças conversam sobre diversos assuntos: a história que assistiram; a sua sala de aula; sobre a interação com os objetos plásticos (lápis de cor; hidrocor; papel ofício); sobre características dos colegas; sobre seus desenhos e sobre as atividades na escola. Como protocolo de pesquisa as crianças, em horário escolar, atendendo à dinâmica do professor para tarefas de grupo, são dividas em grupos variam de 5 a 6 crianças de cada vez. Assim todas as crianças da turma têm participado das rodas de conversa. Este processo está organizado em etapas sequenciais: inicialmente passamos o vídeo, depois enquanto conversam as crianças desenham como é sua escola. Num segundo momento escaneamos seus desenhos e apresentamos para elas, bum segundo 1 Vídeos: Onda, de Susy Lee. Ed Cosac Naif. 2008 para as turmas do 1º ano A menina que odiava livros de Manjusha Pawagi e Jeanne Franson para as turmas de 2º ano www.youtube.com/watch?v=geql2czxr7q

momento da rodas de conversa, seus desenhos em forma de video, a fim de que analisem e reflitam sobre o que e como seus desenhos apresentam a escola. De acordo com Passeggi et al (2014, p 10) pela reflexividade autobiográfica, a criança dota-se da possibilidade de se desdobrar como espectador e como personagem do espetáculo narrado; como pensador e como objeto pensado; enfim, como objeto de reflexão e como ser reflexivo. Esta afirmação nos impulsiona na busca por novas questões epistemológicas, éticas e de métodos na direção do que hoje compreendemos por pesquisa com crianças, numa relação dialógica entre o ser e a representação de si. As representações através das narrativas e dos desenhos têm como intenção capturar e compreender as experiências que fazem com que crianças se apropriem e se façam sujeitos na escola, como forma de biografização. Do ponto de vista teórico e epistemológico, DeloryMomberger (2012), admite como princípio que o humano apreende e vive cada instante de sua vida como o momento de uma história: história de um instante, história de uma hora, de um dia, de uma vida. (p. 525) Tomar as narrativas como objeto de reflexão é acreditar que, no âmbito da educação, elas compõem um método de construção do conhecimento que fundamentam a reflexão. Essa noção transfere-se para a concepção da educação como construção e reconstrução de histórias pessoais e sociais, transversalizando e revelando cenas comuns e experienciais do cotidiano escolar afirmando a singularidade dos processos de aprendizagem e formação. Nessa etapa de transcrição das fitas e das gravações que foram realizadas nas rodas de conversa, diante da qual nos deparamos neste momento, para a análise desses achados usaremos como eixos duas temáticas: `Era uma vez um lugar de aprender...` e `Onde tem escola tem criança?`

CONCLUSÃO No mundo ocidental a escola tem um importante lugar já que lhe é atribuída grande parte da responsabilidade pela educação de crianças e jovens e pela transmissão de conhecimento, produzindo significados e contextos, no amplo sentido de cultura. No processo de inserção da criança no mundo da escola, a socialização e a subjetivação, são duas faces indissociáveis e que nos trazem perguntas, conflitos e contradições sobre a cultura escolar e a sua missão, quanto às políticas educacionais, a cidadania, as perspectivas conteudísticas da escola e as perspectiva da criança. Por isso nos aproximamos da escola vivida/construída/pensada por crianças. Uma escola onde brotam demandas sugerindo que mesmo diante de tantos desencontros e desafios ainda seja possível produzir, encontrar energia para ressignificar a escola e a aprendizagem confirmando que o diálogo com as novas gerações é uma escolha política e ética, ainda que a atualidade esteja impregnada por uma percepção da infância construída em torno do que a criança poderá ser, o seu devir. Outra perspectiva que está sendo reafirmada nesta investigação é a dimensão antropológica e social, a diversidade e a pessoalidade da infância, como também das infâncias, ao romper com a naturalização de que só os adultos pensam e refletem sobre infância e educação. Na abertura deste texto trouxemos o pensamento de Ferrarotti (2014) com o qual compartilhamos e ampliamos nossa visão da infância: consideramos cada criança um universo singular e com ela pretendemos revisitar a escola e suas aprendizagens na arena onde se encontram a prática singularizante do homem e o empenho universalizante de um sistema social.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRUNER, Jerome. A cultura da educação. Porto Alegre. Ed. Artmed. 2001. CORSARO, William A. Métodos etnográficos no estudo da cultura de pares e das transições iniciais na vida das crianças. In: MÜLLER, Fernanda (org.). Teoria e prática na pesquisa com crianças: diálogos com W. Corsaro. São Paulo: Cortez, 2009, p. 83 CRUZ, Silvia Helena Vieira (org). A criança fala: a escuta de crianças em pesquisas. São Paulo: Cortez, 2008. DELORY-MOMBGERGER, C. Abordagens metodológicas na pesquisa biográfica. Revista Brasileira de Educação. v. 17, n. 51, p. 523-536, set./dez. 2012 FERRAROTTI, Franco. História e histórias de vida o método biográfico nas ciências sociais. Trad. Carlos Eduardo Galvão Braga e Maria da Conceição Passeggi. Natal, RN: EDUFRN, 2014. MIGNOT, Ana C.; SAMPAIO, Carmen S.; PASSEGGI, Maria da C. (org.) Infância, Aprendizagem e Exercício da escrita. Editora CRV. Curitiba, PR. 2014. PASSEGGI, Maria da Conceição. A experiência em formação. Revista Educação, Porto Alegre, v. 34, n. 2, p. 147-156, maio/ago. 2011. PASSEGGI, M. C.; FURLANETTO, E. C.; CONTI,L.; CHAVES, I. M.; GOMES, M. O; GABRIEL, G. L.; ROCHA, S. M. Narrativas de crianças sobre as escolas da infância: cenários e desafios da pesquisa (auto)biográfica. Revista Educação, UFSM, v. 39, n. 1, jan./abr. 2014. PINO, Angel. As marcas do humano as origens da construção cultural da criança na perspectiva de Levi S.Vigotsky. São Paulo. Ed Cortez. 2005. SARMENTO, M. J. Gerações e alteridade: interrogações a partir da sociologia da infância. Revista Educação e Sociedade, v. 26, n. 91. Campinas: Cedes, 2005. VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. Rio de Janeiro. Martins Fontes, 1998.