PALAVRAS-CHAVE: Revolta de Vila Rica, Conde de Assumar, Manuel Nunes Viana.



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Transcrição:

O ONIPRESENTE MANUEL NUNES VIANA E A REVOLTA DE VILA RICA: ESTUDO DA RELAÇÃO ENTRE A AMEAÇA DE MANUEL NUNES VIANA AO PODER DE ASSUMAR E A SEDIÇÃO DE VILA RICA DE 1720 João Henrique Ferreira de Castro 1 Universidade Federal do Rio de Janeiro/CAPES RESUMO: A punição a Revolta de Vila Rica foi um momento importante na história da punição do Império Ultramarino Português. Em uma sociedade cuja tradição era perdoar, as condenações dos sediciosos desta sublevação abrem caminho para muitas questões. Uma pergunta que merece destaque é: Seria o Conde de Assumar um defensor da prática da punição em detrimento do costumeiro perdão? As posturas assumidas pelo governador da capitania de São Paulo e Minas Gerais, especialmente diante das ameaças de homens como Manuel Nunes Viana, permitem clarear esta indagação. Ao menos um ano antes da revolta de Vila Rica é possível encontrar no discurso de Assumar a vontade de punir os potentados que ameaçavam a sua autoridade na região, com destaque para Nunes Viana. Todavia, isto não é suficiente para atribuir ao governador uma postura declaradamente beligerante contra os poderes locais. O objetivo desta comunicação é esclarecer como o desejo do Conde de Assumar de diminuir o poder dos potentados de Minas influenciou no tratamento aos revoltosos de Vila Rica. A comunicação se preocupa ainda em relativizar a relação que há muito é estabelecida por boa parte da historiografia de que as ações de repressão em Vila Rica já estavam dadas mesmo antes do evento, ressaltando como o Conde de Assumar negociou a repressão com os sublevados, sem perder de vista a sempre presente ameaça que Manuel Nunes Viana constituía na mente do governador, principalmente nos dias em que parte da população de Vila Rica se levantou contra sua autoridade. PALAVRAS-CHAVE: Revolta de Vila Rica, Conde de Assumar, Manuel Nunes Viana. Pouco tempo após o encerramento da Revolta de Vila Rica, o então governador da capitania de São Paulo e Minas Gerais, o Conde de Assumar, seria obrigado a justificar a decisão de punir os sediciosos de Vila Rica desrespeitando valores básicos da ação política de uma monarquia corporativa como a realização de uma consulta aos ouvidores da capitania para discutir a situação. A carta de defesa do governador é, atualmente, um dos documentos mais conhecidos, se não o mais, sobre a sedição de Vila Rica. Alvo de um estudo crítico por parte de Laura de 1 Graduado em História pela Universidade Federal de Viçosa e Mestrando em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Bolsista CAPES.

Mello e Souza nos anos 90 2, ainda hoje tal correspondência tem grande potencial de questões para serem exploradas. Em um trecho da defesa, por exemplo, é possível encontrar uma referência a um personagem cuja participação na Revolta de Vila Rica nunca foi sequer cogitada. Trata-se da figura de Manuel Nunes Viana, personagem crucial de outro episódio de disputa nas Minas. A Guerra dos Emboabas ocorrida onze anos antes. O Conde de Assumar registraria a desconfiança da participação de Nunes Viana na sedição, pois a mesma ocorreu de forma próxima às costumeiras revoltas com participação de Manuel. Sem certeza da participação de Nunes Viana, no entanto, o governador apenas afirma a possibilidade uma vez que ainda que como raio se vejam sempre em toda parte as execuções de Manuel Nunes Viana. 3 Assumar lamentaria em sequência que não se poderá com razão criminar aqui [a participação de Nunes Viana] por limitada a sua cópia 4, mas insistiria em demonstrar seu ódio a um dos mais influentes potentados das Minas descrevendo o já grande número de incômodos que a pessoa de Manuel Viana tinha lhe causado desde a chegada de Assumar às Minas. Este é aquele Manoel Nunes Viana que no sertão dos currais da Bahia se estabeleceu, e engrossou com a desgraça alheia e o dano dos terceiros, e a quem, como a Cipião, as ruínas de África, começaram a dar nome os estragos dos Paulistas, e depois com detrimento das leis, escândalo da religião, horror da natureza, inumeráveis atentados, repetidos insultos, infinitas maldades (...). 5 O trecho acima é apenas um resumo da série de ataques do governador da capitania a aquele que seria, sem sombra de dúvida, um dos seus principais inimigos durante sua estadia nas Minas. Nem mesmo o líder da revolta, Pascoal Guimarães, foi alvo de críticas tão ferozes por parte do Conde que terminaria seu posicionamento contra Manuel o acusando de 2 SOUZA, Laura de Mello e. Discurso Histórico e Político sobre a sublevação que nas Minas houve no ano de 1720: Estudo crítico. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1994. 3 Discurso Histórico... p. 90. 4 Ibidem. 5 Ibidem.

