Fluxus, Maciunas e Design



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Fluxus, Maciunas and Design Fukushima, Kando; Mestre; Universidade Tecnológica Federal do Paraná kandof@gmail.com Resumo O presente artigo discute sucintamente algumas obras do Grupo Fluxus e sua proximidade conceitual com as vanguardas artísticas do início do século XX, estas consideradas importantes influências para a formação do design moderno. Nesse intuito, destaca-se o nome de George Maciunas, um dos principais nomes do grupo e cuja formação e produção incluem trabalhos de design gráfico. Nesse contexto evidencia-se a contribuição desse Grupo para uma discussão mais ampla sobre as mediações entre as obras da arte, particularmente desse grupo, e o design. Palavras Chave: Fluxus; George Maciunas, Design. Abstract The present paper discusses briefly some works of Fluxus and its conceptual proximity to the early XXth century avant-garde art movements, since they are considered an important influence in modern design. For this purpose, we highlighted the work of George Maciunas who has studied and has worked in the area of graphic design. Under this perspective, we emphasized the contribution of Fluxus and its role from a wider approach, in the mediation between art works and design. Keywords: Fluxus; George Maciunas; Design.

Introdução A escolha do Fluxus para a discussão entre a produção artística e design partiu do interesse despertado pela abordagem declarada da aproximação da obra desses artistas com as chamadas artes aplicadas e da perspectiva política e social de alguns artistas ligados ao grupo como Henry Flynt, Wolf Vostell, Allan Kaprow, Joseph Beuys 1 entre outros, mas particularmente no trabalho de George Maciunas. A obra desses artistas extrapola a relação mais comum da inserção de obras de arte no cotidiano. Trata-se também de um caso interessante da transição de idéias dentro de um mesmo grupo artístico. De um lado, Maciunas aponta para algumas referências importantes do modernismo, de outro e simultâneamente, obras de diversos membros do grupo partem em direção do impasse gerado por estas mesmas idéias. Um dos aspectos desse impasse se refere a uma discussão sobre os limites da Arte e sua especificidade, na borda do Fim da Arte nos termos de Danto (1997). Sob os olhos de Maciunas, a relação deste grupo com as vanguardas históricas modernistas é bastante evidente, como a própria elaboração de um manifesto indica. Dentre os principais movimentos encontrados em seus textos estão o Dada e o Construtivismo, ambos indispensáveis para a reflexão de temáticas sociais na Arte, assim como são referências importantes na concepção do design moderno. Ao discutirmos a formação do design moderno, é muito recorrente estabelecer estas relações, especialmente quanto a sua influência na Bauhaus. Sobre os Construtivistas, Farias (1998, p.17-18) escreve: Apesar do Construtivismo ter se consolidado como um movimento na Rússia pósrevolucionária, seu ideal de adaptar as habilidades artísticas a uma nova sociedade, redefinindo o papel do artista e estabelecendo uma nova forma de arte (uma arte útil ) era compartilhado por outros artistas e pensadores na mesma época. Embora de forma desigual entre os artistas Fluxus, esta relação será bastante recorrente. Numa carta de George Maciunas para Tomas Schmit, de janeiro de 1964, ele tenta explicar de forma breve e clara os objetivos Fluxus: A. Os objetivos FLUXUS são sociais (e não estéticos). Estes objetivos estão ligados ao grupo LEF 2 de 1929 na União Soviética (ideologicamente) e se preocupam com: eliminação gradual das belas artes (música, teatro, poesia, ficção, pintura, escultura, etc.) Isto está motivado por um desejo de deixar de desperdiçar recursos materiais e humanos (como você) e desviá-los para fins socialmente construtivos, tais como seriam as artes aplicadas (design industrial, jornalismo, arquitetura, engenharia, artes gráficas e tipográficas, impressão, etc.) - que são todas áreas relacionadas mais de perto às belas artes e que oferecem a melhor alternativa profissional para bons artistas. (O que é Fluxus? O que não é? O porquê, 2002, p.163. Grifos do autor) 1 Joseph Beuys foi considerado posteriormente por Maciunas como um sabotador e declarou ainda que ele não tinha nada a ver com o Fluxus - e nunca teve. No entanto, ele teve participação fundamental num evento Fluxus, justamente o Festival Fluxorum de 1963, onde pela primeira vez o manifesto Fluxus foi distribuído no Düsseldorf Kunstakademie, escola em que Beuys lecionava. Foi neste evento que Beuys estreou como performer, sendo que até então sua carreira estava restrita a desenhos e esculturas. Beuys continuou associando frequentemente o nome Fluxus a seus trabalhos até os anos 70. 2 LEF - Sigla de Liévi Front Iskustv (Frente Esquerda das Artes). Grupo e revista criado pelo poeta Maiakóvski. A LEF reuniu quase todos os principais nomes da vanguarda russa, como Eisenstein, Rodchenko, Stiepánova, Pasternak e Dziga-Vertov. Em 1929 mudou o nome para Frente Revolucionária.

