EXPERIMENTO CASSINO 2005: UMA SÍNTESE DOS LEVANTAMENTOS EFETUADOS NA ANTE-PRAIA E ZONA DE ARREBENTAÇÃO Lauro Julio Calliari 1, Todd Holand 2 Marcelo Sperle Dias 3, Susana Vinzon 4, E.B. Thorton 5,T. P. Stanton 5 1 Depto. Geociências.LOG,FURG (tsclauro@furg.br); 2 Naval Research Laboratory (NRL),USA ; 3 Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); 4 Universidade Federal do Rio de Janeiro/COPPE; 5 Naval Postgraduate School (NPS),USA. Abstract. During October of 2004 and April and may of 2005, a major shoreface and nearshore processes experiment was conducted at the Marine Aquaculture Station (EMA) of the Federal University of Rio Grande (FURG) in Cassino beach, RS/Brazil. Investigators from Brazilian Universities joined with others from foreign government agencies and institutions to collect, analyze and interpret data on geology and geophysics, Video imaging and Radar systems, and climatology data including waves, currents, sediment movement and associated beach profile changes. An overview of some of the experimental objectives, a description of some of the studies conducted, and a summary of their accomplishments is provided. The major results analyzed here are an update map of the mud deposits located at Cassino beach, identification and temporal changes of the sand bars located in the surf zone using the ARGUS system and a short temporal series of climatology data from the instruments deployed in the surf zone. Palavras-chave: [praias, zona de surf, morfodinâmica] 1. Introdução A presença de sedimentos finos na ante praia do Cassino os quais são esporadicamente remobilizados e lançados sobre a praia e zona de arrebentação (Villwock e Martins, 1972), Calliari et al. 2000 tem importantes efeitos de curta e longa duração sobre as características praiais. Uma implicação ainda pouco estudada é o comportamento de praias arenosas durante o período que os depósitos finos permanecem ao longo do perfil praial. Além do objetivo de verificar a atenuação das ondas sobre fundos lamosos e o papel das lutoclinas com relação ao fluxo de sedimentos em zonas costeiras, o Experimento Cassino previa o mapeamento atual do depósito lamítico e uma pesquisa de campo multidisciplinar abrangendo aspectos hidrodinâmicos e sedimentológicos e seus efeitos sobre a praia e zona de surf. As etapas foram assim programadas para duas fases. A primeira constou do mapeamento e caracterização dos depósitos sedimentares. Na segunda fase o experimento de campo feito na EMA foi montado para coletar dados sinópticos e multidisciplinares dos campos de ondas e das características dos depósitos através de uma ante-praia composta de sedimentos heterogêneos. A fase experimental de campo realizada entre 26 de abril e 29 de maio de 2005 envolveu 31 pesquisadores sendo 14 de quatro instituições estrangeiras: Naval Research Laboratory (NRL/US), Naval Postgraduate School (NPS/US), Proudman Oceanographic Laboratory (UK), TU Delft University( Holanda) e 17 de instituições nacionais: Laboratório de dinâmica de sedimentos coesivos da COPPE/UFRJ, Laboratório de Oceanografia Geológica da UERJ, Laboratório de Hidráulica Marítima da Universidade Federal de Santa Catarina (LAHIMAR/UFSC), Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI/SC), Centro de Hidrografia da Marinha (CHM/RJ) e o Laboratório de Oceanografia Geológica da
