AÇÃO DA PEDRA PRETA (CARVÃO ANIMAL) SOBRE O EFEITO LET AL DO VENENO DA SERPENTE Bothrops atrox



Documentos relacionados
PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DOS ACIDENTES OFÍDICOS NO AMAZONAS NO PERÍODO DE 2008 A 2015.

Bula com informações ao Paciente soro antibotrópico (pentavalente) e antilaquético. solução injetável IDENTIFICAÇÃO DO MEDICAMENTO

CARACTERÍSTICAS GERAIS

ACIDENTES COM ANIMAIS PEÇONHENTOS NO MUNICÍPIO DE MANGARATIBA, RJ. Palavras-chave: Animais peçonhentos; Acidentes. Mangaratiba. Rio de Janeiro.

BULA PARA O PACIENTE

Produtos - Saúde Pública / Raticidas / Klerat

COMPRAR GATO POR LEBRE

RESUMO DAS CARACTERÍSTICAS DO MEDICAMENTO. Dolorex 10 mg/ml, solução injetável para equinos, caninos e felinos.

Série Didática Número 5

ESTUDO DA REMOÇÃO DE ÓLEOS E GRAXAS EM EFLUENTES DE PETRÓLEO UTILIZANDO BAGAÇO DA CANA

O fluxograma da Figura 4 apresenta, de forma resumida, a metodologia adotada no desenvolvimento neste trabalho.

Projeto coordenado por Denise Costa Dias

Influência do Espaçamento de Plantio de Milho na Produtividade de Silagem.

Manual do Carrapatograma

Profa. Maria Fernanda - Química nandacampos.mendonc@gmail.com

1. O QUE É PARACETAMOL BLUEPHARMA E PARA QUE É UTILIZADO. Grupo Farmacoterapêutico: Sistema Nervoso Central - Analgésicos e antipiréticos

CIÊNCIAS - 6ª série / 7º ano U.E - 02

Fina Flor Cosméticos obtém grande melhoria nos processos e informações com suporte SAP Business One

AMOSTRAGEM DE SOLO PARA AVALIAÇÃO DA FERTILIDADE 1 INTRODUÇÃO

BROCHURA para o DOENTE com ARTRITE IDIOPÁTICA JUVENIL POLIARTICULAR (AIJp) em TRATAMENTO com RoACTEMRA

ALLERGAN PRODUTOS FARMACÊUTICOS LTDA

Avaliação da qualidade do solo sob diferentes arranjos estruturais do eucalipto no sistema de integração lavoura-pecuária-floresta

FRESHCLEAR ALLERGAN PRODUTOS FARMACÊUTICOS LTDA. Solução Oftálmica Estéril. cloridrato de fenilefrina 0,12% álcool polivinílico 1,4%

Bem-vindo ao tópico sobre administração de listas de preços.

TRATAMENTO DE ESGOTO SANITÁRIO

De repente sua bateria LiPO fica grávida. O que fazer?

CAPÍTULO 2 FUNÇÕES 1. INTRODUÇÃO. y = 0,80.x. 2. DEFINIÇÃO DE FUNÇÃO DE A EM B ( f: A B) 4. GRÁFICO DE UMA FUNÇÃO

A importância da água na nossa saúde

Estudo da ilha de calor urbana em cidade de porte médio na Região Equatorial

Cartilha Medicamentos para Diabetes

TYNEO. (paracetamol)

OBJETIVO VISÃO GERAL SUAS ANOTAÇÕES

Discussão do artigo Opportunities and challenges of clinical research in the big-data era: from RCT to BCT

Adesivos e Fitas Adesivas Industriais 3M 3M VHB. fitas de montagem. permanente. Alternativa comprovada a parafusos, rebites e soldaduras

Reaproveitamento de Máquinas Caça-Níqueis

Cólera. Introdução: 1) Objetivo Geral

Nível 1 IV FAPMAT 28/10/2007

Assustadores e Venenosos

Teste seus conhecimentos: Caça-Palavras

Capítulo IV- Pinhole. Pinhole: Processo de se fazer fotografia sem a necessidade do uso de equipamentos convencionais. A

Quinta Edição/2015 Quinta Região de Polícia Militar - Quarta Companhia Independente

Eixo Temático ET Meio Ambiente e Recursos Naturais

APOSTILA AULA 2 ENTENDENDO OS SINTOMAS DO DIABETES

6 A coleta de dados: métodos e técnicas utilizadas na pesquisa

MEMÓRIA DA REUNIÃO 1. PAUTA

Resultados do teste com o ônibus elétrico na cidade do Rio de Janeiro.

