DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE ALAGOAS



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Transcrição:

NOTA TÉCNICA CONTRA A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL A Defensoria Pública do Estado de Alagoas, por meio do Núcleo Especializado da Infância e da Juventude, em virtude de sua função institucional de exercer a defesa dos interesses das crianças e adolescentes 1, vem manifestarse CONTRÁRIA à proposta de EC nº. 171/93, que pretende reduzir a maioridade penal, pelos fundamentos abaixo elencados. De início, importante esclarecer que a Defensoria Pública é uma instituição pública prevista na Seção III da Advocacia e da Defensoria Pública, do Capítulo IV das Funções Essenciais à Justiça, do Título IV da Organização dos Poderes, da Constituição Federal, tendo como objetivo a busca constante pela prevalência e promoção dos direitos humanos 2. A Defensoria Pública, como instituição pública essencial à função jurisdicional do Estado brasileiro, tem os mesmos fundamentos da República Federativa do Brasil, notadamente a cidadania e a dignidade da pessoa humana, e tem também os mesmos objetivos fundamentais dessa República, especialmente a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais, e a promoção do bem de todos, sem 1 Lei Complementar Federal nº. 80/94 Art. 4º, IX. 2 Lei Complementar Federal nº. 80/94 - Art. 3º, III. Página 1 de 9

preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Assim, a Defensoria Pública deve atuar, cada vez mais, na promoção, prevenção e defesa dos direitos humanos. Recentemente, a própria Corte Interamericana de Direitos Humanos reconheceu a importância da capacitação de defensores públicos para atuação perante o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, justamente pela proximidade que os defensores públicos possuem com as populações vulneráveis. Nessa linha, é de se destacar que a responsabilização criminal, no Brasil, inicia-se aos dezoito anos de idade, segundo o art. 228 da Constituição da República Federativa do Brasil e outros dispositivos infraconstitucionais. Tal artigo prescreve um direito individual e fundamental, portanto, imutável. Essa imutabilidade se configura em verdadeira cláusula pétrea - cláusulas se constituem como limitações materiais ao poder de reformar a Constituição, trazidas de forma expressa em seu art. 60 3. Nesse sentido, os direitos e garantias individuais elevados à categoria de imutáveis pela nossa Carta Magna de 1988 são todos aqueles expressos em seu art. 5º, além de outros igualmente previstos na Constituição, em virtude dos princípios por ela adotados, e dos direitos reconhecidos em Tratados Internacionais em que a República Federativa do Brasil faz parte. 33 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais. Página 2 de 9

Além da previsão expressa da imputabilidade penal, a partir dos 18 anos, constar na Constituição Federal, esse critério biológico passou a ser reconhecido como uma referência mundial, com o advento da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil através do Decreto Legislativo 28/1990 e promulgada pelo Decreto 99.710/1990 4. Por esse motivo, o critério biológico da idade, uma vez incorporado a nossa Constituição, não pode ser alterado por Emenda Constitucional. Tendo o Brasil ratificado a Carta da ONU, deverá honrar com seus compromissos internacionais, respeitando-se os direitos humanos, sob pena de, não o fazendo, desrespeitar a confiança e a boa-fé dos demais Estados integrantes da ONU. Ademais, o art. 27 do Código Penal brasileiro corrobora a redação do aludido art. 228 da Constituição Federal: Art. 27. Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação específica. 104: O Estatuto da Criança e do Adolescente[1] também trata do assunto no art. Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei. 4 Para efeitos da presente Convenção considera-se como criança todo ser humano com menos de dezoito anos de idade (...) Página 3 de 9

Não se pode olvidar, nesse momento crítico de comoção social, que inimputabilidade não é sinônimo de impunidade, pois os adolescentes entre doze e dezoito anos incompletos, que praticarem ato infracional, poderão ser submetidos às medidas sócio-educativas, a saber: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade ou internação em estabelecimento educacional, na forma dos incisos do art. 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Como se observa, há a responsabilização do adolescente infrator, mas que não é realizada da mesma forma de atos idênticos praticados por um adulto. Isso não implica, de forma alguma, em impunidade. Outrossim, o princípio da isonomia, que consiste em tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, na medida de suas desigualdades, será flagrantemente violado, caso crianças e adolescentes comecem a serem punidos ou penalizados da mesma forma que os adultos, uma vez que aqueles são diferentes destes, haja vista a condição especial de pessoa em desenvolvimento. A opção de inimputabilidade penal ao menor de dezoito anos trata-se de um comprometimento da nossa Constituição com a valorização da adolescência, por reconhecer que essa é uma fase especial do desenvolvimento humano, ou seja, está relacionada à dignidade humana criança e do adolescente. Dessa forma, deve-se afirmar que a idade penal mínima expressa no art. 228 da CF/88 é cláusula pétrea, visto que, como já explicado, está vinculada ao princípio da dignidade da pessoa humana. Além disso, é um direito fundamental oriundo da convenção das Nações Unidas de Direito da Criança, da qual o Brasil faz parte. Página 4 de 9