Fundação Universidade Federal do Rio Grande (LOG/FURG). Esta síntese apresenta o experimento, descrevendo de forma sintética alguns dos estudos efetuados e seus resultados iniciais. 2. Descrição das campanhas de geologia e geofísica e do Experimento Cassino Localização: O foco do estudo está localizado na praia do Cassino Figura (1a) mais especificamente na área situada em frente à EMA no balneário Querência 9 Km ao sul dos molhes de Rio Grande. A praia é caracteristicamente dissipativa apresentando uma energia média de ondas e os sedimentos arenosos mais finos da costa do RS. Com o uso de um trenó submarino que alcançou profundidades máximas de 5.7 m pelo menos três bancos arenosos paralelos à costa foram identificados na sua ampla zona de arrebentação (Terra, 2003). Os contornos batimétricos em frente à praia são lineares e paralelos à praia. Com o objetivo de atualizar o mapeamento superficial e subsuperficial dos depósitos, levantamentos ecobatimétricos, sísmicos e amostragem geológica foram efetuados entre 18 e 19 de outubro de 2004 e entre 26 e 28 de março de 2005 (Figura 1b). A área de levantamento foi escolhida com base em trabalhos anteriores associados a observações visuais da variação de energia das ondas na zona de arrebentação. Foram usados dois ecobatímetros de 200 khz (Raytheon e Odom-hydrographics) e um perfilador sísmico de 2-16 khz (GEOSTAR/Edgetech), sendo a perfilagem contínua posicionada através do sistema DGPS da Omnistar. Em função de uma pane no sistema sísmico, somente um trecho reduzido da perfilagem total foi efetuado com este equipamento. Entretanto a perfilagem conjunta desde o início dos levantamentos permitiu verificar que a lama fluída era caracterizada por registros que mostravam um padrão de eco duplo. Posteriormente em maio de 2005 nos levantamentos efetuados através de um jet ski com um ecobatimetro também de 200 khz foi possível associar diferentes padrões de ecos a fácies de areia, lama fluída e lama mais densa. No primeiro levantamento, lama fluída foi mapeada entre 5 e 14 m de profundidade. Os levantamentos de março de 2005 identificaram lama fluída em profundidades maiores a partir de 8 m indicando que a mesma migrou para offshore ou foi coberta por depósitos arenosos. Levantamento efetuado em maio com um jet ski identificaram lama fluída com densidade média de 1,14 g/cm 3 a partir de 8 m de profundidade. O mapa de isópacas da lama fluida (Figura 1 b) mostra espessura máxima de 0.6 m no centro do depósito diminuindo tanto em direção a praia como para maiores profundidades. Trabalhos anteriores identificaram esse mesmo padrão com o depocentro do depósito em frente ao balneário Querência, porém numa faixa batimétrica mais profunda. Da mesma forma, a maior largura do depósito de lama fluida coincide com o vórtice associado à pluma de material em suspensão quando as águas da lagoa em forma de jato deixam a extremidade dos molhes. O estreitamento do depósito para o norte está associado à área de proteção a qual prolonga-se por 3 Km a partir do molhe oeste. 3.Experimento Cassino 3.1. Sistema costeiro de vídeo Com o objetivo de monitorar possíveis mudança na hidrodinämica e morfologia da zona arrebentação em função do transporte de lama para a praia foram instaladas 4 cameras de video as quais filman diferentes setores da zona costeira adjacente (nordeste/leste, leste leste/sudeste e sudeste/sul) usando o principio da time lapse photography onde camaras colocadas em posições fixas registram
automaticamente uma sequencia de fotos tomadas a intervalos fixos de tempo. As imagens são analisadas individualmente ou combinadas mostrando as ações (modificações morfológicas) mais rápidas ou mais lentas que em tempo real. As cameras estão conectadas a uma workstation SGI O2 Unix onde os dados são coletados de forma controlada por um software específico. As imagens são enviadas via internet a servidores onde são processadas. Os dados são coletados a intervalos de 1 hora durante o período de luz natural e consistem em: a) imagens oblíquas instantâneas (snap shots) ; b) séries temporais (time exposure images/ Timex) as quais fazem a média das intensidades vista nas cameras durante um período de 10 minutos com imagens obtidas a intervalos de 1 s, representando assim a média de 