participação na sedição, embora nem lá estivesse presente, pois Nunes Viana sem diferença conquista ao longe sua opinião. 6 Mas qual o sentido de tantos ataques a Nunes Viana por parte do Conde de Assumar? Qual a razão para o governador se referir a um dos mais poderosos potentados das Minas com palavras como as que dizem que não saiu do inferno maior peste, nem Deus deu aos sertões do Brasil maior castigo? 7 Esta questão que proponho a analisar a partir de agora. Em primeiro lugar, se faz necessário resgatar as trajetórias dos dois personagens nas Minas até o momento em que seus destinos se encontraram. Começo por Manuel Nunes Viana, o primeiro a se aventurar por estas terras. Manuel Nunes Viana sempre foi alvo dos historiadores que se dedicaram à História de Minas Gerais do período anterior à emancipação política brasileira. Memorialistas se preocupavam em deixar gravado na História a lembrança do homem que comandou o grupo de portugueses contra os paulistas liderados por Borba Gato na Guerra dos Emboabas iniciada em 1708. Sua presença nas Minas, no entanto, datava de antes disto. Segundo Pedro Calmon Nunes Viana entrara no princípio do século pelo São Francisco 8. Recém-chegado de Portugal, Nunes Viana tinha vindo para as Minas tentar a sorte como tantos outros homens de sua terra, conforme também narrou Calmon destacando que vivia Nunes Viana a mascatear bugigangas, como tantos aventureiros, reinóis, baianos, pernambucanos, atraídos pelas minas. 9 O exercício da atividade de mascate em nada diferenciava Nunes Viana de tantos outros que assim ganhavam à vida nas Minas. Todavia, mesmo antes do conflito emboaba, Manuel soube construir preciosas relações pessoais com pessoas importantes como D. Isabel Maria senhora dos currais que tinham sido de seu pai, o Mestre-de-Campo Antônio Guedes de Brito. 10 Não se tem registro da estratégia utilizada por Nunes Viana para ganhar a confiança de D. Isabel. Entretanto, a relação entre ambos serviu para tornar Manuel um homem diferenciado nas Minas, pois D. Isabel concederia o direito de administrar os currais que 6 Ibidem. 7 Idem. p. 91. 8 CALMON, Pedro. História do Brasil. Livraria José Olympio: Rio de Janeiro, 1959. p. 967. 9 Ibidem. 10 Ibidem.

foram de seu pai a Nunes Viana, a quem consentiu ser seu procurador e que assim ganhava o poder de um homem que vendia os gados e vigiava os caminhos. 11 O direito de administrar os currais de D. Isabel seria, no futuro, causa de um profundo incômodo ao Conde de Assumar, mas o poder de Nunes Viana ainda cresceria antes do encontro entre os dois. Além de procurador dos currais de D. Isabel, Viana atuava, como já dito, como mascate e assim metia nas minas os produtos oriundos do reino e da Bahia em troca de ouro em pó. 12 A atividade comercial, aliada à procuradoria de D. Isabel, faria de Nunes Viana um agente mantenedor da ordem, entre o rio das Velhas e o médio São Francisco. 13 Sua força enquanto potentado independia de ofícios e patentes régias, o que não quer dizer que Manuel Nunes Viana não as almejasse. Em uma sociedade pautada por ideais de Antigo Regime, faltava ao potentado apenas uma forma de pleitear alguma mercê ao rei de Portugal. Tal situação se apresentaria em 1909 com a ocorrência da Guerra dos Emboabas. O conflito liderado pelos descendentes dos conquistadores das minas, sob a chefia de Borba Gato, colocou em ameaça os homens recém-chegados da corte, como era o caso de Nunes Viana. Entre os alvos da revolta, no entanto, estavam também os homens que, nomeados pelo rei, ocupavam os postos de governo, entre eles o governador do Rio de Janeiro, sob o qual recaia a jurisdição sobre Minas naquele período, D. Fernando Martins de Lencastro. Em artigo recente sobre o conflito, Adriana Romeiro destacou que a disputa na Guerra dos Emboabas não poderia mais seguir sendo tratada como um mero duelo entre paulistas descobridores versus portugueses recém-chegados pois isto simplificava o que estava em disputa entre os personagens desta guerra. Antes disso, considera Romero importante apontar que O que estava em jogo no conflito, para além das diferenças culturais e políticas entre os grupos envolvidos, era uma acirrada disputada pelo poder local, envolvendo questões muito concretas, como a concessão de cargos, a divisão das datas minerais, a distribuição de sesmarias, os privilégios junto à Coroa, etc. 14 11 Ibidem. 12 Ibidem. 13 Ibidem. 14 ROMERO, Adriana. A Guerra dos Emboabas. In: RESENDE, Maria Efigênia Lage de Resende e VILLALTA, Luiz Carlos. História de Minas Gerais. As Minas Setecentistas. Belo Horizonte: Autêntica, Companhia do Tempo, 2007. p.539.

