Pesquisas sobre leitura e biblioteca: um percurso de investigação e seus primeiros achados



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Transcrição:

1 Pesquisas sobre leitura e biblioteca: um percurso de investigação e seus primeiros achados Renata Aliaga 1 Lilian Lopes Martin da Silva (Grupo ALLE- Alfabetização, Leitura e Escrita Programa de Pós Graduação em Educação Universidade Estadual de Campinas Campinas- SP) Resumo: Tomando a leitura como uma prática social, situada histórica e culturalmente e inspirada nos referenciais da historia cultural, a pesquisa Biblioteca e Leitura: o que nos apontam as teses e dissertações defendidas entre 2000-2010? 2, ora em andamento, investiga a produção acadêmica que se dedica a pensar as relações entre a leitura e a biblioteca no período recortado. Como pesquisa de caráter bibliográfico, busca construir uma visão do tipo Estado da Arte, através do mapeamento e sistematização das pesquisas em leitura que abordam essa temática em sua interface com a biblioteca. Interroga os momentos, lugares e sujeitos envolvidos, bem como as discussões e análises que emergem dessas produções. Quantos, onde e por quem são produzidos estes trabalhos? Quais as metodologias utilizadas pelos pesquisadores? Com quais suportes teóricos? O presente trabalho relata os caminhos traçados no percurso de construção do corpus da pesquisa e discute os primeiros esforços de classificação dos resumos segundo focos temáticos e os apontamentos sugeridos a partir da organização quantitativa dos dados. Palavras chave: leitura; biblioteca; estado da arte. 1 Introdução Para a maioria da população brasileira, a biblioteca permanece como um espaço totalmente alheio à vida cotidiana. Segundo a terceira edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil 3, realizada pelo Instituto Pró Livro no ano de 2011, mais de 70% dos entrevistados afirmam não freqüentar nenhum tipo de biblioteca, apesar de saber da existência de bibliotecas públicas e de fácil acesso próximas a sua residência. A biblioteca ainda é 1 Mestranda do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Estadual de Campinas. Bolsista de Mestrado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FAPESP. 2 Esta pesquisa recebe apoio financeiro da FAPESP Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. 3 A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Instituto Pró-Livro com apoio de Ibope nos anos de 2001, 2008 e 2011, apresenta estudos sobre o comportamento leitor no país. Seu último relatório, publicado em 2012 está disponível em: http://www.prolivro.org.br.

2 considerada pela maioria um local de estudo e pesquisa, sendo frequentada principalmente por crianças e adolescentes em idade escolar. A maioria dos leitores lê casa ou na escola, poucos são os que costumam fazer deste espaço um local de leitura. Dentre os fatores que tornariam as bibliotecas mais atrativas, estão livros mais novos e mais interessantes, atividades culturais, acesso à internet, maior facilidade de acesso e horários ampliados. Alguns afirmam, porém, que nada os faria frequentar uma biblioteca. Apesar de amplamente presente nos municípios brasileiros 4, há de se considerar as condições de atendimento e acessibilidade - a maioria das bibliotecas é ainda pouco atrativa, pouco inovadora ou motivadora. Desenvolver a mediação da leitura a partir das bibliotecas sejam elas públicas, escolares, comunitárias, itinerantes configura-se ainda como um grande desafio, e uma grande necessidade, dos nossos dias. Porque a leitura, depende de condições objetivas que permitam sua fruição. Condições objetivas estas não entendidas somente como o livro seja ele impresso ou digital mas também os lugares, os espaços dedicados a essa prática. Para Darnton (1992), as práticas de leitura possuem uma dimensão tanto interna quanto externa. Enquanto fenômeno social, constituem-se de elementos cognitivos e afetivos, mas também de uma história externa, que compreende aspectos concretos como: quem lê, o que lê, onde e quando lê. Tais aspectos contribuem de maneira primordial para os estudos sobre as práticas de leitura, uma vez que apontam para os modos, as formas, os fazeres envolvidos nessa prática, em diferentes momentos e lugares. As práticas de leitura necessitam lugares concretos e elementos físicos para sua realização. Não se trata apenas de oferecer livros, mas de propiciar ambientes e interações sociais favoráveis ai ato de ler. Assim, é na relação entre leitor e ambiente em que se lê que se estabelecem vínculos simbólicos, afetivos e psicológicos que favorecem e promovem interesse pelos conteúdos vinculados pela leitura. Segundo esta concepção, os espaços de leitura são lugares de construção de conhecimento e de significados essenciais à vida coletiva e à constituição dos sujeitos e de suas identidades sociais e culturais. (PETIT, 2002). Nesse sentido, não se pode tratar da questão da construção das relações entre livros e leitores nos dias atuais sem levarmos em conta as circunstâncias em que as bibliotecas exercem seu papel no tocante à produção desse fenômeno cultural (KLÈBIS, 2006). De fato, 4 Segundo o 1 Censo das Bibliotecas Públicas Nacionais, no ano de 2009, 79% dos municípios possuíam ao menos uma biblioteca pública em funcionamento. Esse número já foi reduzido, segundo o Ministério da Cultura, pelo Programa Mais Cultura, que tem como meta pública a instalação de pelo menos uma biblioteca municipal em todos os municípios brasileiros. Mais informações disponíveis em : www.cultura.gov.br