600 imagens individuais. Bancos arenosos onde as ondas quebram frequentemente gerando espuma aparecem como bandas brancas brilhantes nas imagens. Essas bandas podem ser usadas para inferir a posição e forma dos mesmos ; c) variância das imagens (image variance) as quais representam a variabilidade em intensidade vistas na imagem durante o período de 10 minutos. Areas brilhantes nestas imagens assinalam as regiões onde as intensidades mudaram mais rápidamente (linha d água) onde a praia é períodicamente exposta e coberta pela água. Através de principios fotogramétricos essas imagens oblíquas podem ser projetadas no plano terrestre, resultando em imagens retificadas com cordenadas reais as quais permitem uma intepretação quantitativa destas feições tais como posição e largura dos bancos, e mudanças da linha de praia. A retificação simultãnea de várias imagens permite a confecção da imagem composta (merged image) a qual fornece uma vista plana da praia e zona de arrebentação. O monitoramento com vídeo iniciado em maio de 2005 confirmou a existência de pelo menos tres bancos sendo dois deles bem definidos na maioria das imagens. Um exemplo da forma e variação dos bancos pode ser vista na (Figura 2a e 2b ) a qual mostra as alterações ocorridas durante a tempestade de 14 de junho tendo-se registradoondas de 4 metros no ondógrafo fundeado a 20 Km da costa. Na foto (2a) correspondente ao dia 13/6 nota-se dois bancos ritmicos separado por uma cava estando em alguns locais práticamente unidos. Na foto (2b) relativa ao dia 14/6 nota-se uma diminuição de 50 m na largura da praia subaérea devido ao setup produzido pelo aumento da altura das ondas. Os bancos ritmicos perderam sua ritmicidade tornando-se mais lineares e um terceiro banco não evidenciado na foto do dia 13 aparece a um distância de 250 m da linha de praia relativa ao dia anterior. 3.2 Condições ambientais durante o experimento. Durante o mês de maio foi fundeado na zona de arrebentação a 2 m de profundidade uma torre instrumental que incluiu um conjunto vertical de 5 correntometros eletromagnéticos (Ems), 4 turbidímetros de reflectância óptica (Obs) e dois sensores de pressão (Figura 3a). Adicionalmente, 4 aparelhos (PUVs) cada um contendo um sensor de pressão, um correntometro eletromagnético e dois sensores ópticos foram também instalados num perfil transversal a praia tendo a torre como centro. A profundidade destes PUVs variou entre 0.5 m e 2.8 m. A disposição dos equipamentos pode ser vista na Figura 3b. A figura 4 mostra uma série temporal de dados obtidos entre 21 e 26 de maio para os dados da torre. Os dois primeiros gráficos no topo indicam respectivamente a altura significativa, (Hs) e o período de pico (Tp) das ondas. Os valores de altura variaram entre 1 e 2 m e o período oscilou entre 6 e 15 s mantendo-se, entretanto com valores superiores a 10 s a maior parte do tempo. O
gráfico do meio mostra a velocidade da corrente transversal e longitudinalmente a costa (cm/s) conforme registrada pelo correntometro EM3 localizado mostra que a velocidade transversal permaneceu sempre com valores bem inferiores a 50 cm/s e sempre em direção ao mar. A linha em vermelho mostra que a velocidade da corrente longitudinal a praia atingiu valores superiores a 50 cm/s tendo a maior parte do tempo se dirigido para norte. Nota-se duas inversões no sentido da corrente. A primeira para sul ocorreu pouco antes do dia Juliano 144 tendo permanecido nesse sentido durante aproximadamente 12 horas atingindo valores máximos de 50 cm/s. Após estas 12 horas ocorreu outra reversão para norte com valores baixos durante o mesmo período de tempo atingindo após valores máximos de 50 cm/s. Os resultados indicam que durante essa série temporal a direção da corrente longitudinal para norte esteve associada a maior altura