UMA CIDADE E UM RIO: BOTUCATU E O REENQUADRAMENTO DO RIO LAVAPÉS



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Transcrição:

UMA CIDADE E UM RIO: BOTUCATU E O REENQUADRAMENTO DO RIO LAVAPÉS Perseu Mariani Engenheiro Civil pela Faculdade de Engenharia Moura Lacerda Ribeirão Preto - SP Pós-graduado em Saúde Pública pela Universidade de Ribeirão Preto SP Pós-graduado em Gerenciamento Ambiental pela USP/ESALQ Piracicaba SP Engenheiro e gerente da CETESB de 1985 a 2012 Secretário de Meio Ambiente de Botucatu Ana Lucia Silva Engenheira Química pela Faculdade Osvaldo Cruz Mestra em Recursos Hídricos pela USP SP Doutora em Saúde Pública pela USP SP Endereço: Rua General Telles, 1603 Centro Botucatu SP CEP18. 602-120 Brasil Telefone -+55(14)3882-1290 e-mail: perseu.mariani@botucatu.sp.gov.br RESUMO O enquadramento dos corpos d água em classes de qualidade tem por objetivo assegurar a qualidade requerida para os usos preponderantes e diminuir os custos de combate à poluição das águas, mediante ações preventivas permanentes. Mais do que uma simples classificação, o enquadramento dos corpos d água deve ser visto como um instrumento de planejamento ambiental, principalmente para abastecimento da população. Palavras-chave: enquadramento de corpos d'água; recursos hídricos; saneamento ambiental. INTRODUÇÃO/OBJETIVOS Como é bom a gente ter nascido numa pequena cidade banhada por um rio. (Olhos Parados, a Mário Calábria Manoel Gomes) ASSEMAE - Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento 1

De acordo com a Agência Nacional das Águas (ANA, 2005) e conforme a Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, o enquadramento dos corpos d água em classes de qualidade tem por objetivo assegurar a qualidade requerida para os usos preponderantes e diminuir os custos de combate à poluição das águas, mediante ações preventivas permanentes. Mais do que uma simples classificação, o enquadramento dos corpos d água deve ser visto como um instrumento de planejamento ambiental, (...) deve estar baseado não necessariamente no seu estado atual, mas nos níveis de qualidade que deveriam possuir ou ser mantidos para atender às necessidades estabelecidas pela comunidade. A classe do enquadramento de um corpo d água deverá ser definida num pacto acordado pela sociedade, levando em conta as suas prioridades de uso. A discussão e o estabelecimento desse pacto ocorrerão dentro do fórum estabelecido pela Lei das Águas: o Comitê da Bacia Hidrográfica. (grifo nosso) No Estado de São Paulo o Decreto 10.755 de 22 de novembro de 1977 dispõe sobre o enquadramento dos corpos de água receptores na classificação prevista pelo Decreto 8468/76. No Decreto 10.755/77 lê-se que um dos principais rios do Município de Botucatu, SP, o Rio Lavapés, foi enquadrado à época como sendo classe 4 da nascente até a foz, classe essa muito pouco restritiva. De 1977 para cá muito se mudou no cenário de saneamento ambiental brasileiro. Desconhece-se o que levou um rio cuja nascente encontra-se inserida em uma área de cerrado ter seu uso atrelado a uma classe 4. A partir de sua nascente e apenas após cerca de 2,8 km de percurso esse rio começa a adentrar uma área urbana atualmente mais adensada, e corta a cidade de Botucatu por completo, indo desaguar em um afluente do Rio Tietê, após cerca de 28 km. Até alguns anos atrás o Rio Lavapés era considerado pelos munícipes um rio morto : com mau cheiro, sem peixes e muito sujo. As ações tomadas com vistas a tornar esse importante curso d água um rio vivo, um rio com possibilidade de usos mais nobres para os cidadãos botucatuenses culminaram em sucesso: têm-se notícias de que o rio já está sendo usado para a pesca amadora, o que vem apenas coroar um trabalho iniciado há mais de 40 anos. Em 2014 tais ações resultaram em um processo de solicitação de reenquadramento do Rio Lavapés, de classe 4 para classe 3 já reconhecido pelos órgãos ambientais e comitê de bacias - e com plano de trabalho para que se torne um rio classe 2 em até um ano. O presente artigo visa contribuir com a apresentação de uma experiência prática do processo de reenquadramento de um corpo d água superficial, urbano, quanto à articulação intersetorial; os trabalhos técnicos realizados por cada uma dessas entidades; o pacto entre a sociedade; o estágio de implementação do enquadramento; e as diretrizes para a sua ampliação e efetivação. ASSEMAE - Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento 2