É praticamente dispensável dizer que uma figura como Manuel Nunes Viana teria participação ativa em um episódio desta natureza. Na disputa pelo poder era importante ter alianças e Manuel optaria por se aliar a outros homens que atuavam como mascate nas Minas, dentre os quais estava Pascoal da Silva, liderança importante da sedição de Vila Rica da qual Assumar entenderia no futuro ser Manuel peça-chave apesar da distância. A aliança entre Pascoal e Manuel se manifestou a partir do dia 20 de dezembro de 1708 quando, segundo Pedro Calmon, mãos criminosas atearam fogo ao arraial de Pascoal da Silva, em Ouro Preto (...) e o poderoso mineiro, julgando-se diretamente ameaçado, uniu as suas forças às de Nunes Viana e Frei Francisco. 15 Frei Francisco que também seria uma das lideranças da sedição de 1720. Juntos, Manuel Nunes Viana e Pascoal Guimarães desafiaram o grupo de Borba Gato que seria um dos primeiros homens a mostrar sua indignação com a atuação de Viana nas Minas. Pouco antes do conflito de 1708, Borba Gato escrevera para o governador do Rio de Janeiro denunciando que Nunes Viana Não tem mais exercício no rio de São Francisco que esperar comboios da Bahia de uma grossa sociedade que tem naquela cidade e tanto que lhe chegam não se contenta com marchar com estes para as Minas senão com vir servindo de capitania aos mais comboios para que nenhum seja tomado do inimigo que nesta conta tem a quem trata da arrecadação da Fazenda de S. Majestade que Deus guarde. 16 A indisposição de Borba Gato com os mascates recém-chegados do reino promoveria, assim, o confronto entre seus aliados e os aliados de Nunes Viana que, logo após o episódio do fogo no arraial de Pascoal Guimarães, assentou os seus quartéis ao lado da gente de Pascoal da Silva, em Ouro Preto, e mandou o sargento-mor de batalha (cargo que outorgou), Bento do Amaral Coutinho, dispersar os adversários que se aglomeravam no rio das Mortes. 17 As batalhas correram de dezembro de 1708 até fevereiro de 1709 quando os aliados de Nunes Viana venceram o conflito. A disputa encerrou-se pois renderam-se os paulistas, ali cercados, com a promessa de que nada sofreriam se largassem as armas, e apenas os pilharam indefesos, os emboabas correram sobre eles e os mataram torpemente. 18 O desfecho sanguinolento do conflito chamaria a atenção da Coroa para a ameaça que Nunes Viana representava pela primeira vez. Para conter um novo embate na região das 15 CALMON, Pedro. Op. Cit. p. 969. 16 MELO, J. Soares de. A Guerra dos Emboabas. s.e. s.d. p. 233. 17 CALMON, Pedro. Loc. Cit. 18 Ibidem.

Minas, D. Fernando Martins Mascarenhas de Lencastro, governador do Rio de Janeiro, decidiu ir encontrá-lo (Manuel Nunes Viana) nas Minas, de medo a que a briga degenerasse em insurreição geral. 19 D. Fernando não imaginava encontrar resistência a sua presença quando chegasse às Minas, mas não foi isto que se verificou na prática. Ciente do poder que tinha sobre a região, Nunes Viana estranharia o desrespeito do governador de decidir entrar em área que considerava de sua jurisdição. A vontade de Nunes, diante da chegada de D. Fernando, era de que o mesmo embainhasse a espada, retirando-se das Minas. 20 Os homens de Nunes não deixaram que o governador passasse de Congonhas 21 e o governador, ao perceber a decisão daquela gente de não ceder, de não dispersar, de não lhe respeitar as ordens, e antes que fosse tarde regressou ao Rio, dando por inútil sua jornada. 22 Tal episódio é considerado por Adriana Romeiro como demonstração máxima do poder de Manuel Nunes Viana sobre a região das Minas no início da década de 1710, afinal de contas o potentado havia conseguido provocar a fuga do governador D. Fernando de Mascarenhas, em 1709, depois de ter sido cercado e ameaçado de morte pelos homens de Nunes Viana. 23 A jurisdição dos representantes da Coroa na região encontrava-se, portanto, ameaçada pela figura de Manuel Nunes Viana. Repleto de aliados, Viana representava os interesses de vários poderosos locais que foram ameaçados pelo ataque dos aliados de Borba Gato e precisaram se organizar para se defender. Nesta conjuntura, o poder de Nunes Viana foi legitimado dentro da concepção corporativa da sociedade ultramarina portuguesa. A estratégia da consulta, tão cara aos reinóis para concessão de ofícios e tomadas de decisão, também foi utilizada em Minas pelos homens ligados à Nunes Viana. Assim, estes se organizaram para articular suas demandas políticas em torno da figura de Manuel Nunes Viana (...) aclamado governador das Minas. Ao contrário da imagem de uma aclamação popular, sugerindo o caráter democrático da eleição, os poderosos do lugar reuniram-se em conselho para escolher seis eleitores para que estes, a votos, fizessem governador que os governasse, e, com efeito, nomearam ao dito capitão-mor Manuel Nunes Viana. 24 19 Ibidem. 20 Idem. p. 970. 21 Ibidem. 22 Ibidem. 23 ROMEIRO, Adriana. Op. Cit. p. 545. 24 Idem. 539.