O grupo tem um caráter marcadamente internacional e o grande número de integrantes levanta algumas questões importantes para a possibilidade ou impossibilidade de alinhar trabalhos heterogêneos sob uma mesma bandeira estilística e ideológica. É nesse sentido que o presente artigo enfoca o trabalho de George Maciunas, embora possa se afirmar que sua influência tenha sido bastante evidente em outros artistas do grupo. No mesmo ano da carta de Maciunas, George Brecht, outro importante nome do grupo, evidencia esse tipo de impasse, num texto publicado no FLUXUS Newspaper #4 de junho de 1964: Os mal-entendidos aparentemente surgiram ao comparar Fluxus com movimentos ou grupos em que indivíduos tinham um princípio em comum, ou concordavam em algum programa. No Fluxus nunca houve nenhuma tentativa de concordar sobre objetivos ou métodos; indivíduos com alguma coisa difícil de identificar em comum simplesmente se uniram naturalmente e apresentaram seus trabalhos. Talvez este algo em comum seja um sentimento de que o âmbito da arte é muito maior do que ele tem parecido convencionalmente, ou que a arte e que algumas demarcações instituídas há muito tempo não são mais muito úteis. De qualquer forma, indivíduos na Europa, nos EUA e no Japão têm descoberto o trabalho um do outro e encontrado algo de nutritivo (ou algo assim) neles e criado objetos e eventos que são originais e frequentemente difíceis de categorizar, de uma estranha nova maneira... (O que é Fluxus? O que não é? O porquê, 2002, p.111. Grifos do autor) FLUXUS No início, as obras do Fluxus estavam intimamente relacionadas com a música, ou melhor dizendo com a performance musical. Maciunas um designer e comerciante de instrumentos musicais antigos, se juntou com um grupo de jovens artistas e compositores ligados ao professor John Cage. Cage havia conduzido em 1958 o curso de Composição em Música Experimental na Nova Escola de Pesquisa Social, em Nova Iorque, que reuniu entre palestrantes, convidados e alunos, diversos artistas os quais mais tarde teriam alguma ligação com o Fluxus. Entre eles estão George Brecht, Jackson Mac Low, Dick Higgins, Allan Kaprow e Toshi Ichiyanagi. Um conceito importante para esses artistas era de que algo poderia ser arte sem necessariamente ser Arte Erudita. Em pouquíssimo tempo, o grupo passou a trabalhar também com produção visual, num sentido bem amplo do termo, ou seja, com o cinema, ilustrações e outros suportes. Dentre seus temas mais importantes, encontrava-se a reinterpretação dos objetos e das atividades de nosso cotidiano. As obras eram comumente apresentadas em Festivais Fluxus, planejadas minuciosamente por Maciunas, que fazia de fato, um trabalho de curadoria. Esses eventos aconteciam em diversos países, como por exemplo na Alemanha (Festival Fluxorum - Düsseldorf, fevereiro de 1963) e na Dinamarca (FLUXUS, a música e a anti-música instrumental no teatro - Copenhagen, novembro de 1962), numa grande mistura de poesia, teatro, música e artes plásticas. Existia também a produção de milhares de objetos e publicações impressas que eram distribuídas principalmente pelo correio. Estas publicações ampliavam as discussões políticas para além da interpretação de obras artísticas propriamente ditas e dentre outros aspectos eram espaços de experimentação gráfica (Figura 01).

Figura 01 A Ótica Moderna (1963) de Daniel Spoerri e François Dufrene ( O que é Fluxus? O que não é? O porquê, 2002, p.249) Um dos pontos principais para o grupo é o aprofundamento da relação da arte com a vida, de uma maneira muitas vezes desconcertante. Dentro de uma abordagem libertária, os limites econômicos, institucionais, a guerra, o tempo e a ordem serão temas dos trabalhos. A questão no Fluxus se desenvolve a partir da potência poética no cotidiano ou como Danto diz em seu ensaio O Mundo Como Armazém: Fluxus e Filosofia, um tipo de trabalho que ia reconciliando homens e mulheres às vidas que já levavam e ao mundo em que já viviam (O que é Fluxus? O que não é! O porquê, 2002. p. 25). Uma dentre as afinidades existentes entre seus integrantes surge do desconforto em relação às grandes instituições artísticas que não acomodavam suas inquietações criativas. Além da indicação da dimensão conceitual da arte, o grupo questionava os parâmetros que poderiam classificar tradicionalmente a produção criativa, remetendo diretamente às discussões das vanguardas artísticas do início do século XX, que foram amplamente influentes na concepção do design moderno. George Maciunas O nome de George Maciunas em nosso contexto torna-se importante para delimitarmos um pouco as questões do Fluxus, pois com a quantidade de artistas envolvidos, na prática torna-se bem difícil encontrarmos um único rumo para a produção de suas obras. Sem este referencial, o entendimento sobre o Fluxus é muito diversificado, comumente divergente e em constante mudança. Maciunas era lituano nascido na cidade de Kaunas em 1931, estudou artes, design e arquitetura nos Estados Unidos e foi dono de uma galeria. Em seus trabalhos no grupo é possível perceber claramente a influência de sua formação (Figura 02) particularmente quanto ao uso da tipografia.

