Referências. mudam e impactam a construção de valores para os jovens



Documentos relacionados
MÓDULO 5 O SENSO COMUM

Terra de Gigantes 1 APRESENTAÇÃO

Carta de Princípios dos Adolescentes e Jovens da Amazônia Legal

Transcriça o da Entrevista

Wanessa Valeze Ferrari Bighetti Universidade Estadual Paulista, Bauru/SP

16/03/2033. R$ 2,90 Marina Belisario. Novo modelo de carro voador é

CADERNO DE PROVA 2.ª FASE

REGISTROS REUNIÃO DO PROGRAMA ENERGIA SOCIAL NA E.E SALVADOR MORENO MUNHOZ. TEORODO SAMPAIO - SP

PROBLEMATIZAÇÃO DA E. M. MARIA ARAÚJO DE FREITAS - GOIÂNIA TEMA GERADOR

ENTREVISTA Questões para Adauto José Gonçalves de Araújo, FIOCRUZ, em 12/11/2009

A INFLUÊNCIA DA FAMÍLIA NA ESCOLHA DA PROFISSÃO Professor Romulo Bolivar.


CENTRO HISTÓRICO EMBRAER. Entrevista: Eustáquio Pereira de Oliveira. São José dos Campos SP. Abril de 2011

seguinte discurso: Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, entre jovens, que, independentemente da classe social,

Daniel Chaves Santos Matrícula: Rio de Janeiro, 28 de maio de 2008.

A DANÇA E O DEFICIENTE INTELECTUAL (D.I): UMA PRÁTICA PEDAGÓGICA À INCLUSÃO

Estudo Exploratório. I. Introdução. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Pesquisa de Mercado. Paula Rebouças

BROCANELLI, Cláudio Roberto. Matthew Lipman: educação para o pensar filosófico na infância. Petrópolis: Vozes, RESENHA

ações de cidadania Atendimento direto ECE-SP recebe a comunidade com equipe qualificada e atividades orientadas Revista Linha Direta

Mostra de Projetos Grupo Atitude Vila Macedo

A INFLUÊNCIA DOCENTE NA (RE)CONSTRUÇÃO DO SIGNIFICADO DE LUGAR POR ALUNOS DE UMA ESCOLA PÚBLICA DE FEIRA DE SANTANA-BA 1

Nélida Piñon recebe homenagem em colégio de Manguinhos

R E N A T O M E I R E L L E S r e n a t d a t a p o p u l a r. c o m. b r

Educação Patrimonial Centro de Memória

definido, cujas características são condições para a expressão prática da actividade profissional (GIMENO SACRISTAN, 1995, p. 66).

A educação brasileira continua a ser um triste pesadelo

coleção Conversas #6 Respostas que podem estar passando para algumas perguntas pela sua cabeça.

PROFISSÃO PROFESSOR DE MATEMÁTICA: UM ESTUDO SOBRE O PERFIL DOS ALUNOS DO CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA UEPB MONTEIRO PB.

defendem revitalização do Cais Mauá, mas questionam modelo escolhido

TJDFT na mídia. Eles defendem a descriminalização das drogas

Ao final do estudo deste módulo, você será capaz de: Caracterizar o ambiente escolar; Enumerar pontos sensíveis no ambiente escolar;

Construção, desconstrução e reconstrução do ídolo: discurso, imaginário e mídia

ED WILSON ARAÚJO, THAÍSA BUENO, MARCO ANTÔNIO GEHLEN e LUCAS SANTIGO ARRAES REINO

A PERCEPÇÃO DE JOVENS E IDOSOS ACERCA DO CÂNCER

Desvios de redações efetuadas por alunos do Ensino Médio

RETRATOS DA SOCIEDADE BRASILEIRA

Violência gera debate sobre a redução da maioridade penal Projetos da PUCPR proporcionam aos adolescentes novas oportunidades de vida