3 o espaço da biblioteca é, primordialmente, o espaço dos livros e da leitura, e, portanto, é impossível pensar os processos de formação do leitor sem fazer relação à esse espaço. Diante das inúmeras iniciativas por parte do Estado, seja na esfera federal, estadual ou municipal, para promover a leitura em diferentes instâncias, mas principalmente em promover a biblioteca enquanto espaço democrático, acessível e privilegiado para promover a relação entre leitores e livros, o que se nota é que os resultados concretos são pequenos diante dos volumosos investimentos. Mas afinal, por que razão a biblioteca enquanto espaço de leitura ainda é algo tão distante da realidade dos brasileiros? O que, de fato, os afasta ou repele? Seriam o baixo interesse pela leitura e a dificuldade de acesso argumentos suficientes, ou existem razões além destas que motivam o desinteresse de grande parte da população em freqüentá-las? 2 Leitura e Biblioteca: caminhos percorridos pela produção acadêmica no Brasil No que tange à esfera acadêmica, as pesquisas que abordam a relação entre leitura e biblioteca tem ganhado espaço significativo dentre as pesquisas sobre a temática da leitura. O catálogo analítico 5 A pesquisa sobre leitura no Brasil que reúne as pesquisas de Ferreira (2009), Martins (2005) e Penido (2010), vem sendo realizado com o objetivo descrever e mapear a trajetória da pesquisa brasileira sobre leitura, reunindo os resumos das dissertações de mestrado e teses de doutorado defendidas em programas de pós-graduação no país desde a década de 70. Se a princípio as pesquisas sobre leitura concentravam-se em programas como letras, educação, psicologia e biblioteconomia, encontram-se hoje espalhadas por diferentes programas, atendendo aos mais diversos interesses. Essa multiplicação e diversificação da produção, por programas de pós-graduação e áreas de conhecimento, demonstram as dificuldades de realização de estudos capazes de acompanhá-la e avaliá-la em seu ritmo, suas escolhas, etc. Ao mesmo tempo coloca-se uma necessidade cada vez maior de seu conhecimento, tanto no que diz respeito às quantidades e características mais gerais, como numa abordagem de caráter mais qualitativo, tentando equacioná-las em suas ênfases, seus silêncios, seu comportamento ao longo do tempo O conjunto dos resumos reunidos no período por estas pesquisadoras no período de 1980 a 2005 foram organizados em oito categorias de análise denominadas pela pesquisadora focos temáticos. São eles: compreensão/desempenho em leitura; análise do ensino em leitura/proposta didática; leitores: preferências, gostos, hábitos, histórias e representações; 5 Catálogo analítico A pesquisa sobre leitura no Brasil 1980-2000, disponível em: http://www.fe.unicamp.br/alle/catalogo_on-line/abrir.swf.

