MONUMENTO A CAMPOS SALES: UMA HISTÓRIA EM IMAGENS



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Transcrição:

MONUMENTO A CAMPOS SALES: UMA HISTÓRIA EM IMAGENS Ana Rita Uhle Mestrado UNICAMP O estudo do imaginário urbano é capaz de revelar ao historiador o processo de construção de representações, a partir de diversos símbolos artísticos, arquitetônicos, urbanísticos inscritos na cidade. De acordo com Halbwachs1 as imagens constitutivas do nosso espaço referencial tem um papel fundamental na memória coletiva. Enquanto as pedras da cidade se deixam transportar, os homens não conseguem apagar facilmente a relação que consolidaram com elas. As demandas sociais se traduzem em termos espaciais, bem como as disputas, pois quando um grupo vive certo tempo em um determinado espaço, suas atitudes e pensamentos se regulam, segundo o autor, pela sucessão de imagens materiais que representam os objetos exteriores. Considerando a íntima relação entre a memória coletiva e o espaço urbano, compreende-se o potencial simbólico dos monumentos e o espaço de conflito que se consolida na cidade. A origem do sentido da formação de um patrimônio histórico e artístico é anterior à formação dos estados nacionais e vem sendo construída a partir de iniciativas esparsas. Entretanto, a absorção desse conceito na construção de identidades coletivas está inserida na construção simbólica da Nação - considerando o apelo das obras ao sentimento de pertencimento a uma comunidade ou grupo. A produção de um monumento está imersa na cultura e nas necessidades do presente, sendo que, ao longo do tempo, a sociedade encontra novos meios e lugares da memória. Essa escolha não se dá de forma homogênea, geralmente são grupos específicos, de maior influência política, que perpetuam sua memória e a dos seus. Desse modo, a constituição da imaginária urbana serve à construção de discursos sobre o passado, representações do Estado, da sociedade e de determinados grupos políticos. Vale dizer que a definição e a origem etimológica do termo monumento vem a ser um instrumental valioso em uma apreciação crítica do tema e tem sido muitas vezes revisitada por estudiosos do patrimônio histórico, possivelmente pela necessidade de desnaturalização de alguns conceitos recorrentes. Riegl2 estabelece 1 Halbwachs (1968) 2 Riegl (1984)

2 os primeiros referenciais para esta análise, em obra escrita no início do século XX, a partir da tentativa de um olhar distanciado onde define e classifica os monumentos segundo uma escala de valores construídos e atribuídos, portanto não inerentes à obra em sua materialidade. É sintomático que este autor introduza sua reflexão resgatando o sentido mais antigo e verdadeiramente original do termo, tendo em vista uma modificação, ou ampliação de significado - sendo que aquele considerado original ficaria restrito aos chamados monumentos intencionais - uma obra construída com o objetivo de tornar uma memória eterna ou perene através do tempo. A especificidade dos monumentos intencionais está pautada em seu valor de rememoração, atribuído no tempo passado ao ser idealizado e construído, imerso em referenciais e valores contemporâneos à obra, mas com a prescrição da imortalidade e da perenidade de seu estado original. Em 1930, Campinas foi palco de um concurso de maquetes que envolveu escultores reconhecidos no cenário artístico brasileiro, seguindo resolução do prefeito Orosimbo Maia para a construção de um monumento em homenagem ao expresidente da república Manoel Ferraz de Campos Sales. Do concurso participaram Modestino Kanto, Paes Leme, Emendábile, Vilmo Rosadas, Yolando Malozzi, entre outros, reunindo-se a comissão julgadora, esta elege a maquete de Malozzi, escultor residente na cidade de São Paulo, que se havia apresentado com o codinome de Epitheto. No ano seguinte, já havia sido montada toda a parte de cantaria no Largo do Rosário e em 1932 erguia-se o grande monumento de granito cinza picolado, com colunas centrais, em cujas extremidades aparecem quatro grandes estátuas em bronze. No topo das colunas centrais o escultor gravou três alegorias: o Índio, representando a abundância, colhendo flores e frutos; o Cifrão, representando as medidas econômicas tomadas por Campos Sales; e os perfis da República evocando a ligação do estadista com o grupo republicano. Na base das colunas encontram-se as quatro estátuas, no posto principal figura a estátua de Campos Sales, em atitude enérgica e altiva que lhe era peculiar3. Na extremidade oposta, localiza-se a alegoria da cidade de Campinas, figura feminina que timidamente evoca uma Marianne francesa, sentada, escrevendo no livro do tempo o nome do filho ilustre. Nas outras duas extremidades, encontram-se dois grupos de figuras em atitude de marcha, de um lado a alegoria à propaganda republicana e ao esforço 3 Memorial Descritivo do Monumento a Campos Sales Yolando Malozzi Arquivo da Coordenadoria Setorial do Patrimônio Cultural da Prefeitura Municipal de Campinas.

