A LEI DA MORDAÇA NO MUNICÍPIO DO RIO GRANDE-RS : UMA ANÁLISE DE COMENTÁRIOS REALIZADOS NO CIBERESPAÇO

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Transcrição:

A LEI DA MORDAÇA NO MUNICÍPIO DO RIO GRANDE-RS : UMA ANÁLISE DE COMENTÁRIOS REALIZADOS NO CIBERESPAÇO Eduardo Soares da Cunha 1 Resumo: As novas mídias da comunicação e da informação apresentam um importante papel na divulgação de informações e nas novas possibilidades de interação com o outro. Assim sendo, o presente escrito tem como objetivo apresentar uma análise de comentários realizados no ciberespaço a respeito de um Projeto de Lei que pretendia proibir e criminalizar as discussões sobre gênero e/ou sexualidades em escolas do município do Rio Grande- RS, indo ao encontro da proposta apresentada no Senado Federal em 2016. As coletas foram realizadas na rede social Facebook, mais especificamente na página de um telejornal de grande destaque na cidade mencionada. Para que seja possível realizar tal análise, tomaremos como base as contribuições que versam sobre Análise Dialógica do Discurso do Círculo de Bakhtin (ADD). Palavras-chave:. Lei da Mordaça. Projeto de Lei. Análise Dialógica do Discurso. Introdução O conservadorismo e o fundamentalismo religioso têm servido como um grande impedidor das discussões sobre gêneros e/ou sexualidades. Se durante o início da década de 1970, o movimento LGBTT 2 (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) enfrentava uma Ditadura Militar frente às discussões que eram propostas, hodiernamente continuamos enfrentando desafios em temáticas que voltam seu olhar para essas questões, sobretudo quando consideradas as sexualidades não hegemônicas e os gêneros não binários. Propostas que são enviadas ao legislativo encontram uma forte resistência por parte de representantes religiosos/as e conservadores/as que negam-se discutir a promoção de direitos LGBTT, bem como as questões de igualdade de gênero. Um fato que merece ser aqui mencionado é o Projeto de Lei 193/2016, protocolado sob autoria do senador Magno Malta, que pretendia, entre outras questões, atribuir à educação nacional uma neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado, segundo o Art. 2º do projeto mencionado. No mesmo artigo, podemos ainda encontrar em Parágrafo Único: 1 Graduado em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Mestrando em Letras pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). eduardosoaresrg@hotmail.com 2 Reconhecemos a existência de outras siglas para fazer referência ao movimento.

O Poder Público não se imiscuirá na opção sexual dos alunos nem permitirá qualquer prática capaz de comprometer, precipitar ou direcionar o natural amadurecimento e desenvolvimento de sua personalidade, em harmonia com a respectiva identidade biológica de sexo, sendo vedada, especialmente, a aplicação dos postulados da teoria ou ideologia de gênero Como resultado disso, temos em todo o território nacional, tentativas de implantação da denominada Lei da Mordaça, com objetivo de policiar a prática de professores/as e inibir toda e qualquer discussão em relação a gênero e/ou sexualidades no espaço escolar. Os/ as professore/as que levam essas temáticas para suas aulas são acusados de estarem praticando e incentivando uma ideologia de gênero. Assim, nossas escolas e, consequentemente, nossos/as alunos/as fazem parte de um dos setores sociais que mais tem sofrido com as consequências de projetos de leis como esse. Temos assim, de um lado aqueles que alegam que a educação é papel da família e que a escola estaria acabando com a família brasileira, de outro, temos sujeitos, que assim como nós, acreditam que as discussões sobre gêneros e/ou sexualidades devem chegar, também, no espaço escolar, através de uma educação para a sexualidade. De acordo com Varela e Ribeiro (2017), a educação para a sexualidade a pensa como uma construção cultural e histórica, questionando discursos tidos como verdades absolutas, por meio de uma desconstrução desses em prol de uma vivência da sexualidade livre de todos os tabus e preconceitos. Como sabemos, votações que apresentam como finalidade a proibição dessas discussões no espaço escolar têm ganhado um grande destaque nas mídias da comunicação e da informação. Esse lugar é motivado principalmente por grupos que são favoráveis ou contrários às propostas apresentadas, tendo uma grande representação de religiosos/as, profissionais da educação e pesquisadores/as que se debruçam sobre as questões de igualdade de gênero e respeito à diversidade. Diante disso, é de nosso interesse realizar uma análise dos comentários realizados sobre uma notícia publicada por um telejornal local em sua página do Facebook a respeito da votação de um PL (Projeto de Lei) que pretendia proibir e criminalizar a discussão sobre gênero e sexualidades no município do Rio Grande-RS. Para isso, tomaremos como base teórica os postulados da Análise Dialógica do Discurso do Círculo de Bakhtin (ADD). Os comentários escolhidos para compor o corpus foram aqueles em que houve um maior número de interações, seja através de respostas e/ou curtidas/reações.