4 professor/bibliotecário como leitor; texto de leitura usado na escola; memória de leitura, do leitor, do livro; concepção de leitura; historiografia da produção científica sobre leitura. No entanto, como alerta Ferreira (2003), a produção sobre leitura, além de numerosa, é bastante complexa, gerando uma malha de diferentes áreas e temas correlatos. Dentro desse conjunto, há uma quantidade considerável e crescente de trabalhos que abordam as práticas de leitura e seus espaços, em especial o espaço da biblioteca, ainda não quantificados ou sistematizados. Nesse sentido, essa pesquisa tem como objetivos localizar, reunir, e classificar a produção acadêmica nacional dos últimos anos (2000-2010), cujo tema principal é a biblioteca em sua relação com a leitura. Toma os resumos das dissertações de mestrado e teses de doutorado disponíveis nos bancos de teses e dissertações da CAPES e do IBICT, visando, através deles, identificar os principais lócus dessa produção; suas principais tendências e ênfases; as escolhas metodológicas e opções teóricas que se destacam; aspectos que vem sendo abordados; problemas e questões focadas; silêncios e ausências percebidas. Interroga os momentos, lugares e sujeitos envolvidos, bem como as discussões e análises que emergem dessas produções. Quantos, onde e por quem são produzidos estes trabalhos? Quais as metodologias utilizadas pelos pesquisadores? Com quais suportes teóricos? Como é o comportamento desse conjunto ao longo do tempo? Quais tendências são privilegiadas? Quais são ignoradas? Que recortes temporais são definidos? Com quais critérios? A partir daí, torna-se possível refletir sobre seus diálogos (ou não) com as recentes ações e iniciativas dos poderes públicos em relação às bibliotecas e aos acervos para formação de leitores. 3 Pesquisas Estado da Arte: especificidades e contribuições para as Ciências Humanas As pesquisas do tipo Estado da Arte ou Estado do Conhecimento, são pesquisas documentais de caráter bibliográfico que buscam localizar, mapear, organizar e catalogar o conhecimento produzido sobre determinado assunto, como forma de sistematizar aquilo que foi produzido por um grupo em local e tempo específicos, não apenas identificando as grandes tendências desse discurso especializado, as referências teórico-metodológicas que lhe dão suporte, seus resultados, como também os aspectos que porventura venham sendo silenciados. Este formato de pesquisa permite questionamentos do tipo Quem? Onde? Quando? no que se refere às produções acadêmicas, além de oferecer suporte a análises de caráter qualitativo, fundamentando possíveis discussões acerca do comportamento e das tendências apresentadas pelo conjunto pesquisado. Tais pesquisas motivam-se pela necessidade de conhecer e organizar o acúmulo gerado pela produção acadêmica que, segundo Chartier (2001) envolvem, de um lado, o

5 temor a perda, o desejo de conservar, proteger, guardar, de forma que os escritos encontrem-se organizados e disponíveis para aqueles que deles necessitem, como também remete ao temor do excesso, ao esforço de escolher e selecionar aquilo que é mais relevante diante da impossibilidade, dentro da cultura escrita, de cada indivíduo apropriar-se de tudo que é produzido. Além disso, parecem querer responder a uma determinada demanda social que lhes cobra propostas/ soluções para certos problemas, principalmente, o reiterado fracasso da escola brasileira. Um dos caminhos que vislumbram é o de conhecer o já construído e produzido para depois buscar o que ainda não foi feito. (FERREIRA, 1999). Em relação às especificidades metodológicas, as investigações do tipo estado da arte estão vinculadas aos estudos de revisão bibliográfica. (TEIXEIRA e MEGID NETO, 2006). No entanto, é importante diferenciar a pesquisa bibliográfica com o objetivo de fundamentação teórica e a pesquisa bibliográfica para construção do corpus de pesquisa, como ocorre nas pesquisas estado da arte. No primeiro caso, o pesquisador recorre aos bancos de teses e dissertações ou às revistas científicas com o intuito de buscar trabalhos já realizados que se aproximem e dialoguem com o seu objeto de pesquisa. Já no caso das pesquisas estado da arte, esta busca configura a própria construção do corpus, uma vez que o conjunto de trabalhos encontrados dentro das delimitações impostas pelo pesquisador tornase seu próprio objeto de pesquisa. É portanto, um gênero de grande importância para a produção acadêmica, uma vez que o conhecimento não é estático, e tampouco sua produção homogênea e regular. Da mesma forma, todo conhecimento científico se ancorar-se em outros anteriormente produzidos, buscando novas abordagens e novos questionamentos. 4 Um percurso de investigação e seus primeiros achados O presente trabalho busca reunir, ordenar e organizar o conjunto das produções científicas, neste caso, os resumos das dissertações de mestrado e teses de doutorado, publicadas no Brasil no período de 2000 a 2010, que tragam como temas centrais a leitura em sua relação com a instituição chamada biblioteca. A opção pela leitura dos resumos se faz pela impossibilidade de ler integralmente todos os trabalhos selecionados nessa pesquisa. No entanto, ao assumir os resumos das produções científicas como objeto de estudo e fonte de pesquisa, tratamos de um gênero do discurso ligado à esfera acadêmica, com determinada finalidade e condições específicas de produção, possíveis de serem lidos como um enunciado estável delimitado pela alternância