18/11/2005. Discurso do Presidente da República

FILOSOFIA SEM FILÓSOFOS: ANÁLISE DE CONCEITOS COMO MÉTODO E CONTEÚDO PARA O ENSINO MÉDIO 1. Introdução. Daniel+Durante+Pereira+Alves+

Educação Sexual: Quem ama cuida. Cuide-se!*

GESTÃO DEMOCRÁTICA EDUCACIONAL

PIBID: DESCOBRINDO METODOLOGIAS DE ENSINO E RECURSOS DIDÁTICOS QUE PODEM FACILITAR O ENSINO DA MATEMÁTICA

INCLUSÃO ESCOLAR: UTOPIA OU REALIDADE? UMA CONTRIBUIÇÃO PARA A APRENDIZAGEM

Otimizada para Crescimento:

Análise spot publicitário

difusão de idéias A formação do professor como ponto

POR QUE SONHAR SE NÃO PARA REALIZAR?

Pimenta no olho, e nada de reajuste salarial

Diversidade nas ondas: um estudo de caso sobre a rádio comunitária Diversidade 1

Papo com a Especialista

Elaboração de Projetos

5 Dicas Testadas para Você Produzir Mais na Era da Internet

5 Considerações finais

São Paulo/SP - Planejamento urbano deve levar em conta o morador da rua

A GLOBALIZAÇÃO UM MUNDO EM MUDANÇA

A importância da participação de crianças e jovens nas práticas de cinema e educação

PARA ONDE VAMOS? Uma reflexão sobre o destino das Ongs na Região Sul do Brasil

Redação do Site Inovação Tecnológica - 28/08/2009. Humanos aprimorados versus humanos comuns

Quinta-feira,

EDUCAÇÃO FÍSICA NA ESCOLA E AS NOVAS ORIENTAÇÕES PARA O ENSINO MÉDIO

Curso: Diagnóstico Comunitário Participativo.

Juventude e música: a produção nos cursos de pós-graduação brasileiros 1

ALMEIDA GUILHERME Advogados Associados

Comissão Regional de Programa de Jovens Equipe Regional de Radioescotismo

"Brasil é um tipo de país menos centrado nos EUA"

FORMAÇÃO DE JOGADORES NO FUTEBOL BRASILEIRO PRECISAMOS MELHORAR O PROCESSO? OUTUBRO / 2013

O CASO SUZANE VON RICHTHOFEN: UMA ANÁLISE ANTROPOLÓGICA DO DISCURSO DA DEFESA

CADERNO DE EXERCÍCIOS 3F

As crianças adotadas e os atos anti-sociais: uma possibilidade de voltar a confiar na vida em família 1

Estórias de Iracema. Maria Helena Magalhães. Ilustrações de Veridiana Magalhães

A PRÁTICA PEDAGÓGICA DO PROFESSOR DE PEDAGOGIA DA FESURV - UNIVERSIDADE DE RIO VERDE

A IMPORTÂNCIA DO PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO PARA OS CURSOS PRÉ-VESTIBULARES

Gráfico 1 Jovens matriculados no ProJovem Urbano - Edição Fatia 3;

Carta do Movimento Paz & Proteção

Percursos da pesquisa de campo: as rodas de conversas e a caracterização dos jovens e seus contextos

BEM-VINDA!!

Estratégias adotadas pelas empresas para motivar seus funcionários e suas conseqüências no ambiente produtivo

Acorda, seu Zé Preguiça, hoje é domingo. Dia do Senhor. A sua mãe tá passando a roupa que você separou ontem, e o seu café já está pronto, só

FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES 1

VIOLÊNCIA NO ESPAÇO ESCOLAR: UMA ANÁLISE A PARTIR DA ESCOLA CAMPO

ATIVIDADE: DIA DA FAMÍLIA NA ESCOLA

Concurso Público Psicologia Clínica Caderno de Questões Prova Discursiva 2015

coleção Conversas #15 - NOVEMBRO eg o. m r e é r q Respostas perguntas para algumas que podem estar passando pela sua cabeça.

