RREZADEIRAS: MULHERES IMPORTANTES NA CULTURA POPULAR



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Transcrição:

1 RREZADEIRAS: MULHERES IMPORTANTES NA CULTURA POPULAR Francisco Dyhego Mesquita Martins 1 Graduando em Licenciatura em Teatro Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Ceará Rua Luciano Magalhães 333, ap. 408 Fátima Fortaleza/CE (85) - 32571310 e-mail: dyhego@hotmail.com - IFCE Josiane Gregório Siqueira 2 Graduada em Estatística Universidade Federal do Ceará Rua Marechal Deodoro, 1328. Benfica Fortaleza/CE (85) 3243.1630/87866002 e-mail: josyaane@yahoo.com.br IFCE Simone Oliveira de Castro IFCE (Orientadora) Doutora em Sociologia-UFC Pesquisadora IFCE Grupo de Estudos em Cultura Folclórica Rua Aratuba, nº 19 Benfica CEP 60040-540- Fort/CE (85)3281.1109 email: simone@ifce.edu.br Palavras-chave: rezadeira, medicina popular, religiosidade Simpósios: 12 Medicina popular: saberes e práticas; 11 Religiosidade Popular; 06 Patrimônio Imaterial e Cultura Popular RESUMO Neste artigo pretendemos discutir os costumes relacionados às práticas das rezadeiras no intuito de compreender o papel das mesmas no contexto da medicina e religiosidade populares, bem como situar o universo simbólico que circunda as rezas e os objetos naturais por elas utilizados no processo de cura. Na procura pela saúde, ainda hoje, muitas pessoas recorrem às práticas religiosas que, ao longo do tempo, foram consideradas estranhas e extravagantes por determinada parcela da população. É interessante perceber que a prática da reza, realizada, sobretudo por mulheres, é muito comum na cidade ainda que também os homens realizem benzeduras. Nossa cultura parece ter perdido de vista parte da imensa contribuição que as rezadeiras atualmente oferecem para a vida de muitas pessoas que a elas recorrem em busca de alívio de suas dores físicas e espirituais e, também, para obterem proteção para bens materiais conquistados. A metodologia a ser utilizada dialoga com a pesquisa teórica e de campo onde trabalharemos com entrevistas orais semi-estruturadas e com imagens de algumas rezadeiras do município de Fortaleza/CE. 1 Aluno Iniciação Científica do Projeto Mira Ira Laboratório de Vivências do Grupo de Pesquisa em Cultura Folclórica Aplicada do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará IFCE. 2 Aluna Iniciação Científica do Projeto Mira Ira Laboratório de Vivências do Grupo de pesquisa em Cultura Folclórica Aplicada do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará - IFCE

2 Na abordagem da literatura é possível entender o papel dos rezadores vivendo num cenário sertanejo, médicos populares que possuem uma maneira própria de curar: práticas do catolicismo popular, conhecimento da medicina com utilização de plantas medicinais e ungüentos que tem como objetivo a proteção do indivíduo e a cura dos seus males físicos e emocionais. Existem várias formas usadas para definir as mulheres que rezam sendo a mais comum o significado de Rezadeira como sendo mulher que realiza cura através de benzimentos, como pode remeter à prática da reza. Câmara Cascudo, por exemplo, assim as define no Dicionário do Folclore Brasileiro: Mulher, geralmente idosa, quem tem poderes de cura por meio de benzimento. (CASCUDO, 2001, p. 587). Na prática da reza, percebe-se uma grande concentração nas mulheres ainda que também os homens realizem benzeduras, porém esses homens são conhecidos como curandeiros. O que permite pensar sobre a diferença que Loyola (1984, p. 93-94) estabelece entre os agentes detentores desse saber. Para a autora, as rezadeiras se limitam a dar bênçãos e a rezar para curar as doenças; o curador, além de realizar rezas, consegue entrar em contato com forças superiores, faz uso de trajes especiais, de orações e de implementos religiosos. É possível perceber que pessoas de diferentes níveis sociais já fizeram, e ainda fazem uso desse costume para garantir a proteção das dores e incertezas da existência. Conforme no depoimento das entrevistas, as rezadeiras afirmam que vão às suas casas, durante o dia ou à noite quaisquer pessoas que as procuram, não medindo esforços para atender de imediata prontidão aqueles, que por indicação de um parente ou amigo, necessitam de uma oração. As benzeduras que essas mulheres realizam abrangem um conjunto material e simbólico que pode ser bastante extenso. Porém, para realizarem esta prática, elas recorrem aos conhecimentos do catolicismo popular, ou seja, elas têm demonstração de afeição à figura dos santos, fazendo questão de evidenciar de forma prática sua eficácia e revelam possíveis intervenções que determinados santos fazem em suas vidas a partir de súplicas e rezas, com o objetivo de renovar o equilíbrio material ou físico e espiritual das pessoas que buscam sua ajuda. Os lugares de cura, devoção das rezadeiras, geralmente são nas salas onde encontramos adornos, imagem de santos, bíblia sagrada, rosários, altares, bonecas pretas, velas brancas, ramos de pinhão roxo, fotos, flores de plásticos, peças de roupas para serem rezadas, entre outros. Conforme o depoimento, D. Raimunda (69 anos) reforça sua devoção à Nossa Senhora de Fátima, tendo também um canto de oração, onde possui seu altar com diversos santos.

