Levantamento Concelhio das pessoas em situação de semabrigo em Santo Tirso Introdução No ano de 2004 foi realizado, pela Câmara Municipal de Santo Tirso, o diagnóstico social do concelho, não tendo no entanto sido dado grande ênfase á problemática dos sem-abrigo, considerando que á data não era uma realidade que tivesse visibilidade como problema social, considerando a definição redutora, que se prendia apenas à questão de não possuir habitação, pernoitavam na rua ou em abrigos provisórios e precários Ora, o direito de cada pessoa a um nível de vida condigno é já discutido pelas entidades competentes há já longos anos, e está consignado desde 1948 na Declaração Universal dos Direitos Humanos (Artº 25, nº 1) onde se inclui entre outros o direito à habitação. Em 1976, a Constituição portuguesa institui o direito à habitação (artº 65º, nº 1). Todos têm direito, para si e para a sua familia, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar. A segunda parte da Carta Social Europeia (1961), no artº 31º, obriga os Estados a promover o acesso à habitação, de forma a reduzir o número de pessoas sem-abrigo, com a perspectiva da sua erradicação gradual, e tornar o preço da habitação acessível a pessoas com a poucos recursos. Considerando a visão redutiva desta forma de exclusão social, a Comissão Europeia, reconhecendo a complexidade e a multidimensionalidade do fenómeno sem-abrigo reforça a necessidade de se encarar o fenómeno de uma forma mais abrangente, isto é, a situação de sem-abrigo envolve na maior parte das vezes um conjunto de problemas interrelacionados, falta de habitação, problemas familiares, sociais, económicos, de desemprego, ou doença. Assim, nos últimos anos, os relatórios conjuntos da Comissão Europeia sobre os Planos Nacionais de Acção para a Inclusão (PNAI), têm vindo a identificar o fenómeno sem-abrigo e as politicas dirigidas a este problema como uma das prioridades em quase todos os países. Em 2008 foi criado um Grupo Interinstitucional cuja missão foi a de desenvolver a uma Estratégia Nacional para a integração de pessoas sem-abrigo. O desenvolvimento desta Estratégia teve por base: 1
a tomada de consciência da existência de um problema e da insuficiência de conhecimento actualizado do mesmo; o reconhecimento da deficiente resposta ao problema, resultante, em parte, da falta de articulação entre as intervenções existentes; da necessidade de consensualizar um tipo de resposta que potencie os recursos existentes, públicos e privados, evitando a duplicação e sobreposição de esforços e possíveis efeitos nefastos, nomeadamente na manutenção e persistência do fenómeno. A Estratégia corresponde a um conjunto de orientações gerais e compromissos das diferentes entidades, cuja operacionalização deve ser implementada a nível local, no âmbito das redes sociais locais, com em planos especificos e adequados ás necessidades locais identificadas Com o desenvolvimento da Estratégia Nacional altera-se a definição do conceito de pessoa sem-abrigo, o que no Município de Santo Tirso possui um efeito crucial, uma vez que considerando a abrangência da definição manifesta-se num problema social significativo e com necessidade de uma intervenção concreta e eficaz. Conceito Considera-se pessoa sem-abrigo aquela que, independentemente da sua nacionalidade, idade, sexo, condição socio-económica e condição de saúde física e mental, se encontre: - sem tecto, vivendo no espaço público, alojada em abrigo de emergência ou com paradeiro em local precário; ou - sem, casa, encontrando-se em alojamento temporário destinado para o efeito. Metodologia Para realização do levantamento/diagnostico das pessoas nesta situação de exclusão social, procedeu-se ao contacto, através das reuniões das comissões locais inter freguesias com todas as Instituições com intervenção social no concelho, ou aquelas que possuem um maior conhecimento da realidade local, para que sinalizassem todos os indivíduos que entendessem encontrar-se nas situações definidas pelo novo conceito. Esta sinalização teve por objectivo conhecer número de indivíduos na situação em causa, através da aplicação de um inquérito para apuramento das reais necessidades existentes, dos recursos disponíveis, e posterior estudo da estratégia de intervenção mais adequada. O levantamento, decorreu ao longo do ano de 2010, tendo sido finalizado no mês de Novembro. Na sua base esteve uma lógica de investigação-acção, já que através do 2
conhecimento deste fenómeno social é possível fundamentar a criação de equipamentos ou respostas sociais que possam minimizar os seus efeitos. Apresentação de resultados O trabalho desenvolvido pela Câmara Municipal de Santo Tirso permitiu sinalizar um total de 34 situações, com o género masculino a representar a sua maior parte (29 85,3%). O local onde residem ou pernoitam não nos remete para todas as freguesias do concelho, destacando-se a freguesia de Santo Tirso, com 50% dos casos sinalizados. Para além desta, são apenas conhecidas pessoas sem-abrigo nas freguesias de Vila das Aves, Santa Cristina do Couto, Areias, Refojos, Roriz, S. Mamede de Negrelos, S. Martinho do Campo, S. Miguel do Couto e Rebordões. A idade destas pessoas ronda, em média, os 46 anos (entre os 31 casos conhecidos), e podemos ainda assinalar que a maioria tem o 1.º ciclo completo (19 59,4%, num total de 32 casos conhecidos), encontrando-se na situação de desempregada (27 79,4%). No que respeita à sua condição sócio-habitacional e tendo em conta a nova definição de semabrigo, podemos considerar que 2 pessoas (5,9%) se encontram a viver sem casa (em alojamento comunitário), enquanto que 32 (94,1%) vive sem tecto (paradeiro/alojamento precário) (figura 10). Veja-se ainda que, na sua maioria, o estado da habitação é mau (19 55,9%, num total de 30 casos conhecidos), independentemente da sua situação. : Figura 10 Distribuição dos casos sinalizados, segundo a nova definição de sem-abrigo Sem casa 5,9% Sem tecto 94,1% 3