III-123 DIAGNÓSTICO AMBIENTAL EM ATERROS DE RESÍDUOS SÓLIDOS A PARTIR DE ESTUDOS DE REFERÊNCIA

PREVINA O CÂNCER DE PRÓSTATA

Inclusão de bagaço de cana de açúcar na alimentação de cabras lactantes: desempenho produtivo

CIRCULAR TÉCNICA N o 159 JUNHO 1988 PREPARO DE SOLOS EM ÁREAS ACIDENTADAS

NECESSIDADES NUTRICIONAIS DO EXERCÍCIO

INFORMAÇÃO IMPORTANTE PARA PROFISSIONAIS DE SAÚDE SOBRE A UTILIZAÇÃO SEGURA E ADEQUADA DE BRINAVESS

b) Ao longo da sucessão ecológica de uma floresta pluvial tropical, restaurada rumo ao clímax, discuta o que ocorre com os seguintes fatores

Neo Fresh. (carmelose sódica)

ANÁLISE MERCADOLÓGICA DE EMBRIÕES ZEBUÍNOS PRODUZIDOS A PARTIR DA TÉCNICA DE FERTILIZAÇÃO IN VITRO - FIV

ANEXO I RESUMO DAS CARACTERÍSTICAS DO MEDICAMENTO

AGHOS - GESTÃO E REGULAÇÃO ASSISTENCIAL E FINANCEIRA DE SAÚDE MÓDULO DE REGULAÇÃO AMBULATORIAL DE CONSULTAS ESPECIALIZADAS

loratadina Xarope 1mg/mL

MITOS X VERDADES SOBRE A DENGUE

MÓDULO DA AULA TEMÁTICA / BIOLOGIA E FÍSICA / ENERGIA

INSTRUÇÕES PARA O USO DO OSELTAMIVIR EM INFLUENZA 2016

Saúde Integral na Produção de Bovinos de Corte

MEMÓRIA E RECOMENDAÇÃO DA REUNIÃO SOBRE CIÊNCIA E ENGENHARIA DE MATERIAIS.

Propriedades Coligativas

Onicoryl cloridrato de amorolfina

Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2012

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA REABILITAÇÃO PROCESSO SELETIVO 2013 Nome: PARTE 1 BIOESTATÍSTICA, BIOÉTICA E METODOLOGIA

EFEITO DA CONCENTRAÇÃO DO ÁCIDO CLORÍDRICO NA ATIVAÇÃO ÁCIDA DA ARGILA BENTONÍTICA BRASGEL

Sinavel EMS SIGMA PHARMA LTDA. Comprimido revestido. 100mg

DETERMINAÇÃO DO ZINCO Ε COBRE EM FERTILIZANTES POR ESPECTROFOTOMETRIA DE ABSORÇÃO ATÔMICA*

Apêndice F-21C Relatório das Atividades de Dezembro do projeto de educação ambiental PPA para AJA Minas Gerais, Brasil

ESCRITÓRIO TÉCNICO DE ESTUDOS ECONÔMICOS DO NORDESTE ETENE INFORME RURAL ETENE PRODUÇÃO E ÁREA COLHIDA DE CANA DE AÇÚCAR NO NORDESTE.