Dividimos este escrito da seguinte forma: Primeiramente são apresentadas algumas considerações sobre o ciberespaço. Na sequência fazemos uma breve explanação teórica sobre as contribuições da ADD, seguida da exposição do corpus, sua análise e as considerações finais. O ciberespaço e as novas possibilidades de comunicação É indiscutível que vivemos em um mundo cada vez mais tecnológico. Essa nova forma de organização social, afeta o modo como nos dirigimos ao outro. Tudo parece, cada vez mais, acontecer em ambientes virtuais. Indivíduos que antes se encontravam sozinhos, hoje têm a oportunidade de organizarem-se, debater e formar laços de sociabilidade com o(s) outro(s). Não precisamos de um grande esforço para imaginar o quão trabalhoso seria a divulgação, de um indivíduo para com seus pares de uma notícia como a votação de um PL. Com as novas tecnologias, esse repasse tornou-se muito mais fácil e simples, basta marcarmos um amigo ou compartilharmos a noticia para que assim muitos possam ter acesso a ela, em sua íntegra. Para Santanella (2001) a entrada no século XXI deverá ser lembrada pela entrada dos meios de comunicação em uma era digital, que liga comunicacionalmente, em tempo quase real, milhões e milhões de pessoas. Desse modo, é possível constatarmos que vivemos um outro momento da história da comunicação e, consequentemente da humanidade. Assim, O ciberespaço deve ser entendido como lugar compreendido pelas redes de computadores, tendo como uma de suas principais características, a possibilidade de interatividade. Um exemplo dessa nova possibilidade de comunicação pode ser dado através dos comentários que aqui iremos analisar. A Análise Dialógica do Discurso (ADD) Para Fiorin (2017), o ponto de partida de Bakhtin é o vínculo intrínseco existente entre a utilização da língua e as atividades humanas. Ao estabelecer esse vínculo entre língua e esferas, não podemos considerar que, para a teoria aqui exposta, exista um sujeito autônomo ou uma língua como um fenômeno isolado. É na interação verbal que língua e sujeito se constituem, que os sentidos são instaurados e renovados a cada ato enunciativo. Durante o processo de interação, são negociados os sentidos de um enunciado. Antes disso, o que temos é uma significação ao nível da frase. Para Sobral (2009), a interação é um conceito do Círculo que engloba vários níveis, indo além da relação face a face. O autor salienta ainda que ela é a própria base, raiz e fundamento do sentido. Antes de enunciarmos, conforme alerta Bakhtin (1997), temos palavras que pertencem ao sistema da língua, depois,