Figura 02 Cartões com nomes de artistas Fluxus. George Maciunas, 1964. ( O que é Fluxus? O que não é? O porquê, 2002, p.53) Os artistas Chester Anderson e La Monte Young iam editar um número da revista Beatitude East, com uma seleção de trabalhos representativos das novas tendências musicais e poéticas da época, com diversos artistas que participaram do curso de Cage além de alguns artistas que estavam na Europa, entre eles Nam June Paik, Dieter Rot e Emmet Williams, todos futuramente estariam envolvidos com o Fluxus. Este se tornou a publicação An Anthology, com o design gráfico realizado por Maciunas. Embora estivesse pronto em 1961, este número só foi publicado em 1963, ou seja, depois do primeiro grande evento Fluxus. George Maciunas queria que a publicação tivesse continuidade sob a marca Fluxus, mas problemas financeiros não permitiram dar prosseguimento a este plano. Em 1961 sua galeria já estava fechada e em novembro Maciunas iria se mudar para a Alemanha por conta de um emprego que tinha conseguido como designer gráfico das Forças Aéreas Americanas. Esta mudança trouxe o benefício de reforçar o caráter internacional do Fluxus, além de possibilitar uma boa fonte de recursos para levar adiante algumas de suas idéias. Stewart Home (1999, p.84) comenta a esse respeito: O trabalho não só era bem remunerado, como permitia que Maciunas usasse a infraestrutura governamental colocada à sua disposição para promover o Fluxus. Em especial, abusou do sistema postal subsidiado, que se destinava a elevar a moral do pessoal militar, minimizando o custo de comunicação com seus entes queridos. Além de ser o fundador do grupo, nesse início seu trabalho era principalmente organizar de modo sistemático os eventos e publicações Fluxus, financiando grande parte deles. O resultado muitas vezes incluia projetos gráficos elaborados como no diagrama da Figura 03, que mapeava os integrantes do grupo e suas relações com outros movimentos artísticos. Sua função evidenciava seu papel como uma espécie de líder do grupo, condição que o aproxima de personalidades da Arte Moderna, ou da Era da Arte nos termos de Danto (1997) como, por exemplo, o papel polêmico de André Breton com os Surrealistas.

Dick Higgins, em carta para Maciunas de 1966, escreve:...apesar de você ter inventado o termo Fluxus (ninguém negará isso), você tem consistentemente destruído sua utilidade, antagonizando seus verdadeiros amigos.... Figura 03 Diagrama nº 2: Conexões entre vários movimentos de vanguarda pós-1959 de Fluxus: seu Desenvolvimento Histórico e sua Posição em Relação a outros Movimentos de Vanguarda. George Maciunas, 1966. ( O que é Fluxus? O que não é? O porquê, 2002, p.249) Atento às repercussões na mídia e possíveis desvios ideológicos dos membros do grupo, mantinha a idéia de que os artistas deveriam ser apresentados numa frente única, carregando sempre o nome Fluxus. Com esse propósito pediu que Nan June Paik atrasasse o evento Neo-dada in der Musik e que Vostell cancelasse a edição de De-coll/age, por exemplo, ainda que ambos tivessem recusado seu pedido. O plano de Maciunas era fazer uma turnê mundial Fluxus, visitando uma metrópole por mês. Estes eventos começariam em junho de 1962 em Berlim e terminariam em dezembro de 1963 em Nova York. Nesse começo, Maciunas tentava criar um direcionamento político e social para as obras produzidas pelos artistas, mas como vimos anteriormente, esse plano não correspondia às intenções de todos os artistas. Esteticamente, o Fluxus seria uma forma de experimentar