Educação Patrimonial Centro de Memória

Edital do XI Concurso de Projetos. Direitos Humanos e Cidadania das Mulheres Jovens

ESTUDO DE INSTALAÇÃO FOTOVOLTAICAS ISOLADAS E CONECTADAS À REDE ELÉTRICA. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

ORIENTAÇÕES AOS DISCENTES E DOCENTES DA PÓS-GRADUAÇÃO EM QUÍMICA/UFJF MESTRADO

Linha de transmissão. O caminho da energia elétrica

TTT VI Conferência Brasileira sobre Temas de Tratamento Térmico 17 a 20 de Junho de 2012, Atibaia, SP, Brasil

PEDAGOGIA EM AÇÃO: O USO DE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS COMO ELEMENTO INDISPENSÁVEL PARA A TRANSFORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA AMBIENTAL

O GRUPO MERCADO COMUM RESOLVE:

Lagoa aerada superficialmente: uma solução de baixo custo para o aumento de eficiência

loratadina Laboratório Globo Ltda. Xarope 1 mg/ml

Requisição incompleta, inadequada ou ilegível não será aceita pelo Serviço de Hemoterapia

DOE SANGUE, DOE VIDA!

Folheto para o paciente

2.O que precisa de saber antes de utilizar Frisolona Forte

Keflaxina Sandoz do Brasil Ind. Farm. Ltda. Pó para Suspensão Oral 50 mg/ml

LISTA DE VERIFICAÇAO DO SISTEMA DE GESTAO DA QUALIDADE

NOTA TÉCNICA N o 014/2012

Sinais. O mundo está a mudar

APROVADO EM INFARMED. Folheto Informativo: Informação para o utilizador. Paracetamol Azevedos, 500 mg, comprimidos Paracetamol

42º Congresso Bras. de Medicina Veterinária e 1º Congresso Sul-Brasileiro da ANCLIVEPA - 31/10 a 02/11 de Curitiba - PR 1

Mais em forma, mais veloz, mais forte, mais alongado: Programa de Desenvolvimento de Cárdio Precor

FOLHETO INFORMATIVO: INFORMAÇÃO PARA O UTILIZADOR

MACROFAUNA EDÁFICA DO SOLO E LÍQUENS COMO INDICADORES DE DEGRADAÇÃO EM REMANESCENTES FLORESTAIS URBANOS

Tylemax Gotas. Natulab Laboratório SA. Solução Oral. 200 mg/ml

brometo de pinavério Comprimido revestido 50mg

Gyno-Icaden nitrato de isoconazol. Informação importante! Leia com atenção!

Transcrição:

AÇÃO DA PEDRA PRETA (CARVÃO ANIMAL) SOBRE O EFEITO LET AL DO VENENO DA SERPENTE Bothrops atrox Venina Vale' Jane Raquel Silva de Oliveira' Maria Célia Pires Costa" Marilene Oliveira da Rocha Borges'" Antônio Carlos Romão Borges'" RESUMO A pedra preta, material obtido da carbonização de ossos bovinos, é utilizada popularmente no tratamento de picadas por animais peçonhentos. O objetivo deste trabalho foi avaliar a ação da pedra preta sobre o efeito letal do veneno da serpente Bothrops atrox (jararaca) em camundongos. A pedra preta foi preparada a partir do fêmur bovino cortado em pedaços de 2 a 4 em, limpos e expostos ao sol por 30 dias. Em seguida foram carbonizados sob brasa, colocados sob o solo e posteriormente lixados. Nos ensaios biológicos foram utilizados camundongos C3H, machos e fêmeas (20 a 27 g). Os animais foram divididos em dois grupos: controle (CT, n=1 O) e tratados com a pedra preta (TPP, n= IO). Os camundongos foram injetados, por via subcutânea na coxa direita, com a dose letal (40mg/kg) do veneno de Bothrops atrox. No grupo TPP, a pedra preta foi imediatamente colocada sobre o local de inoculação e removida após 1 hora. O tempo de sobrevida dos animais CT foi de 180,3±12,6 minutos (3 horas) e do grupo TPP foi de 395,4±64 minutos (6 horas e 35 min.). Houve, portanto, um aumento (P<0,05, teste t de student) de 119% no tempo de sobrevida dos animais tratados. Estes resultados indicam que a pedra preta é capaz de reduzir o efeito letal do veneno de Bothrops atrox, quando inoculado em camundongos. Palavras-chave: atrox; veneno. pedra preta; acidentes ofidicos; dose letal; Bothrops Alunas do Curso de Farmácia da Universidade Federal do Maranhão Doutora I Professora do Departamento de Química e Biologia da Universidade Estadual do Maranhão Doutor(a) I Professor(a) do Departamento de Ciências Fisiológicas da Universidade Federal do Maranhão