Pesquisa de Impacto Social. Aprendizagem COMBEMI

ISSN ÁREA TEMÁTICA: (marque uma das opções)

Projeto Visibilidade UFG

Profª. Carolina Perez Campagnoli

O QUE OS ALUNOS DIZEM SOBRE O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: VOZES E VISÕES

Mapa do Encarceramento: os jovens do Brasil

Carta Influência do Clima no Cotidiano Juvenil. Prezados representantes brasileiros da Conferencia Juvenil de Copenhague,

Aula 9. Grupo de Redação. Intensivo.

Elaboração e aplicação de questionários

Recomendada. A coleção apresenta eficiência e adequação. Ciências adequados a cada faixa etária, além de

CRACK E OUTRAS DROGAS: UM DEBATE SOCIAL QUE SE IMPÕE PREVENÇÃO: PERSPECTIVAS PARA A COMUNICAÇÃO

A OFERTA DE UM REI (I Crônicas 29:1-9). 5 - Quem, pois, está disposto a encher a sua mão, para oferecer hoje voluntariamente ao SENHOR?

Atenção Básica agora é Prioridade!

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO CÁTEDRA UNESCO DE LEITURA PUC-RIO

EXPERIÊNCIAS DE UM PROJETO DE APOIO ESCOLAR COM CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE SOCIAL Extensão em andamento

Transcrição:

Referências FOTO: MARCELO VIRIDIANO mudam e impactam a construção de valores para os jovens DOCENTES DO INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS (ICH) DA UFJF RESSALTAM QUE DISCURSOS SOCIAIS TENDEM A ESTEREOTIPAR A IMAGEM DO JOVEM, RELACIONANDO-O À VIOLÊNCIA. APESAR DE ELE SER A MAIOR VÍTIMA DA CRIMINALIDADE, CONFORME ÍNDICES DEMOGRÁFICOS E PESQUISAS, A ACADEMIA DEFENDE QUE TAIS ESTATÍSTICAS NÃO SERVEM DE PRERROGATIVA PARA QUE O CONCEITO DE ESTEJA LIGADO A UM COMPORTAMENTO VIOLENTO 39

FOTOS: MARCELO VIRIDIANO CAROLINA NALON repórter O que o sociólogo polonês Zygmunt Bauman chamou de modernidade líquida e todas as suas consequências na sociedade contemporânea podem ser a chave para se entender a juventude de hoje. A contradição expressa nos discursos que a tomam como futuro da nação e, ao mesmo tempo, como perdida evidencia a imagem do não-lugar onde estão os jovens. Professores da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), estudiosos desta temática, trazem para discussão o impacto do deslocamento das tradicionais referências que marcaram o mundo moderno na atual construção da representação juvenil. Para o professor do Instituto de Ciências Humanas (ICH) da UFJF, André Gaio, existia uma cronologia natural, envolvendo família, escola, religião e emprego, que levava à constituição de identidade. Mas isso tudo foi embaralhado, porque o mundo se transformou completamente. Segundo ele, não temos mais uma sociedade de emprego, e sim de trabalho, geralmente precário. A educação do jovem se dá por meio das mídias e da relação com seus pares, fruto da diminuição da convivência com os pais por conta do ritmo acelerado da vida cotidiana ou mesmo em razão da coniguração de família, não raras vezes, monoparental. Apesar disso, argumenta Gaio, não dá para ter um discurso conservador, do tipo cadê a família? ou a família acabou!. A família de hoje é a família possível. E é por FOTO: RAFAEL PRADO ANDRÉ GAIO: NÃO DÁ PARA TER UM DISCURSO CONSERVADOR DO TIPO CADÊ A FAMÍLIA OU A FAMÍLIA ACABOU. A FAMÍLIA DE HOJE É A FAMÍLIA POSSÍVEL 40