METODOLOGIA O processo de reenquadramento de um rio superficial e casos de sucesso são raríssimos no Brasil. Além do rio Lavapés sabe-se do Rio Jundiaí, ambos paulistas. Conforme esclarece a Agência Nacional de Águas (ANA) em site específico sobre o assunto, a classe de enquadramento estabelece o nível de qualidade a ser alcançado ou mantido ao longo do tempo em um corpo d água. Atualmente, no Brasil, esse enquadramento está claramente definido pela Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) nº 357, de 17 de março de 2005. No entanto, um enquadramento deve servir como classificação e instrumento de planejamento com metas de qualidade a serem alcançadas ou mantidas, conforme os usos prioritários atuais e futuros. A qualidade a ser alcançada deve ser tal que atenda aos usos mais exigentes. No presente trabalho foram utilizadas como principais referências, além das leis já mencionadas, a Resolução nº 91 de 05 de novembro de 2008 do Ministério do Meio Ambiente dispõe sobre os procedimentos gerais para o enquadramento de corpos de água superficiais e subterrâneos; o manual da ANA com os procedimentos para enquadramento. Teve-se por base a avaliação da condição na época do Rio Lavapés ( o rio que temos ), a partir de um monitoramento do rio Lavapés da nascente a foz, iniciado em 2012, e dos rios afluentes; definiu-se pelo desejo/vontade quanto aos usos que seriam de interesse da sociedade botucatuense ( o rio que queremos ); e dessa definição estabeleceu-se um trabalho participativo, incluindo a sociedade civil, poder público e usuários, para avaliação das limitações técnicas e econômicos para se chegar ao rio que podemos ter. A figura abaixo (Figura 1) representa as classes, sua qualidade e o nível de exigência. A meta para o rio Lavapés era que este fosse inicialmente, em seu primeiro trecho de 2,8 km a partir da nascente, considerado um rio classe 3 (conforme permite a Res. 91/05, 2). A meta futura foi estabelecida para que se chegasse a um rio de classe 2, com qualidade compatível, e seu alcance e manutenção procurará ser viabilizado por um programa de efetivação do enquadramento em trabalho a ser realizado através de um grupo técnico do Comitê de Bacia Hidrográfica do Sorocaba e Médio Tietê (CBH-SMT). ASSEMAE - Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento 3

Figura 1 Classificação dos corpos d água Fonte: site da ANA. A nova classe de enquadramento de um corpo d água deve ser definida em um pacto acordado pela sociedade, levando em conta as prioridades de uso da água. O enquadramento é referência para os outros instrumentos de gestão de recursos hídricos (outorga e cobrança) e instrumentos de gestão ambiental (licenciamento e monitoramento), sendo, portanto, um importante elo entre o Singreh e o Sistema Nacional de Meio Ambiente. Todo o processo que será apresentado a seguir e que culminou no pedido de reenquadramento de um rio no município de Botucatu, Estado de São Paulo, de certa forma foi acelerada devido as condições graves de estiagem que chegaram ao seu ápice no ano de 2014. Nesse período a cidade foi assolada por uma forte estiagem e conflitos do uso da água entre agricultores que ao longo dos anos se estabeleceram nas margens do principal rio responsável pelo abastecimento público do município Rio Pardo e conflitos com empresários que mais tarde se estabeleceram na mesma bacia e utilizam-se dessa água para fins industriais. A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP) utiliza-se desse ponto de captação, e possui outorga para o uso, há 40 anos. No Gráfico 1 abaixo verifica-se os índices pluviométricos na bacia do Rio Pardo, e até 2014 nunca foram registrados valores tão baixas. ASSEMAE - Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento 4