Mais de metade destas pessoas beneficia de Rendimento Social de Inserção (RSI) (20 60,6%, num total de 33 casos conhecidos) e não tem familiares a quem possa recorrer para pedir ajuda (22 73,3%, num total de 30 situações conhecidas). A condição de sem-abrigo é, para muitos (13 38,2%) uma situação que se arrasta há mais de 10 anos, tendo sido motivada, em grande medida, por situações de toxicodependência (12 respostas 36,4% dos casos) e alcoolismo (10 respostas 30,3% dos casos), sem esquecer as questões familiares (tabela 25). Tabela 25 Principais motivos que originaram a condição de sem-abrigo 1 Motivo n % de casos Toxicodependência 12 36,4 Alcoolismo 10 30,3 Divórcio 5 15,2 Ausência de retaguarda familiar/abandono familiar 5 15,2 Conflitos familiares 5 15,2 Problemas de saúde 4 12,1 Desemprego 2 6,1 Dificuldades económicas 1 3,0 Total 44 133,3 Na sua vida quotidiana, as dificuldades mais sentidas reportam às questões de alimentação (21 respostas 65,6% dos casos) e à higiene (16 respostas 50% dos casos) (tabela 26). Em média, estas pessoas fazem 2 refeições por dia, nem sempre equilibradas (apenas 17 pessoas 50% o fazem), e a higiene pessoal é feita em casa apenas por 13 pessoas (38,2%). 1 Os resultados apresentados dizem respeito a uma questão de resposta múltipla que consta na ficha de caracterização utilizada pela Câmara Municipal de Santo Tirso, na qual é possível assinalar cada uma das opções apresentadas na tabela 25, relativamente aos motivos que desencadearam a situação de sem-abrigo. A percentagem de casos de cada opção de resposta diz respeito, por isso, ao número de utentes que indicaram essa mesma opção, num total de 30 respostas consideradas válidas. 4
: Tabela 26 Principais dificuldades sentidas no dia-a-dia dos sem-abrigo 2 Dificuldade n % de casos Alimentação 21 65,6 Higiene 16 50,0 Gestão económica 8 25,0 Habitação 5 15,6 Exercício da cidadania 4 12,5 Saúde 1 3,1 Total 55 171,9 Por fim, no que respeita às condições de saúde, estamos em condições de afirmar que 16 (47,1%) sofre de alguma doença, tendo sido referidas, entre outras não descriminadas, a hepatite (3 respostas 20% dos casos), a diabetes e problemas psiquiátricos (2 respostas cada 13,3% dos casos) e a SIDA (1 resposta 6,7% dos casos) 3. São 13 (41,9%, num total de 31 casos conhecidos) os que afirmam ser toxicodependentes e 19 (63,3%, num total de 30 casos conhecidos) os que se dizem alcoólicos. No primeiro caso, a maior parte já faz tratamento (9 60%), enquanto que no segundo caso acontece precisamente o contrário (6 35,3%). Tendo em conta a mudança da realidade observada no concelho face ao novo conceito de sem-abrigo e face aos resultados apresentados em cima, a intervenção prioritária deverá passar pelo reforço de uma rede de apoio aos cuidados alimentares e de higiene. A formação dessa rede poderia minimizar os impactos da condição em que estas pessoas se encontram dado terem sido esses os principais problemas denunciados, mas em alternativa poder-se-á 2 Os resultados apresentados dizem respeito a uma questão de resposta múltipla que consta na ficha de caracterização utilizada pela Câmara Municipal de Santo Tirso, na qual é possível assinalar cada uma das opções apresentadas na tabela 26, relativamente às principais dificuldades sentidas do dia-a-dia dos sem-abrigo. A percentagem de casos de cada opção de resposta diz respeito, por isso, ao número de utentes que indicaram essa mesma opção, num total de 30 respostas consideradas válidas. 3 Os resultados apresentados dizem respeito a uma questão de resposta múltipla que consta na ficha de caracterização utilizada pela Câmara Municipal de Santo Tirso, na qual é possível assinalar as doenças associadas a cada inquirido. A percentagem de casos de cada opção de resposta diz respeito, por isso, ao número de utentes que indicaram essa mesma opção, num total de 13 respostas consideradas válidas 5
criar uma resposta em ambos os níveis, a localizar na freguesia de Santo Tirso, dado que é aí que se localiza o maior número de situações. Uma outra possibilidade de intervenção remete-nos para a criação de um lar residencial para estas pessoas. Trata-se de garantir o acesso a um dos bens essenciais à dignidade humana e de responder a um dos objectivos da estratégia nacional que referenciamos em cima. De acordo com esta informação, parece-nos, portanto, oportuno referir que o reforço do apoio aos sem-abrigo constitui uma prioridade concelhia no quadro da sua intervenção social. 6