FOTO: RAFAEL PRADO ELISABETH MURILHO: TODO MUNDO HOJE QUER SER JOVEM. O JOVEM TEM MUITO MAIS VOZ ATIVA, TANTO É QUE O COMPORTAMENTO JUVENIL É INCENTIVADO NAS CRIANÇAS E NOS ADULTOS isso que todas as estruturas sociais precisam se readaptar, pois o mundo não volta atrás. Outro aspecto fundamental para a compreensão das novas formas de sociabilidade é a (falsa) ideia de que o consumo é sinônimo de liberdade. Valores de respeito às regras eram reforçados pela escola e pela religião e existia, também, uma diferença de classe social. Mas hoje, pobres e ricos têm um mesmo desejo de consumo. A conquista de liberdade individual está muito relacionada à capacidade de consumir, relete Gaio. VISIBILIDADE E VOZ A juventude até o início do século XX não tinha importância alguma e se integrava muito tardiamente à sociedade, ressalta a professora do Instituto de Artes e Design (IAD), Elisabeth Murilho. A partir da década de 50, a sua faixa etária se torna visível. Todo mundo hoje quer ser jovem. Para ela, o jovem tem muito mais voz ativa, tanto é que o comportamento juvenil é incentivado nas crianças e nos adultos. Gaio concorda: a visibilidade do jovem é total e isso não ocorria antes. É algo muito novo. Prova ilustrativa desta inluência é a moda juvenil, que contribui para o relaxamento do comportamento social. A calça jeans, por exemplo, até os anos 80 não era aceita no ambiente de trabalho, era tida como algo de estudante despojado. A partir dessa valorização do comportamento juvenil, essa vestimenta passou a ser aceita em todos os ambientes, faixas etárias e ocasiões, explica Elisabeth. Na visão de Clarice Torres, docente do Departamento de Geograia, é preciso perceber que a juventude não é, como parece ser o discurso do senso comum, uma fase de transição apenas. É uma etapa importante na vida do indivíduo, assim como a infantil e a adulta. Além disso, não é possível classiicar os jovens como um grupo uníssono, porque eles são múltiplos. Entram em jogo a classe social, o gênero e a raça, entre outras inúmeras questões identitárias. Jovens mulheres são diferentes de jovens homens. Jovens brancos são diferentes de negros e também de jovens mulheres negras, e assim por diante. Entretanto, há certas características comuns a uma geração. Para a professora da Faculdade de Serviço Social, Maria Aparecida Cassab, os jovens que izeram 20 anos nos anos 2000 vivenciaram uma experiência coletiva de política de Estado determinante para a sociabilidade de hoje. No mínimo diríamos que eles andam com o vidro do carro levantado porque têm medo do outro. É uma marca da geração e que tem a ver com a subjetividade emanada pelo Estado. A crise de emprego nos anos 80 e a ideo- Discursos sociais, que encontram eco na grande mídia, tendem a estereotipar a imagem do jovem, principalmente, os pobres, relacionando-o à violência 41

