ROMARIA DE GUARINOS: DIÁLOGOS E REPRESENTAÇÕES EM HOMENAGEM A NOSSA SENHORA DA PENHA 1970-2011



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ROMARIA DE GUARINOS: DIÁLOGOS E REPRESENTAÇÕES EM HOMENAGEM A NOSSA SENHORA DA PENHA 1970-2011 Valtuir Moreira da Silva 1 Resumo A tradicional Romaria de Guarinos, no Estado de Goiás, faz-se presente na vida de muitas famílias que caminha em devoção a Nossa Senhora da Penha, tradição que se repete por várias gerações. A pesquisa procura discutir os diálogos e representações dos homens e mulheres que todos os anos rumam ao Santuário para agradecer, ofertar e pedir bênçãos para suas vidas. Nesta romaria, que acontece todos os anos, na primeira semana de julho, inúmeras ressignificações são produzidas, bem como, identidades que se renovam a cada ano, quer seja no espaço sagrado e profano que se festeja sempre. E. P. Thompson, Walter Benjamim, Stuart Hall, Raymond Williams, Carlo Ginzburg, Carlos Rodrigues Brandão, Jadir de Morais Pessoa aportes importantes para se estudar uma tradição que se inicia na segunda metade do século XVIII, quando o escravo Gorino encontra a imagem da Santa, em uma Lapa na Serra de Pilar, tornando-se um local de devoção e romaria a partir desta representação. Palavras-chaves: religiosidade, representação e festa popular A festa de Nossa Senhora da Penha, na cidade de Guarino(GO), encravada na Serra de Santo Antonio, está no calendário católico para mais de dois séculos, daí não se pode negar a importância e relevância desta representação religiosa para o Estado de Goiás. Festividade esta que nasce de uma devoção popular e que fora incorporado ao calendário católico atraindo fieis de inúmeros municípios de Goiás. Vale ressaltar que ao se estudar e pesquisar a romaria de Guarinos não estamos nos referindo a uma visão unilateral deste popular, mas construindo uma análise que demonstre como o espaço da fé na Santa Padroeira nasceu e foi monumentalizada, como acredita Le Goff, a partir de homens e mulheres que se juntaram e procuravam fazer suas devoções. Ao passo que a Igreja Católica se apropriou deste real com todas as suas nuances e acrescentou a festividade as doutrinas e ritos que são, a cada ano, implementados, como a Procissão que saiu de Pilar de Goiás, cidade distante 18 km do Santuario, uma missa em homenagem aos romeiros e tropeiros, com a denominada missa sertaneja. 1 Professor Dr. em História da Universidade Estadual de Goiás Unidade Universitária de Itapuranga, Coordenador do Curso de História, pesquisador dos movimentos sociais no campo e festas populares. E-mail: valtuir2@hotmail.com. 1

Tradição esta que fora passada de geração a geração, como nos lembra Thompson (2007), ao qual demonstra que há um aprendizado e que todo este ritual de preparação está ligado aos ensinamentos da e na cultura dos romeiros do Guarinos, ao qual podemos encontrar romeiros que estão na festividade há mais de 40 a 50 anos, estando, em alguns casos na terceira geração. Os romeiros partem de seus locais de moradia das mais variadas formas: a pé, a cavalo, de carro de boi, em cavalgada, de lotações, ônibus, carros de passeio e caravanas que chegam a todo momento, nos cinco dias de intensa festa na cidade de, pouco mais de 2.500 habitantes, se tornando uma cidade, com mais de 30 mil, demonstrando as mudanças que passam essa região. Daí, acreditar no que alguns autores nos chama a atenção para se pensar estas manifestações populares, tais como Rubens Alves, Carlos Rodrigues Brandão, Jadir de Morais Pessoa, dentre tantos outros, que vêem estes espaços festivos como sendo algo que foi produzido sem a mediação de uma instituição, mesmo sendo instituicionalizada posteriormente. Popular como sendo essas inúmeras representações que existem entre os festeiros, quando sai em procissão, nas suas caravanas, nas caminhadas, nos lombos dos animais, a preparação do festejar que tem início quando se encerra uma edição. A festa seria uma paraxismo de vida, a contrastar violentamente com as preocupações da vida cotidiana. O homem suportaria as obrigações do tempo profano, apenas pela recordação da festa passada e pela expectativa da próxima (1994, p. 154). Assim, a festa de Nossa Senhora da Penha é marcada por muitas experiências de romeiros que caminham 3 a 4 dias para que se faça presente na mesma, passando provações, dores e sofrimentos que são compensados, com os momentos de devoção e participação em todos os momentos do festejar. A festa em homenagem a Nossa Senhora da Penha teve seu nascedouro relacionada com a exploração da mineração pelos bandeirantes paulistas que chegaram para o Estado na segunda década do século XVIII. A região de Pilar de Goiás e Guarinos são marcadas pela chegada dos exploradores do viu metal, consubstanciado a partir do final da década de 1720, nascendo-se primeiro o primeiro povoado e, posteriormente, Guarinos, como se fosse uma extensão de Pilar, fato ainda constatado, em relação a presença da Igreja Católica, pois a sede do Reitor do Santuário, está localizado em Pila de Goiás, distante 18 km do local aonde acontecem a devoção a Nossa Senhora. 2