ABSTRACT The black stone made from carbonized bovine bones, it is used for treatment of snake bites. The objective ofthis study was to evaluate the action ofthe black stone on lethal effect of Bothrops atrox snake venom in mice. The black stone was made from cuted bovine femur (2-4 em), cleaned and exposed to sun for 30 days. The bone pieces were carbonized below the burning coal, put under earth and then polished. It was used mice C3H, males and females (20-27 g). The animais were separated in two groups: control (CT, n= 1O) and treated with black stone (TPP, n=10). It was inoculatedthe lethaldose (40 mg/ Kg) of the Bothrops atrox snake venom in right thigh, by subcutaneous way, ofthe animais. In the group TPP the black stone was put on the local ofinoculation and the removed after one hour. It was measured the survival time ofthe animais (CTand TPP groups). The middle survival time ofthe group CT was 180.3±12.6minutes (3 hours) and the group TPP was 395.4±64 minutes (6 hours and 35 min.). There was a increase(p<o.05, Studentt test) of 119% of survival time of treated animais. These findings support the hypothesis that the black stone was capable to reduce the lethal effect of Bothrops atrox venom inoculated in mice. Keywords: venom. black stone; snake bites; lethal dose; Bothrops atrox; 1 INTRODUÇÃO No Brasil, as serpentes peçonhentas pertencem aos gêneros Bothrops, Crotalus, Lachesis e Micrurus, os quais são responsáveis por mais de 20.000 acidentes notificados anualmente ao Ministério da Saúde. As serpentes do gênero Bothrops estão distribuídas por todo o território nacional, sendo responsáveis por aproximadamente 90% dos acidentes ofidicos registrados no país (AMARAL et al., 1991). A serpente Bothrops atrox Linnaeus, 1758, conhecida popularmente como jararaca-do-rabo-branco, está amplamente distribuída por to: Ia Região amazônica, atingindo quase todos os países da América Latina, exceto Chile, Paraguai, Uruguai e Argentina (CAMPBELL e LAMAR, 1989). Esta serpente é também bastante comum nas áreas de floresta úmida do Pará e Maranhão, bem como nos cerrados, babaçuais e campos maranhenses, sobretudo nos locais de cultura agrícola (CUNHA e NASCIMENTO, 1982). A maioria dos acidentes ofídicos ocorrem com pessoas do sexo masculino, em idade adulta, exercendo, sobretudo, atividades agrícolas, e atingem principalmente os membros inferiores das vítimas (CAIFFA et ai., 1997; FEITOSA et a!., 1997; NASCIMEN- TO, 2000). Acontecem predominantemente na zona rural, embora sejam também problemas freqüentes na peri- 10 Cad. Pesq., São Luís, Y. 13. n. 2, p. 9-15, jul./dez. 2002.

