Tratamento artroscópico da tendinite calcária do ombro *



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Transcrição:

TRATAMENTO ARTROSCÓPICO DA TENDINITE CALCÁRIA DO OMBRO Tratamento artroscópico da tendinite calcária do ombro * GLAYDSON GOMES GODINHO 1, JOSÉ MÁRCIO ALVES FREITAS 2, AGNUS WELERSON VIEIRA 3, LEONARDO CÔRTES ANTUNES 4, EDUARDO WATANABE CASTANHEIRA 4 RESUMO * Trab. realiz. no Hosp. Ortopédico AMR (Associação Mineira de Reabilitação) e Hosp. Belo Horizonte, Belo Horizonte, MG. 1. Cirurgião-Chefe do Serviço de Cirurgia e Reabilitação do Ombro dos Hosp. Ortopédico-AMR e Belo Horizonte. 2. Cirurgião Especialista de Ombro dos Hosp. Ortopédico-AMR e Belo Horizonte. 3. Estagiário de Cirurgia do Ombro nos Hosp. Ortopédico-AMR e Belo Horizonte. 4. Residente R3 da Reiot (Residência Integrada de Ortop. e Traumatol. dos Hosp. Ortopédico-AMR e Belo Horizonte). Uma das mais comuns afecções do manguito rotador, a tendinite calcária, tem etiologia desconhecida e, geralmente, apresenta resposta satisfatória ao tratamento conservador. Para pacientes nos quais a cirurgia está indicada, a artroscopia representa alternativa menos traumática do que o procedimento aberto, tradicional. Neste trabalho, os autores apresentam as duas correntes teóricas que tentam explicar a fisiopatologia da tendinite calcária: 1) uma área crítica, onde fenômenos de hipóxia levariam à necrose e deposição de cálcio local e 2) um ciclo formativo-absortivo, mediado por células e, portanto, tecido vivo, e não distrófico, levando à deposição e, posteriormente, à absorção do cálcio no local. Foram revistos 66 ombros, correspondendo a 66 pacientes, operados pelo mesmo cirurgião, entre setembro de 1990 e agosto de 1996, com seguimento mínimo de 10 meses de evolução pós-cirúrgica e máximo de 80 meses, com média de 30 meses. O tempo médio, decorrido entre o início dos sintomas e o procedimento cirúrgico, foi de 39 meses, mínimo de 1 mês e máximo de 240 meses (20 anos). Os dados foram compilados dentro dos critérios de avaliação da UCLA com resultados globais excelentes em 58 pacientes (87,9%); bons, em 4 pacientes (6,1%); razoável, em 1 paciente (1,5%) e pobres, em 3 pacientes (4,5%). Os autores analisaram a influência da ressecção, completa e parcial da calcificação, sobre os resultados excelentes (88,9% e 83,3%, respectivamente) e concluíram, como a maioria absoluta dos autores, que esses resultados são semelhantes. Análise idêntica foi feita em relação à influência da acromioplastia, que, quando realizada, mostrou 89,1% de excelentes resultados, contra 81,8% quando não realizada, o que coincide com a opinião generalizada dos autores, de que a acromioplastia é desnecessária na cirurgia da tendinite calcária do ombro. SUMMARY Arthroscopic treatment of shoulder calcifying tendinitis One of the most common disorders of the rotator cuff, the calcifying tendinitis, is of unknown etiology, generally presenting satisfactory results with conservative treatment. For patients to whom surgery is indicated, the arthroscopy represents a less traumatic procedure than the open traditional ones. In this paper, the authors try to explain the calcifying tendinitis physiopathology: 1) one critical zone where a reduction in oxygen tension transforms a portion of the tendon into necrotic tissue where calcium deposition will occur; 2) one formative-resorptive cell-mediated reactive process that takes place in living tissue where calcium will deposited and resorbed later. Sixty-six shoulders, corresponding to sixty-six patients, were reviewed, operated on by the same surgeon between September 1990 and August 1996, with minimum follow-up of 10 months, maximum of 80 months (mean follow-up of 30 months). The mean time between the beginning of symptoms and surgery was 39 months, with minimum of 1 month and maximum of 240 months (20 years). Results were analyzed using UCLA classification: 58 (87.9%) excelent results; 4 (6.1%) good results; 1 (1.5%) fair result and 3 (4.5%) poor results. The authors analyzed the effect of partial and complete calcium resection on the excelent results (88.9% and 83.3% respectively) and concluded, like most authors, that these results are the same in both hypo- Rev Bras Ortop _ Vol. 32, Nº 9 Setembro, 1997 669

