FISHES AND STONES TO IMPLEMENT FISHERY CO-MANAGEMENT IN THE UPPER SÃO FRANCISCO RIVER, MINAS GERAIS, BRAZIL 1



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Transcrição:

FISHES AND STONES TO IMPLEMENT FISHERY CO-MANAGEMENT IN THE UPPER SÃO FRANCISCO RIVER, MINAS GERAIS, BRAZIL 1 Presentation type: Invited Symposium (Community-based conservation in Brazilian fisheries: Challenges and Opportunities) Authors: Thé, Ana Paula Glinfskoi; Mancuso, Maria Inês Rauter; Cerdeira, Regina; Santos, Gilvandra Silva; Apel, Marcelo; Madeira, Thaís; Macnaughton, Alison; Apel, Lígia; Mota, Marcos; Carolsfeld, Joachim. Ana Paula Glinfskoi Thé, pesquisadora associada à Universidade Federal de São Carlos, Departamento de Ciências Sociais. Rod. Washington Luiz, Km 235, CEP- 13560-000, São Carlos- SP. Telefone: (0XX16) 33518370 endereço eletrônico: anathecomanej@yahoo.com.br This paper describes participatory research which is being carried out since 2004 by the Instituto Amazônico de Manejo dos Recursos Ambientais (IARA) and the Federal University of São Carlos (UFSCar), with collaboration of other partners of the Project Fish, People and Water. 2 The work is facilitating the establishment of fishery comanagement with the professional artisanal fishermen in the São Francisco River in Minas Gerais state, bringing the experience from Amazon region of fishery agreements ( acordos de pesca ) to the São Francisco region. Six towns in northern Minas Gerais State are in the pilot study, ranging from Três Marias to just north of Pirapora. This involves four fisheries colônias and represents about 450 fishing families. Seven activities were carried out to promote community empowerment and to develop conditions for governmental decentralization in the management of fishery resources. The dialogue between community and governmental agencies was established and legal instruments for co-management now exist. Considerable progress has been made towards strengthening the fisheries organizations and their expression, but considerable more work is still needed for these changes to bring concrete and sustainable returns to the community, and it is still unclear what form of fisheries co-management will eventually be established. Key words: professional artisanal fishery; fishery co-management; participatory process; equity; decentralization. 1 Funded by the International Development Research Centre (IDRC) of Canada, and the Canadian International Development Agency (CIDA). 2 World Fisheries Trust (WFT), the Artisanal Fishermen s Federation of Minas Gerais State, fishing colonias of Três Marias, Pirapora, Buritizeiro, and Ibiaí, the Municipality of Três Marias, the Instituto Estadual de Florestas (IEF), the Instituto de Meio Ambiente e Recursos Naturais (IBAMA), and Policia Militar de Minas Gerais (PMMG). 1

Este trabalho refere-se à pesquisa participante intitulada Rumo à Co-Gestão da Pesca no Vale do São Francisco, a qual vem sendo desenvolvida desde de 2004 pelo Instituto Amazônico de Manejo de Recursos Ambientais - IARA e pela Universidade em colaboração com outros parceiros do Projeto de Cooperação Bilateral Brasil Federal de São Carlos - UFSCar, Canadá Peixes, Pessoas e Águas 3. Esta pesquisa participante tem atuado no desenvolvimento da gestão participativa da pesca em parceria com os pescadores artesanais profissionais do Rio São Francisco no Estado de Minas Gerais, tendo como base a experiência do processo de desenvolvimento institucional e legal dos acordos de pesca da região Amazônica. É importante salientarmos o conceito de pesquisa participante de Michel Thiollent (1985), para uma melhor compreensão do âmbito desta pesquisa. Para o autor, a pesquisa participante, ou pesquisa ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo (Thiollent, 1985, parágrafo 1, pg.14). Nosso problema coletivo, portanto, é a ineficiência do modelo vigente de manejo dos recursos pesqueiros no Estado de Minas Gerais, centralizado nos órgãos governamentais, no caso específico, o IBAMA e o IEF-MG para normatização e fiscalização da pesca e, a Polícia Militar Ambiental, que em convênio com estes órgãos, é a principal força fiscalizadora desta atividade na porção mineira do Rio São Francisco. A centralização da gestão dos recursos naturais têm