Gráfico 1 Dados pluviométricos do município de Pardinho, região que abastece o Rio Pardo. Diante disso houve um bom relacionamento entre as partes envolvidas, onde a SABESP, a Prefeitura, os ruralistas coordenados pela Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI), uma das filiais da empresa Duratex S.A., Organizações Não Governamentais (ONG) como a SOS Cuesta e a sociedade botucatuense se uniram e promoveram esforços e ações para driblar a crise instalada e diminuir as chances de racionamento. Na época, campanhas promovidas pela SABESP e Prefeitura de Botucatu nas rádios, jornais e com agentes de porta em porta, permitiram reduzir entre 20% e 30% o consumo de água residencial, indicando a alta adesão e consciência da população. Outras medidas que a SABESP tomou, ainda em maio de 2014 foi a construção de uma segunda captação, no Rio Pinheirinho, e uma terceira captação no Rio Tijuco Preto em outubro de 2014, ambos os rios de classe 2, para os quais foram obtidas as devidas licenças de operação. Outras ações que se revelaram importantes foram os trabalhos intensivos no controle e gestão do uso da água pelos agricultores, uma parceria entre a SABESP e a CATI; e ações intensivas para diminuição das perdas de água na distribuição. Entretanto, ainda se vislumbrava a necessidade de buscar novas fontes que permitissem assegurar o volume e retirar a pressão sobre o Rio Pardo e sobre os agricultores e a indústria. A Figura 3 a seguir apresenta as condições da captação Mandacaru, localizada no Rio Pardo, cuja outorga pertence a SABESP, onde se constata que logo após o bombeamento para tratamento, o rio apresentava-se completamente seco. A montante existia como principais usuários os agricultores, os quais, diante de tal cenário, se viram ameaçados a ter as bombas lacradas pela Defesa Civil caso fosse definida a prioridade prevista na Política Nacional de Recursos Hídricos, Lei 9.433 de 8 de janeiro de 1997, que define ASSEMAE - Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento 5

em seu artigo 1: III - em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais; Figura 3 Rio Pardo seco após passar pela captação de água da SABESP. Além dos artigos da Constituição da República Federativa do Brasil onde se lê sobre a obrigatoriedade em se assegurar condições dignas de vida e saúde para a sociedade para a qual a água potável, com qualidade e em quantidade suficiente, tem papel fundamental. A jusante da captação faltava água para o processo produtivo da Duratex S.A., também possuidora de outorga de uso. Essa situação fez com que a empresa parasse metade da sua produção, com perdas estimadas em R$ 2.000.000,00 ao dia. Nesse meio tempo a SABESP constatou a oportunidade de buscar uma nova captação em outra bacia, ou seja, no Rio Lavapés, cujo potencial já vinha sendo analisado, quanto a qualidade, desde 2012. Mas, para tanto, seria necessário que fosse permitido esse uso e outorgada a captação das águas para tratamento e distribuição de água potável, o que se tornou inviável a partir de 2005 com a promulgação da CONAMA 357/05, que o proíbe para rios classes 4. A metodologia ou as etapas necessárias ao enquadramento são apresentadas na Figura 4, e estão em conformidade com as leis brasileiras específicas. A seguir traremos um resumo sobre o Rio Lavapés e o processo adotado, atendendo as etapas elencadas. As ações intersetorias foram desenvolvidas de forma a abranger todos os usuários principalmente a partir de 2014, já que com a severa estiagem que assolou o Estado de São Paulo o Rio Lavapés tornou-se uma alternativa viável para uso para abastecimento público caso fosse necessário. Havia, entretanto, a necessidade de alteração de classe. Verificou-se ainda que a alteração de classe tornaria perene as ações até então desenvolvidas, garantindo o patamar atingido. ASSEMAE - Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento 6