Nessa linha, é cediço que países que definem adultos como pessoa com idade menor a 18 anos são minorias, não ultrapassando a margem dos 17%, segundo dados coletados pela ONU. Ademais, nossa jurisprudência e doutrina, baseadas nas decisões das Cortes Internacionais de Direitos Humanos, são incisivas acerca do princípio da vedação do retrocesso social, que funciona como uma proibição à possibilidade de reforma legislativa que vise suprimir, por lei posterior, direitos sociais conquistados. Como prescreve o artigo 6, da CF/88 5, os direitos relacionados à infância foram elevados à categoria de direitos sociais e, por isso, não podem ser suprimidos para reduzir uma garantia já conquistada. Ainda, convém esclarecer que a ideia de que o direito penal é capaz de prevenir e impedir que crimes sejam praticados não passa de uma falácia, desconexa da realidade e dos dados obtidos através de pesquisas, os quais mostram que a reincidência de adultos submetidos ao sistema prisional corresponde ao índice de 70% pela prática de novos delitos. Por sua vez, o índice de reincidência dos jovens oriundos das unidades de internação não ultrapassa a casa dos 20%, o que ratifica o entendimento de que nosso sistema carcerário é falido, inadequado e insuficiente para prevenir a prática de novos crimes. Agir com a intenção apenas de punir, sem se adentrar na complexidade das causas e motivos que geram a violência, só gerará, de forma inequívoca, mais violência, em verdadeira criação institucional de escolas do crime. 5 Art. 6. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, à previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma dessa Constituição. (grifo nosso) Página 5 de 9

Ademais, o Brasil conta atualmente com a 4ª maior população carcerária do mundo, ficando atrás apenas dos EUA, China e Rússia. Em pesquisa realizada pelo Ministério da Justiça, foi apontado que a nossa população carcerária, entre 1995 e 2005, cresceu em torno de 143,91%, mesmo com a promulgação da Lei que trata dos Crimes Hediondos (Lei nº. 8072/90), aprovada após forte clamor social e midiático, na tentativa de reduzir drasticamente a criminalidade, o que não aconteceu. Nessa mesma linha, entre dezembro de 2005 e dezembro de 2009, nossa população carcerária subiu em média 31.05%, em que pese a entrada em vigor da Lei que endureceu o tráfico de drogas (Lei nº. 11342/06), o que demonstra, de forma cristalina, a incapacidade do sistema penal de garantir sozinho nossa segurança pública. Em outra pesquisa, o Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei (CNACL), do Conselho Nacional de Justiça, divulgou a ocorrência de apenas 0.5% da população jovem cumprindo medida sócio-educativa, em 2011, o que demonstra que os jovens infratores são minorias e, por isso, pelo fato de serem exceções, não deverão pautar as definições da política criminal. Se considerarmos especificamente a realidade de Maceíó - AL, encontramse sentenciados e cumprindo medida sócio-educativa de internação 114 adolescentes (dados da Vara da Infância e Juventude da Capital em 31 de março de 2015), o que corresponde, na prática, a um percentual de 0,04% de uma população jovem total de 264.143 (dados do Mapa da Violência 2014). Significa dizer que um universo de 0,04% da população jovem está servindo de parâmetro para um alteração constitucional que visa restringir direitos fundamentais de toda a sociedade! Página 6 de 9