feria dos grandes centros urbanos (CARVALHO e NOGUEIRA, 1998). Em países de grandes dimensões territoriais, como o Brasil, no qual os acidentes ofídicos ocorrem principalmente na zona rural e, portanto, distantes dos postos de saúde, a vítima demora muito até receber atendimento médico. Em algumas regiões, as vítimas só são atendidas em média, cerca de 6 horas após a picada (BORGES et al., 1999). Geralmente, o longo intervalo de tempo entre a picada e a aplicação do tratamento específico causa agravamento do estado lesivo do paciente, o que pode levá-lo até mesmo ao óbito. A medida terapêutica mais eficaz disponível contra as ações do veneno é a administração de soro antiofídico, obtido de cavalos hiperimunizados, possuindo, por isso, custo elevado, estoques controlados e possíveis reações adversas como hipersensibilidade imediata, broncoespasmo, choque anafilático, dentre outras. Além disso, o soro antiofídico a ser aplicado deve ser específico para o gênero ao qual a serpente pertence e administrado o mais precocemente possível e por via endovenosa (BARRA VIEIRA, 1999). Para que seja dado o diagnóstico dos acidentes ofídicos e, conseqüentemente, a aplicação do tratamento adequado, as características clínicas apresentadas pelo paciente e/ou reconhecimento da serpente agressora são bastante importantes. No entanto, a captura do animal para identificação do gênero nem sempre é possível (BARROSO et al., 1993). Além dis- so, alguns gêneros provocam sinais e sintomas similares, como os de Bothrops e Lachesis, dificultando que a vítima receba o soro específico, o qual é mais eficaz que o soro polivalente (BORGES et ai., 1999). Em nosso país como os acidentes ofídicos ocorrem principalmente na zona rural ou nas periferias dos grandes centros urbanos, as vítimas levam muito tempo até receberem tratamento médico. Além disso, existem relatos de alguns casos em que o soro antiofídico é aplicado por outras vias que não a endovenosa, como a intramuscular e a subcutânea (BORGES et ai., 1999). A "pedra preta", material obtido a partir da carbonização de ossos bovinos, é utilizada popularmente na Índia e na África no tratamento de picadas por animais peçonhentos. Nestes locais, o material é vendido em estabelecimentos farmacêuticos acompanhado de prospecto que informa quanto à indicação clínica, modo de usar, processo para reutilização e confecção do mesmo. Freiras missionárias vindas destes países trouxeram a "pedra preta" para o interior do Estado do Maranhão e doada a lavradores (MORElRA et ai., 2001 e PEREIRA et al., 2001). Considerando as dificuldades para aplicação de um tratamento rápido e específico em casos de picadas por animais peçonhentos, este trabalho foi realizado com o objetivo de avaliar a eficácia da pedra preta no tratamento de acidentes ofídicos, através da avaliação de sua ação sobre o efeito letal do veneno de Bothrops atrox. Cad. Pesq., São Luís, v. /3, n. 2, p. 9-/5, jul./dez. 2002. Il

2 MATERIAL E MÉTODOS 2.1 Preparo da pedra preta O preparo das amostras de pedra preta foi realizado segundo o método artesanal utilizado na África, descrito a seguir. O fêrnur bovino foi adquirido em frigorífico de São Luís e cortado em pedaços de 2 a 4 em. Toda a gordura depositada na superfície foi retirada e os ossos colocados em água sob fervura por aproximadamente 7 minutos. Depois de limpos, foram expostos ao sol e ao vento por 30 dias e então colocados diretamente sob a brasa até que estes ficassem incandescentes. O tempo de carbonização foi de aproximadamente 15 minutos. Após a carbonização as amostras foram colocadas imediatamente sob o solo arenoso, numa profundidade de cerca do 40 em e por um tempo de 1 hora. A temperatura do solo estava a 26 C. As amostras inteiras foram polidas com lixa grossa n. 60 para que ficassem com a superfície plana, e posteriormente com lixa fina n. 220. Os testes de aderência e de borbulhamento foram realizados para o controle de qualidade das amostras produzidas, de acordo com o prospecto que. acompanha a "pedra preta" vendida na África. As amostras de pedra preta, após utilização, foram descontaminadas para reutilização. As pedras foram lavadas em água limpa, fervidas por 30 minutos e em seguida removidas da água, colocadas em leite até não formar bolhas e então fervidas novamente em água. As pedras foram posteriormente levadas à estufa a 110 C por 20 minutos e mantidas em dessecador até a realização do experimento. 2.2 Veneno Para a estudo foi utilizado veneno da serpente Bothrops atrox obtido sob a forma cristalina proveniente do Museu Paraense Emílio Goeldi da Universidade Federal do Pará. Uma solução de veneno foi preparada na concentração de 16 mg/ml em solução salina (NaCI 0,15 M), a qual foi dividida em alíquotas e estocadas em congelador. Cada alíquota foi resfriada à temperatura ambiente, minutos antes de cada experimento. 2.3 Animais Os animais utilizados neste trabalho foram camundongos C3H (isogênicos), machos e fêmeas, com peso variando entre 20 a 27 g. Todos os animais foram provenientes do Biotério Central da Universidade Federal do Maranhão. 2.4 Ensaios biológicos Todos os camundongos foram imobilizados em tábuas de cortiça durante o experimento. Foram utilizados 20 animais divididos em dois grupos: controle (CT, n=lo) e tratados com a pedra preta (TPP, n=10). Todos os animais receberam na coxa direita, por via subcutânea, dose letal do veneno de Bothrops atrox de 40 mglkg de peso de animal (BAR- ROS et al.,1998 e PAUMGARTTEN et ai., 1989). Nos animais do grupo TPP, 12 Cad. Pesq., São Luís, v. 13, n. 2, p. 9-15,jul./dez. 2002.