Embora o monitoramento intensivo do Rio Lavapés e afluentes tenha se iniciado em meados de 2012, é importante informar que outras ações realizadas pela SABESP desde a sua assunção da concessão dos serviços de água e esgoto em Botucatu em 1974, e ações de parceria com a ONG Cuesta e prefeitura, permitiram que as condições necessárias para reenquadramento se tornassem reais, e as metas estabelecidas possíveis de ser alcançada, premissa básica da legislação e dos procedimentos necessários para o processo de enquadramento. A Figura 5 apresenta a evolução dos serviços em coleta, afastamento e tratamento de esgotos realizados nos últimos 40 anos. A metodologia e o procedimento de trabalho podem ser, portanto, divididos em dois, sendo um deles o trabalho técnico e executivo, e o outro o processo de caráter legal. - Ações de saneamento: em 1974 inicia-se o processo de saneamento do município de Botucatu. Os índices atuais são: 100% de atendimento com água tratada, 99,7% de coleta de esgotos, 100% de esgoto tratado. São 40 anos, portanto, de um processo contínuo; ASSEMAE - Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento 7

Figura 4 Etapas do processo de enquadramento do corpo d água. - Monitoramento, controle e ação sobre as causas: acompanhamento com análises físicoquímicas e biológicas dos recursos hídricos, em trabalho realizado pela SABESP em parceria com a ONG Cuesta, e trabalhos da ONG Cuesta em alguns rios afluentes ao Rio Lavapés, contando com ações da SABESP e da comunidade. Objetivo: monitorar, controlar eventuais fontes de poluição no rio Lavapés e seus afluentes, atuando sobre as causas; - Análises críticas e revisão de metas: reuniões bimestrais entre os parceiros; - Políticas públicas: revisão e alteração de políticas públicas municipais, tais como o Código Ambiental, que deverá aumentar a área de APP em mananciais utilizados para abastecimento público dentro do município de Botucatu, além de revisão do plano de zoneamento urbano. Além disso, em uma iniciativa inédita, a SABESP em Botucatu desde 2012 transfere 1% da tarifa arrecada para o pagamento por serviços ambientais (PSA), com o compromisso com a manutenção e preservação dos recursos hídricos no município; - Estabelecimento de parcerias com entidades públicas: CATI, Prefeitura, etc.; - Atividades de envolvimento da sociedade: a SABESP atua constantemente junto a escolas e em parceria com entidades para repovoamento dos rios, aulas de educação ambiental, entre outras; ASSEMAE - Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento 8

Figura 5 Evolução dos serviços de esgotamento sanitário e tratamento após a assunção da SABESP no município de Botucatu, em 1974. A parcela de 0,3% para se chegar aos 100% de tratamento estará sendo concluída em 2016, com um sistema para região afastada da sede urbana. Fonte: Dados SABESP. Já as ações de formalização legal do enquadramento seguiram um rito definido pelas agências ambientais e pelo Comitê de Bacia, conforme abaixo: - Elaboração de diagnóstico, com dados da sub-bacia hidrográfica do Rio Lavapés: mapas, uso e ocupação, dados de qualidade e quantidade, entre outros; - Avaliação, parecer e recomendações pelas agências ambientais e de vigilância sanitária: após análise realizada pela Companhia de Meio Ambiente do Estado de São Paulo (CETESB), parecer do Departamento de Águas e Energia (DAEE) e avaliação da Vigilância Sanitária Estadual (VISA), foi emitido relatório com parecer favorável para alteração de classe 4 para classe 3, com recomendações de monitoramento; - Reunião intercâmaras e participação pública: foi realizada reunião extraordinária com representantes de municípios, sociedade civil, ONGs, usuários, prefeituras, representantes do setor industrial e agropecuário, agências ambientais no dia 03/11/2014 no município de Botucatu. Nessa reunião foi aprovada a solicitação de alteração de classe a ser encaminhada para a Secretaria de Recursos Hídricos Estaduais, e foi gerado documento com a aprovação do CBH- SMT; - Parecer técnico e jurídico das câmaras técnicas da Secretaria de Recursos Hídricos Estaduais: foram realizadas duas sabatinas, que antecederam a reunião com todo os representantes das câmaras técnicas, de onde saiu o parecer final favorável a alteração da classe do Rio Lavapés e recomendações para efetivação, em 09 de dezembro de 2014. ASSEMAE - Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento 9