palavras que pertencem aos outros e, por fim, palavras nossas, marcadas por uma valoração diante de nossa visão do mundo. Comunicamo-nos através de enunciados que, por sua vez inserem-se em determinados gêneros discursivos. Dessa forma, ao nos dirigirmos ao(s) nosso(s) interlocutor(es), levamos sempre em consideração qual o nosso objetivo de enunciar, quem é/são nosso(as) interlocutor(es), que papéis sociais ocupa(m) e o que esperamos deles (as). De acordo com Bakhtin (1997), os gêneros do discurso devem ser entendidos como enunciados relativamente estáveis. É o projeto de dizer do locutor, junto com os fatores acima mencionados que determinam a escolha por um gênero ou outro, conforme podemos perceber no fragmento abaixo: O querer-dizer do locutor se realiza acima de tudo na escolha de um gênero do discurso. Essa escolha é determinada em função da especificidade de uma dada esfera da comunicação verbal, das necessidades de uma temática (do objeto do sentido), do conjunto constituído dos parceiros, etc. Depois disso, o intuito discursivo do locutor, sem que este renuncie à sua individualidade e à sua subjetividade, adapta-se e ajusta-se ao gênero escolhido, compõe-se e desenvolve-se na forma do gênero determinado. (BAKHTIN, 1997, p. 301). Aquele com qual estabelecemos comunicação se faz presente não só na constituição do próprio eu, como também, na elaboração de todo o projeto discursivo. Para o Círculo, nossos enunciados são permeados por relações dialógicas que evocam uma tensão de vozes. Enunciamos com o objetivo de obter uma resposta de nosso interlocutor e essa resposta é já presumida em nosso dizer. Da noticia aos comentários Como já mencionamos, o corpus deste trabalho é constituído de comentários suscitados a parir da divulgação de uma noticia sobre a votação de um Projeto de Lei. Diante disso, primeiramente expomos o texto publicado na página do telejornal. 3 3 A notícia e os comentários estão disponíveis em: https://www.facebook.com/jornal-do-almo%c3%a7o-rio- Grande-163801330621462/. Acesso em : 19. Maio. 2018.

A notícia acima motivou uma série de comentários, reações, curtidas e compartilhamentos de grupos favoráveis e contrários à proposta. No total, foram realizados 108 comentários. Considerando o espaço que aqui temos, selecionamos apenas três para a realização de nossa análise, são eles: 1-2- 3- Uma possível análise Verificamos que os comentários realizados apontam tanto para indivíduos favoráveis a votação do projeto quanto para indivíduos contrários. É através de relações de tensão que, muitas vezes, podemos perceber esses dois polos. O que apontamos ser interessante é, diante dessa amplitude de interlocutores, o sujeito procurar estabelecer um projeto de dizer que atinja um público de interesse, considerando, para isso, o gênero no qual seu dizer será enunciado, o comentário no Facebook. Podemos perceber que assim como aponta Bakhtin, o gênero em questão apresenta uma grande relatividade quanto a suas características, a depender da situação comunicativa, dos interlocutores envolvidos, do contexto de produção e de circulação. Com isso, é que podemos perceber no ciberespaço comentários dos mais variados, desde felicitações até denúncias de fatos ocorridos.

É claro que diante do alcance e do lugar em que os comentários estão inseridos, não é tarefa fácil identificar o possível endereçamento dos comentários, mas através de observações como as que seguem, podemos fazer algumas considerações sobre essa e outras questões. Ao levar em conta toda a discussão surgida através da votação do PL, fica notório que grupos favoráveis costumam se posicionar utilizando a expressão ideologia de gênero, enquanto que grupos contrários utilizam igualdade de gênero, ou ainda lei da mordaça. Estamos assim diante de uma valoração e posição marcada na e pela enunciação. A partir dessa marcação e, considerando que as palavras são ideológicas, podemos prever o dizer de sujeitos que se utilizam dessas marcas, assim como ocorre no comentário 1 ao ser utilizada a expressão ideologia de gênero. Os sujeitos que elaboraram o seu projeto de dizer inserido nessa posição, retomam outros discursos como aqueles que costumam atribuir a educação sexual (comentário 2) como uma responsabilidade e função da família. A própria escolha pelo termo já nos diz muito sobre a posição daquele que enuncia, visto que se contrasta como outras possibilidades enunciativas que poderiam ser utilizadas, a exemplo de educação para a sexualidade, o que marcaria uma outra posição e um outo olhar frente às questões discutidas. Já no comentário 3, através de um recurso linguístico, ao trazer Educação sexual é papel da família, o interlocutor se opõe a este enunciado, dialogando com discursos voltados para problemas como a gravidez na adolescência, as doenças sexualmente transmissíveis e as questões de sexualidades. Ao fazer isso, procura mostrar que a educação sexual vai muito além daquilo que o comentário questionado sugere. Podemos perceber uma relação de tensão, onde um comentário é questionado através da exposição de um outro ponto de vista, tentando mostrar assim que as discussões de gênero e sexualidade devem se fazer presentes na escola e apresentam fundamental importância para problemas sociais suscitados na resposta do sujeito locutor. Como podemos perceber, ao mesmo tempo em que somos constituídos pelo outro, procuramos também constituí-lo. A linguagem, dessa forma, mostra-se como um interessante espaço de tensas relações dialógicas. Dois grupos de interlocutores inter(agem) por meio de suas posições, suas crenças e suas verdades. Observamos que os projetos enunciativos variam, indo de uma simples exposição de uma posição no mundo até o questionamento da posição do outro. Considerações finais Olhar para estes comentários, significa pensar para muito além de um simples escrito ou de uma simples exposição de opinião. Significa, mais do que tudo, olhar para como tem pensado a sociedade fora das redes virtuais, procurando entender assim o momento atual no