a pedra preta foi imediatamente colocada, com auxílio de esparadrapo, sobre o local de inoculação. Após 1 hora, a pedra preta foi removida. Os animais do grupo CT não tiveram contato com a pedra preta. O tempo de sobrevivência (sobrevida) dos animais controle (CT) e dos animais tratados com a pedra preta (TPP) foi medido em minutos. 2.5 Análise estatística Os resultados foram expressos como médias ± erro padrão das médias. A comparação entre as médias foi realizada por meio do teste t de student não pareado, utilizando o software Graph Pad PRISM V3. As diferenças foram consideradas significativas quando P<0,05. 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1 Amostras de pedra preta Durante o preparo, as amostras de pedra preta que apresentaram leves fraturas ou estavam bastante quebradiças foram descartadas. As demais amostras, durante os testes de aderência e borbulhamento mostraram que estavam aptas ao uso. Foi observado ainda que quanto maior o tempo de carbonização das amostras, maior o poder de aderência da "pedra". 3.2 Ensaios biológicos De acordo com os resultados obtidos nos ensaios biológicos foi observado que o tempo de sobrevida dos animais do grupo CT foi de 180,3 ± 12,6 minutos, o que corresponde a cerca de 3 horas. Nos animais do grupo TPP, o tempo de sobrevida foi de 395,4 ± 64 minutos, o que corresponde a 6 horas e 35 minutos (Figura 1), havendo assim, um aumento na sobrevida dos animais tratados com a pedra preta em cerca de 119 %. Portanto, o tratamento com a pedra preta foi significativamente eficaz em aumentar a sobrevida dos animais.... c I 500 I 400 ra "C.:;.o ~ ovi 300 CIl 200 "C oa. E 100 CIl I- o CT Fig. 1: Tempo de sobrevida (minutos) de camundongos. em condição controle (CT) e tratados com a pedra preta (TPP) após inoculação de dose letal do veneno de Botrops atrox. * significap<o,05 vursus CT. Como a pedra preta demonstrou, neste trabalho, ser capaz de reduzir o efeito letal da peçonha quando inoculada em camundongos, pode, assim, ser uma importante alternativa para o tratamento de picada por animais peçonhentos até que a vítima possa receber atendimento ambulatorial. Embora a pedra preta não substitua o tratamento específico com o soro * Cad. Pesq., São Luís, v. 13, n. 2, p. 9-15,jul.ldez. 2002. 13