- Criação de grupo para efetivação da alteração de classe: em reunião ocorrida em março de 2015 foi criado o GT-enquadramento pelo CBH-SMT. Nesse período a SABESP permanece realizando ensaios químicos e biológicos ao longo do Rio Lavapés. No entanto, a captação não foi ainda utilizada, uma vez que houve uma melhora na pluviometria a partir de dezembro de 2014. Em fevereiro de 2015 foi emitida a outorga de uso do Rio Lavapés para a SABESP. RESULTADOS E DISCUSSÃO A etapa de monitoramento e acompanhamento com reuniões de análises críticas e planejamento levou a alteração de traçados de troncos coletores de esgoto, saneamento de pontos clandestinos de lançamento, entre outras ações. Os resultados abaixo apresentam um resumo dos dados levantados até março de 2015, no trecho para o qual foi solicitada a primeira etapa de reenquadramento, 2,8 km a partir da nascente. Resultados de qualidade da água e atendimento para as classes de enquadramento Tabela 1 Avaliação do atendimento a qualidade da água no último ponto Parâmetros de qualidade Classe 4 Classe 3 Classe 2 Materiais flutuantes, espumas, não naturais Atende Atende Atende Odor e aspecto, óleos e graxas, fenóis totais Atende Atende Atende Substancias facilmente sedimentáveis Atende Atende Atende OD Atende Atende Atende ph 6,0 a 9,0 Atende Atende Atende Parâmetros orgânicos Atende Atende Parâmetros inorgânicos Parcial (1) Parcial (1) Clorofila a, cianobactérias, sólidos dissolvidos totais Atende Atende Demanda bioquímica de oxigênio Não VMP=5 Atende prevê Média=10 Turbidez, cor verdadeira Atende Atende Cryptosporidium e giardia Atende Atende Coliformes termotolerantes ou e-coli Atende Atende (1) Eventual não atendimento de manganês e ferro devido a ocorrências chuvas, o que é natural em solo brasileiro e na maioria dos rios carga difusa. ASSEMAE - Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento 10

