A criminologia contemporânea: modelos científicos e experimentais explicativos do comportamento criminal (*) A guisa de introdução, permitam-me contextualizar o aspecto extremamente crítico em que se traduz qualquer análise que focalize o comportamento humano. Desde os antigos filósofos Platão, Sócrates, Aristóteles e discípulos até os sociólogos contemporâneos (Proudhom, Morin, Bordieu, Baumann, Lipovetsky e outros), inúmeras foram as teorias que surgiram na tentativa de explicar o comportamento do indivíduo como animal social. E tais tentativas, por óbvio, encaravam tanto os aspectos positivos ou ditos normais do mesmo, como por igual suas nuanças negativas (ou anormais ), dentro de padrões ditados pela própria sociedade. Mas quem é a sociedade? É a conjunção desses mesmos indivíduos reunidos em consenso às vezes, nem tanto e liderados, em todas as épocas, por semelhantes constituídos em líderes e pensadores que ditaram, sempre, as normativas que regem a convivência em comum. Não interessa se esses ditames já o foram (e, em certos casos, continuam a ser) em base à força ou a qualquer outra forma de poder disponibilizado ao líder, ou se se sustentavam em princípios tidos como louváveis (segundo parâmetros peculiares e particularizados); o certo é que assim caminhou a história ao longo dos milênios e assim o continua a fazer, seja em qual área do social ela situe seu registro. No aspecto de conduta tida como desviada (ao padrão vigente e normatizado), as teorias que intentam a explicação de comportamentos passíveis de penalização não fogem à regra histórica. Beccaria logrou registrar um manual comportamental crítico criminal, pensando estar solucionando a questão dos delitos e das penas a estes cominadas. (*) Resumo da palestra proferida pelo Prof. Dr. Juan Y. Koffler Añazco, na Fundação Educacional de Brusque (UNIFEBE), para os formandos do décimo semestre de Direito, em 21 de abril de 2007. Brusque (Santa Catarina) Brasil.
2 Lombroso e Ferri seguiram seus passos na estruturação de matrizes fundamentais que sustentavam o paradigma etiológico da criminologia. Hoje, novas teorias surgem e se multiplicam, todas no afã de explicar algo que nos parece difícil de compreender: por que o indivíduo atua como atua? BASE DE DADOS 1. A Antropologia criminal de C. Lombroso e, a seguir, a Sociologia Criminal de E. Ferri constituem duas matrizes fundamentais na conformação do chamado paradigma etiológico de Criminologia, o qual se encontra associado à tentativa de conferir à disciplina o estatuto de uma ciência segundo os pressupostos epistemológicos do positivismo e ao fenômeno, mais amplo, de cientificização do controle social, na Europa de finais do século XIX; 2. Na base deste paradigma a Criminologia (por isto mesmo positivista) é definida como uma Ciência causal-explicativa da criminalidade; ou seja, que tendo por objeto a criminalidade concebida como um fenômeno natural, causalmente determinado, assume a tarefa de explicar as suas causas segundo o método científico ou experimental e o auxílio das estatísticas criminais oficiais e de prever os remédios para combatê-la. Ela indaga, fundamentalmente, o que o homem (criminoso) faz e porque o faz. 3. QUAIS AS CAUSAS DO CRIME? a) LOMBROSO: criminoso nato causa identificada no próprio indivíduo. Uso do método de investigação, partindo do determinismo biológico (anatômico-fisiológico) e psíquico do crime (observação e experimentação) procurou comprovar sua hipótese através da confrontação de grupos não criminosos com criminosos dos hospitais psiquiátricos e prisões, sobretudo do sul da Itália; b) FERRI o auxiliou, cabendo a este a sugestão da denominação "criminoso nato".