G.G. GODINHO, J.M.A. FREITAS, A.W. VIEIRA, L.C. ANTUNES & E.W. CASTANHEIRA theses. A similar analysis was made in relation to the effect of acromioplasty. Excelent results were obtained in 89.1% of patients submitted to acromioplasty, as well as in 81.8% of those not submitted to this process. Therefore, the authors concluded that acromioplasty is not necessary in shoulder calcifying tendinitis surgeries. INTRODUÇÃO A tendinite calcária, uma das mais comuns afecções do manguito rotador, tem etiologia desconhecida e, geralmente, apresenta resposta satisfatória ao tratamento conservador. De Palma & Kruper (5) propõem uma classificação clínicoradiográfica, dividindo as tendinites calcárias em lesões amorfas, geralmente associadas com sintomas agudos, e em lesões definidas homogêneas, geralmente subagudas ou crônicas. Essas lesões apresentam um triplo polimorfismo (19) clínico, radiográfico e evolutivo: a) Polimorfismo clínico, porque acometem principalmente o sexo feminino, entre 30 e 50 anos. Podem ser totalmente assintomáticas, apresentando episódios agudos de dor ou evoluindo sobre um fundo doloroso crônico; b) Polimorfismo radiográfico, com dois aspectos extremos e com grande variação de imagens intermediárias: por um lado, com o aspecto de verdadeiro abscesso de aspecto radiográfico homogêneo e, por outro lado, verdadeira infiltração calcária do tendão, de extensão variável e aspecto nãohomogêneo, radiograficamente; c) Polimorfismo evolutivo, porque algumas formas são imutáveis, enquanto outras desaparecem em algumas semanas por ocasião de crises hiperálgicas típicas. O conceito da existência de uma área específica no tendão supra-espinhal, conhecida como área crítica, suscetível à calcificação, foi primeiro descrito por Codman (4). A vascularização dessa área tem sido repetidamente investigada. Acredita-se que possível hipoperfusão local inicie o processo degenerativo que, subseqüentemente, levará à calcificação ou à ruptura. De acordo com McLaughlin (12), a lesão primária é uma hialinização focal das fibras que se destacam do tecido normal que as contorna, constituindo-se em desbridamento necrótico focal sobre o qual ocorre a calcificação. Uhthoff & Sarkar (17) teorizam que a tendinite calcária é uma condição autolimitante, caracterizada por um ciclo formativo-reabsortivo, mediado por células e, portanto, de ocorrência em tecidos vivos, e não de natureza distrófica. Esses autores postulam uma fase pré-calcificante, na qual uma redução na tensão local de oxigênio transforma parte do tendão em fibrocartilagem, onde condrócitos funcionam como mediadores da deposição de cálcio em múltiplos focos. Em seguida à fase formativa, o cálcio pode existir por período indefinido de tempo no local de depósito. Eventualmente, células fagocitárias se acumulam em torno de alguns focos, proliferando formação de verdadeiros canais vasculares locais. A fase reabsortiva inicia-se quando esses novos canais vasculares passam a formar uma via de reabsorção, restaurando assim a perfusão e tensão normal de oxigênio nos tecidos. Depois que a calcificação é reabsorvida, o tendão é capaz de retornar à função normal, presumivelmente através da síntese de nova matriz. É durante essa fase que os sintomas dolorosos se intensificam. Ambas as fases podem ocorrer simultaneamente. Baseando-se nessa teoria, longo período de tratamento conservador deve ser observado, antes que se defina pelo tratamento cirúrgico. Para os pacientes nos quais a cirurgia está indicada, a artroscopia representa alternativa menos traumática do que o procedimento aberto, tradicional. O objetivo deste trabalho é estudar o tratamento cirúrgico artroscópico da tendinite calcária do ombro, o qual representa importante e eficiente opção para os casos crônicos, resistentes ao tratamento conservador. CASUÍSTICA E MÉTODO No período compreendido