A aclamação de Nunes Viana como governador era um claro indício de que a Coroa encontraria dificuldades para negociar com os poderosos ligados a Viana e o recuo do governador do Rio dava-lhe uma autoridade sem limites. 25 Fazia-se urgente negociar com Viana e seus aliados e a Coroa não faria diferente ao enviar o sucessor de D. Fernando Mascarenhas, D. Antônio de Albuquerque, para a região das Minas no intuito de recuperar a sua jurisdição sobre as terras. A recepção ao novo governador pelos homens de Viana foi bem diferente da concedida ao seu antecessor. A ação de enviar novamente um representante régio para negociar com Nunes Viana deixava claro que a Coroa não cederia ao desejo de Manuel e de seus aliados de ocupar os principais cargos da região. Ciente disso, Nunes Viana, que nunca teve desejo de romper com a Coroa, mas antes interesse em conseguir reconhecimento sobre suas ações nas Minas, se disporia a negociar. Manuel Nunes Viana foi um claro exemplo de como a economia moral do dom, ou seja, o sistema de concessão de mercês e regalias, estava impregnado na sociedade mineradora. Com a chegada de D. Antônio de Albuquerque, Viana barganharia outros cargos para si e seus aliados e, assim, evitaria um novo enfrentamento contra um representante régio que pudesse expor sua fidelidade à Coroa a qual sempre quis demonstrar e julgava executar, tanto que entenderia ao sair das Minas ter direito não só à indulgência como aos prêmios, que dez anos depois, iria buscar a Lisboa. 26 D. Antônio de Albuquerque, por sua vez, aceitaria negociar com os homens de Viana. A negociação era estratégia crucial para os oficiais da Coroa não exporem sua legitimidade à riscos, principalmente em uma região que se levantara há tão pouco tempo. A sabedoria de negociar, inclusive, é fundamental para se entender por qual razão oficiais régios conseguiam ainda ir às Minas e serem respeitados, pois é indiscutível que não há processos duráveis de dominação sem o consentimento (nas suas variadas formas) das populações dominadas... 27 Foi justamente a disposição em negociar que fez com que a Coroa nomeasse o experiente e hábil D. Antônio de Albuquerque, incumbindo-o de se passar às Minas para apaziguar os ânimos. 28 De fato, D. Antônio cumpriria com o seu papel e restauraria à ordem 25 CALMON, Pedro. Op. Cit. 26 Ibidem. 27 XAVIER, Ângela Barreto. A Invenção de Goa. Poder imperial e conversões culturais nos séculos XVI e XVII. ICS: Lisboa. 2008. p. 24. 28 ROMERO, Adriana. Op. Cit. p. 546.

na região mineradora utilizando do recurso da economia moral do dom e nomeando Nunes Viana e seus aliados para os principais cargos políticos das vilas recém-criadas. 29 O tratamento dado por D. Antônio aos aliados de Borba Gato também refletiria outro importante valor da 2ª escolástica. Ao não punir os homens que deram início aos conflitos na região, D. Antônio agia de acordo com o pólo oposto da punição: o perdão, ou mais em geral, as medidas que, na prática, traduziam a outra face da intervenção régia em matéria penal o exercício da graça. 30 O perdão aos aliados de Borba Gato, entretanto, não queria dizer que estes não sofreriam as conseqüências do levantamento ao qual deram início. O ganho de cargos pelos aliados de Viana demonstrava a queda de prestígio dos descendentes dos primeiros conquistadores das Minas que espaventados da estrutura administrativa, retiraram-se para seus arraiais, enquanto muitos, desgostosos, lançaram-se aos novos descobrimentos, na região de Goiás e Mato Grosso. 31 A decisão de Nunes Viana de aceitar o que a Coroa lhe oferecia foi sábia e apesar da alegada pressão dos seus para que se mantivesse no cargo, renunciou em hora oportuna. E foi enriquecer no alto São Francisco, a cobrar como um régulo os foros que de deviam os viajantes à dona daquelas terras, até o rio das Velhas, D. Isabel Maria Guedes de Brito... 32 Sua presença na região do São Francisco foi aceita pela maior parte dos governadores que passaram pela Capitania de São Paulo e Minas Gerais a partir de então e até mesmo pelos governadores-gerais. Respeitavam os oficiais o poder de Nunes Viana e o direito contratual que este tinha de administrar as terras de D. Isabel Maria naquela região para onde se retirou em 1710 ou 1711 e até 1724, exerceu a autoridade de mestre-de-campo e pessoa de confiança de governadores como o Marquês de Angeja, que em 1717 se correspondia cordialmente com ele. 33 Mais do que uma boa relação com os governadores, entretanto, conseguia Nunes Viana conquistar a confiança do próprio rei que chegaria a conceder-lhe regimento para liderar expedições de combates aos insultos dos gentios. 34 Todavia, sua sorte começaria a mudar com a chegada do Conde de Assumar à conquista para poder governar a Capitania de São Paulo e Minas Gerais em 1717. 29 Ibidem. 30 HESPANHA, António Manuel. Disciplina e punição. In: HESPANHA, António Manuel. História de Portugal. O Antigo Regime. 4º vol. Lisboa: Editorial Estampa, 1998.. p. 274. 31 ROMERO, Adriana. Loc. Cit. 32 CALMON, Pedro. Op. Cit. 33 Ibidem. 34 Ibidem.