sido ineficaz na resolução de diversos conflitos relacionados ao manejo e uso dos recursos pesqueiros, como por exemplo: os conflitos entre as comunidades e o Estado, devido à falta de confiança entre ambos e a desvalorização e até proibição de práticas tradicionais de pesca e de manejo local, considerados predatórios; os conflitos entre as instituições governamentais, principalmente, entre IBAMA e IEF, com elaboração, por ambos órgãos, de portarias de pesca conflitantes, dificultando o cumprimento da legislação da pesca pela comunidade e aumentando os conflitos com a fiscalização; e os conflitos entre diferentes usuários dos recursos pesqueiros e hídricos do São Francisco, como pescadores artesanais profissionais, pescadores amadores, fazendeiros, indústrias metalúrgicas, entre outros. Esta falta de entendimento no manejo dos recursos coloca os estoques pesqueiros sob o risco de sobre-explotação, já que não promove o cumprimento da legislação de pesca e não proporciona uma fiscalização eficiente e não violenta; não garante proteção aos locais de desenvolvimento dos alevinos, as lagoas marginais, as quais têm sido exaustivamente exploradas e destruídas pelos projetos agrícolas; não inibe a degradação do ecossistema pela poluição industrial, colocando em risco espécies de peixes, e possivelmente, a comunidade ribeirinha, como o caso da mortalidade do surubim (Pseudoplatysma coruscans) que têm ocorrido na região desde o início de 2005; e por último, ameaça a sustentabilidade de uma das mais importantes fontes de proteína e de subsistência econômica da região: a pesca artesanal. 3 Financiado pela Canadian International Development Agency CIDA, o projeto é coordenado pela ONG canadense World Fisheries Trust WFT, pela UFSCar e pela Federação de Pescadores de Minas Gerais. 2

Outro desafio é a falta de informações, tanto sobre os estoques pesqueiros do Rio São Francisco, como sobre o esforço de pesca a que estes estão submetidos. Faltam pesquisas periódicas e participantes sobre o desembarque da pesca para possibilitar uma avaliação de estoques. O esforço de pesca também é de difícil mensuração devido à existência de um número desconhecido mas possivelmente considerável de pescadores clandestinos, referentes tanto àqueles que vivem comercialmente da pesca mas se não se encontram profissionalizados (não cadastrados em colônias), como àqueles que, sendo ribeirinhos, vivem preferencialmente de alguma outra atividade profissional, pescando periodicamente para incremento da alimentação familiar e lazer. Este contexto nos coloca sob a possibilidade de uma Tragédia dos Comuns, teoria proposta por Hardin (1964) a qual considera que, no caso de recursos comuns, a lógica individualista superaria a coletiva na prática de obtenção dos recursos. A maioria dos recursos naturais pode ser classificada como recursos comuns. Segundo Ostrom et al. (1994), recursos comuns são estoques naturais ou antrópicos que permitem fluxos de unidades utilizáveis ao longo do tempo. Os recursos comuns compartilham duas características: 1) é custoso desenvolver instituições que excluam beneficiários em potencial destes recursos conhecida como problema de exclusão; 2) as unidades de recursos obtidas deste estoque comum por um determinado usuário não estarão mais disponíveis a outros usuários conhecida como problema da subtractabilidade. (Ostrom et al, 1994; Berkes et al, 2001). Para resolver portanto, o problema da exclusão e da subtractabilidade no manejo dos recursos naturais comuns como os recursos pesqueiros, é necessário responder como controlar o acesso ao recurso e como incentivar o cumprimento de regras e regulamentos entre os usuários para reduzir o impacto de um sobre o outro. Tanto controlar o acesso ao uso como resolver o problema da subtractabilidade de recursos pesqueiros têm sido o desafio para vários programas de manejo ao redor do mundo (Berkes et al, 2001; Pomeroy et al, 1998; Freeman, 1992; Holling e Meffe, 1996, Ludwig, 2001). Na maioria deles, definir o tamanho do grupo de usuários, quantos equipamentos e barcos existem e quais são os diferentes grupos de usuários são questões de difícil resposta (Berkes et al, 2001). Em muitos casos, e em convergência a este estudo, as populações são muito fluídas, os participantes na