Em 1729, João Batista Calhamares, chega na região, tornando-se palco da tradicional festa de Guarinos, cujo objetivo era explorar os veio d águas ao pé da Serra que margeia tal região, tudo com o objetivo claro de conseguir o ouro nas inúmeras nascentes e rios existentes. Traz consigo uma grande leva de escravos negros para fazer o trabalho na extração do ouro, mesmo sabendo que naquelas Serras e escarpas eram locais propícios para a formação de redutos quilombolas e resistência a exploração sofrida pelos inúmeros negros ali escravizados. Cunha Matos lega-nos uma narrativa acerca deste local: este arraial, em que já se contaram mais de 3.000 escravos, está agora reduzido a uma família composta de 28 pessoas, que habitam em cinco humildes casas [...]. Após esse abandono populacional, tudo em decorrência do término aurífero, ao final deste século, acontece o achado da imagem de Nossa Senhora da Penha, que terá uma função de aglutinar pessoas para sua romaria, mantendo-se o povoado ativo, que depois se torna a cidade de Guarinos. A tradição festiva para Nossa Senhora da Penha já acontece por mais de 150 anos, constado através de lembranças e contares de pessoas que vivem na região e festeiros que participam da mesma há muitas gerações. De outro, ao entrar em contato com as documentações da Igreja Católica os registros são bem peculiares em dizer que o início da peregrinação e louvores à Santa foi materializada a partir do final do século XIX. A história da santa padroeira tem uma relação, como já afirmamos com os escravos que foram levados para Guarinos, cuja função era para extrair o ouro. Ao chegar naquele local e com a exploração, estes negros escravizados foram, também resistindo ao status quo que eram submetidos, aproveitando-se as escarpas de uma enorme serra que fica envolta da cidade. Local de difícil acesso e que serviu como um local para negros fugitivos, não somente de Guarinos, mas também de Pilar de Goiás, fazendo com que formasse naquele local uma espécie de quilombo. Neste local, ao se deslocarem para proteger-se dos capitãesdo-mato, dentro de uma gruta que fica no topo da Serra encontram uma imagem de Nossa Senhora, e cujo, nome do escravo que a encontra era Gorino, daí o cognome da cidade grafado como Guarinos. A partir do momento que encontram a imagem da Santa, os negros passaram a reverenciá-la e a mesma foi levada para o patrimônio, sendo construindo uma igreja para servir de abrigo a imagem que passava a ser reverenciada não somente pelos negros que ali 3

viviam, também outras pessoas, pequenos sitiantes, moradores das redondezas vieram em busca de receber uma graça da santa. Veja-se o que nos informa, o advogado, professor e romeiro, que frenquenta a festa há mais de 30 anos, como nos conta essa representação deste local: Então, no caso especifico de Guarinos, porque se você quiser fazer um levantamento, uma pesquisa, você não encontra documentos (sic). Eu já tentei fazer isso. Até onde pude atingir, ali houve, me parece que era uma espécie de quilombo, Pilar era um centro de garimpagem de ouro, isso no período colonial, e os escravos fugidos se refugiavam ali, porque conforme você vê, devido as montanhas é um lugar de difícil acesso (...) Ao encontrarem a imagem da Santa essa notícia se tornou conhecida por muitas pessoas, que através de relatos ou mesmo de visitações, atraem romeiros de muitas regiões vizinhas e mesmo mais distantes, que procuraram aquele local, no alto da Serra Santo Antonio para fazer as orações e agradecimentos, dando materialidade a origem da festa. Vejase que a devoção está relacionada com o achado e a possível representação da comunidade local para com a santa. Nasce essa devoção de um ato não institucionalizado, a partir de algumas experiências que vieram do povo, que, posteriormente, foi incorporada ao calendário litúrgico da Igreja Católica. Com o fluxo de pessoas aumentando necessário se fez organizar o espaço de devoção e, acima de tudo, criar os mecanismos institucionais para garantir essa devoção e festança. Assim, é que a igreja prepara a organização, levando a imagem da Santa para dentro do templo. A imagem original da Santa ao ser colocada em um altar e venerada por todos, atraiu muitas pessoas interessadas na santificação e graças recebidas, porém, vieram também pessoas interessadas em tentar subtrair tal imagem, uma vez que, muitas destas imagens eram banhadas em ouro e poderia render alguns lucros para quem conseguisse executar tal intento. A imagem foi roubada em meados no início do século XX, sendo substituída por uma réplica que permanece no altar da Igreja Católica de Guarinos, ainda hoje. Como disse Brandão a festa acontece na rua, neste ambiente festivo que estão visíveis a devoção do sagrado e realidade do profano, não se sabendo distinguir quais espaços estão definidos, pois tudo é festa. São montadas barracas de comércio ao redor da Igreja e 4