Pedro Miguel de Almeida Portugal e Vasconcelos, o Conde de Assumar, é figura cara à historiografia nacional de longa data. A imagem difundida do governador das Minas, embora sempre controversa, sofreu pouquíssimas alterações com o passar do tempo e hoje praticamente é consenso se lembrar do personagem como o governador cujo pendor para o exercício do poder marcou época, passando para a história como o homem que mandou executar sem julgamento o tropeiro minhoto Filipe dos Santos Freire durante um levante ocorrido em 1720. 35 A pessoa do Conde de Assumar, entretanto, exige uma reflexão muito mais extensa do que a decisão de punir Filipe dos Santos no desfecho da sedição de Vila Rica desrespeitando os valores do corporativismo como a realização de uma consulta aos ouvidores para a tomada de decisão. Sua carreira anterior à sua nomeação para Minas é fundamental para entender o que a Coroa esperava ao decidir conceder ao Conde o governo de São Paulo e Minas Gerais. Era o Conde de Assumar um homem da guerra. Na idade de 17 anos (...) já seguia a carreira das armas, na qual desde logo se distinguiu por talentos mais raros. 36 Ao contrário de D. Antônio de Albuquerque, cuja experiência de prestação de serviços à Coroa estava ligada a atividade administrativa, pois era este experimentado no governo do Maranhão, 37 a trajetória de serviços de D. Pedro antes do seu envio às Minas tinha como ponto máximo o comando de tropas nas guerras contra Espanha nas quais havia conseguido destaque em 1713, [quando] fez uma retirada dificílima, abrindo caminho em certos lugares a ponta de espada, até que chegou a Olivença em 13 de fevereiro deste ano. 38 Enquanto Assumar lutava contra os espanhóis, Nunes Viana geria seus negócios nas Minas com o apoio dos governadores locais que evitavam confrontar o poder do potentado. O perfil da negociação e do respeito aos valores do corporativismo era a marca fundamental da ação destes governadores na negociação com os poderosos das minas e o antecessor de Assumar, D. Brás Baltazar da Silveira, se notabilizaria por ser bastante conciliador nos momentos de conflito, assim como o vice-rei do Brasil no período, D. Pedro de Noronha, com o qual frequentemente D. Brás se aconselhava. 35 SOUZA, Laura de Mello e. Fragmentos da vida nobre em Portugal setecentista. In: GALVÃO, Walnice Nogueira & GOTLIB, Walnice Nogueira (org.) Prezado senhor, prezada senhora. Companhia das Letras: São Paulo, 2000. p.79. É bom enfatizar que existem exceções a esta visão de homem de exceção do Conde de Assumar. Destaca-se a recente tese de doutoramento de Marcos Aurélio de Paula Pereira. 36 VASCONCELLOS, Diogo de. História Média de Minas Gerais. 4ª edição. Itatiaia: Belo Horizonte, 1904. p. 292-293. 37 CALMON, Pedro. Op. Cit. p. 973. 38 VASCONCELLOS, Diogo de. Op. Cit. p. 293.

Foi usando da estratégia da conciliação que D. Brás Baltazar, por exemplo, poria fim a uma revolta ocorrida em 1715 na Vila Nova da Rainha contra novas medidas da Coroa para a cobrança do quinto. Aconselhado por D. Pedro de Noronha, D. Brás Baltazar renunciaria as mudanças e perdoaria os sediciosos, pois acreditava ser o vice-rei a melhor forma, após receber uma carta do governador da Capitania de São Paulo e Minas Gerais, de garantir o Sossego e assim o tenho feito presente ao Rei mensagens para que esta sua (carta) se encaminha, a que não paguem, mais do que lhe devem e ajam de conhecer o meio mais próprio para que nem eles paguem mais do que de direito devem, nem a Sua Magestade se descaminhem os seus reais quintos, que pelo mesmo direito lhe obedecem. 39 A situação de conciliação era ideal para que Manuel Nunes Viana e os demais potentados de Minas conseguissem manter suas atividades sem serem incomodados, mas tal perspectiva dificultava as ações dos oficiais da Coroa na região. Qualquer decisão de alteração na cobrança de tributos, por exemplo, despertava a fúria das câmaras e as vilas da região se inclinavam para a alteração. A situação se tornaria insustentável ao ponto de D. Pedro começar a se dirigir à Coroa questionando a validade de se manter a estratégia de afirmação do poder régio pelo exercício da graça e da negociação. Apenas um ano após a decisão de aconselhar D. Baltazar a ceder na negociação dos quintos, D. Pedro de Noronha se mostraria desgastado com a ocorrência de revoltas na região das minas. Ao relatar ao rei a ocorrência de uma nova inquietação naquelas terras, o vice-rei mudaria radicalmente de posição e diria que o ideal seria que se executasse prontamente o castigo que merecessem, pois só desta sorte se assegura bem a obediência de gente tão rebelde em parte tão remota. 40 Desconheço a resposta de D. João V a esta posição, mas a escolha de um homem das armas como o Conde de Assumar para suceder D. Brás Baltazar no governo da Capitania sugere claramente que entendia o rei ser necessária a mudança de estratégia na negociação com os potentados na região. 39 BNRJ-SM, 03, 2, 005, p. 81. Carta q se escreveu ao Senhor Dom Brás Baltazar da Silveyra, Governador das Minas. 40 Projeto Resgate Barão do Rio Branco Avulsos da Bahia. Carta do Vice- Rei e governador-geral do Brasil, marquês de Angeja [Pedro António de Noronha Albuquerque e Sousa] ao Rei [D. João V] comunicando inquietações havidas nas Minas Gerais. AHU ACL CU, 005, cx. 10, d. 872.