3 As rezadeiras, para realizar o ritual de cura, podem utilizar vários acessórios, dentre eles: ramos verdes (guiné, arruda, pião-roxo ou quaisquer folhinhas verdes), gestos em cruz feitos com a mão direita, agulha, linha e pano, além de várias rezas. Essas mulheres, em seus ofícios, rezam contra os males de pessoas, animais ou objetos. Essas rezas podem ser realizadas na presença da pessoa, ou à distância bastando, dependendo da rezadeira, apenas que alguém diga o seu nome, onde mora e a data de nascimento. Segundo D. Raimunda, basta o nome de batismo para obter a reza. Existem diversas maneiras de como as rezadeiras aprenderam a fazer suas rezas, pois geralmente o conhecimento particular e preferido de uma rezadeira é passado através de parentes próximos que tinham ou tem os saberes das rezas - em geral, avós, mães e tias. Outros dizem ter conseguido o conhecimento através do dom que Deus lhe deu e que veio como guias, sonhos e visões. O depoimento de D. Raimunda, viúva, reforça essa idéia: ela aprendeu com a sua mãe, pois desde pequena a via rezando nas pessoas, até que ela percebeu que possuía o chamado de Deus e pediu para sua mãe ensinar todas as rezas. No discurso da rezadeira acima, observa-se a influência de algum rezador no aprendizado desse saber, porém as rezas são passadas de geração a geração, e está intimamente relacionada com o poder de cura das rezas fortes. Para algumas rezadeiras só é possível repassar esse saber entre pessoas de sexos opostos, pois caso contrário, a pessoa que passa as rezas perde os poderes de curar para o receptor, no entanto, na prática, não é tão rígida o quanto parece. Conforme a D. Raimunda, com o repasse desse saber para pessoas do mesmo sexo não diminui e nem se perde o poder de sua reza, bastando acreditar e ter fé em Deus. As diferenças quanto ao tipo de aprendizagem, descrito por Quintana (1999) como imitativo (adquirido) e sobrenatural (recebido), elas se declaram católicas, rezam e devotam os santos populares, manejam ramos verdes e são unânimes em afirmar que não cobram pelas suas rezas. O discurso produzido pelas rezadeiras para justificar esta característica é de que a prática da reza é uma caridade, reforçada pela seguinte frase: quando Jesus andava no mundo, curava as pessoas sem cobrar por tais serviços. As rezadeiras têm o conhecimento e sabem identificar as doenças de rezadeiras, que são as seguintes: mau olhado; espinhela caída; vento caído; isipa, cobreiro e diversas outras. De acordo com elas, o mau olhado ou quebrante é passado pela admiração que uma determinada pessoa tem sobre qualquer aspecto do ser humano: forma física, inteligência, beleza, seja física ou espiritual, tanto em seres humanos como animais. E os sintomas, geralmente, são: falência, sonolência, falta de apetite, abrição de boca, e algumas pessoas têm