A educação do jovem se dá por meio das mídias e da relação com seus pares, fruto da diminuição da convivência com os pais por conta do ritmo acelerado da vida cotidiana ou mesmo em razão da coniguração de família, não raras vezes, monoparental logia do Estado mínimo e do intenso estimulo à competição nos anos 90, segundo ela, formaram jovens diferentes daqueles que cresceram com um Estado mais coletivo, com uma escola pública de qualidade onde havia a convivência entre classes sociais diferentes. VIOLÊNCIA Discursos sociais, que fatalmente encontram eco na grande mídia, tendem a estereotipar a imagem do jovem, principalmente, os pobres, relacionando-o à violência. Certamente eles são as maiores vítimas da criminalidade no Brasil, como apontam índices demográicos e pesquisas relacionadas. Porém, a academia defende que tais estatísticas não servem de prerrogativa para que o conceito de juventude esteja ligado a um comportamento violento. Há coisas especiais da juventude em que o roteiro da violência cabe muito bem, o que não quer dizer que a criminalidade seja uma característica ou tendência dos jovens, explica Gaio. Sempre houve a prática de delitos violentos na história. Aquilo que a juventude tem como seus momentos de desaiar as regras, de se colocar em risco, de enfrentar a sociedade é que passou a ser criminalizado como comportamento anormal, entende Elisabeth. A docente Maria Aparecida, coordenadora da pesquisa, coletou as notícias divulgadas pelo jornal juiz-forano Tribuna de Minas, entre 2000 e 2005, cuja narrativa envolvia conlitos com jovens, na faixa de 15 a 24 anos, como vítimas ou autores. As histórias levantadas eram geralmente relatos sobre violência, briga de gangues em ônibus e em bailes funk. É recorrente a imagem do jovem pobre como bandido, como aquele que está sempre na perspectiva de delinquir, transgredir, agredir. Não estou dizendo que esses jovens não estejam de fato envolvidos nisso, que não façam uma ocupação da cidade de forma agressiva e violenta, mas há uma ampliicação dessa realidade. Ainda segundo Maria Aparecida, a demonização da juventude está ligada ao fato de o jovem não ter lugar na sociedade: estão sem trabalho, sem uma boa escola, com uma vida familiar frouxa. Nessa organização social cristalizada não há espaço para o jovem, que é o novo, o que vem e que questiona. Gaio chama a atenção para outro equívoco comum: relacionar o uso de drogas que, conforme Elisabeth Murilho, também passou a fazer parte da sociedade como mais um objeto de consumo, à violência. Ele ressalta que o problema da violência não é resultado das drogas, apesar de haver, como característica latino-ame- FOTO: ALEXANDRE DORNELAS CLARICE TORRES: NÃO É POSSÍVEL CLASSIFICAR OS JOVENS COMO UM GRUPO UNÍSSONO, PORQUE ELES SÃO MÚLTIPLOS. JOVENS MULHERES SÃO DIFERENTES DE JOVENS HOMENS. JOVENS BRANCOS SÃO DIFERENTES DE NEGROS E TAMBÉM DE JOVENS MULHERES NEGRAS, E ASSIM POR DIANTE 42

FOTO: ALEXANDRE DORNELAS MARIA APARECIDA CASSAB: A SOLUÇÃO PARA TIRAR ESSES MENINOS DO TRÁFICO É DESTERRITORIALIZÁ-LOS, COLOCÁ-LOS NUMA BOA ESCOLA, ONDE HÁ POSSIBILIDADE DE ELES TEREM LAZER, CULTURA, OU SEJA, ONDE TENHAM UM DOMÍNIO DA CIDADE ricana, a ligação do tráico de entorpecentes ao contrabando de armamento. Somos o país que mais mata por arma de fogo e, por outro lado, não somos o que mais consome drogas. O usuário de crack, por exemplo, morre mais de problema de saúde do que de violência. Gaio também argumenta que mundialmente a substância mais relacionada à criminalidade é o álcool, uma droga lícita. É por conta destas contradições que políticas públicas convergentes devem ser tratadas com prioridade. Em relação às drogas, na sua visão, o Estado brasileiro tem atuado de forma bifronte: de um lado o Ministério da Saúde e de outro a área de Segurança Pública. política, ressalta a pesquisadora. Segundo Clarice, nas respostas que encontrou na avaliação qualitativa, a violência para os jovens pobres é presente, corporiicada, ou seja, algo experimentado pessoalmente ou por pessoas próximas. Já para os de classe média, a violência é algo distante, que está nos outros. Ela airma que a circulação é essencial para desnaturalizar a questão do jovem pobre. Na visão de Milton Santos (geógrafo que revolucionou os estudos dessa área relacionando o conceito de espaço a dimensões humanas e a globalização) é usando o território que ele ganha sentido. PELAS RUAS DA CIDADE Ao contrário do mostrado na reportagem veiculada, no dia 15 de maio deste ano, no programa Domingo Espetacular, da Rede Record, a rivalidade das gangues na restrição do uso do espaço em Juiz de Fora, embora manifesta, não é uma questão central, avalia Clarice Torres, estudiosa da forma sobre como os jovens se apropriam da cidade. Em sua pesquisa, ouviu 40 jovens de 17 a 24 anos de dois diferentes grupos em Juiz de Fora: os de classe baixa dos bairros Vila Esperança II (Zona Norte) e Santo Antônio (Zona Sudeste); e os de classe média dos bairros Bom Pastor e Granbery, ambos no Centro. Os primeiros resultados mostram que os dois grupos possuem diferentes formas de circulação no município. Os jovens dos bairros pobres veem determinados locais como de gente rica, como um espaço que não lhes pertence, caracterizando, portanto, uma restrição simbólica. Já os de classe média dizem não ir a determinado bairro, porque lá é violento, podendo ser esta airmação o resultado de uma visão estereotipada. As formas de uso e percepção da cidade passam por uma questão econômica, cultural, A questão do território também foi importante na avaliação dos resultados de outra pesquisa desenvolvida na UFJF pela professora Maria Aparecida Cassab. Ela fez um levantamento dos autos de representação do Ministério Público do Juizado da Infância e da Juventude de Juiz de Fora, envolvendo a participação de jovens entre 11 e 18 anos. Foram analisados 989 autos de representação, contabilizando 1.357 jovens infratores. Se é roubo ou furto, os jovens são pegos no Centro da cidade; se é tráico, nos seus bairros. Os jovens, aviões do tráico, trabalham perto de suas casas, onde, num certo sentido, estão protegidos, mas, principalmente, onde não são caçados. A solução para tirar esses meninos do tráico é desterritorializá-los, colocá-los numa boa escola, onde há possibilidade de eles terem lazer, cultura, ou seja, onde tenham um domínio da cidade. O levantamento dessa pesquisa mostrou, conforme Maria Aparecida, que apesar de haver uma expansão do crack, a ideia de gangues organizadas para o crime em Juiz de Fora ainda não é verdadeira. Os autos analisados revelaram que em cerca de 70% dos crimes com jovens de 11 a 18 anos não havia arma envolvida. 43