Na verdade, a população jovem brasileira é, muito antes de algoz, vítima dessa violência que assombra o país, podendo-se dizer que existe uma verdadeira pandemia de morte de jovens no Brasil, segundo declarações de Julio Jacobo Waselfisz, sociólogo argentino radicado no Brasil e responsável pelas análises dos dados do Mapa da Violência 2014.. Exemplo disso é o fato de que os homicídios de crianças e adolescentes vem crescendo vertiginosamente nas últimas décadas. A título de exemplo, de 1981 a 2010, foram assassinados mais de 176 mil jovens, e, em apenas 2010, o número de crianças e adolescentes mortos subiu para 8.686. A Organização Mundial de Saúde ratifica tais dados ao informar que nós, brasileiros, contamos com um índice de 13 homicídios para cada 100 mil crianças e adolescentes, com taxas até 100 vezes maiores que nos países da Inglaterra, Portugal e Egito. Assim, não pairam dúvidas de que o endurecimento do nosso sistema penal, com a consequente redução da maioridade penal não se coaduna como remédio adequado para a redução da violência - ao contrário, poderá a curto prazo incrementar a sensação de impunidade, já que mais de 70% dos atos infracionais praticados por adolescentes é de pequeno ou médio potencial ofensivo, deslocando a competência para os juizados Especiais Criminais e/ou admitindo suspensão condicional do processo. Estes Juizados, via de regra, privilegiam as indenizações e composições civis dos danos, o que se manifesta inviável e inexeqüível quando se fala em adolescentes que ainda não possuem trabalho, patrimônio ou renda. Página 7 de 9

A mesma situação ocorrerá nas varas criminais que aplicarem penas pecuniárias e arbitram indenizações ex delito, as quais não poderão ser de transferidas aos genitores, civilmente responsáveis pelos adolescentes, tendo em vista a previsão constitucional do Art. 5. o, inciso XLV, no sentido de que nenhuma pena passará da pessoa do condenado. Ainda mais preocupante, se furtará das Varas da Infância e Juventude o acompanhamento, encaminhamento, orientação e aplicação de medidas protetivas a estes adolescentes, engrossando de forma exponencial o quadro da reincidência. Desta feita, reduzir essa maioridade penal é tratar apenas o efeito, de forma superficial, e não de forma minuciosa a sua verdadeira causa, isentando o Estado do compromisso com a construção e efetivação de políticas educativas e de atenção para com nossa juventude. A propósito, até o presente momento, nunca se investiu verdadeiramente na implementação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo SINASE, portanto, sequer se pode ter idéia ou levianamente afirmar que ele não funciona ou não atende a prevenção e combate a delinqüência juvenil. Partir para a criminalização destes adolescentes sem antes esgotar os meios legais disponíveis para combater a violência - de forma menos danosa e mais eficiente - com vistas à ressocialização e reinserção social é solução simplista de uma coletividade que não está disposta a envidar esforços dentro do sistema de garantias, quando deveria ser a primeira a exigir sua observância de forma indeclinável! A segurança pública, para que seja efetivada, depende de ações positivas na implementação de políticas públicas nas áreas da educação, saúde, moradia, emprego, lazer e etc, e não do encarceramento precoce e massificado de jovens com adultos. Página 8 de 9

Como derradeiro argumento, verificou-se que a exposição de motivos que justificam a proposta de Emenda Constitucional não apresenta nenhum argumento técnico, tampouco dados estatísticos da violência juvenil, mas tão somente proposições empíricas, sem aprofundamento jurídico, sociológico e pragmático, situação que culminou com o voto contrário à admissibilidade da proposta por seu próprio relator - Deputado Luiz Couto - na Comissão de Constituição e Justiça. Por todo o exposto, consideramos que o teor da proposta de Emenda Constitucional nº. 171/93 é INCONSTITUCIONAL, pois fere obrigações contraídas pelo Estado Brasileiro em âmbito internacional, sendo inútil para conferir maior segurança à população, devendo, por isso, ser rejeitada. Maceió, 10 de abril de 2015 DANIEL COELHO ALCOFORADO COSTA DEFENSOR PÚBLICO GERAL MANUELA CARVALHO MENEZES DEFENSORA PÚBLICA COORDENADORA DO NÚCLEO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE FÁBIO PASSOS DE ABREU DEFENSOR PÚBLICO AUXILIAR NA COORDENADORIA DO NÚCLEO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE ANDREA CARLA TONIN DEFENSORA PÚBLICA NÚCLEO DE ATENDIMENTO AO IDOSO E DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DA CAPITAL E DO NÚCLEO CRIMINAL DA CAPITAL Página 9 de 9