entre setembro de 1990 e agosto de 1996, 68 pacientes, correspondentes a 68 ombros, portadores de quadros clínico e radiográfico de tendinite calcária, de evolução crônica, resistentes ao tratamento conservador, foram submetidos ao tratamento cirúrgico por via artroscópica, todos operados pelo mesmo cirurgião nos Hospitais Belo Horizonte e Ortopédico. O período escolhido permite recuo mínimo de dez meses após a cirurgia, para essa avaliação. Desse total, foram revistos 66 pacientes, correspondendo a 66 ombros, avaliados através de entrevista, exame físico e radiográfico, em quatro incidências: ântero-posterior (AP) em posição neutra, AP em rotação interna e rotação externa, e no perfil de escápula (outlet view). Os dados foram compilados dentro dos critérios de avaliação da UCLA (tabela 1). O seguimento mínimo foi de 10 meses e o máximo, de 80 meses, com média de 30 meses. A faixa etária média foi de 50,5 anos, com mínimo de 36 e máximo de 79 anos. Quanto 670 Rev Bras Ortop _ Vol. 32, Nº 9 Setembro, 1997

TRATAMENTO ARTROSCÓPICO DA TENDINITE CALCÁRIA DO OMBRO TABELA 1 Escore de resultados segundo a UCLA Dor Presente todo o tempo, insuportável, analg. fortes freq. 1 Presente todo o tempo, suportável, analg. forte ocasional 2 Fraca/ausente em repouso, pres. ativ. leves, salicilatos freq. 4 Pres. atividades pesadas/especif., salicilatos freq. 6 Ocasional e fraca 8 Ausente 10 Função Incapaz de usar o membro 1 Somente ativ. leves possíveis 2 Capaz/ ativ. caseiras leves/ ativ. da vida diária 4 Ativ. caseiras/compras/dirigir/pent./vestir/abotoar atrás 6 Restrição leve/capaz de trabalhar acima do nível do ombro 8 Atividades normais 10 Flexão ativa 150 graus ou mais 5 120 a 150 graus 4 90 a 120 graus 3 45 a 90 graus 2 30 a 45 graus 1 Menos de 30 graus 0 Força de flexão anterior (teste muscular manual) Grau 5 (normal) 5 Grau 4 (bom) 4 Grau 3 (regular) 3 Grau 2 (fraco) 2 Grau 1 (contrações musculares) 1 Grau 0 (ausente) 0 Satisfação do paciente Satisfeito e melhor 5 Insatisfeito e pior 0 Escore máximo: 35 pontos Pontuação de Ellmann (UCLA) 34-35 excelente 28-33 bom 21-27 razoável 00-20 pobre ao sexo, 40 pacientes (60,6%) são femininos e 26, masculinos (39,4%). Quanto à dominância, 64 pacientes são destros (97%) e 2, sinistros (3%). O ombro direito foi acometido em 42 pacientes (63,6%), enquanto o esquerdo, em 24 (36,4%). Apenas 5 pacientes (7,6%) praticavam esportes, todos como lazer, enquanto 61 (92,4%) não eram desportistas. O tempo médio, decorrido entre o início dos sintomas e o procedimento cirúrgico, foi de 39 meses, mínimo de 1 mês e máximo de 240 meses (20 anos). Um contingente expressivo de 40 pacientes (60,6%) teve curso clínico superior a um ano, antes de submeter-se à cirurgia. Fig. 1 Drenagem percutânea da calcificação utilizando agulha de punção lombar nº 18 Foi relatado por 30 pacientes o número exato de infiltrações prévias, cujas média foi de 2,6, com mínimo de 1 e máximo de 8. Quanto aos tendões acometidos, o supra-espinhal esteve presente 65 vezes (98,5%) e o subescapular, em 1 paciente (1,5%). O tratamento fisioterápico pré-operatório foi realizado em 60 pacientes (90,9%), enquanto 6 não foram submetidos a ele (9,1%). Fisioterapia pós-cirúrgica, em ginásio, foi realizada em 9 pacientes (13,6%), enquanto 57 (86,4%) fizeram apenas exercícios domiciliares e em piscina. Técnica cirúrgica O procedimento é realizado com o paciente sob anestesia geral, complementada com bloqueio do plexo braquial e posicionado em decúbito lateral oposto. O membro superior é posicionado por mecanismos de tração longitudinal e vertical. Usamos os portais habituais para artroscopia e bursoscopia do ombro e, através do portal lateral, introduzimos o shaver, com o qual realizamos a sinovectomia subacromial (2,3,6, 7,14). Com movimentos de rotação interna e externa, além de adução e abdução do braço, localizamos o tofo calcário que produz um abaulamento na superfície do tendão, de coloração mais pálida que o tecido circundante, assemelhando-se em muito à protuberância de hérnia discal. Com auxílio de uma agulha nº 18 ou uma agulha de punção lombar, via percutânea, perfuramos a área, de onde a saída de material pastoso, característico, ou de grânulos calcários irá confirmar a topografia da calcificação (fig. 1). Rev Bras Ortop _ Vol. 32, Nº 9 Setembro, 1997 671