qualquer coisa - a chuva, o burburinho da multidão, um espirro, o vôo de uma borboleta nas palavras de Danto (O que é Fluxus? O que não é! O porquê, 2002. p. 25). Como exemplo da visão inicial de Maciunas quanto as atividades mais politizadas, podemos citar o Informativo de Notícias e Política Fluxus nº 6 de abril de 1963, onde ele esquematiza sua proposta de ação de propaganda para o Fluxus Nova York e seu trabalho Os EUA ultrapasssam todos os recordes de Genocídio (Figura 3), que embora conceitualmente ligado ao pensamento do grupo artístico utilizava de forma evidente o suporte do meio técnico de trabalhos de design. Figura 3 - Os EUA ultrapasssam todos os recordes de Genocídio, George Maciunas, 1967-68. (O que é Fluxus? O que não é? O porquê, 2002, p.208-209) Desde 1966, o Fluxus foi descentralizado por Maciunas. Além dele mesmo em Nova York, o grupo era co-dirigido, sendo que Fluxus Sul era dirigido por Ben Vautier em Nice, Fluxus Leste por Milan Knizak e Ken Friedman no Fluxus Oeste. Assim esses representantes administravam publicações, autorizavam permissões de copyright e realizavam atos no interesse do Fluxus. Desde 1969, as atividades Fluxus continuavam ocorrendo esporadicamente, mas a presença de Maciunas era cada vez menos determinante. As atividades de Maciunas com inclinação mais social incluiam a criação pioneira de uma cooperativa de moradia de artistas, na SoHo no começo de 1967, idéia que posteriormente seria imitado por outros grupos, e as tentativas de criar uma comunidade na Ilha Ginger (Ilhas da Virginia) e outra numa fazenda em New Marlborough, em meados dos anos 70. Maciunas morreu de câncer na cidade de Boston, Massachusets, no dia 9 de maio de 1978, data considerada também como do encerramento do grupo 3. Considerações Finais Os trabalhos de George Maciunas no Fluxus apresentam uma série de controvérsias dentro de uma perspectiva artística. Por um lado, o discurso declarado de uma produção artística engajada afasta conceitualmente sua obra daquela realizada por grande parte de seus contemporâneos, principalmente no período posterior a segunda guerra, como a dos artistas Pop. O anacromismo de algumas de suas colocações foi motivo para inúmeras divergências internas ao próprio Fluxus. No entanto, retoma em seu discurso algumas idéias 3 Existem divergências em relação a duração do grupo, sendo que é possível encontrar trabalhos recentes vinculados ao nome do grupo (Fluxus in Germany: 1962-1994, 2002) além de reencontros posteriores de artistas e obras utilizando o nome Fluxus.

de grupos influentes na formação do design moderno, como é o caso dos construtivistas (HOLLIS, 2001; FARIAS, 1998; VILLAS-BOAS, 1998). A relação mais direta do Design com o ideário revolucionário é uma particularidade que merece atenção numa perspectiva que considere a produção gráfica em termos de ação e negociação com os valores da sociedade. Nessa abordagem, a relação do designer com o produto que ajuda a desenvolver não foge a uma lógica que indica a responsabilidade pelo conteúdo e não apenas numa suposta dimensão formal separada. Ainda que não seja possível comparar o alcance de sua influência com a dos russos, é pertinente ressaltar que trouxeram contribuições relevantes para a discussão da produção visual no cotidiano, derivativas de questões filosóficas e estéticas próprias daquele período e desenvolveu trabalhos de interesse à pesquisa em design. Desviando os termos de George Bhecht, discute-se aqui o sentimento de que o âmbito do design é muito maior do que ele tem parecido convencionalmente. Para abordagens de pesquisas posteriores, uma das possibilidades é a de analisar de forma mais minuciosa a obra de Maciunas quanto ao uso da tipografia e outra é aprofundar a comparação dos aspectos conceituais apresentados neste artigo com aqueles dos grupos alinhados com as vanguardas modernistas, ampliando a fundamentação crítica a respeito das contribuições deste ideário complexo com a do design. Referências DANTO, A. C. After the end of art Contemporary art and the pale of history. Princeton: Princeton University Press, 1997 FARIAS, P. L. Tipografia Digital. O impacto das novas tecnologias. Rio de Janeiro: 2AB, 1998. FLUXUS in Germany 1962-1994. 3ª Ed. Sttutgart: Ifa, 2002. Catálogo de exposição. FREIRE, C. Poéticas do processo: arte conceitual no museu. São Paulo: Iluminuras, 1999. HOLLIS, R. Design gráfico. Uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2001. HOME, S. Assalto à cultura. 1ª Ed., São Paulo: Conrad Editora, 1999. L ESPIRIT Fluxus. França: Musées de Marseille, 1995. Catálogo de exposição. O que é Fluxus? O que não é? O porquê. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 2002. Catálogo de exposição. VAUTIER, B. Disponível em: <http://www.benvautier.com>. Acesso em 15 de julho de 2007. VILLAS-BOAS, A. Utopia e disciplina. Rio de Janeiro: 2AB, 1998.