DAIANE INÊS LOSSO MÚSICA E LITERATURA: CONTATOS



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Transcrição:

DAIANE INÊS LOSSO MÚSICA E LITERATURA: CONTATOS Criciúma, 2005

1 DAIANE INÊS LOSSO MÚSICA E LITERATURA: CONTATOS Monografia apresentada à Diretoria de Pós-Graduação da Universidade do Extremo Sul Catarinense UNESC, para a obtenção do título de especialista em Língua Portuguesa: Fenômeno Sóciopolítico. Orientador: Profa. MSC Fátima Regina da Rosa. Criciúma, 2005

2 RESUMO O presente trabalho tem como tema Música e Literatura : contatos. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica que se propõe a apontar os aspectos que a literatura e a música têm em comum. Ele apresenta noções gerais sobre literatura, música e os gêneros literários (que também podem ser aplicados à música), dando ênfase ao gênero épico e seus personagens mitológicos. Também menciona algumas epopéias famosas baseadas na mitologia e a importância dos mitos para o ser humano ao longo dos séculos. Em seu desenvolvimento, ainda faz uma reconstrução histórica sobre a música, seu surgimento, sua importância, destacando a música popular brasileira e sua evolução até os dias atuais. Ao final, analisa letras de composições musicais brasileiras, relacionando-as com a mitologia e também com os recursos de linguagem, tão usados por poetas e compositores para despertar o prazer estético nos receptores. Palavras-chave: Literatura. Música. Mitologia. Conotação.

3 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO...04 2 CONTATOS ENTRE LITERATURA E MÚSICA...06 2.1 Gênero lírico...07 2.2 Gênero épico...09 2.3 As epopéias de Homero...11 3 O MITO E SUAS RELAÇÕES...14 3.1 O mito e a religiosidade...14 3.2 O mito e a linguagem...15 3.3 O mito e o psicológico...15 3.4 O mito e a história...16 3.5 O mito e a arte...17 3.6 Mitos gregos...18 3.7 Epopéias...24 4 MÚSICA...26 4.1 História da música...26 4.2 A importância da música...29 4.3 Tipos de música...30 4.4 A evolução da música brasileira...32 4.5 Os gêneros musicais e os mitos...35 5 ANÁLISE DAS MÚSICAS...37 5.1 O mito da beleza feminina...37 5.2 O mito da fragilidade feminina...40 5.3 O mito da auto-superação...42 5.4 O mito do amor não correspondido...43 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS...44 REFERÊNCIAS...47 ANEXOS...48

4 1 INTRODUÇÃO A palavra Literatura abrange um sentido muito amplo; assim, torna-se difícil defini-la. Muitos estudiosos já tentaram limitar o seu significado em apenas um conceito, porém sem sucesso. Um dos conceitos mais usados sobre Literatura é o seguinte: Literatura é ficção; é a invenção ou recriação de uma realidade, através de palavras. (FARACO, & MOURA:1996,p. 92 ) A palavra é a matéria-prima da Literatura, porém, esta transcende o arranjo sintático das palavras e recria a linguagem para recriar a realidade. O escritor é um cidadão, um homem comum que se traduz em palavras. Ele se apodera dessas palavras para exprimir seus sentimentos e os sentimentos do mundo e as transforma em arte. O texto literário é o resultado de um processo de escolha e arranjo das palavras, de tal forma que elas provoquem alguma sensação em quem as lê.essa sensação é a emoção despertada pelo prazer estético. No texto literário, as palavras não têm sentido frio, impessoal, pelo contrário, são carregadas de significado, têm o seu sentido alterado de propósito e são passíveis de mais de uma interpretação. Num outro conceito, encontrado no Dicionário Aurélio: a literatura é qualquer dos usos estéticos da linguagem. E linguagem é toda forma de expressão: pela palavra, pela cor, pela imagem, pelos sons... E todas essas formas de expressão são arte: a literatura é a arte da palavra; a pintura a arte das cores; a escultura das imagens; a música dos sons e ritmos.

5 Aliás, a literatura e a música são artes muito aparentadas, uma vez que, hoje, a música deixou de ser apenas som, ritmo, e incorporou as palavras e os recursos conotativos da linguagem (pelo menos a maioria delas), e a literatura, na poesia principalmente, explora o ritmo e a sonoridade das palavras. As duas artes, como forma de o ser humano expressar sua realidade, ainda comungam a abordagem de temas universais. Assim, exploram a mitologia com bastante ênfase, uma vez que, através dos mitos (ou do sobrenatural), tentamos explicar os principais acontecimentos da vida: nossas origens, nosso mundo, nossa evolução e refletir sobre nossa existência.

6 2 CONTATOS ENTRE LITERATURA E MÚSICA A música, o ritmo, desde os tempos do homem antigo, já serviam como uma maneira do ser humano expressar seus sentimentos: tristeza, alegria, agradecimento.entre os vestígios remanescentes das grandes civilizações da antiguidade, foram encontrados testemunhos escritos em registros pictóricos e escultóricos de instrumentos musicais e de danças acompanhadas por música. (Barsa, vol.10, p.211) A música é, segundo o mestre Buarque: Arte e ciência de combinar os sons de modo agradável ao ouvido. Com a invenção da palavra, o homem deu um enorme passo em direção ao progresso, mas percebeu que a linguagem verbal, no seu cotidiano, tornou-se um ato mecânico, com a intenção de apenas informar... Foi então que surgiu a literatura, como um novo universo das palavras,com a intenção de renomear as coisas, despertando a curiosidade, a imaginação, a reinterpretação dos fatos, ou seja, uma maneira diferente de dizer, de informar os fatos, uma vez que o artista da palavra pode inventar, criar novos significados mais amplos do que os usuais. A informação do texto literário está não só no que é dito, mas no como é dito. A literatura informa tanto a forma quanto o conteúdo. (...) É claro que a palavra não foi criada para cantar, mas para comunicar. Mas no discurso poético, as palavras são consideradas como objetos (sensíveis), não apenas como instrumentos de comunicação. No discurso poético,as palavras valem por si mesmas. ( Rogel:1985, p.39-40) Assim como a literatura, a música tem o interesse de despertar os sentidos, a emoção, então ela também faz uso de metáforas, comparações, sinestesias...enfim, as figuras de linguagem que conhecemos e passou a explorar a sonoridade das palavras.