FOTO: ALEXANDRE DORNELAS ESTUDANTES ENTRE 16 E 18 ANOS DO COLÉGIO DE APLICAÇÃO JOÃO XXIII INCONSEQUENTE, MAS PREOCUPADA? As opiniões de um grupo de 11 alunos entre 16 e 18 anos do Colégio de Aplicação João XXIII da Universidade ilustram algumas das airmações dos professores da UFJF sobre juventude. Questionados sobre qual seria a característica mais marcante dessa faixa etária, um deles responde rápido: inconsequência, defendendo-a como algo positivo no comportamento humano. O colega rebate: depende, se você engravidar alguém, por exemplo, não vai ser positivo, não. Os jovens querem aproveitar a vida, não têm preocupação com o futuro, admite um dos meninos, sendo imediatamente contestado por outro: Toda minha adolescência passei preocupado com o futuro. A percepção desse encontro é a de que a primeira coisa que vem à mente desses jovens é um discurso pronto, pautado pelo contexto social e pela imagem da juventude expressa no senso comum. No entanto, basta iniciar a discussão para eles colocarem em dúvida se tal discurso é realmente uma verdade absoluta. Ao mesmo tempo em que dizem ser inconsequentes, revelam preocupações como passar de ano, vestibular, proissão que seguirão, se conseguirão emprego e elegem a família na hora de falar em valores. Quando questionados se suas opiniões são respeitadas, se têm voz ativa na sociedade, respondem que muitas vezes não são levados a sério. A vantagem disso é que você pode falar o que quer, porque muitos vão dizer que é besteira mesmo, ironiza um dos estudantes. Outro adolescente cita um exemplo: já teve uma eleição para prefeito em Juiz de Fora em que um dos candidatos era jovem e era como se ele nem existisse na campanha. A mídia, para eles, tenta manipular a imagem da juventude, colocando-a como irresponsável e rebelde, vide as histórias da novela Malhação, da Rede Globo. A geração Z parece acreditar mais na internet do que na TV, porque você pode escolher aquilo que quer ver. 44