3 titânico empreendido pelos propagandistas republicanos nos ataques e defesas aos seus ideais 4 e do outro alegoria à legislação e ao trabalho No ano de 1934 inaugurava-se a referida obra que pretendia corresponder ao desiderato do alevantado povo campineiro, em erigir um monumento à memória de tão ilustre conterrâneo(...)5, cuja inauguração ocorreu concomitantemente à reforma do Largo do Rosário, no centro do qual, esta ocupou lugar de destaque. Outrora coberto de árvores, ornamentado com um chafariz central6, evocando o romantismo de Campinas provinciana, o Largo fora reformado em vistas do progresso e crescimento urbano, adquirindo estrutura racional, praticamente sem vegetação e com o Monumento a Campos Sales no plano central. A praça ocupava lugar de destaque na cidade, historicamente palco das cavalhadas, feiras públicas e passeios noturnos. Vale salientar que o Largo do Rosário vem sofrendo sucessivas reformas ao longo de sua história, sendo possível pensá-lo como uma espécie de local de ensaio das propostas urbanísticas na cidade. Apesar da imponência e relevância da obra para a paisagem urbana, o Monumento sofre em 1957 um deslocamento do Largo do Rosário para a praça Heitor Penteado, na esquina das avenidas Campos Sales e Expedicionários com a rua 11 de agosto. Sua retirada foi justificada pela necessidade de uma nova reforma do Largo, em virtude do alargamento da avenida Francisco Glicério. A modernização da praça e daquele trecho da região central deram outro aspecto ao local - com grandes avenidas, trânsito intenso, onde denota-se uma clara preocupação do Departamento de Obras e Viação com a circulação no centro e a produção de uma aparência progressista e moderna da cidade. As remodelações encantaram os urbanistas e as demolições se fizeram constantes, enquanto a prefeitura alegava que o novo local em que se encontrava o Monumento era vantajoso por acomodar a estátua do político no topo da avenida que leva seu nome, onde podia ser visto tanto por aqueles que desembarcavam na Estação Ferroviária da cidade, quanto pelos que circulavam pela avenida Francisco Glicério. Feito o deslocamento da obra, a prefeitura teve que retirar sua base - visto que essa media um metro de altura e atrapalharia a visibilidade dos veículos que circulavam na nova praça. A mutilação do Monumento leva Malozzi, que havia idealizado a base em forma de cruz simbolizando o Brasil, a terra de Santa Cruz, a mover uma ação judicial contra a Prefeitura de Campinas por atentar contra a 4 Idem. 5 Idem. 6 O chafariz ao qual nos referimos foi transferido e ainda permanece no Largo do Pará, antigo largo da região central de Campinas.

4 integridade da obra, este fato causaria grande polêmica na imprensa local7. O jornal Diário do Povo publica em 1958 uma extensa matéria onde sugere que a Prefeitura desloque o monumento permitindo recolocar a base que havia sido suprimida na mudança de 1957: O pequeno deslocamento que sofreria o monumento ao ser retirado do eixo da avenida Expedicionários, em nada comprometeria a estética do logradouro. Aliás o que importa é conservar o monumento de Campos Sales no eixo da avenida que tem o seu nome e em cujo início o quis a prefeitura colocar. 8 Sem a base, o monumento teve reduzida sua altura e a estátua de Campos Sales, uma entre as quatro que o constituem, acabou ficando mais próxima ao chão, segundo cronista da época Campos Sales ficou assim, sentado à sargeta9. O monumento encontra-se ainda hoje na praça Heitor Penteado, local caracterizado pelo difícil acesso dos pedestres, tendo em vista o alto fluxo de automóveis e o tamanho reduzido da mesma. Em 1993, no jornal Correio Popular, Sebastião Bueno Mendes, comerciante, pede que o monumento seja retirado da área: Já presenciei inúmeras freadas bruscas e pequenos acidentes. Este monumento atrapalha totalmente os motoristas que têm de enfiar o carro no meio da rua para ver os outros automóveis que vêm em direção contrária. Acho um absurdo manter o monumento ali(...) 10 Mais de uma vez o monumento tem sido denominado um estorvo para a cidade, pelo menos desde a década de 60 como consta nos laudos da ação judicial movida por Malozzi. A ação judicial empreendida por Yolando Malozzi dois anos após a transferência da obra gerou um extenso processo. Há um esforço da Prefeitura de Campinas em provar que a modificação deu maior visibilidade ao monumento e que a mutilação da obra em nada alterou sua vontade de memória ou seja, embora sem a base, parece óbvio para qualquer observador tratar-se de um monumento celebrativo da memória de Campos Sales. A argumentação de Malozzi centra-se na quebra do direito da propriedade imaterial, tendo em vista a retirada de uma parte da obra sem consulta prévia ao escultor. Já a transferência da obra aparece como uma questão secundária 7 O Processo da ação judicial movida pelo escultor Yolando Malozzi contra a Prefeitura de Campinas foi localizado e constitui-se em documento inédito que traz debates como a integridade da obra de arte, a autoria do bem imaterial, reunindo material iconográfico da obra e do centro da cidade e o depoimento do escultor e de peritos consultados no caso. 8 In: Diário do Povo: 23/11/1958 Reportagem de Antônio Silveira Negreiros. 9 Citado por Maria Joana Tonon no Processo de Tombamento da Praça Visconde de Indaiatuba História do Largo do Rosário Arquivo da Coordenadoria Setorial de Patrimônio Cultural de Campinas. 10 In: Correio Popular: 14/07/1993 - Monumento atrapalha visão de automóveis