3 c) Com base nas anomalias anatômicas e fisiológicas, vistas como constantes naturalísticas, presumia-se que o tipo antropológico do delinqüente era uma espécie à parte do gênero humano, predestinada, por seu tipo, a cometer crimes. 4. A mudança de paradigma na Criminologia Sociologia Criminal: o paradigma da "reação social" (social reaction approach) do "controle ou da "definição. O desvio e a criminalidade não são uma qualidade intrínseca da conduta ou uma entidade ontológica preconstituída à reação social e penal, mas uma qualidade (etiqueta) atribuída a determinados sujeitos através de complexos processos de interação social - isto é, de processos formais e informais de definição e seleção; 5. A Criminologia Contemporânea Salto qualitativo consubstanciado na passagem de um paradigma baseado na investigação das causas da criminalidade a um paradigma baseado na investigação das condições da criminalização, que se ocupa hoje em dia, fundamentalmente, da análise dos sistemas penais vigentes (natureza, estrutura e funções). A Criminologia contemporânea desenvolvida na base deste paradigma, especialmente a Criminologia crítica, tende a transformar-se, assim, de uma teoria da criminalidade em uma teoria crítica e sociológica do sistema penal. 6. Investigação voltada para os controladores e não mais para o controlados (macrosociologia); Identificação da realidade social (definição e seleção) da criminalidade, privilegiando as relações de poder que nesta influenciam; Ruptura epistemológica e metodológica operada com a Criminologia tradicional, traduzida no abandono do paradigma etiológicodeterminista (sobretudo na perspectiva biopsicológica individual) e na
4 substituição de um modelo estático e descontínuo de abordagem por um modelo dinâmico e contínuo que o conduz a reclamar a redefinição do próprio objeto criminológico. 7. Segundo as definições legais, a criminalidade se manifesta como o comportamento da maioria, antes que de uma minoria perigosa da população e em todos os estratos sociais. A clientela do sistema penal é composta, "regularmente" e em todos os lugares do mundo, por pessoas pertencentes aos mais baixos estratos sociais, indicando que há um processo de seleção de pessoas, dentro da população total, às quais se qualifica como criminosos. O discurso penal oficial, no entanto, pretende uma incriminação (igualitária) de condutas qualificadas como tal. Contudo, o sistema penal se dirige quase sempre contra certas pessoas, mais que contra certas ações legalmente definidas como crime. A conduta criminal não é, por si só, condição suficiente deste processo. Pois os grupos poderosos na sociedade possuem a capacidade de impor ao sistema uma quase que total impunidade das próprias condutas criminosas. 8. FATO 1 / CLIENTELA DO SISTEMA PENAL = constituída de pobres não porque tenham uma maior tendência para delinqüir mas porque têm maiores chances de serem criminalizados e etiquetados como criminosos. FATO 2 / CRIME COMO CONDUTA DEFINIDA COMO TAL = Se a conduta é definida como crime, não se pode investigar a criminalidade como fenômeno social, mas apenas enquanto definida normativamente. FATO 3 / SUBORDINAÇÃO DA CRIMINOLOGIA AO DIREITO PENAL = Identifica-se os criminosos com os autores das condutas legalmente definidas como tais e, mais do que isso, com os sujeitos etiquetados pelo sistema como criminosos; identifica população criminal com a clientela do sistema penal.
5 FATO 4 / DEPENDÊNCIA METODOLÓGICA = Estende-se da normatividade ao resultado da própria operacionalidade, altamente seletiva, do sistema penal. FATO 5 / BASE DE ESTUDO = Deveria ser a sociedade (laboratório de experimentação), mas, na prática, são as prisões e manicômios. 9. Ao invés de investigar, fenomenicamente, o objeto criminalidade, este aparece já dado pela clientela das prisões e dos manicômios que constitui então a matéria-prima para a elaboração das teorias criminológicas, com base nas estatísticas oficiais. A Criminologia positivista, mesmo nas suas versões mais atualizadas (aproximação "multifatorial") não opera como uma instância científica "sobre" a criminalidade, mas como uma instância interna e funcional ao sistema penal, desempenhando uma função imediata e diretamente auxiliar, relativamente a ele e à política criminal oficial. 