6 dos sujeitos produtores, pela noção de acabamento de todo e qualquer enunciado e pela relação dos parceiros envolvidos em sua produção e recepção. (FERREIRA, 2002). Para a construção do corpus de pesquisa, foram feitas pesquisas em bancos de teses e dissertações vinculados a diferentes instituições ligadas à esfera acadêmica. Dentre eles, o banco de teses da CAPES 6 - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior -, que possui um amplo acervo de teses e dissertações defendidas junto a programas de pósgraduação do país. Ao avaliar os resultados de sua pesquisa, Penido (2010) destaca que 99% das teses e dissertações poderiam ser localizadas apenas no portal da CAPES, fazendo deste uma das mais completas fontes de pesquisa on-line nesse segmento. Desta forma, elegeu-se o banco de teses online da CAPES como principal fonte de busca. Além deste, também foram consultados outros bancos de teses online, como a BDTD - Biblioteca Digital de Teses e Dissertações 7, vinculada ao Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia IBICT, que possui um acervo considerável de trabalhos científicos defendidos no Brasil, e os sites das universidades que disponibilizem este serviço online. Os bancos de teses online constituem hoje uma facilidade ao pesquisador que deseja buscar informações acerca de sua área de interesse. No entanto, o volume de informações encontradas exige um esforço de seleção das informações consideradas mais relevantes e seguras. Em todos os bancos de teses selecionados, a busca por tema é feita através de assuntos e/ou palavras chave. Para as primeiras tentativas de busca, optou-se pela utilização, no campo assunto, da palavra biblioteca, no intuito de buscar o maior número possível de trabalhos que trouxessem o termo. No entanto, este é um termo bastante abrangente e refere-se não somente à instituição de leitura, interesse dessa pesquisa. A palavra biblioteca também é utilizada na área de ciências biológicas para designar um conjunto de informações sobre determinado assunto. Além disso, todos os trabalhos, de quaisquer áreas, que citavam a busca de referências bibliográficas em bibliotecas, apareciam no conjunto. Esses fatores dificultaram bastante a seleção em razão do volume de trabalhos apresentados pelo banco de teses. Tal situação evidenciou a necessidade de uma busca combinada para que os resultados fossem mais próximos do pretendido. 6 Disponível em: http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses 7 Disponível em: http://bdtd.ibict.br/

7 Para tanto, elencou-se inicialmente um conjunto de palavras que serviram como critério para uma busca combinada. São elas: biblioteca/ leitura- leituras, biblioteca/ leitorleitores, biblioteca/ ato de ler, biblioteca-história da leitura. A essa primeira busca, seguiu-se a leitura atenta e minuciosa dos resumos encontrados, num universo de cerca de 246 trabalhos, a fim de selecionar aqueles que pareciam melhor contemplar os objetivos desse trabalho. Esse movimento gerou um conjunto inicial de 103 de teses e dissertações, que foram objeto de arquivo digital e foram também impressos no mesmo formato disponibilizado pelo banco de dados online, organizados em pasta catálogo: por ano de defesa e ordem alfabética de autores. São estes 103 resumos que constituem, portanto, o universo de produção acadêmica sobre a relação leitura e biblioteca entre os anos de 2000 a 2010. A primeira tentativa de agrupamento dos resumos pretendia categorizá-los de acordo com duas concepções acerca da biblioteca: a primeira delas concebendo a biblioteca enquanto instituição, enquanto espaço físico, situada e localizada. Já a segunda, referindo-se a biblioteca enquanto coleção, acervo, conjunto de livros. No entanto, ao tentar realizar essa organização, a complexidade e a variedade dos temas abordados exigiam que fossem feitas classificações segundo critérios variados. Dessa forma, a leitura consecutiva do material sugeriu uma divisão inicial de acordo com a natureza dos espaços, que foram classificados em quatro grandes grupos. São eles: 1. Bibliotecas Escolares O grupo conta com trinta e cinco trabalhos que abordam questões referentes a leitura passando pelas bibliotecas escolares. Dentre os temas, estão a mediação de professores e bibliotecários, a formação do leitor, as iniciativas de criação e implementação destas bibliotecas e um grupo bastante expressivo que se ocupa das políticas públicas, em especial do Programa Nacional Biblioteca da Escola PNBE. 2. Bibliotecas Públicas; Inclui trabalhos com temáticas variadas, entre eles inclusão social e digital, formação do leitor e promoção da leitura, políticas públicas, questões arquitetônicas, história e memória das bibliotecas. Conta com vinte e oito trabalhos provenientes de diferentes programas de pós graduação, como Ciência da Informação, Educação, História, Letras, Linguística, Arquitetura e Administração. 3. Espaços Alternativos;