4 diarréia. Essa doença vai debilitando a pessoa, aos poucos e pode até levá-la à morte, se a pessoa não procurar alguém que reze. Durante a reza pode-se perceber por alguns sinais se foi botado por uma mulher ou por um homem. Elas descobrem durante a reza quando bocejam ou erram as orações. Se caso o erro ocorrer durante os Pais-nosso, o mau olhado teria sido botado por uma pessoa do sexo masculino. E se for as Ave-marias, a doença teriam sido botadas por uma mulher. O tratamento consiste basicamente no uso de rezas específicas, ramos verdes (pode ser pião roxo ou qualquer galhinho verde) e os gestos em forma de cruz sobre a pessoa doente. E para retirar totalmente o mau olhado é preciso que o indivíduo repita o ritual três vezes, cada um, seguido de um Pai Nosso, uma Ave-maria e um Glória ao pai. Mas se o mau olhado for muito forte é preciso uma semana de tratamento. De acordo com Dona Lourdes: o indivíduo pode botar quebranto sem querer, sendo que essa pessoa tem uma maneira de olhar ruim e te bota quebranto, ai logo você começa a sentir abrição de boca, fica logo sem ânimo, molinho parecendo que levou uma surra de pau. D. Raimunda explica que a doença vento caído, específica de criança, é adquirida quando a mesma leva um susto muito grande e o seu vento cai. Então a criança fica vomitando seguido de diarréia de cor esverdeada e para curar essa doença é preciso rezar a criança, mas não usa ramos verdes, só os gestos em cruz sobre a barriga da criança dizendo as seguintes palavras Jesus quando andava no mundo tudo que achou levantou. Levante o vento caído de fulano (diz o nome da criança) com o vosso divino amor. Sendo que ela faz o sinal da cruz na criancinha e repete aquelas palavras até completar as três vezes. Após cada reza, ela coloca a criança de cabeça para baixo, seguida de três tapinhas nos pés. E para completar o tratamento fala para a mãe da criança, que ao retornar para casa retire a camisinha da criança e estenda-a de cabeça para baixo, no meio de uma porta, durante três dias. Outra doença que é muito comum as rezadeiras citarem é a espinhela caída. É uma doença que a pessoa adquire por esforço físico excessivo. É localizado no tórax quando uma pessoa faz esforço físico em demasia, segundo D. Raimunda, os sintomas mais comuns são dores e queimação (ardor) na região do peito, indisposição e esmorecimento nos braços. Dona Lourdes descreve como é feito o procedimento da reza eu fico na frente da pessoa, pego um cordão e mede da ponta do dedo mindim [anular] até o cotovelo. Aí, dobra de tamanho o cordão e enlaça nos peitos da pessoa que veio aqui doente, de modo a juntar as duas pontas do cordão. Se a pessoa tiver com a doença (espinhela caída), quando juntar as pontas vai ficar sobrando cordão.