qual vivemos, de busca por representação e direitos em meio a tantos discursos de ódio e intolerância para com as diferenças. Os sujeitos virtuais são também reais e suas posições no ciberespaço influenciam diretamente na vida off-line. Assim, as novas mídias da comunicação e da informação exercem um papel de extrema importância em contextos como estes, visto que, ao mesmo tempo em que permitem a divulgação de noticias importantes como a votação de um PL, também possibilitam um espaço de interação para que grupos sociais possam debater suas ideias e organizarem-se frente ao contexto apresentado. Por fim, procuramos mostrar que os comentários que são postados em uma rede como o Facebook, mostram que todas nossas posições são carregadas de valores construídos a partir de nossa interação com o(s) outro(s) nas mais diversas esferas de atividades. Acreditamos que debater, questionar e refletir sobre os caminhos que têm sido apresentados, muitas vezes por meio de discursos de ódio e ameaças é o começo de uma longa caminhada em prol de um mundo mais tolerante às diferenças. Referências BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Trad. Maria Ermantina G.G Pereira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. BRASIL. SENADO FEDERAL. Projeto de Lei N. 193, de 2016 (do Senado Federal). Dispõe sobre a inclusão entre as diretrizes e bases da educação nacional, de que trata a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, do "Programa Escola sem Partido. 2016. Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias//materia/125666>. Acesso em: 12 jul. 2018. FIORIN, José Luiz. Introdução ao pensamento de Bakhtin. 2. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2017. SANTANELLA, L. Novos desafios da comunicação. FACOM/ UFJF, 2001. Disponível em: <http://www.ufjf.br/facom/files/2013/03/r5-lucia.pdf>. Acesso em: 21 dez. 2017. SOBRAL, Adail. Do dialogismo ao gênero: As bases do pensamento do Círculo de Bakhtin. Campinas: Mercado de Letras, 2009. VARELA, Cristina; RIBEIRO, Paula Regina. Educação para a sexualidade: a constituição de um campo conceitual. In: RIBEIRO, Paula Regina; MAGALHÃES, Joanalira. Debates contemporâneos sobre educação para a sexualidade. Rio Grande: Editora da FURG, 2017.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE - FURG Catalogação na Publicação: Bibliotecária Simone Godinho Maisonave CRB -10/1733 S471a Seminário Corpo, Gênero e Sexualidade (7. : 2018 : Rio Grande, RS) Anais eletrônicos do VII Seminário Corpo, Gênero e Sexualidade, do III Seminário Internacional Corpo, Gênero e Sexualidade e do III Luso-Brasileiro Educação em Sexualidade, Gênero, Saúde e Sustentabilidade [recurso eletrônico] / organizadoras, Paula Regina Costa Ribeiro... [et al.] Rio Grande : Ed. da FURG, 2018. PDF Disponível em: http://www.7seminario.furg.br/ http://www.seminariocorpogenerosexualidade.furg.br/ ISBN:978-85-7566-547-3 1. Educação sexual - Seminário 2. Corpo. 3. Gênero 4. Sexualidade I. Ribeiro, Paula Regina Costa, org. [et al.] II. Título III. Título: III Seminário Internacional Corpo, Gênero e Sexualidade. IV.Título: III Luso-Brasileiro Educação em Sexualidade, Gênero, Saúde e Sustentabilidade. CDU 37:613.88 Capa e Projeto Gráfico: Thomas de Aguiar de Oliveira Diagramação: Thomas de Aguiar de Oliveira