G.G. GODINHO, J.M.A. FREITAS, A.W. VIEIRA, L.C. ANTUNES & E.W. CASTANHEIRA Fig. 2 Desbridamento da calcificação com shaversucção Nesse tempo cirúrgico, a solução salina de irrigação é substituída por solução de glicina a 1,5%, para possibilitar o uso do eletrocautério (7), com o qual realizamos a abertura parcial e superficial do tendão no mesmo sentido de suas fibras, ou seja, de medial para lateral, evitando-se assim o enfraquecimento pela incisão transversal delas. Em seguida, realizamos o desbridamento da área com o shaver-sucção (fig. 2) e uma cureta artroscópica de 3mm pode ser usada na remoção do cálcio. Todo o cuidado é necessário para não criar dano adicional ao tendão. Pequenos pontos de calcificação residual podem aparecer no exame radiográfico pós-operatório, mas, geralmente, são reabsorvidos na fase de recuperação. Por vezes, o cálcio não é localizado, ou então é multiloculado e apenas os depósitos maiores são visibilizados. Nessa circunstância, o exame radiográfico intra-operatório pode tornar-se necessário. Após a excisão do cálcio, deve-se proceder a exaustiva lavagem com solução fisiológica, pois resíduos de cálcio podem causar sinovite e dor no pós-operatório. Quando a calcificação ocorre com dimensões muito pequenas e não conseguimos localizá-la, procedemos, necessariamente, à descompressão subacromial com acromioplastia, que também é realizada quando há evidência de esporões acromiais ou acromioclaviculares, ou quando existe um típico acrômio do tipo III. Nos pacientes operados até novembro de 95, realizamos, sistematicamente, a descompressão subacromial com secção do ligamento coracoacromial, isoladamente, ou associada à acromioplastia. Fig. 3 Drenagem calcificação Após esse período, abandonamos a secção ligamentar e mantivemos a acromioplastia, com indicação apenas nos pacientes que apresentaram esporões acromiais ou acromioclaviculares, nos portadores de acrômio do tipo III, quando a drenagem da calcificação foi incompleta e quando o tempo de evolução foi muito longo. Recomendamos o uso intermitente de tipóia durante os primeiros 10 a 15 dias e estimulamos a realização de exercícios autopassivos em elevação anterior e rotações interna e externa, desde o primeiro dia pós-operatório, acrescentandose exercícios em piscina, com proteção das feridas cirúrgicas dos portais desde o 5º dia PO. RESULTADOS Foi avaliada a influência da descompressão subacromial realizada através da acromioplastia, associada ou não à ressecção do ligamento coracoacromial. Essa descompressão foi realizada em 55 pacientes, nos quais obtivemos 49 resultados excelentes (89,1%). Em 11 pacientes ela não foi realizada e 9 deles (81,8%) obtiveram o mesmo índice de excelentes resultados. Realizamos a drenagem completa da calcificação em 54 pacientes (81,8%) e, parcialmente, em 12 deles (18,2%) (fig. 3). Apenas 1 paciente apresentava ruptura completa do manguito rotador associada, com localização no tendão supraespinhal, reparada através de incisão mini open. Lesão parcial, localizada exclusivamente na face articular do tendão do músculo subescapular, foi identificada em associação, em 1 paciente. Slap lesions (16) apresentaram-se associadas em 4 pacientes (6,1%), 2 com o tipo I e 2 com o tipo II. 672 Rev Bras Ortop _ Vol. 32, Nº 9 Setembro, 1997