adjacências, desde barracas com comidas, roupas, jogos para divertir as crianças, bebidas para os mais variados gostos, além de manterem a tradição de vir em procissão de Pilar de Goiás até Guarinos, distante 18 km, procissão está que marca e envolve os fiéis, pois é o momento em que a imagem de Nossa Senhora da Penha é retirada do Santuário e passa ao público, em frente aos espaços, considerados, profanos. Ao desenvolver essa pesquisa, juntamente com um grupo de alunos e professores da Universidade Estadual de Goiás, tivemos o contato com o depoimento de inúmeros romeiros que demonstraram essa tentativa de manter essa tradição, que vem dos seus pais e avós, sendo agora, representada e mantida por estas pessoas, nas quais estão mantendo essa tradição, bem como, vêem em busca de uma graça ou mesmo cumprir o voto que havia feito, por uma benção recebida. Fato que foi narrado pelo senhor Francisco Calisto, que demonstra essa relação e capacidade de cumprir a promessa para com a Santa festejada. Assim ele conta-nos: Eu fiz a minha parte, vim com todo respeito, com todo carinho, fiz a minha penitencia, pus a minha oferta nos pé dela e a graça eu recebi, porque eu vivia caído aí num poço d água desmaiado, fiquei aboindo n água, não afoguei, quando dei por conta de si eu tava, eu tava noutras águas, perfeitim respirando, então eu fiz esse voto. Foi a muitos anos pra trás era pá cumprir, a situação nunca dava, arranjava sempre essas dores nas perna e anemia sem pode vim, o ano passado eu vim, mais fiquei na dúvida que num cumpri direito, sempre falando pra minha esposa que eu vinha esse ano de a pé, na véspera de sai me deu umas dor nas pernas e eu ainda falei pra minha esposa eu ia desiste, que num ia dá conta. Veja-se que o compromisso do romeiro é de fazer cumprir como havia feito na sua oração e graça recebida, na qual como nos informa Francisco Calisto, teve que voltar no ano seguinte para cumpri à risca aquilo que havia prometido no acordo com a Santa. Situações como estas encontramos, bem como de homens e mulheres que vêem neste festar em decorrência de tentar dar continuidade a uma tradição que havia começado com os seus pais e avós, como é o caso de Senhor Alberico e D. Fia, que já estão nos seus mais de 40 anos de festa do Guarinos, mantendo uma tradição que havia iniciado com a sua mãe, Benedita, sendo a única filha que mantém viva essa tradição, pois outros onze filhos deixaram de o 5

fazer, em decorrência da morte de alguns, outros mudaram a religião e outros por motivos de acidentes neste trajeto não voltaram mais a esta cidade, pois perderam alguns parentes nesta romaria. Tradição seguida e reatualizada todos os anos, principalmente porque a festa em homenagem à Nossa Senhora da Penha, em Guarinos, coincide com o período final das colheitas, momento no qual, a partir de 1940, com o intenso fluxo migratório para Goiás, as regiões foram recebendo migrantes, que tinha em suas memórias e experiências a devoção aos santos, passaram a se identificar com essa romaria, tudo no sentido de manter tradições advindas e experienciadas ao longo de suas vidas, podendo-se representá-la neste local de adoração e devoção. Com essa possibilidade de adoração à Santa é que o conhecimento deste local espalhou por muitas regiões, também influenciados pela devoção na cidade de Trindade que atrai muitos, porém, muitos não conseguido ir ao altar do Divino Pai Eterno, partem para Guarinos, para cumprir a promessa a Nossa Senhora ou mesmo receber uma graça. Assim, ao final do mês junho e na primeira semana de julho era o tempo de vender a colheita e preparar para a festa de Guarinos. Essa preparação da festa iniciava, como já havia informado, ao término da missa final, que acontece na segunda-feira, momento no qual, os romeiros partem de volta às suas regiões e municipalidades. Importante observar que a preparação estava condicionada a sua renovação de voltar no ano seguinte e manter viva essa chama da devoção. Daí, o labor do dia-a-dia no campo era compensado com cerca de cinco dias de festança e devoção, no qual sagrado e profano andam lado a lado e, não se pode distinguir aonde estão estes dois ambientes, pois são misturados e separados ao mesmo tempo. E o que é mais interessante, é que muitos amigos, parentes e companheiros da devoção eram encontrados somente durante a festa, daí a sociabilidade que está envolta com toda essa lógica do festar, pois encontramos empresários que fecham os seus estabelecimentos comerciais e partem para ficar quatro dias na festa, daí o trabalho é compensado com essa capacidade de poder estar na festa todos os anos. Antonio Tavares conta-nos assim essa relação social e a tentativa de manter essa tradição familiar que está apresentada na festa de Nossa Senhora da Penha: 6

