ANÁLISE DE UMA LINHA DE INSTABILIDADE QUE ATUOU ENTRE SP E RJ EM 30 OUTUBRO DE 2010 No sábado do dia 30 de outubro de 2010 uma linha de instabilidade provocou temporais em áreas entre o Vale do Paraíba e a capital fluminense. Este sistema meteorológico se deslocou do sul de SP até o RJ, intensificando-se ao atingir o Vale do Paraíba, onde causou destruição em diversas localidades. Em São José dos Campos, por volta do meio-dia os ventos chegaram aos 60 km/h (Figura 1), derrubando árvores e causando a interrupção da energia elétrica em alguns bairros. No Rio de Janeiro, as rajadas de vento que chegaram a 91 km/h no Forte de Copacabana (Fonte: estação automática do INMET), foram suficientes para causar a queda de árvores e provocar transtornos em diversos pontos da cidade. De acordo com alguns dados de aeroportos, a intensidade dos ventos foi maior em cidades atingidas pelo sistema entre o início e o fim da tarde, onde as temperaturas estavam relativamente elevadas. A umidade relativa do ar esteve elevada, com temperaturas do ponto de orvalho superior a 20 o C em algumas localidades, indicando uma atmosfera quente e umidade, e portanto, favorável para a ocorrência de instabilidade. Figura 1: Velocidade das rajadas de vento em aeroportos de Campinas (SBKP), São José dos Campos (SBSJ), Taubaté (SBTA), Guaratinguetá (SBGW) e Rio de Janeiro/Santos Dumont (SBRJ). As imagens do radar de São Roque (SP) mostram que a linha de instabilidade propagou-se com orientação sudoeste-nordeste, apresentando índices de refletividade próximos a 60 dbz em alguns pontos. No decorrer do seu deslocamento, houve rápida intensificação das nuvens convectivas, tal como pode ser observado também nas imagens de satélite, que mostram nuvens com temperaturas de topo entre -60 o C e -70 o C na imagem das 15Z. Nas imagens do Radar do Pico do Couto (RJ), nota-se que o sistema ainda estava bastante ativo entre o estado do RJ e parte de MG, porém menos organizado do que anteriormente. De qualquer forma, houve forte atividade convectiva em algumas áreas, como pode ser observado
através da coloração rosa nas imagens de satélite, indicando a presença de nuvens com grande desenvolvimento vertical. Figura 2: Imagens do Satélite GOES-12 realçada (acima) e imagens do radar São Roque (SP) - REDEMET (abaixo) referente às 11:00Z (esquerda), 13:00Z (centro) e 15:00Z (direita)
Figura 3: Imagens do Satélite GOES-12 realçada (acima) e imagens do radar Pico de Couto (RJ) -REDEMET (abaixo) referente às 11:00Z (esquerda), 13:00Z (centro) e 15:00Z (direita) Na análise da carta de superfície das 18Z do dia 30/10, nota-se que grande parte de SP estava sob a influência de uma área de baixa pressão, cuja circulação atuava igualmente sobre o sul dos estados de MG e do RJ. Em altitude (250 hpa), havia forte difluência no escoamento entre o oeste de SP e sul do RJ, enquanto que em nível médio (500 hpa), a propagação de um cavado de onda relativamente curta reforçou o levantamento de massa, intensificando o processo de convecção. Observa-se ainda a presença de temperaturas relativamente baixas em 500 hpa para essa época do ano, com um núcleo de -9 o C sobre o estado do RJ. (a) (b) (c)
Figura 4: Cartas sinóticas de (a) 250 hpa, (b) 500 hpa e (c) superfície, das 18:00 UTC do dia 30/10/2010. Na análise referente às 18Z do dia 30/10, entre o Vale do Paraíba e o extremo sul do RJ o índice LIFTED oscilava entre -4 e -6, com valores inferiores a -6 sobre áreas do RJ (incluindo a capital) e sul de MG. A umidade relativa do ar na camada 850/500 hpa esteve bastante elevada, com valores superiores a 90% sobre o Alto Vale e extremo sul de MG. A análise do índice K mostra valores em torno de 40 entre o Vale do Paraíba e o sul do RJ, enquanto que o SWEAT variou entre 270 e 400 na área citada, e ficou acima de 400 próximo a região de Campinas. O primeiro índice confirma a existência de um significativo gradiente vertical de temperatura entre 850hPa e 500hPa, além da presença de umidade na camada baixa. Já o segundo agrega diversas informações e indica a partir dos valores observados condições favoráveis para a ocorrência de tormentas. A presença de um significativo gradiente de temperatura entre superfície e nível médio pode também ser confirmado através do índice VT, que oscilou entre 25 e 30 entre o Vale do Paraíba e o sul do RJ e esteve acima de 30 na parte central do estado carioca, próximo a cidade do Rio de Janeiro. Nesta última área, o CT esteve em torno de 25, indicativo também de umidade elevada em 850 hpa. A combinação de CT e VT elevados resulta em altos valores de TT, tal como pode ser notado em parte do Vale do Paraíba, RJ e MG, cujo índice ficou acima de 50. A análise do índice CAPE mostra que havia energia suficiente para provocar intensos movimentos verticais sobre as áreas afetadas pelos temporais, como nota-se através da presença de valores superiores a 2000 J/Kg sobre o Vale do Paraíba e de 3000 sobre áreas do RJ. A distribuição dos índices apresentados nesta análise revela que o comportamento da atmosfera esteve favorável para o desenvolvimento de tempestades severas, justificando a ocorrência de temporais observados ao longo da passagem desta linha de instabilidade. (a) (b)
(c) (d) Figura 5: Índices de instabilidade segundo análise do GFS das 18 UTC do dia 01/10/2010: (a) umidade relativa média na camada 850/500 hpa (sombreado) e lifted (contorno); (b) sweat (sombreado) e K (contorno); (c) VT (sombreado), CT (contorno), TT>45 (branco), TT>50 (vermelho); CAPE (sombreado) e CINS (contorno). As sondagens das 00Z e 12Z no Rio de Janeiro (Galeão) e em São Paulo (Campo de Marte) não apresentaram índices significativos no dia da ocorrência do fenômeno, talvez em decorrência do horário da sondagem não corresponder ao momento da passagem da linha de instabilidade. Por outro lado, de acordo com o que foi descrito acima, a atmosfera apresentava-se bastante favorável para a ocorrência de tempo severo na tarde do dia 30/10. A distribuição dos índices de instabilidade era coerente com o ambiente que provocou o desenvolvimento de forte instabilidade. No entanto, a previsão desse tipo de fenômeno representa ainda um desafio para os meteorologistas operacionais, uma vez que os processos atmosféricos que ocorrem em escala subsinótica nem sempre são fielmente representados pelos modelos de previsão de tempo. Elaborado pelo meteorologista Henri Rossi Pinheiro