TRATAMENTO ARTROSCÓPICO DA TENDINITE CALCÁRIA DO OMBRO Como complicação, tivemos apenas um paciente com capsulite adesiva detectada no período pós-operatório recente. Nenhum caso de infecção, lesão nervosa ou dor de grande intensidade e que tenha merecido cuidados de urgência foi detectado. O resultado global, segundo os critérios de classificação da UCLA, foi o seguinte: Excelentes resultados foram observados em 58 pacientes (87,9%). Bons resultados foram obtidos por 4 pacientes (6,1%). Razoável resultado ocorreu em 1 paciente (1,5%). Pobres resultados foram obtidos em 3 pacientes (4,5%). Fig. 4 Drenagem parcial DISCUSSÃO Dois aspectos no estudo da tendinite calcária do ombro apresentam pontos de concordância entre a maioria dos autores: o primeiro deles é de que a reabsorção espontânea geralmente ocorre, mas a dúvida é sobre quando isso acontece (17). O segundo ponto de convergência é de que a maioria dos pacientes (78,9 a 90%) responde muito bem ao tratamento conservador (1,5,8-10). Todos os autores concordam em que a tendinite calcária não tem correlação com qualquer doença sistêmica e Welfling et al. (21) concluem, categoricamente, que a calcificação tendinosa é, por si só, uma doença. Existem concordâncias entre nossos achados e os da literatura (1,11,17,19) quanto à maior incidência no sexo feminino, entre 30 e 50 anos, com raros acometimentos acima dos 70 anos de idade (11) e maior no lado dominante. Tivemos apenas um paciente com 71 anos e outro com 79 anos de idade. Embora a literatura asiática evidencie alta incidência de rupturas completas do manguito rotador em associação (11), esse achado não tem correspondência no Ocidente (9,11,13). Entre nossos pacientes, apenas um apresentou-se com ruptura completa do tendão supra-espinhal. A ruptura completa corresponde à expressão de grave doença tendínea, cujo prognóstico não é favorável, desaparecendo ou não a calcificação. Nesses casos o tratamento cirúrgico é indiscutivelmente necessário (13). Recomenda-se o tratamento conservador por período extenso, por mais de um ano, antes de indicar a cirurgia (1,17). O tempo médio decorrido entre o início dos sintomas e a cirurgia em nossos pacientes foi de 39 meses, com mínimo de 1 mês e máximo de 20 anos, chamando atenção para o fato de que 40 (60,6%) tiveram curso clínico superior a 1 ano. A ansiedade do paciente e do médico diante do quadro de dor crônica, prolongada, ou a agravação da dor na fase reabsortiva, tem levado certamente à indicação cirúrgica precoce em muitos casos, passíveis de serem tratados conservadoramente. Gschwend et al. (8,9) propõem os seguintes critérios de indicação cirúrgica: 1) progressão dos sintomas; 2) dor constante, interferindo com as atividades de vida diária; 3) ausência de melhora dos sintomas através do tratamento conservador. Quanto ao tratamento cirúrgico, a maioria dos autores opina que a ressecção parcial da calcificação não interfere negativamente nos resultados (1,6). Em nosso estudo, verificamos que 48 pacientes, entre os 54 nos quais realizamos a ressecção completa da calcificação, obtiveram excelentes resultados (88,9%), ao passo que 10 entre os 12 nos quais a ressecção foi parcial também conseguiram o mesmo padrão de resultados excelentes (83,3%) (fig. 4), o que nos põe em concordância com a maioria dos autores, já que a diferença é estatisticamente desprezível. Quanto à descompressão subacromial, a maioria dos autores não aconselha sua indicação sistemática (1,6,13,20), limitando-a geralmente para os casos nos quais existam sinais evidentes de pinçamento subacromial, observados no exame radiológico pré-operatório ou na visibilização direta no ato cirúrgico, bem como quando a ressecção feita é apenas parcial. Em nosso estudo, o achado de 49 pacientes, entre os 55 submetidos à acromioplastia (89,1%), com excelentes resultados, contra 9 pacientes, entre 11 que não se submeteram a ela (81,8%) (fig. 5), também com excelentes resultados, nos permite concluir que a acromioplastia é desnecessária, exceto na evidência dos sinais de pinçamento subacromial, quando a evolução clínica foi muito longa, diante de um acrômio Rev Bras Ortop _ Vol. 32, Nº 9 Setembro, 1997 673