10. AS TEORIAS DA PERSONALIDADE PERSONALIDADE BORDERLINE: Há pessoas, simpáticas e agradáveis aos outros, que se comportam de maneira totalmente diferente com as pessoas de sua intimidade. São explosivas, agressivas, intolerantes, irritáveis, com tendência a manipular pessoas... São pessoas com Transtorno Borderline da Personalidade. Outros conseguem ser desarmônicos dentro e fora do lar; podem ser os Sociopatas. 11. Na atual classificação da Organização Mundial de Saúde (CID.10), o distúrbio denominado Personalidade Borderline está incluído no capítulo dos Transtornos de Personalidade Emocionalmente Instável (transtorno de personalidade, no qual há uma tendência marcante a agir impulsivamente e sem consideração das conseqüências, juntamente com acentuada instabilidade afetiva), que podem ser de 2 tipos: Tipo Impulsivo (transtorno explosivo e agressivo da personalidade);
6 Tipo Borderline (instabilidade emocional e falta de controle de impulsos. Aqui os acessos de violência ou comportamento ameaçador são comuns, particularmente em resposta a críticas de outros). 12. A criminalidade atual tem constatado violações cada vez mais peculiares da lei, da moral e da ética: Tem se surpreendido pela produção de delitos em faixas etárias cada vez menores; Pela atitude criminosa cada vez mais presente em pessoas "normais", do ponto de vista sócio-cultural; Por delitos motivados cada vez mais por questões de difícil compreensão. Isso tudo exige novas reflexões sobre as relações entre a psicopatologia e o ato delituoso. 14. Dois pontos se destacam na literatura mundial: Aceitação unânime da existência de uma determinada personalidade marcantemente criminosa ou, ao menos, inclinada significativamente para o crime. A flexibilidade ou inflexibilidade dessa personalidade criminosa, atribuindo ora uma predominância de fatores genéticos, ora de fatores emocionais e afetivos e, ora ainda, fatores sociais e vivenciais. E essa última questão estará diretamente relacionada ao arbítrio, juízo e punibilidade do infrator. 15. Personalidade dissocial: (a) desprezo das obrigações sociais, (b) falta de empatia para com os outros e (c) desvio considerável entre o comportamento e as normas sociais. Neste tipo de personalidade há uma baixa tolerância à frustração e baixo limiar de descarga da agressividade, inclusive da violência. Existe também uma tendência a culpar os outros ou a fornecer racionalizações duvidosas para explicar um comportamento de conflito com a sociedade. S
7 Sinônimos dessa Personalidade Dissocial: a Personalidade Amoral, Personalidade Anti-social, Personalidade Associal, Personalidade Psicopática e a Personalidade Sociopática. 16. Característica essencial do transtorno da Personalidade Anti-Social: padrão de desrespeito e violação dos direitos dos outros (psicopatia, sociopatia ou transtorno da personalidade dissocial). O engodo e a manipulação maquiavélica das outras pessoas são aspectos centrais neste transtorno da Personalidade, no qual ocorre também violação de normas ou regras sociais importantes. Os comportamentos criminosos ou delinqüenciais característicos desse transtorno de personalidade englobam a agressão a pessoas e animais, destruição de propriedade, defraudação ou furto e séria violação de regras. As pessoas com transtorno da Personalidade Anti-Social não se conformam às normas legais, desrespeitam os direitos ou sentimentos alheios, enganam ou manipulam os outros a fim de obter vantagens pessoais, mentem repetidamente, ludibriam e fingem. Esses indivíduos costumam ainda ser irritáveis ou agressivos. 17. A discussão que sempre existiu sobre a conduta humana se dá entre dois argumentos causais: O Livre Arbítrio da pessoa, o qual implica na conseqüência e eventual punibilidade dos atos de todas as pessoas e, A Constituição Biológica, como uma fatalidade orgânica que empurra a pessoa a agir dessa ou daquela forma (maniqueistamente). 18. Os determinantes Ao longo de mais de um século houve apenas um deslocamento das teorias deterministas: Inicialmente falava-se no determinismo biológico, onde as constituições genéticas e hereditárias eram determinantes absolutas.