Meu pai sempre foi, íamos a família toda, e lá pra você ter uma idéia é o ponto de encontro da família Tavares. Na festa de Guarinos nós encontramos aqueles parentes mais distantes geograficamente, é proque todos vão naquela romaria, meu pai, meus tios já falecidos ia levava os filhos, e nós continuamos dentro dessa tradição e continuo levando meus filhos, sem nenhuma influência religiosa, porque eu nunca incuti na cabeça de meus filhos nenhuma doutrina religiosa ou política. Eu acho que o livre arbítrio é o que deve prevalecer e vigorar na mente do ser humano, esse é meu ponto de vista. Na narrativa de Antonio Tavares pode se perceber que a sociabilidade e interação sociais foram fatores determinantes na manutenção do festar. Daí, deve-se estar ciente que essa procura por locais sagrados tem um fim a devoção, no entanto, esse encontro e desencontro que tanto se ouve na fala de muitos que estão ali naquele espaço, pois é o momento da celebração não somente eucarística que a Igreja tenta celebrar sempre, mas as pessoas estão ali vivendo e quebrando uma rotina e cotidiano, mesmo sabendo-se que não se pode desligar por completo, mas que aparecerem nestas representações a respeito da festa. Assim, o festar não é somente ir a devoção cega e ao valor íntimo para com a Santa da Lapa, mas é fruto de uma vontade coletiva de fazer-se presente junto aos muitos amigos e amizades que se fortalecem nas inúmeras famílias que estão ali agrupadas e vivendo a festa durante a sua estada. Podemos encontrar duas, três e até famílias que estão alojadas em um mesmo local para participar da festa, que continua na rua, nos quintais, nas esquinas, nas calçada, na igreja, enfim, em todo o lugar a festa está presente, fortalecendo o compromisso de estarem junto novamente no ano vindouro. A festa em homenagem a Nossa Senhora da Penha em Guarinos traz essa relação com a vida e cotidiano dos romeiros, pois a preparação para viagem está regada a muita organização e vontade de estar ali. Em um passado recente, as famílias iam para a festa em caravanas que poderia ser a cavalo, no primeiro momento, depois nos caminhões alugados, grupos de romeiros que vinham a pé, tudo no sentido de garantir um certo conforto e diminuição das despesas. Entramos nas narrativas essas descrições nas quais os nossos interlocutores nos contam da preparação que se iniciava uma ou duas semanas antes da partida. Matavam-se porcos ou uma rez para garantir o suprimento alimentar durante a viagem e nos dias de festas em Guarinos. Além da banha de porco e carnes, as famílias ficavam dias preparando as quitandas que eram colocadas em embalagens de sacos plásticos, nas latas de 18 litros de 7

