1 AS DROGAS INVISÍVEIS Autor: Cristino Cesário Rocha BSB/Abril de 2014. Há drogas que afetam o sistema nervoso central, produzem perdas de peso, de equilíbrio, trabalho, estudos, dignidade, amigos, parentes e até levam a óbito. Quem entra no mundo das drogas pode se tornar violento e ao mesmo tempo violentado pela incompreensão, porque punido pela lei e isolado pela insensibilidade. Ser punido pela lei duplica-se a violência, a que já sofre e a que acresceu. Muitas drogas são vendidas em drogarias e mercados, outras são produzidas e concedidas pelo sistema opressivo que narcotiza a consciência e pune o narcótico. Há drogas visíveis, as que geram dependência, as que desequilibram famílias, indivíduos, sociedades e o próprio sistema que produzem dependentes, sendo o sistema também dependente. O sistema pode ser educacional, prisional, judiciário, econômico, político-social e religioso. No Brasil há muitas drogas visíveis e manipuláveis, mas incontroláveis por quem padece de dependência crônica e controlada pelos poderes invisíveis. Quem vê o drogado não vê quem produz a droga, seja na forma química, seja na forma política e quem vê e abre a boca veste roupa de madeira. A organização socioeconômica produz violência, narcotiza a consciência e pune o narcótico. Quem sai das drogas é campeão, não da copa, mas da superação. Quem ganha troféu, pela superação, não é só quem joga contra as drogas, mas toda a população. Há drogas invisíveis, no shopping, na grande mídia e por sinal, também no poder público. Quem compra por comprar, consome por consumir, acaba ingerindo drogas sem as fórmulas químicas da nicotina: alcatrão, CO, benzopireno, monóxido de carbono e fuligem. Ao consumir drogas, consome-
2 se também o modo de pensar dos donos das vitrines e dos programas televisivos que ensinam a consumir, mas não educam para viver bem e muitos acabam caindo no chão, ébrios de contra-valores veiculados pela televisão e mimeticamente aceitos por quem não tem como comprar o pão. Quem vê cara não vê coração, diz o ditado popular, da mesma forma que quem vê drogado, muitas vezes não vê causalidade, ainda que se tenha a noção das meras consequências. Há uma face cruel da violência, a que revela quem é a vítima, mas sem considerar que o mesmo é o próprio vitimado. A droga invisível produz consumistas, apáticos, sem expectativas de vida, sem amor próprio, enfim, sem coração. Há uma droga que produz endurecimento, a da mente e do sentimento. A droga invisível pode ser o que você ainda não parou para identificar, indignar, rejeitar e lutar contra o que narcotiza a consciência para além dos produtos que se compra e se fabrica, seja na esquina, nos palácios, nos comércios ou nas drogarias. Ao punir mais acaba emancipando menos. Quem educa mais, sofre menos. Drogas invisíveis matam mais que as visíveis, e sem o consumo das visíveis, sejam lícitas ou ilícitas, vive mais e mais feliz. Drogas que viciam, sejam químicas ou ideológicas, narcotizam consciência, dos burgueses e empobrecidos. Drogas afetam independente da etnia/raça, classe social ou carteirada na face do policial. Ao fumar cigarro, maconha, beber álcool, cheirar crack e outras drogas lícitas e ilícitas, sabe-se que vicia da mesma forma que vicia quem compra e vive pelo fetiche da mercadoria. O vício começa cedo com suas facilidades e prazer efêmero, mas a dor que vem depois deixa rastro de crueldade na família, nos amores, no indivíduo e nos delatores. Há tantas drogas que machucam o corpo, a mente e a história de quem usa e abusa, mas a corrupção que afeta o poder público, mata tanto quanto as drogas injetadas na corrente sanguínea, acidente de trânsito, câncer, coração, AVC e a estupidez humana.
3 As notícias que se ouvem e as imagens que se vê narcotizam as consciências de quem vê sem paciência, de julgar e gir, com as lentes da justiça, do humanismo e compaixão. Quem vê notícias não vê o que se passa nos bastidores da indústria que produz, divulga e convence ao consumo de notícias, cujas falas são muitas vezes sonoras e vazias, requintadas de melancolias. Os discursos eleitoreiros, em tempo de copa do mundo, se unem à grande mídia, para traçar novas estratégias, de como dominar o público e angariar sua confiança. O que é o ópio do povo, o que vicia com químicos ou o que narcotiza a consciência com sacos de pão e feijão envelhecido? Ou se é ópio tudo isso e um pouco mais? O que é a droga, o que deixa grogue ou o que apropria do sofrimento para se dar bem no poder? Quem financia o tráfico de drogas? Eu não sei e há quem sabe e não pode dizer. Quem se beneficia com o tráfico de drogas? Todo mundo sabe, porém, dizer quem é não dá em nada. Mas afinal, quem controla o controlador, a TV ou o seu governador? Ninguém ou o Zé ninguém? O bajulador ou o quebra-galho? A verdade é que a lei do silêncio se faz presente tanto quanto o toque de recolher. É a lei do mais forte fazendo acontecer, tanto no âmbito da lei, quanto no modo de ser dos que vivem dominados pela lei, que por si só não tem efeito. Há os que vivem acima da lei, dando ordem para quem não tem ordem e até para os que julgam dentro da ordem. Brincam de fazer a lei, outros fazem de conta que cumprem a lei e os que não cumprem, vivem a margem dos que só fazem o que deve ser, mas não cumprem seu dever, de emancipar sem as leis. A militarização do sistema não é solução. Polícia na rua, nas calçadas e nos pátios são ameaças, mais do que solução. Olha a polícia ali, tenho medo e vou por ali, ainda que não seja ladrão ou coisa assim. É preciso mudar a cultura da polícia, para que a sua presença seja pacificadora e mais acolhedora.