8 Posteriormente foi a vez do determinismo moral, onde o indivíduo podia já nascer degenerado ou normal. Em seguida, foi a vez do determinismo psicológico, onde as maneiras da pessoa reagir psicologicamente à vida eram inatas, absolutas e invariáveis. E, finalmente, veio o determinismo social, reconhecendo circunstâncias sociais que empurravam invariavelmente a pessoa para o crime. 19. Nova corrente fenomenológica de De Greeff: Trata-se de uma tendência que procura compreender as vivências interiores do delinqüente e o processo do ato criminoso, partindo de um pressuposto de que o delinqüente não é um ser diferente, por natureza ou qualidade, das outras pessoas. Em natureza e qualidade, o hipotético Homem Criminoso seria igual ao indivíduo dito normal, diferindo deste apenas em relação a certo número de características, as quais facilitam nele a execução do ato criminoso. Com De Greeff deixamos o constitucional ou degenerado comprometedor da espécie humana, e passamos a considerar a pessoa com sua história pessoal, a considerar o conjunto de processos psicológicos, afetivos, morais, sociais, etc., eventualmente capazes de conduzir à criminalidade. E esse "certo número de características, as quais facilitam nele a execução do ato criminoso", parece tratar-se de algo relacionado à escala de valores, ou seja, um atributo muito mais arbitrário e eletivo das pessoas do que os determinismos estigmatizantes até então considerados. 20. As principais teorias psicológicas da criminalidade que hoje em dia dominam a investigação nesta área poderão ser agrupadas em duas grandes linhas gerais:
9 Uma delas, centrada na pesquisa das diferenças que caracterizam a dita Personalidade Criminosa, específica do criminoso e determinadora do ato delinqüente (Pinatel, Le Blanc), e Outra linha, a de investigação, mais ligada à análise do vivido do criminoso e de seu percurso na criminalidade, partindo de uma abordagem fenomenológica do autor da ação delituosa (Debuyst). 21. (a) O criminoso é um homem como outro qualquer, só se diferenciando por uma maior aptidão para ato criminoso; (b) a personalidade criminosa seria descrita através de traços psicológicos agrupados numa determinada característica; (c) essa característica englobaria os traços de agressividade, egocentrismo, labilidade e indiferença afetiva, sendo estes os elementos responsáveis pelo ato delituoso, enquanto as variáveis, tais como o temperamento, as aptidões físicas, intelectuais e profissionais, as razões aparentes, e as necessidades seriam responsáveis pelas diferentes modalidades desse ato; (d) a personalidade criminosa, considerada na sua globalidade, seria dinâmica em relação aos seus diferentes traços constitutivos e adaptabilidade social (PINATEL). 22. PARA FINALIZAR... Ação delituosa: resultante da interação entre determinados contextos e situações do meio, juntamente com um conjunto de processos cognitivos pessoais, afetivos e vivenciais, os quais acabariam por levar a pessoa a interpretar a situação de uma forma particular e a agir (criminosamente) de acordo com o sentido que lhe atribui. Personalidade Criminosa: produzida não apenas pelo arranjo genético, mas, sobretudo, pelo desenvolvimento pessoal. De acordo com novas teorias da personalidade (Agra, Guidano), seriam sete os sistemas que a constituem: neuropsicológico psico-sensorial
10 Expressivo Afetivo Cognitivo Vivencial Político. 23. Tem sido simpática a idéia de que os comportamentos transgressivos não resultam da incapacidade para agir de outra forma que não a criminosa, como pretendiam os positivistas; Nem de uma determinação biológica para só agir desta forma, como acreditavam os deterministas. Os atos, delituosos ou não, estariam relacionados com processos da personalidade ao nível da construção de significados e de valores da realidade, bem como com as opções de relacionamento da pessoa com essa realidade. Tal conceito implica na existência de uma estrutura da personalidade que determina certos padrões de ação e certos padrões de interrelação particular do indivíduo com a realidade, fazendo com que ela aja em conformidade com a visão pessoal que tem da realidade. 24. A grande questão que se impõe é sabermos: a partir de qual momento, negamos à pessoa a capacidade de ser, ela mesma, produtora de si mesma e determinadora de seus percursos? Ou, de outra forma: quando podemos confinar a pessoa numa análise reducionista que a transforma num objeto de conceitos como o de Personalidade Criminosa, portanto, objeto de estratégias de intervenção terapêutica concordante com esse modelo? (Ballone GJ - Personalidade Criminosa, in PsiqWeb, internet, disponível em (<http://www.psiqweb.med.br/forense/crime.html> revisto em 2002).