5 O Cobreiro é uma doença conhecida tanto nos meios científicos como populares, está relacionado ao corpo, ou seja, é muito diferente do mau olhado ou quebrante que manifesta-se, tanto na parte material quanto na parte espiritual, e a forma de cura é através das rezas e benzeduras. De acordo com os médicos, o quadro clínico apresenta: aparecimento de bolhas, vermelhidão, inflamação cutânea etc. Já as rezadeiras têm a explicação que o cobreiro é causado por alguns animais e insetos peçonhento (cobra, rato, lagartixa) quando estes animais têm contato com as roupas das pessoas, deixam nelas seus venenos. Para elas, se a pessoa que tem essa doença não procurar ajuda de uma especialista no trato do cobreiro, o ferimento se espalhar pelo corpo e, quando a cabeça se encontrar com o rabo, a pessoa morre. Ainda afirmam que o formato que se faz no corpo mais especificamente, é da cobra. As áreas mais comumente atacadas são: costas, pescoço, braços e pernas; e o mais perigoso, o rosto. Quando afetam o rosto, as lesões podem atingir o nervo trigêmeo e, nos casos mais graves, podem provocar surdez e cegueira. Conforme o depoimento D. Lourdes, pega pião roxo e a faca e diz a reza: O que é que eu corto? Responde o cliente: Cobreiro brabo. Continua a rezadeira: Eu corto a cabeça e a ponta do rabo. Com os poderes de Deus tu estarás curado. Os galhos da parte de cima da planta é como se fosse à cabeça, e no tronco como se estivesse referindo-se ao rabo do cobreiro, pois a preocupação das rezadeiras é impedir que a doença se espalhe pelo o corpo. Se a cabeça encontrar com o rabo o doente pode até morrer. Nas entrevistas percebemos a persistência por parte dessas mulheres em não receber nenhum tipo de pagamento para realização de suas práticas e orações. Elas acreditam que são possuidoras de um dom e esse deve ser exercido de forma gratuita e silenciosa. Elas estão convencidas que sua ação religiosa está envolvida por um segredo que ultrapassa sua existência e sua vontade. No depoimento das rezadeiras entrevistadas ficou claro que elas podem receber presentes como: perfumes, roupas, sandálias e se for dinheiro em espécie a doadora deve dizer o que se tem que comprar.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Esse estudo nos possibilitou um olhar para um conhecimento, uma sabedoria, uma atitude diferenciada com aqueles que saboreiam e contemplam a vida com reverência e entusiasmo. Descobrimos que as rezadeiras com suas rezas, chás e conselhos transformaram-se em símbolos referenciais para várias parcelas de nossa sociedade. Elas estão em diversos níveis sociais, culturais e econômicos. Os que chegam com dores físicas saem revitalizados pelo o poder de suas palavras. A maneira como a comunicação do saber das rezadeiras é repassada às futuras rezadeiras é bem específica. Mesmo que a aprendizagem de uma rezadeira seja narrada por algumas delas como sendo um saber assimilado a partir da observação de familiares ou vizinhos, é através da experiência vivencial e da história de vida de cada uma delas, construída ao longo da vida, que se organiza e se reorganiza a prática da reza, pois existe um elemento fundamental que é o dom da cura. Não basta apenas aprender as rezas, é preciso ter certas habilidades/qualidades. Tais qualidades dizem respeito a uma conduta moral. O que implica ser uma mãe carinhosa, ser religiosa e devota aos santos, ser temente a Deus, não difamar os outros e, acima de tudo, não cobrar pelas curas que realiza. Algumas dessas mulheres afirmaram ter recebido o dom da cura através de seres sobrenaturais, como anjos, caboclos, visões e vozes. Sinais que remetem a outras dimensões. Por outro lado, mesmo as rezadeiras que não vivenciaram esse tipo de aprendizagem, afirmam ter um dom de cura, pois as suas rezas curam. Quando indagadas sobre o que promove a cura dos doentes, elas enfatizam o fenômeno da fé e a sua capacidade de promover a cura, que seria um dom dado por Deus. Essas qualidades impõem um sacrifício que é a realização de curas sem estabelecer um preço por elas, ou seja, sem cobrar. De acordo com elas, não se cobra por algo que não lhes pertence, no caso as rezas. Por outro lado, se a pessoa quiser lhes presentear com um agrado, é aceito de bom grado, pois não se consideram mal agradecidas. As rezadeiras de hoje, a exemplo de tantas outras do passado, ocupam um lugar de destaque e de confiança para todos os fiéis que visitam suas casas. Elas são senhoras da oração poderosa, suas preces possuem uma força que penetra e transforma a realidade e em compensação,

7 possuem uma concentração da experiência do mistério do dia-a-dia das pessoas. Rezam com fé e sua confiança contagia aqueles que se predispõem a receber suas bênçãos contra vários tipos de mazelas. REFERÊNCIAS OLIVEIRA, Elda Rizzo de Oliveira. O que é Medicina Popular. São Paulo: Brasiliense, 1985. MACENA FILHA, Maria de Lourdes. Reflexões : Cultura e Identidade Cultural. In: Apostila da Cultura Popular do curso de especialização em Arte e Educação do CEFET-CE, Fortaleza, 2004 CAMPOS, Eduardo. Medicina Popular: supertições, credices e meizinhas. Rio de Janeiro: Livraria Editora da Casa do estudante do Brasil. 1951 ARANTES, Antonio Augusto. O que é Cultura Popular. 12ª Ed. São Paulo: Brasiliense, 2004. LOYOLA, Maria Andrea. Médicos e curandeiros: conflito social e saúde. São Paulo: DEFEL 1984 CASCUDO, Luís da Câmara. Meleagro. 2. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1978.. Dicionário do Folclore Brasileiro. 10. ed. São Paulo: Global, 2001. SOUSA, Cibele Maria de. Mulheres de Fé: rezadeiras de Maranguape e Jaçanaú fazendo história na estrada da cultura popular. (Monografia - CEFET/ CE, 2005)