Aprimoramento das Políticas públicas para a preservação dos recursos hídricos - Revisão do Código Ambiental Municipal, com vistas a ampliar a área de preservação ambiental e controlar as possíveis fontes de poluição, inclusive de origem rural (agroquímicos) dentro de faixas de 30 a 100 metros para rios utilizáveis para abastecimento público. Encontra-se na fase final, já concluída a etapa de consultas públicas. Todavia, sem a alteração de classe toda a ação até então realizada ação seria inócua para o Rio Lavapés; - Implantação do Pagamento por Serviços Ambientais, uma parceria entre a concessionária e a Prefeitura com destinação de parte da tarifa para a preservação dos recursos hídricos do município. Trata-se de uma iniciativa inédita no Brasil; - Proposta de revisão da lei de zoneamento municipal. Preservação das nascentes do Rio Lavapés Em 2005 foi inaugurada pela Prefeitura Municipal de Botucatu a Escola do Meio Ambiente, dentro de uma área de 8 hectares onde vem sendo preservadas as nascentes que forma o Rio Lavapés. A escola mantém um trabalho contínuo de educação ambiental com crianças que anualmente, até a idade de 14 anos, visitam o local, plantam árvores e se conscientizam da importância de preservação do meio ambiente. Participação e controle social: - Repeixamento do Rio Lavapés em novembro de 2014; - Mutirões de limpeza do Rio Lavapés e afluentes ao longo de 2014; - Disponibilização dos resultados de qualidade do rio para organizações não governamentais e divulgação. Ações de fiscalização e planejamento Com a alteração da classe do rio foi definido que um grupo de trabalho coordenado pelo Comitê de Bacias estará atuando sistematicamente no Rio Lavapés. O monitoramento está sistematizado e ações de fiscalização pelo órgão ambiental, que antes não ocorriam, serão solicitadas. Os dados apresentados representam a evolução de um trabalho de 40 anos, onde a classe 4 já apresenta pleno atendimento, com resultados de oxigênio dissolvido atendendo até a classe mais restritiva e tornando o Rio Lavapés um rio vivo. Entretanto, a manutenção dessa qualidade e a melhoria para alguns parâmetros requer uma alteração legal, ou seja, a própria mudança de classe, permitindo que a partir de metas mais exigentes de qualidade se faça uso das sanções legais com obrigação de cumprimento. Um rio classe 4 não exige o atendimento a uma enorme variedade de parâmetros o que torna o processo realizado muito frágil. Um rio classe 3 com metas mais exigentes trará em contrapartida a atuação mais efetiva dos usuários, obrigados por força de lei, e ações fiscalizatórias. ASSEMAE - Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento 11

CONCLUSÃO Conclui-se que o pacto entre a sociedade de Botucatu foi fundamental para que o Rio Lavapés se tornasse um rio urbano com possibilidade de ser revitalizado. A atuação efetiva da empresa de saneamento, SABESP, com a promoção de parcerias entre as diversas entidades e usuários e o seu compromisso com a melhora dos corpos d água; a postura pró-ativa da Prefeitura Municipal, com ações voltadas para a preservação dos recursos hídricos e do meio ambiente em geral; a união promovida por estas duas entidades junto aos demais usuários permitiu que o Rio Lavapés se tornasse um rio de águas piscosas. Espera-se, com a apresentação deste trabalho e sua divulgação, que o mesmo sirva como exemplo para outros locais. Uma constatação importante desse projeto foi que as nascentes do Rio Lavapés preservadas pela prefeitura de Botucatu através da Escola do Meio Ambiente pouco se alteraram neste período de severa estiagem e crise hídrica, demonstrando que a preservação nos permitirá ter um futuro mais tranquilo e com melhor qualidade de vida. O Rio Lavapés não vem sendo utilizado para abastecimento público ainda, mas tornou-se uma alternativa totalmente viável e que já vem beneficiando a população de Botucatu e a sociedade, ao tornar real um sonho: transformar rios urbanos antes inúteis em rios vivos, inspirando a todos por um meio ambiente equilibrado, mesmo em áreas urbanas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CONSELHO NACIONAL DE MEIO AMBIENTE CONAMA 357 (2005). Resolução Conama nº 357. Disponível em:< www.mma.conama.gov.br/conama> OLIVEIRA, FG. (2013) Caracterização fisiográfica, hidrológica e energética da bacia de contribuição da microcentral hidrelétrica da fazenda lageado, Botucatu SP. Faculdade de Ciências Agronômicas da UNESP - Campus de Botucatu. Tese de Doutorado. AGENCIA NACIONAL DE ÁGUAS (2005). Panorama do enquadramento dos corpos d água. Ministério do Meio Ambiente. SÃO PAULO. Decreto 8468 de 08 de setembro de 1976. BRASIL. Decreto 10.755 de 22 de novembro de 1977. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. BRASIL. Política Nacional de Recursos Hídricos, Lei 9.433 de 8 de janeiro de 1997 ASSEMAE - Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento 12