antiofidico, ela apresenta algumas vantagens: não tem ação específica comprovada para alguns tipos de venenos, podendo ser utilizada em acidente ofídico causado por serpentes de qualquer gênero; não apresenta reações adversas comprovadas; seu transporte e uso são fáceis, o que permite que a própria vítima a aplique sobre o local da picada imediatamente após o acidente; e seu processo de confecção é fácil e barato. O mecanismo de ação da pedra preta ainda está sendo estudado. A pedra preta é obtida através de um processo de carbonização de ossos bovinos, que possuem altaporosidade e podem fornecer, assim, alta área superficial. Em trabalhos paralelos a este estudo, tem sido demonstrado que a pedra preta tem alto poder adsorvente (MOREIRA et ai., 2001 e PEREIRA et al., 2001). Desta forma ao adsorver várias substâncias contidas no veneno, a pedra preta reduz a concentração de componentes do veneno no local da picada, o que consequentemente reduz a intensidade das seqüelas produzidas pela secreção ofídica. 4 CONCLUSÃO A pedra preta demonstrou, neste trabalho, ser capaz de reduzir o efeito letal do veneno de Bothrops atrox, inoculado em camundongos, por aumentar a sobrevida destes animais. Desta forma, a pedra preta pode ser uma importante alternativa terapêutica, sobretudo nos casos em que a vítima demora a receber atendimento médico, permitindo que o paciente tenha mais chances de sobrevivência. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao Banco da Amazônia S. A. (BASA) pelo financiamento desta pesquisa. REFERÊNCIAS AMARAL, C.F.S. et ai. Manual de diagnóstico e tratamento de acidentes ofidicos. Brasília: Centro de Documentação do Ministério da Saúde, 1991, 43 p. BARRA VIEIRA, B. Venenos: aspectos clínicos e terapêuticos dos acidentes por animais peçonhentos. Rio de Janeiro: EPUB, 1999. 411p. BARROS, S.F. etal. Local inflammation, letthality and cytokine relase im mice injected with Bothrops atrox venom. Mediators Inflamm., London, v. 7, n. 5, p. 339-346, 1998. BARROSO, D.E.; BÓIA, M.N.; PINHEI- RO, P.V.M.. Acidentes por animais peçonhentos. Jornal Brasileiro de Medicina, São Paulo, v. 64, n. 4, p. 197-216,1993. BORGES, c.c., SADAHIRO, M.; SAN- TOS, M.e. Aspectos epidemiológicos e clínicos dos acidentes ofidicos ocorridos nos municípios do estado do Ama- 14 Cad. Pesq., São Luís, v. 13, n. 2, p. 9-1 5, jul./dez. 2002.

zonas. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, Uberaba, v. 36, n. 6. p. 637-649, 1999. CAlHA, W.T. et ai..epidemiological and clinical aspects of snakebites in Belo Horizonte, Southeast Brazil. Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, São Paulo, v. 39, n. 2, p. 1i3-118,1997. CAMPBELL, J.A.; LAMAR, W.W. The venomous repti1es of Latin America. New York, USA: Cornell Univwersity Press, 1989, 736p. CARVALHO, MA; NOGUEIRA, F. Serpentes da área urbana de Cuiabá, Mato Grosso: aspectos ecológicos e acidentes ofidicos associados. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 14, n. 4, p. 753-763, 1998. CUNHA, O.R.; NASCIMENTO, F.P. Ofídios da Amazônia XIV - As espécies Bothrops, Lachesis, Crotalus e Micrurus do Pará e oeste do Maranhão, incluindo áreas de cerrado deste Estado. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, Be1ém, Série Zoologia, n.112, p. 1-58, 1982. FEITOS A, R.F.; MELO, I.M.; MONTETRO, H. S. Epidemiologia dos acidentes ofídicos por serpentes -~-- peçonhentas no Estado do Ceará, Brasil. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, Uberaba, v. 30, n. 4, p. 295-301,1997. MOREIRA, LV.; DUTRA, R.P.; SILVA, F.C.; COSTA, M.C.P. Avaliação preliminar da adsorção do veneno botrópico pela pedra preta. In: SEMINÁRIO DE INl- GIAÇAO CIENTÍFICA, 13.,2001, São Luís. Livro de resumos... São LI.!:S: UEMA; PPQi-p.c, 2CQ! p.198-202. NASCIMENTO, S. P. Aspectos epidemiológicos dos acidentes ofidicos ocorridos no Estado do Roraima, Brasil, entre 1992 e 1998. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 16, n. I, p. 271-276,2000. PAUMGARTTEN, F.J.R. et al. Comparison of five methods for the determination of lethal dose in acute toxicity stdies. Brazilian Journal of Medical and Biological Research, Ribeirão Preto, v. 22, p. 987-991, 1989. PEREIRA, A.A.; CHAVES, E.C.R.; BE- ZERRA, C.W.B.; COSTA, M.C.P. Pedra preta: preparação controlada e estudos adsortivos. In: SEMINÁRIO DE INICI- AÇÃO CIENTÍFICA, 13.,2001, São Luís. Livro de resumos... São Luís: UEMA; PPGE; PG, 2001. p. 194-197. Cad. Pesq., São Luís, v. 13, n. 2, p. 9-15,juJ./dez. 2002. 15