5 - diferentemente da inserção na mídia local da época, que privilegiou o debate em torno da nova localização. Nesse sentido, com o objetivo de justificar a ação dos engenheiros-urbanistas no caso do Monumento a Campos Sales, a Prefeitura apresenta os seguintes argumentos: - Em relação ao Largo do Rosário o monumento não se harmonizava com as novas diretrizes da praça, que seria transformada em centro cívico da cidade. A prefeitura ainda argumenta que os estudos para sua remoção são antigos, por questões de ordem urbanística. - O monumento em sua integridade não se harmonizava com o novo local uma nova praça, espécie de balão que ordenava a confluência de três ruas (avenida Campos Sales, avenida dos Expedicionários e rua 11 de agosto) aparentemente o espaço era pequeno demais para abrigar o monumento integralmente. Além disso, o monumento com a base, que media cerca de um metro de altura, prejudicava a visibilidade dos carros que ali circulavam. A argumentação da Prefeitura no processo é pautada num conjunto de 30 fotografias anexadas ao corpo do processo que se configuram numa espécie de relato paralelo, ratificando as modificações empreendidas. Verifica-se que as fotografias11 selecionadas e o modo como são apresentadas reconstroem um certo discurso comum sobre a mágica da modernização em Campinas. Ao apresentar as mudanças como qualitativas e evolutivas12 essas imagem tomam uma importância fundamental na narrativa do processo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Fontes Primárias Correio Popular: 14/07/1993 - Monumento atrapalha visão de automóveis Diário do Povo: 23/11/1958 Reportagem de Antônio Silveira Negreiros Memorial Descritivo do Monumento a Campos Sales - Yolando Malozzi Processo de Tombamento da Praça Visconde de Indaiatuba História do Largo do Rosário Arquivo da Coordenadoria Setorial de Patrimônio Cultural de Campinas. 11 A idéia inicial era estruturar a reflexão a partir de três fotografias do monumento. Entretanto, esse exercício pareceu insuficiente para pensar algumas questões relativas ao universo das imagens fotográficas (tais como produção e circulação). 12 Reconhecemos, por exemplo, três conjuntos de imagens: Conjunto 1: Campinas provinciana Conjunto 2: Campinas canteiro de obras Conjunto 3: Campinas moderna

6 2. Livros e Teses BADARÓ, Ricardo de Souza Campos O plano de desenvolvimento urbano de Campinas (1934-1962). Dissertação de Mestrado, EESC, USP. São Paulo, 1986. CHASTEL, André La notion de patrimoine In: NORA, Pierre - Les lieux de mémoire 2. La Nation Paris, Gallimard, 1986. CHOAY, Françoise A alegoria do patrimônio São Paulo, Ed. Unesp, 2001. FABRIS, Annateresa Monumento à Ramos de Azevedo: do concurso ao exílio Campinas: Mercado de Letras, São Paulo: Fapesp, 1997. HALBWACHS, Maurice La mémoire collective Paris, Presses Universitaires de France, 1968. KNAUSS, Paulo Cidade Vaidosa: Imagens Urbanas do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, Sette Letras, 1999. LE GOFF, Jacques História e Memória Campinas, Ed. da Unicamp, 1996. MENESES, Ulpiano T. Bezerra de A historia, cativa da memória? Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, 34:9-24, 1992. PALLAMIN, Vera M. Arte Urbana: São Paulo: Região Central (1945-1998): obras de caráter temporário e permanente São Paulo, Annablume:Fapesp, 2000. RIEGL, Aloïs Le culte moderne des monuments: son essence et as genèse Paris, Éditions du Seuil, 1984.