Tal análise também foi feita por Diogo de Vasconcellos que entendeu a nomeação do Conde de Assumar das Minas como um sinal de que precisando o Rei de um homem superior, capaz de vir a Minas pôr em ordem os povos, fazendo respeitar o princípio da autoridade e dar combate aos poderios dos régulos e à indisciplina dos clérigos, mandou-o como Governador de S. Paulo. 41 A posição de Vasconcellos, entretanto, esconde que o envio de Assumar às Minas não significava uma completa ruptura com as ações dos seus antecessores. Era o novo governador ciente da necessidade de negociar com os potentados e manteria esta estratégia em seu repertório de ação, pois em relação aos quintos, (por exemplo), o Conde considerando ser inexeqüível o estabelecimento das fundições tão depressa como o Rei queria, tratou apenas de melhorar os termos do ajuste feito por D. Baltasar para o ano de 1718. 42 Não escondia o Conde, entretanto, que sua forma de negociar seria diferente da de seus antecessores. Manteria o governador em sua posse a promessa de recompensar os bons vassalos, mas não sem antes destacar a necessidade da Obediência, de que nasce a boa ordem das repúblicas, união de que procede a sua total fortaleza e intrepidez nos descobrimento, de que se seguiram maiores riquezas ao rei, aos vassalos, e por conseqüência ao público e aos particulares, ficando todos certos que choverão em número as graças e as honras de Sua Majestade, e abrir-se-ão seus copiosos tesouros para remunerar a tais serviços. 43 De fato, não se importaria o Conde de Assumar em enfrentar os potentados e cumprir as determinações régias e isto explica, por exemplo, o grande número de revoltas ocorridas em seu governo. Segundo Maria Verônica Campos em um intervalo irrisório de apenas três anos antes da sedição de Vila Rica, entre 1717 e 1720, ocorreram 16 revoltas nas Minas 44, o que demonstra que não evitava o Conde de Assumar desafiar os poderosos locais em nome não apenas dos interesses do rei, mas também do bom governo da república. 41 VASCONCELLOS, Diogo. Loc. Cit. 42 Idem. p. 64. 43 Discurso de posse de D. Pedro de Almeida, Conde de Assumar, como governador das capitanias de São Paulo e Minas do Ouro em 1717. In: SOUZA, Laura de Mello e. Norma e conflito: aspectos da história de Minas no século XVIII. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999, p. 40. 44 CAMPOS, Maria Verônica. Governo de mineiros: de como meter as Minas numa moenda e beber-lhe o caldo dourado 1693 a 1737. São Paulo: USP, FFLCH, 2002. p. 390-398. (Tese de doutoramento inédito).

Foi justamente a defesa do bom governo que levaria os caminhos do Conde de Assumar e de Manuel Nunes Viana a se encontrarem pela primeira vez. As reclamações contra a cobrança dos direitos de passagem nos currais de D. Isabel Maria Guedes de Brito provocariam a ira do novo governador que mesmo tendo Nunes Viana firmado acordos com Angeja (D. Pedro de Albuquerque, vice-rei) e D. Brás Baltasar da Silveira, o intimou o Conde de Assumar a deixar de fazer as cobranças na barra do rio das Velhas. 45 Desde a ida fracassada de D. Fernando às minas para enfrentar Nunes Viana era esta a primeira vez que um governador desafiava o potentado desta forma. Em nome do bom governo da república o Conde de Assumar lançaria uma severa perseguição à Nunes Viana que se estende por um vasto conjunto de correspondências. Focarei, no entanto, em uma carta endereçada diretamente a Viana após o mesmo iniciar uma inquietação na Barra do Rio das Velhas em dezembro de 1718 com o objetivo de recrutar aliados contra o Conde de Assumar. O governador inicia o documento acusando Nunes Viana de coagir a população da região contra sua pessoa dizendo ter noticia da inquietação em que se acha o povo da Barra do Rio das Velhas tudo urdido pelo Padre Francisco Cordelho, a quem V m favorece e que insolentemente pretende iludir as minhas ordem como se eles estivessem sujeitas a nenhum eclesiástico deste governo para proferir excomunhões contra quem as obedecer. 46 O governador acusava Nunes Viana, entretanto, com base em boatos reconhecendo que tudo que sabia é que Viana se acha na sua fazenda de Jacataí fomentando esta desordem secretamente. 47 Sem meios de o acusar declararia o Conde em nome de Sua Magestade (que) se retire logo desse país para onde eu não possa suspeitar que V m seja o perturbador desse país. 48 A postura do Conde é, no mínimo, curiosa, uma vez que sem meios de acusar Nunes Viana de participação na referida sublevação, o governador apelava para a pressão sobre o potentado chegando a dizer que não só darei a Sua Magestade a informação de um tão atroz 45 CALMON, Pedro. Op. Cit. p. 972. 46 Registro de cartas do governador a diversas autoridades: ordens, instruções e bandos. Arquivo Público Mineiro. Códice 11 (1713-1721). Fundo: Secretaria de Governo da Capitania. Rolo 03 Gav. G3. p. 84 47 Ibidem. 48 Ibidem.