significativa das ondas. A inversão da corrente para sul esteve associada à diminuição progressiva de aproximadamente 0.6 m na altura significativa das ondas. Parece não existir relação alguma entre a direção da corrente e o período de pico. Os dois gráficos inferiores mostram valores de turbidez ainda não calibrados medidas em dois turbidímetros (OBS4) e (OBS1) posicionados respectivamente a maior e menor altura na torre. Nota-se um aumento brusco da turbidez coincidente com a inversão da corrente para sul. A interpretação destes resultados será completa quando associada com os dados do ondógrafo fundeado offshore e com as medições meteorológicas da estação da FURG localizada no local do experimento. 4.Conclusões A metodologia empregada para mapeamento dos depósitos de lama, tanto fluida como mais compactada mostrou-se eficiente. A mudança de fundos de areia para lama fluída e daí para compactada é possível de ser delineada com ecobatimetros de 200 Khz. Assim a batimetria da zona de surf obtida com 200 khz montado num jet ski mostrou-se um método rápido e preciso para mapeamento da zona de surf e da ante-praia em locais com fundos de areia, e de lama com densidade variável. Zonas de lama fluída com densidades inferiores a 1.2 g/cm 3 foram mapeadas na antepraia do Cassino. O depocentro do depósito lamítico recentemente mapeado em profundidades de 5 a 15 m coincide em forma com o depocentro antigamente mapeado em maiores. As modificações morfológicas dos bancos ocorridas em função da mudança nas condições hidrodinâmicas mostraram-se significativas e corresponderam a alterações de dois bancos rítmicos para lineares sem ritmicidade. O aumento na altura das ondas evidencia a existência de um terceiro banco já detectado em perfis topográficos feitos em 2003. Os dados hidrodinâmicos mostram inversões no transporte litorâneo longitudinal a costa. Sua associação com levantamento morfológico concomitantes fornecerá subsídios importantes para entender a evolução morfodinâmica do sistema praial. 4. Referências CALLIARI, L.J. SPERANSKI, N.S., TORRONTEGUY, M e OLIVEIRA, M.B. 2000. The mud banks of Cassino Beach, Southern Brazil: Characteristics, Processes and Effects, Journal of Coastal Research, ICS 2000 Proceedings, 1-9, New Zealand. TERRA, S.G. Construção de um trenó marítimo (sea sled) para o levantamento topográfico do perfil do fundo do mar na zona de surfe em Rio Grande-RS. 2003.76p.(Dissertação de Mestrado, curso de Mestrado em Engenharia Oceânica da Fundação Universidade Federal do Rio Grande). -VILLWOCK, J.A. e MARTINS, L.R. Depósitos lamíticos de pós-praia. Cassino, RS. Pesquisas, 1, 69-85. 1972.
a) b) Fig. 1. (a) Localização da área estudada. (b) mapa da espessura de lama fluída obtida com base nas características de eco duplo do ecobatímetro de 200 KHZ. (a) 13 de junho de 2005 (b) 14 de junho de 2005 Fig. 2. Imagem merged (composta) da praia e bancos arenosos no Cassino: (a) Presença de dois bancos rítmicos, estando o segundo praticamente soldado ao primeiro. (b) Dia seguinte durante uma tempestade nota-se a diminuição da largura da praia e a presença de três bancos lineares. Distâncias na horizontal e vertical representam respectivamente 750 e 600 m.
(a) (b) Fig. 3. (a) Torre de instrumentos com Correntômetros eletromagnéticos(em) Sensores ópticos de refletância (OBSs) sensores de pressão e sistema geral de aquisição dos dados enviados para a Estação base. (b) Perfil esquemático da posição dos equipamentos ao longo da zona de surfe. Fig. 4. Gráficos de climatologia obtidos pelos instrumentos da Torre, incluindo altura significativa das ondas (Hs), período de pico Tp, velocidade de corrente no correntômetro eletromagnético EM3 e dados não calibrados dos sensores de turbidez OBS4 e OBS1.Dados plotados em dias Julianos ou dias do ano de 2005.