G.G. GODINHO, J.M.A. FREITAS, A.W. VIEIRA, L.C. ANTUNES & E.W. CASTANHEIRA Fig. 5 Sem acromioplastia do tipo III, ou quando a excisão do cálcio foi apenas parcial, como temos procedido. A ressecção isolada do ligamento coracoacromial, postulada por alguns autores (8,9) e julgada desnecessária pela maioria deles (18,20), não nos parece lógica, especialmente se analisarmos a importância dessa estrutura na estabilização ascensional da cabeça do úmero (14,15). Apenas 9 pacientes (13,6%) realizaram fisioterapia pósoperatória, em nível de ginásio, enquanto 57 (86%) fizeram apenas exercícios para preservação das amplitudes de movimentos e, em piscina, quando possível, em nível domiciliar. Não trabalhamos a força muscular, pois, em nenhum dos pacientes ocorreu perda real, observada após desaparecimento das dores. É importante enfatizar que o tratamento cirúrgico artroscópico não representa substituição para o adequado tratamento conservador, mas importante e eficiente opção para os casos crônicos, resistentes a essa conduta, bem conduzida e por período de tempo suficientemente longo. REFERÊNCIAS 1. Ark, J.W., Flock, T.J., Flatow, E.L. et al: Arthroscopic treatment of calcific tendinitis of the shoulder. Arthroscopy 8: 183-188, 1992. 2. Carrera, E.F., Ferreira Fº, A.A. & Pereira, E.S.: Artroscopia do ombro: técnica. Rev Bras Ortop 26: 45-47, 1991. 3. Carrera, E.F. & Pereira, E.S.: Artroscopia do ombro: procedimentos mais freqüentes. Rev Bras Ortop 27: 399-400, 1992. 4. Codman, E.A.: The shoulder, Boston, Thomas Todd, 1934. 5. DePalma, A.F. & Kruper, J.S.: Long-term study of shoulder joints afflicted with and treated for calcific tendinitis. Clin Orthop 20: 61-72, 1961. 6. Ellman, H., Bigliani, L.U., Flatow, E. et al: Arthroscopic treatment of calcifying tendinitis: the American experience, 5th International Conference on Shoulder Surgery, Paris, 1992. 7. Godinho, G.G., Souza, J.M.G., Oliveira, A.C. et al: Artroscopia cirúrgica no tratamento da síndrome do impacto: nossa experiência em 100 casos cirúrgicos. Rev Bras Ortop 30: 540-546, 1995. 8. Gschwend, N., Patte, D. & Zippel, J.: Die Therapie der Tendinitis calcarea des Schultergelenkes. Arch Orthop Unfallchir 73: 120-135, 1972. 9. Gschwend, N., Scherer, M. & Lohr, J.: Die Tendinitis calcarea des Shultergelenks. Orthopade 10: 196-205, 1981. 10. Harmon, H.P.: Methods and results in the treatment of 2580 painful shoulders. With special reference to calcific tendinitis and the frozen shoulder. Am J Surg 95: 527-544, 1958. 11. Hsu, C.H., Wu, J.J., Jim, F.Y. et al: Calcific tendinitis and rotator cuff tearing: a clinical and radiographic study. J Shoulder Elbow Surg 3: 159-164, 1994. 12. McLaughlin, H.L.: Lesions of the musculotendinous cuff of the shoulder. III. Observations on the pathology, course and treatment of calcific deposits. Ann Surg 124: 354-362, 1946. 13. Molé, D., Walch, G., Kempf, J.F. et al: Arthroscopic treatment of calcifying tendinitis results of the multicentric European study, 5th International Conference on Shoulder Surgery, Paris, 1992. 14. Nicoletti, S.J.: O valor da artroscopia no diagnóstico das lesões do ombro, Tese (Doutorado), Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Escola Paulista de Medicina, São Paulo, 1992. 15. Nicoletti, S.J. & Manso, G.: Artroscopia do ombro: reavaliando o papel da morfologia do acrômio na produção do pinçamento subacromial. Rev Bras Ortop 30: 674-678, 1995. 16. Snyder, S.J., Brna, J.A., Freidman, M.J. et al: Decision making in pathology of the rotator cuff: the role of shoulder arthroscopy. Arthroscopy 2: 111-124, 1986. 17. Uhthoff, H.K. & Sarkar, K.: Calcifying tendinitis, in Rockwood, C.A. & Matsen, F.A.: The shoulder, Philadelphia, W.B. Saunders, 1990. Cap. 19, p. 147-149. 18. Vebostad, A.: Calcific tendinitis in the shoulder region. A review of 43 operated shoulders. Acta Orthop Scand 46: 205-210, 1975. 19. Walch, G., Boileau, P., Nöel, E. et al: Traitement chirurgical des épaules douloureuses par lésions de la coiffe et du long biceps en fonction des lésions. Rev Rhum 58: 247-257, 1991. 20. Watson, M.: The impingement syndrome in sportsmen, in Bateman, J.E. & Welsh, R.P. (eds.): Surgery of the shoulder, Philadelphia, B.C. Decker, 1984. p. 140-142. 21. Welfling, J., Khan, M.F., Desroy, M. etal: Les calcifications de l épaule. II. La maladie des calcifications tendineuses multiples. Rev Rheum 32: 325-334, 1965. 674 Rev Bras Ortop _ Vol. 32, Nº 9 Setembro, 1997