pesca estão mudando todo o tempo, ou alternando as atividades de pesca com outras atividades econômicas, ou alternando para outras regiões de pesca, como no caso do reservatório de Três Marias, onde muitos pescadores chegam e partem para outros reservatórios, buscando recursos mais disponíveis (Thé, 1999). Em outros casos, a legislação federal define os recursos hídricos como open-acess. No caso dos rios brasileiros, por exemplo, por pertencerem a União, pertencem como direito, à todos cidadãos, e por isso a exclusão de usuários de fora (pescadores de outras regiões, por exemplo) por portarias, instruções normativas ou acordos de pesca, se tornam legalmente questionáveis. Em quaisquer destes casos, as pesquisas fortemente indicam que se o acesso a um recurso não é controlado de algum modo, cedo ou mais tarde o recurso irá estar sujeito a uma tragédia dos comuns (Berkes et al, 2001). O problema da subtractabilidade se manifesta através dos conflitos entre pescadores ou outros usuários ou através dos conflitos entre usuários e instituições governamentais, pelo não cumprimento da legislação. Portanto, o questinamento sobre a efetividade das leis em vigência ou a reflexão sobre o seu não cumprimento, como 3

também, a reflexão sobre as divirgências entre o pensar e o agir das instituições que criam e fiscalizam as leis (conhecimentos científicos, ou as vêzes lobbys políticos) e o pensar e o agir das comunidades que pescam (conhecimento ecológico e manejo local de uso dos recursos naturais desenvolvido pela experiência empírica da comunidade no ambiente em que vive, ao longo de diversas gerações) apontam para outra descoberta na literatura sobre uso de recursos comuns na questão da subtractabilidade: manejo não funciona ao menos que os usuários estejam de acordo à seguí-las (Berkes, et al, 2001). Este projeto de pesquisa-ação, tem como objetivo geral apoiar a sustentabilidade da atividade da pesca e do recurso pesqueiro no trecho mineiro do Rio São Francisco, através da parceria entre vários núcleos de pesquisa brasileiros e canadenses, entre os vários níveis governamentais (municipais, estaduais e federais) e entre os pescadores artesanais profissionais, através do desenvolvimento da gestão participativa da pesca. A decisão de escolher os acordos de pesca e a metodologia empregada pelo IARA para fortalecer este processo de co-gestão, foi principalmente por que os instrumentos normativos do IBAMA que hoje legitimam os acordos de pesca na Amazônia não são em si o início destes. Os acordos de pesca já são tradicionais nas comunidades ribeirinhas da Amazônia desde os anos 60 e 70. Surgiram como forma de minimizar conflitos que existiam entre pescadores nas regiões de ambientes lacustres. Na maioria dos casos, pescadores locais, que vivem ao redor dos lagos, confrontam pescadores de fora, que utilizam artes e embarcações com maior poder de pesca. Para defender suas áreas de pesca, que eles consideram de propriedade comum (da comunidade), muitas comunidades da várzea começaram a desenvolver e implementar sistemas de manejo comunitários, com a finalidade de reduzir ou controlar a pressão dos recursos (Isaac & Cerdeira, 2004). Já na região do São Francisco, em Minas Gerais, a atividade pesqueira têm sido realizada há mais de um século, através de regras informais para o uso dos recursos pesqueiros, as quais abragem a divisão espacial das margens e de regiões de rio e represa em acampamentos e sítios de pesca entre os usuários, além dos complexos sistemas de propriedade comum, que limitam o acesso e o uso dos recursos pequeiros à grupos de pescadores proprietários, como os sistemas da Praira de Januária e da Cachoeira de Buritizeiro e Pirapora (Thé, 2003). No entanto, não existe até hoje a legitimação pelos órgãos governamentais de nenhum destes arranjos locais. Também, até meados de 2003, nenhum movimento de estruturação de um modelo de gestão participativa para a região havia sido efetivamente realizado, tanto pelas Colônias e Federação de pescadores, que encontravam-se em situação de discrédito pela base e de desorganização, tanto como pelos órgãos governamentais, pela inexperiência em processos participativos. Até então, apenas alguns encontros consultivos ocorriam entre lideranças locais e os órgãos competentes