4 A realidade em sua nudez indica que tudo pode ser droga, a depender de como se usa para sobreviver, enganar, atrapalhar ou morrer. Poder que corrompe, corrompidos pelo poder, ambos narcotizados pelo fetiche do ter que acima do ser, faz vítimas às vezes sem querer, pois a visão de quem não vê ou não quer está ofuscada pelas drogas invisíveis e as que se vê, deixam marcas visíveis, que se punidas, em vez de educação, só produzem mais cegueira. Educar para vida nova depende de decisão, ao que pode ser muito útil, dedicar com sentimento de superação. Quem deseja ser mais feliz, sente falta da educação, a que muda a situação, sem precisar de punição. Daqui para frente não há tanta opção, ou refaz o caminho ou cai na mira da bala, que resvala e cai no buraco de quantos metros você tenha. Coca, cocaína, cigarro e anfetamina, quem vicia sente dor, misturada com prazer. Sair dessa vida deixa marcas invisíveis, quem vê corpo, não vê alma. É preciso completar, para saber o que será, como é a vida sem as drogas visíveis e invisíveis, as que viciam sem tragar e as que matam com um trago. A miséria é uma droga, produzida pelo sistema político corrupto e pela forma de organização social baseada no privilegio de uns, em detrimento de muitos. Miséria veiculada pela mídia, sustentada pelas estruturas de poder e naturalizada pelo povo não deixa de ser uma droga visível e ao mesmo tempo invisibilizada por meios imorais. A imoralidade de quem governa é uma espécie de droga, que ao ser naturalizada, deixa de ser problema para ser meio e modo de vida de quem domina. Quem vive do vício em drogas tem medo da polícia e da família, esconde de si e de quem lhe quer bem, mas ao dar conta que precisa de ajuda, abre a boca e pede socorro. É preciso ver, julgar e agir, velhas fórmulas que conduzem ao celebrar da vitória contra as drogas visíveis e invisíveis. Ao saber que drogas matam, as produzidas nos gabinetes, nas fábricas e grandes mídias, faz do viciado um furação em erupção, pois saber é poder que irrompe como possibilidade de libertação. Liberta-se quando se vê no
5 espelho, dando oportunidade para si e com a ajuda humanitária de quem vê e se sensibiliza diante do sofrimento humano. Ao criar espaços de superação, não pode ser encarados como salvacionistas e messiânicas, mas possibilidades de nova percepção diante da vida que merece ser bem vivida. O caminho é longo, mas não se pode deixar de caminhar na direção de uma nova condição de vida, a baseada na dignidade humana e não no baseado que fere a relação humana e não humana. Há os falsos moralistas, que transformam o deus bondade em deus punição, banaliza o amor e fomentam a predição, mas quem sabe cuidar, ama mais do que condena. Religiosidades, fé e espiritualidades dentro ou fora de espaços arquitetônicos podem ser canalizados na luta pela superação sem opressão, moralismo, fundamentalismo e fanatismo. O legalismo não é solução, da mesma forma que não serve a moralização. Quem defende a legalização, seja da maconha ou da opressão, deveria saber dos problemas que sofre a população, para propor alternativas para males mais profundos, dos que vivem no subterrâneo. Preconceito é uma droga que injetada nas mentalidades e sentimentos, faz vítimas em vários cantos do mundo, inclusive no local em que você vive, em Brasil de dimensão continental, desde o bairro até as metrópoles. Ao dizer chaparral, carregada de preconceito, invisibiliza a NOVA QNL e evidencia o preconceito que existe dentro de você, mas afinal, onde esconde o preconceito? Preconceito com o drogado e o criminoso, que saíram da prisão, mas ficaram com estigma da detenção. Preconceito com o negro, seja pobre, mulher e trabalhadora, produzindo violência no aqui e na posteridade. Drogas de violência, de preconceito e racismo, que fere muito gente, sem poupar o doutor, cantor, jogador e cavador de cemitério. Quem se sente com mais poder e valor que o outro muitas vezes ainda não sabe que a terra que consome um consome todos.
6 O brasileiro é herdeiro da colônia, escravidão e ditadura, tendo que refazer a educação, deseducando e reaprendendo, para criar novos valores e novas relações. Ao lembrar-se do que fomos feitos, buscamos novos feitos, com a mente reeducada e construindo nova história. Quanto pesa uma droga, as visíveis e as invisíveis? Quanto vale uma droga, no âmbito da Matemática, seus quilos e porcentagens, seja da vida, seja da morte? Qual valor da vida, do nascer ao bem viver? Qual a Geografia das drogas, a Filosofia do amor-cuidado, a História das origens, Química do produto e do amor, a Sociologia da compreensão social e a Ciência que explica os fenômenos do corpo sem a maldição da Religião? Saber disso, e um pouco mais, é apostar que a vida seja livre e melhor vivida, tanto a sua como a do outro. Previna-se contra todo tipo de drogas, as invisíveis e as que se podem ver com as lentes da consciência de quem sabe e quer viver, mas não basta viver, é preciso viver bem, livre das drogas e sem medo de ser feliz, mas para ser feliz é preciso fazer a sua parte, a do indivíduo, da família, das religiosidades, da comunidade escolar, dos movimentos sociais, dos governantes e dos especialistas. Punir não é solução! Texto produzido no contexto do Curso de Prevenção do uso indevido de drogas para educadores das escolas públicas, promovido pela parceria Ministério da Justiça, Secretaria de Educação Básica/MEC, Secretaria Nacional de Políticas sobre drogas e Universidade de Brasília abril/2014 a outubro/2014.