óleos comestíveis ou mesmo era colocadas em balaios cobertos com tecidos. Havia toda uma variedade de biscoitos: pão de queiro, biscoito assado, bolo de fubá arroz e milho, além de levar o arroz e feijão que eram cuidadosamente separados para a viagem e ser de boa qualidade para a fartura que deveria ser a regra desta romaria. O senhor Jair Bueno nos conta um pouco desta romaria que era feita com a contratação de um caminhão para levar todos, sem a segurança devida, nas carrocerias, causando em alguns casos acidentes, como o acontecido com a família Moreira, nas escarpas da Serra que dá acesso ao Guarinos, em meados de 1970, levando a morte de alguns romeiros e aos ferimentos de muitos. Narra assim: A quarenta anos pra trás eu vim a primeira vez, e depois faiei uns três anos ou quatro, ai comecei a trazer romeiro, era de caminhão, e vim trazeno, depois de uns seis anos eu adquiri família, meus meninos e minha esposa começou; não, nóis também vai... trazia esse ai, já vim com a família e continuei a vir, nunca mais parei. Tem uns trinta anos que venho seguindo. Nessa comemoração, eu comecei a traze Romero, comecei a senti bão a festa. Portanto, a devoção a Santa esta condicionada as inúmeras representações possíveis que encontra em meio a festa, pois muitos dos romeiros iniciam na festa a partir de uma tradição de família, outros vêem influenciados por outros, aqueles que continuam depois de executar algum serviço, como no caso do senhor Jair Bueno. Devoção, sociabilidade e muita possibilidade de interação social e fugir da rotina do dia-a-dia, essas são algumas representações possíveis destes que, são todos romeiros. Uma observação importante que marca essa devoção e romaria é que mesmo diante de afirmativas de pessoas que não estão na festa por uma graça recebida, mas os momentos de oração são respeitados e fazem parte do festejar, pois as procissões são regadas com pessoas que estão ali, mesmo neste universo de nenhuma graça, mas existe uma esperança que Nossa Senhora da Penha poderá protegê-lo de algum mal nesta vida, daí os rituais de participar da procissão, da missa dos romeiros, visitar, no mínimo uma vez a gruta, na Serra Santo Antonio, aonde fora encontrada a imagem da mesma. Local de difícil acesso, 8

que por si só, torna-se uma penitência para aqueles que se arriscam nesta aventura de conhecer e tentar visualizar a imagem de Nossa Senhora, nas frestas das formações rochosas. As inúmeras representações que existem acerca de Nossa Senhora da Penha estão por todos os lados na cidade de Guarinos, quer seja na oralidade dos romeiros, nos locais sagrados, no templo, nas ruas, na Lapa e acima de tudo, nas festividades que acontecem todos anos na primeira semana de julho, quando há uma reatualização desta devoção iniciada há mais de 150 anos. Assim, as representações e diálogos estão presentes na romaria feita por inúmeros fiéis nas estradas, trieiros, rodovias que dão acesso a Cidade de Guarinos e os contares aparecem a todo o momento na festa em seus vários espaços, basta estarmos atentos e perceber tais representações. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ALBERTI, Verena. História Oral: a experiência do CPDOC. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1989. ALMEIDA, J. Todas as festas, a festa? In.: SWAIN, T. N. (org.). História no plural. Brasilia: UNB, 1993. BERNARDES, Carmo. Perpetinha: um drama nos babaçuais. Goiânia: CEGRAF, 1991. BORGES, Barsanufo Gomides. O despertar dos dormentes. Goiânia: Cegraf, 1990. BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: Lembranças de Velhos. 3ª ed. Rio de Janeiro: Companhias das Letras. BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: Lembranças de Velhos. 3ª ed. Rio de Janeiro: Companhias das Letras, 1997. BRANDÃO, C. R. Memória sertão. Cenários, cenas, pessoas e gestos nos sertões de João Guimarães Rosa e de Manoelzão. São Paulo: Cone-Sul Universidade de Uberaba, 1999. BURKE, Peter. A escrita da História: novas perspectivas. São Paulo: Unesp, 1998. CAMPOS, Itamy. O coronelismo em Goiás. Goiânia: UFG, 1987. CÂNDIDO, Antonio. Os parceiros do Rio Bonito. São Paulo: Duas Cidades, 1998. CARNEIRO, Maria E. Fernandes. A Revolta Camponesa de Formoso e Trombas. Coleção Teses Universitárias. Goiânia: editora UFG, 1988. CHAUL, Nasr e RIBEIRO, Paulo (Orgs.). Goiás: identidade, paisagem tradição. Goiânia: Ed da UCG, 2001. CHESNEAUX, Jean. Devemos fazer tabula rasa do passado? Sobre a história e os historiadores. Série fundamentos. São Paulo: Ática, 1995. CHIAPIPNI, Ligia. Relações em História e Literatura no contexto das humanidades hoje: perplexidades. In. História: Fronteiras. São Paulo: Hucitec, Anpuh, 1999, pp. 805-818. DE DECCA, Edgar. O silêncio dos Vencidos. São Paulo, Brasiliense, 1981. DEUS, MARIA S. & silva, m. m. História das festas e religiosidade em Goiás. Goiânia: AGEPEL/UEG, 2002, (Coleção HIstóiras de Goiás). ELIADE, M. O sagrado e o profano: a essencia das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 1996. 9

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