8 São os trabalhos que abordam as bibliotecas comunitárias, populares virtuais, digitais, itinerantes, bibliotecas de associações e demais espaços alternativos, num total de dezoito trabalhos. 4. Bibliotecas Pessoais e Particulares; Dedica-se ao estudo de bibliotecas de personalidades, intelectuais e de pessoas comuns. Dentre os dez trabalhos, quatro fazem parte do projeto Histórias de Leitura: Biblioteca Pessoais, da Universidade Federal do Ceará. 5. Coleções Específicas; Inclui seis trabalhos que tem como objeto de pesquisa determinadas coleções. Tratam prioritariamente de abordagens históricas e distribuem-se entre os cursos de pós-graduação em artes, história, educação e letras. 6. Bibliotecas Universitárias; Os quatro trabalhos do grupo Bibliotecas Universitárias trazem abordagens histórias e também discussões sobre o acesso à informação entre os usuários dessas bibliotecas. 7. Bibliotecários. São dois trabalhos do curso de pós-graduação em Ciência da Informação que olham para o bibliotecário como personagem central da mediação da leitura no espaço da biblioteca. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CHARTIER, Roger. Cultura escrita, literatura e história. Porto Alegre: Artmed, 2001. DARNTON, Robert. História da Leitura. In: BURKE,Peter. A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Unesp, 1992. FERREIRA, Norma Sandra de Almeida. Pesquisa em leitura: um estudo dos resumos de dissertações de mestrado e teses de doutorado defendidos no Brasil de 1980 a 1995. Tese de doutorado. Faculdade de Educação - Universidade Estadual de Campinas. Campinas: SP, 1999.. As pesquisas denominadas Estado da Arte. In: Educação e Sociedade. Campinas, SP: ano XXIII, n 79, ago/2002.

9. Leitura no Brasil: catálogo analítico de dissertações de mestrado e teses de doutorado: 1980-2000. Campinas: Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, 2003. KLÉBIS, Carlos Eduardo de Oliveira. Leitura e envolvimento: a escola, a biblioteca e o professor na construção das relações entre leitores e livros. Dissertação de mestrado. Faculdade de Educação - Universidade Estadual de Campinas. Campinas: SP, 2006. MARTINS, Renata Pereira. Estudos introdutórios sobre leitura no Brasil 1996 a 2000. Trabalho de Conclusão de Curso. Faculdade de Educação Universidade Estadual de Campinas, Campinas:SP, 2005. PENIDO, Thais Nogueira. Um estudo da leitura como temática nos resumos das teses de doutorado e dissertações de mestrado no Brasil (2000-2005). Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) Curso de Pedagogia, Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas: SP, 2010. PETIT, Michèle. Os Jovens e a Leitura: uma nova perspectiva. Trad. De Celina Olga de Souza. SP:Ed:34,2008. TEIXEIRA, P. M. M. ; MEGID, J.N. Investigando a pesquisa educacional. Um estudo enfocando dissertações e teses sobre o ensino de biologia no Brasil. In: Revista Investigações em Ensino de Ciências. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, vol.11, p. 261-282. Porto Alegre, 2006.