procedimento, mas enquanto não tenho as suas reais ordens farei que as minhas dêem um tal exemplo a todos. 49 Pela primeira vez o Conde de Assumar ameaçava claramente Nunes Viana de um castigo, por mais que não tivesse jurisdição para tal sem o retorno do rei. Tal postura demonstra claramente como o governador, ao contrário dos seus antecessores, se dispunha desde sua chegada às Minas a castigar os potentados que lhe enfrentassem à autoridade o que, até o momento, foi utilizado pela historiografia para apontar Assumar como um tirano. Todavia, fiel cumpridor das ordens do rei, Assumar ao fim da carta lançaria um pedido à Viana dizendo que convêm muito que V m vá logo p a sua casa nos currais 50. Assumar sabia dos riscos de punir um homem como Viana sem a aprovação do rei e não podia fazer mais do que pedir ao potentado que não mais lhe desafiasse a autoridade. Não encerraria a carta, entretanto, sem uma última ameaça apontando que não espero mais notícias que a de saber que está carta lhe foi entregue para saber o que ei de obrar. 51 Sem nada poder fazer sem a resposta régia a não ser ameaçar Viana, Assumar seguiria reclamando das ações de Manuel à medida que novas denúncias de seu comportamento chegavam às suas mãos. Apenas alguns dias após a notícia do levantamento da Barra do Rio das Velhas, Assumar escreveria a um oficial régio não identificado sobre a notícia que do Caeté se começa a levantar uma nova tirania sobre pagarem quintos os oficiais mecânicos e que na matéria dos quintos não ouviram ninguém para representar as utilidades dos povos e que (...) o mesmo nem tinha mostrado ordem alguma de S. Magestade. 52 Por trás da cobrança considerada injusta pelo Conde estava a figura de Nunes Viana que tinha o direito de efetuar cobranças na referida região. Raivoso com a nova notícia, Assumar decide tomar uma providência, dentro do que lhe era permitido, e manda prender à Manuel Ruiz Soares, aliado de Viana por trás de tal decisão, argumentando que 49 Ibidem. 50 Ibidem. 51 Ibidem. 52 Idem. p. 33.

sumariamente importante é cortar os membros podres para que não passem herpes aos demais. 53 A decisão de prender Ruiz Soares e não Nunes Viana foi justificada pelo Conde pela existência do meio que lhe aponto para o colher e quando não correm grande perigo os labirintos deste governo. 54 Viana não se expunha, mas sim seus aliados. Ao menos assim entendia o Conde dizendo que aquele novo levantamento fez com que ele pudesse entender que Manuel Nunes tendo também proclamação de D. Izabel para se substabelecer, o fez em Manuel Ruiz Soares e que este será um pretexto para se querer ir chegando para a Barra do Rio das Velhas, e daí para os Currais. 55 O que o Conde descrevia em suas cartas era um verdadeiro cenário de guerra civil na qual o governador se via, e o era de fato, como o representante régio e à Nunes Viana como uma ameaça à ordem. Insistentemente escrevia o governador ao rei reclamando da falta de jurisdição para punir Viana, mas tinha dificuldades em sensibilizar o rei de tal necessidade. Se o rei não lhe concedia jurisdição para castigar Nunes Viana, não hesitaria o Conde de Assumar em procurar o Conde de Vimieiro, governador-geral do Estado do Brasil, para tal fim. Em uma correspondência extensa logo após a chegada de Vimeiro ao Brasil, Assumar detalharia uma série de ações de Viana que eram dignas de punição. O governador de São Paulo e Minas pede ao governador do Brasil que considere Vossa Excelência a duríssima impressão que tem feito naqueles homens as sugestões de Manuel Nunes e o medo com que vivem das suas costumadas maldades 56 para em seguida relatar os incontáveis levantamentos que atribuía a autoria de Viana. É necessário lembrar, no entanto, que Viana era um homem bem relacionado e nem todos tinham a mesma visão negativa do Conde de Assumar sobre sua pessoa. Antigos governadores, dentre os quais o próprio Conde de Vimieiro, entendiam ser Viana um mal necessário para povoar o sertão e travar a guerra contra os gentios. Ciente disso, Assumar pede a Vimieiro 53 Ibidem. 54 Ibidem. 55 Ibidem. 56 Idem. p. 39.

que se não sujeite a tolerar-lhe as suas inauditas insolências. Além disto o bem que Vossa Excelência fará a uma infinidade de gentes oprimidas é inexplicável porque se bem Manuel Nunes tem evitado algumas mortes no Sertão não é sem conveniência sua e quando lhe convém é cúmplice nas mesmas mortes. 57 Fiel à hierarquia administrativa, no entanto, Assumar encerraria a carta dizendo que nada faria sem autorização para tal solicitando, entretanto, que Vossa Excelência conheça qual é o errado procedimento deste homem para tudo o que Vossa Excelência me ordenar terei sempre pronto a obedecer. 58 Não lhe responderia o vice-rei autorizando-lhe a punir Viana, mas teria o Conde de Assumar no início de 1719 uma boa notícia para suas intenções chegada de Portugal. O rei suspendia o direito dos governadores de conceder perdões sem a autorização régia 59. Se, por um lado, tal decisão não lhe concedia o direito de punir seus inimigos, por outro, tal decisão o autorizava a negociar o perdão nos cenários de sublevação. A oportunidade surgiria justamente na sedição de Vila Rica em 1720. Os sediciosos, alguns aliados de Nunes Viana como Pascoal Guimarães e o Frei Vicente, pediriam o perdão, mas o governador o concederia de forma condicional alegando ser necessário esperar a aprovação do rei. Tal decisão surpreenderia os sediciosos, pois alterava a lógica da negociação nas revoltas que frequentemente tinham o desfecho com o perdão. Sem saber o que fazer, decidiram os sediciosos seguir com o levantamento o que permitiu ao Conde punir suas lideranças sem a realização de consultas alegando que verdadeiramente as juntas são muito boas quando os negócios admitem vagares, porém nos casos violentos, cujo remédio pende da prontidão, não há coisa pior que estas juntas, porque indo-se dilatando de dia em dia a resolução, perdem-se grandes oportunidades. 60 Chamava assim para si o governador a decisão de punir com a pena capital a pessoa de Filipe dos Santos e com a queima de seus bens à Pascoal Guimarães. Manuel Nunes Viana, 57 Ibidem. 58 Ibidem. 59 Carta de Sua Magestade, escrita ao Governador sobre não poder dar perdoens a nenhum culpado como se declara. Arquivo Público do Estado da Bahia. Arquivo Público do Estado da Bahia. Seção de Microfilmes. Ordens Régias Nº 6. Flash 4 Documento 3. 60 Discurso Histórico... p. 170.