ao longo dos anos, na grande maioria convocados pelo IEF-MG e pelo IBAMA e de caráter totalmente informativo, onde havia apenas um locutor, o Estado. Por todo este contexto, o projeto se propôs iniciar as atividades em 2004, seguindo os princípios colocados por Berkes et al (2001) na sua definição sobre comanejo: Um processo de manejo de recursos, dinâmico ao longo do tempo, envolvendo aspectos de democratização, empoderamento social, equitabilidade de poder e decentralização. As atividades de pesquisa ação deste projeto centram-se, portanto, em oficinas, workshops, fóruns, visando a capacitação dos pescadores profissionais, instituições governamentais locais, municipais, e federais, e outros usuários dos recursos naturais 4

para a o manejo participativo, em seis municípios da região do Norte de Minas Gerais, sendo estes: Três Marias; São Gonçalo do Abaeté; Pirapora; Buritizeiro; Várzea da Palma; e Ibiaí. Os pescadores artesanais profissionais que vivem na área urbana e rural destes municípios estão organizados atualmente em quatro colônias (no início do projeto eram duas): Colônia de Pescadores de Três Marias Z-5; Colônia de Pescadores de Colônia de Pescadores de Buritizeiro Z-21 ; Colônia de Pescadores de Ibiaí Z-20. As atividades realizadas com as colônias de pescadores e outros stakeholders até o momento previam o desenvolvimento do contexto social para a co-gestão através: do autoconhecimento e auto- reflexão, construindo a identidade da categoria, ou comunidade à qual pertecem (Reunião de censo comunitário e Pesquisa participante de censo domiciliar); da capacitação para a organização e de lideranças comunitárias, buscando assim autonomia (Oficina de capacitação de lideranças); do empoderamento comunitário através da informação, sobre como ela é produzida e para que ela serve, aprendendo a utilizá-la para seu o auto-conhecimento e divulgação dos seus próprios interesses e da valorização do seu modo de vida (I e II oficina de repórteres comunitários); do exercício da democracia, com equidade de poder visando a descentralização, quando a comunidade passou a negociar e discutir junto com o governo os direitos e deveres de cada um em relação ao uso e conservação dos recursos naturais (I Fórum Regional da Pesca, Workshop sobre Avaliação Comunitária de Estoques Pesqueiros, I Oficina de Monitoramento Comunitário da Qualidade da Água, Oficina de Desenvolvimento Comunitário e Gênero); e através do processo de reflexão sobre a experiência vivida por todo grupo de interesse, aprendendo a avaliar e a propôr redirecionamentos nas ações de cada componente envolvido na gestão participativa da pesca (Pré-avaliações comunitárias, Oficina de Revisão do Projeto IDRC/CIDA- Ano 1). Durante a realização destas atividades, importantes passos foram dados Rumo a Gestão Participativa da pesca no trecho mineiro do São Francisco, como por exemplo: 1. Unificação das portarias de defeso do IEF e IBAMA, resultado direto do I Fórum Regional da Pesca de Três Marias (junho, 2004); 2. Criação das Colônias de Ibiaí e de Buritizeiro, que já possuíam associações criadas e foram organizadas durante o desenvolvimento das atividades do projeto. A motivação a se transformarem em colônias não se deve as atividades do projeto, isto já era um precedente para ambas as comunidades, mas o projeto influenciou a decisão sobre a formação das colônias a partir das informações sobre direitos sindicais recebidas durante a I Oficina de Capacitação de Lideranças em Abril de 2004. O processo de criação destas colônias abriu o debate entre a categoria sobre a forma de funcionamento destas entidades, como a necessidade de serem revistas as formas de eleição e as regras e taxas que compõem os seus estatutos. O debate teve início na própria oficina de capacitação e se estende até hoje, envolvendo as colônias e a Federação de Pescadores de Minas Gerais. 3. Aproximação entre os membros da categoria de pescadores profissionais estamos mais unidos e as oportunidades de troca de experiências entre eles em diversas atividades, proporcionando o aprendizado entre os iguais. 5

