Pronunciamento da Deputada Telma de Souza no dia 17 de Maio de 2005 Breves Comunicações Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Parlamentares Para dar ciência à Câmara Federal, solicitando sua transcrição nos Anais da Casa e reprodução através dos meios de Comunicação, especialmente A Voz do Brasil Peço licença para fazer um breve retrospecto sobre o meu envolvimento com a questão da AIDS, já que esse envolvimento diz muito a respeito de minha responsabilidade de estar hoje presidindo esta Audiência Pública. Como quase todos sabem, tive a honra de ser prefeita de minha cidade, Santos, entre 1989 e 1992, período em que também tive o privilégio de trabalhar com o Dr. David Capistrano Filho, que foi Secretário de Saúde durante minha gestão. Quando chegamos ao governo, Santos ostentava o triste título de campeã nacional da AIDS, devido ao elevado índice de contaminação ali existente. O mais grave, porém, não era propriamente esse quadro de avanço incontrolado da doença, mas a 1
negação das autoridades locais que nos antecederam, que creditavam as notícias sobre a gravidade da epidemia a uma suposta campanha de difamação contra a imagem do município. Nossa primeira atitude, portanto, enquanto governo municipal, foi promover uma cuidadosa pesquisa para determinar as principais fontes de contaminação, o que nos levou a uma constatação até então não cogitada. A transmissão do HIV, ao contrário do que era ventilado como senso comum, não se dava prioritariamente através do contato sexual, embora, como toda a cidade portuária, Santos tivesse fama de possuir uma zona de prostituição bastante ativa. Ocorre que nosso levantamento demonstrou que as prostitutas, no caso, até se protegiam razoavelmente. A contaminação se dava, majoritariamente, por intermédio do uso de drogas injetáveis. Essa revelação nos permitiu fazer uma campanha de prevenção abrangendo de maneira específica esse segmento da população, enquanto não se descuidava dos outros grupos de risco, já que, na época, a doença ainda tinha um perfil que induzia a esse tipo de abordagem, hoje totalmente ultrapassada. Não foi fácil enfrentar a onda de preconceito e conservadorismo que se formou contra os métodos que passamos a aplicar para o controle da epidemia, incluindo a prática pioneira da troca de seringas para usuários de drogas injetáveis, fato esse que nos custou problemas judicias sérios com o Ministério Público local. 2
A coragem e resistência de nossa equipe permitiram, no entanto, que os índices de contaminação fosse caindo, dando-nos fôlego para direcionar nossas investidas também para o tratamento das pessoas vivendo com HIV, no que obtivemos resultados animadores e que se tornaram mais promissores ainda quando, já no governo de meu sucessor na prefeitura, o próprio Doutor David Capistrano Filho, nos tornamos a primeira cidade do Brasil a distribuir, gratuitamente, o anti-retroviral AZT. Por todos esses fatores, Santos, pelas práticas pioneiras ali adotadas, se tornou uma referência nacional para o enfrentamento da doença, sendo que o atual Programa Nacional mantém ainda hoje, de forma ampliada e aperfeiçoada várias das políticas que foram aplicadas pioneiramente na cidade. Quando fui eleita para meu primeiro mandato parlamentar na Câmara dos Deputados, em 1994, o meu envolvimento com a questão da AIDS, em nível do Legislativo Federal, foi uma ocorrência natural e diria até inevitável, já que sabia da responsabilidade que me cabia de dar prosseguimento à batalha que iniciáramos anos antes, na administração municipal de Santos. No Congresso, participamos de várias ações relativas à luta por mais recursos para programas de prevenção, pela melhoria da qualidade de vida das pessoas vivendo com HIV e pela garantia dos direitos de cidadania dessas pessoas. 3
De certa forma, a Frente Parlamentar em HIV/AIDS, criada em 2003, veio aglutinar e reforçar essas ações pontuais, já que passamos a contar com um órgão articulado, não apenas para prosseguir na nossa luta, em termos de pressão política, mas também para articular a criação de espaços públicos onde a sociedade civil e as autoridades do setor pudessem debater de maneira transparente e democrática os problemas que atingem a área, gestando um esforço conjunto em busca das soluções necessárias. Se muito avançamos até aqui, novos e grandes desafios surgem a cada dia, exigindo nossa atenção e empenho constante para superá-los. Ao mesmo tempo, temos que enfrentar diversos retrocessos a importantes obstáculos que considerávamos totalmente superados. Cito um exemplo recente, em que me vi envolvida pessoalmente. Entre as várias ações que ganharam destaque nacional na política de enfrentamento à AIDS que foi implementada em Santos, a criação do Centro de Referência em AIDS(Craids) santista serviu de modelo para inúmeras unidades semelhantes instaladas por todo o País, devido à sua eficiência no atendimento aos pacientes que o procuravam. Pois bem, há cerca de um mês fomos surpreendidos por notícias na imprensa dando conta do estado de total abandono em que encontrava aquele centro de referência. A omissão das autoridades municipais nos últimos oito anos criou uma situação de risco que exigia uma ação imediata. E foi o que fizemos: 4
levamos o caso ao conhecimento do Ministro da Saúde, Doutor Humberto Costa, e do Diretor do Programa Nacional de DST/AIDS, Doutor Pedro Chequer, que se sensibilizaram e rapidamente determinaram a adoção de providências para a liberação de recursos emergenciais para a reforma do Craids de Santos. Tivemos, na última quinta-feira, a satisfação de participar do convênio nesse sentido. Coloco aqui este episódio por considerá-lo emblemático no sentido de que nossa mobilização na luta contra a AIDS e na defesa dos direitos das pessoas vivendo com HIV deva ser constante, pois muitas vezes não são apenas novos desafios que necessitam nosso empenho, mas também a reconquista de espaços que já considerávamos consolidados. É, portanto, muito oportuno estamos reunidos na primeira Audiência Pública que a nossa Frente Parlamentar realiza este ano, pois temos, como sempre, novos desafios a enfrentar e antigos espaços a consolidar. E a nossa mobilização constante é a única postura possível diante da realidade que é colocada à nossa frente. Sala das Sessões, 17 de Maio de 2005 Deputada Telma de Souza PT/SP 5