entretanto, escaparia por mais que o governador insistisse em aproximar tal potentado desta revolta. Quem não escaparia de um processo, no entanto, seria o Conde de Assumar. Pascoal Guimarães acusaria o governador de ter excedido sua jurisdição e pediria uma punição ao Conde. Castigo, porém, que nunca viria. Assumar soube construir uma forma de punir seus inimigos respeitando as regras da monarquia portuguesa, embora rompesse com importantes valores do corporativismo. Não retornaria à Portugal triunfante, mas escaparia de qualquer represália terminando a vida, após um período de ostracismo, como vice-rei da Índia, um dos principais postos da carreira ultramarina. Sinal de que sua decisão, longe de ser tirânica, encaixava-se com os interesses que a Coroa demonstrava em sua pessoa desde a sua escolha para o posto a que veio ocupar em São Paulo e Minas Gerais. Seu rival, entretanto, escaparia ileso. Mais do que onipresente, sabia Viana fazer-se ausente quando necessário.

FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. FONTES MANUSCRITAS E DIGITALIZADAS Biblioteca Nacional BNRJ-SM, 03, 2, 005, p. 81. Carta q se escreveu ao Senhor Dom Brás Baltazar da Silveyra, Governador das Minas. Projeto Resgate Projeto Resgate Barão do Rio Branco Avulsos da Bahia. Carta do Vice- Rei e governador-geral do Brasil, marquês de Angeja [Pedro António de Noronha Albuquerque e Sousa] ao Rei [D. João V] comunicando inquietações havidas nas Minas Gerais. AHU ACL CU, 005, cx. 10, d. 872. Arquivo Público Mineiro Registro de cartas do governador a diversas autoridades: ordens, instruções e bandos. Arquivo Público Mineiro. Códice 11 (1713-1721). Fundo: Secretaria de Governo da Capitania. Rolo 03 Gav. G3 Arquivo Público do Estado da Bahia Carta de Sua Magestade, escrita ao Governador sobre não poder dar perdoens a nenhum culpado como se declara. Arquivo Público do Estado da Bahia. Arquivo Público do Estado da Bahia. Seção de Microfilmes. Ordens Régias Nº 6. Flash 4 Documento 3. 2. FONTE IMPRESSA (DOCUMENTO) Discurso de posse de D. Pedro de Almeida, Conde de Assumar, como governador das capitanias de São Paulo e Minas do Ouro em 1717. In: SOUZA, Laura de Mello e. Norma e conflito: aspectos da história de Minas no século XVIII. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999. SOUZA, Laura de Mello e. Discurso Histórico e Político sobre a sublevação que nas Minas houve no ano de 1720: Estudo crítico. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1994.

3. BIBLIOGRAFIA (LIVROS, ARTIGOS E TESES) CALMON, Pedro. História do Brasil. Livraria José Olympio: Rio de Janeiro, 1959. CAMPOS, Maria Verônica. Governo de mineiros: de como meter as Minas numa moenda e beber-lhe o caldo dourado 1693 a 1737. São Paulo: USP, FFLCH, 2002. p. 390-398. (Tese de doutoramento inédito). HESPANHA, António Manuel. História de Portugal. O Antigo Regime. 4º vol. Lisboa: Editorial Estampa, 1998. MELO, J. Soares de. A Guerra dos Emboabas. s.e. s.d. ROMERO, Adriana. A Guerra dos Emboabas. In: RESENDE, Maria Efigênia Lage de & VILLALTA, Luiz Carlos. História de Minas Gerais. As Minas Setecentistas. Belo Horizonte: Autêntica, Companhia do Tempo, 2007. SOUZA, Laura de Mello e. Fragmentos da vida nobre em Portugal setecentista. In: GALVÃO, Walnice Nogueira & GOTLIB, Walnice Nogueira (org.) Prezado senhor, prezada senhora. Companhia das Letras: São Paulo, 2000. VASCONCELLOS, Diogo de. História Média de Minas Gerais. 4ª edição. Itatiaia: Belo Horizonte, 1904. XAVIER, Ângela Barreto. A Invenção de Goa. Poder imperial e conversões culturais nos séculos XVI e XVII. ICS: Lisboa. 2008.