4. Surgimento de novas lideranças a partir das capacitações, principalmente de mulheres. Três das quatro colônias de pescadores possuem no seus novos grupos diretores mulheres pescadoras. 5. Aproximação de diferentes stakeholders e a categoria de pescadores artesanais profissionais do Rio São Francisco, a partir da realização do I Fórum Regional da Pesca, para discutir conjuntamente maneiras de resolver conflitos relacionados ao uso dos recursos naturais comuns a estes diferentes usuários, como órgãos governamentais, empresas estatais, empresas privadas, pequenos e médios proprietários de terra, escolas, universidades, etc. 6. Comprometimento dos órgãos governamentais e das colônias de pescadores durante diversos encontros para a criação de um Grupo de Trabalho da Pesca no qual será discutida uma estratégia de manejo participativo dos recursos pesqueiros no Rio São Francisco. Este terá sua primeira reunião de estruturação no início de setembro de 2005. Estas oportunidades valorizadas nas ou criadas pelas atividades dos projetos Peixes, Pessoas e Água CIDA/Brasil e Rumo a Co-Gestão da Pesca no Vale do Rio São Francisco - IDRC são fundamentais para o prosseguimento de um manejo participativo dos recursos naturais nesta região, mas há ainda grandes desafios a se superar, como: o desapontamento de lideranças locais há muito tempo na direção das organizações de pescadores artesanais com as novas formas mais democráticas de organização da categoria, incentivadas pelo projeto; a falta de engajamento dos representantes e técnicos dos órgãos governamentais em participar e construir efetivamente a gestão participativa da pesca no trecho mineiro do Rio São Francisco; o lobby político da pesca amadora no Estado de Minas Gerais que tem pressionado a Assembléia Legislativa a votar um novo decreto de lei proibindo a pesca profissional na Bacia do São Francisco em Minas Gerais; e ainda, a injusta fiscalização dos usos dos recursos naturais pelos órgãos fiscalizadores, principalmente os Estaduais, muito maior sobre a pesca artesanal do que sobre os crimes ambientais cometidos pela atividade industrial (mineração e siderurgia), agrícola e administrações públicas locais nas questões de lixo e esgoto. O processo de reorganização de colônias e a disposição dos órgãos governamentais para o exercício do manejo dos recursos pesqueiros através da gestão participativa apontam a possibilidade de mudanças adaptativas no atual contexto econômico, ecológico e social da pesca artesanal no Rio São Francisco. Mas a garantia da sustentabilidade dos recursos naturais e da atividade pesqueira na região depende diretamente do envolvimento e do compromisso de todos os usuários e do Estado na resolução dos conflitos e desafios, para além tanto do tempo de execução de quaisquer dos projetos como do tempo de exercício de grupos políticos nas instituições governamentais e de representações locais comunitárias. Berkes, F., Mahon, R., McConney, P., Pollnac. R. and Pomero, R. 2001. Managing Small-scale Fisheries. Alternative Directions and Methods. Ed. IDRC, Ottawa, CA. Hardin, G. 1968. The tragedy of the commons. Science 162: 1243-1248. 6

Holling C. S. e Meffe, G. K. 1996. Command and Control and the Pathology of Natural Resource Management. Conservation Biology, Vol. 10, No. 2: 328. Pomeroy, R.S., Katon, B.M. & Harkes, I. 1998. Fisheries co-management: Key conditions and principles drawn from Asian experiences. Presented at The Seventh Biannual Conference of the International Association for the Study of Common Property, Crossing Boundaries. Vancouver, June10-14. Jentoft, S. 2000. The community: a missing link of fisheries management. Marine Policy, 24, 53-59. Ludwig, D. 2001. The era of management is over. Ecosystems (2001) 4: 758-764. Ostrom, E. Gardner, R., e Walker, J.M.1994. Rules, Games and Common-Pool Resources. University of Michigan Press, Ann Arbor. Issac, V. J. & Cerdeira, R. G. P. 2004. A Avaliação e Monitoramento de Impacto dos Acordos de Pesca: Região do Médio Amazonas. Documentos Técnicos 3: Projeto Pró- Várzea/Ibama. Thiollent, M. 1985. Metodologia da Pesquisa Ação. São Paulo; Ed. Cortez. Thé, A.P.G. 1999. Etnoecologia e Produção Pesqueira na Represa de Tres Marias, MG. Dissertação de Mestrado, PPG-ERN, UFSCar, São Carlos, SP. Thé, A.P.G. 2003. Conhecimento Ecológico, Regras de Uso e Manejo Local dos Recursos Naturais na Pesca do Alto-Médio Sã Francisco, MG. Tese de Doutorado, PPG-ERN, UFSCar, São Carlos, SP. 7