7 A filosofia da arte comumente afirma que toda arte aspira a atingir a condição de música. Por outro lado, poder-se-ia também afirmar que a música aspira à condição de todas as artes. (Telênia Hill. Manual de teoria literária, p.124), principalmente a de literatura, pois ambas exploram o significado, o ritmo e a rima das palavras. final dos versos: No trecho da canção Cálice, Chico Buarque explora a rima interna e no Como é difícil acordar calado Se na calada da noite eu me dano Quero lançar um grito desumano Que é uma maneira de ser escutado. E, neste trecho de Violões que choram...de Cruz e Souza, observa-se a musicalidade das palavras e das construções: Vozes veladas, veludosas vozes, Volúpias dos violões, vozes veladas, Vagam nos velhos vórtices velozes Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas. 2.1 Gênero lírico Pode-se perceber também a influência da música na literatura, quando se estuda o gênero lírico, o mais sentimental dos gêneros. A própria palavra lírica deriva do grego lyrikós, que significa algo que concerne à lira, instrumento musical primitivo, com quatro cordas. A poesia lírica nasceu de hinos religiosos e da tradição popular. Na Antigüidade, a poesia cantada era associada aos principais atos da vida: cantigas de ninar, lamentos de pesar pela morte de alguém, cantos de pastores e hinos de vitória ou de adoração, himeneus e cantigas de amor, manifestações coletivas ou isoladas de alegria ou de tristeza, enfim, todas as nuanças da vida constituíram a matéria que deu origem ao lirismo na Grécia. [...] A lírica está associada à livre imaginação, onde a emoção supera o pensamento, daí o gênero ser essencialmente polimorfo.(hill apud Samuel: 1985, p.124).

8 A ode, cuja espontaneidade do sentimento e a imaginação tiveram livre curso, foi à forma lírica da Antigüidade que teve estreita relação com a música.a ode (em grego quer dizer canto ) é uma composição poética de estrofes simétricas e de caráter lírico, que, na Grécia antiga apresentava-se sob duas formas: monódica, quando cantada pelo próprio autor; e coral, quando a obra era transformada em canto coletivo. Destinado a uma celebração coletiva que incluía poesia, canto e dança, o canto coral adquiria em seus modelos originais, um caráter quase religioso. O gênero veio a exigir um poeta profissional, que se encarregava da letra, da música e da dança para cada ocasião: uma vitória, uma colheita, uma festa, um nascimento ou uma morte. O estilo lírico e o decorrer dos tempos foi desenvolvendo novas formas, entre as quais destacamos a égloga latina, o idílio, a balada, o soneto, a elegia, o rondó, etc. [...] o valor dos versos líricos está na unidade entre a significação das palavras e sua música. Aos poucos, como sabemos, os versos foram incorporando por meio do ritmo, metro, aliterações, onomatopéias, rimas internas ou em final de verso, etc, o antigo acompanhamento musical. (Aragão apud Samuel, 1985, p.62-63). Por ser um gênero mais subjetivo, que nos remete com mais profundidade à emoção, o gênero lírico aborda temas como o amor, a natureza, Deus, os mistérios da vida e da morte, geralmente os mesmos temas abordados na maioria das composições musicais. Pode-se citar como exemplos de gênero lírico o poema A estrela de Manuel Bandeira e a letra da música Caçador de mim de Sérgio Magrão e Luiz Carlos Sá, geralmente interpretada por Milton Nascimento: A estrela (Manuel Bandeira) Vi uma estrela tão alta, Vi uma estrela tão fria! Vi uma estrela luzindo Na minha vida vazia. Caçador de mim Por tanto amor, por tanta emoção, A vida me fez assim:

9 Doce ou atroz, manso ou feroz Eu, caçador de mim. Ao imaginar-se uma composição musical depreende-se a dinamicidade de imagens, que se deve ao ritmo, fator que harmoniza a música com as outras artes (Hill apud Samuel, 1985, p. 124), principalmente a literatura da fase do Simbolismo. O poeta simbolista quer escutar a voz misteriosa do mundo invisível e descobre que a compreensão racional não oferece o acesso mental característico da poesia. Este inefável buscado só se conseguirá captar pela música e pela linguagem poética, desde que se aproxime da expressão musical. E uma das principais características da poesia simbolista é a musicalidade da linguagem (como no trecho de Violões que choram... de Cruz e Souza), que explica muitas de suas rupturas com estruturas sintáticas e gramaticais. Todavia, além do lirismo presente na maioria das letras de músicas, muitas composições musicais exploram também o gênero épico, que se caracteriza primordialmente por ser um estilo narrativo, que descreve e exalta fatos históricos e personagens heróicos. O narrador épico se caracteriza fundamentalmente pelo seu afastamento em relação ao assunto narrado. Ao contrário do narrador lírico, ele se coloca como simples observador que não altera o seu ânimo diante do fato narrado (Aragão apud Samuel, 1985, p.66). 2.2 Gênero épico Na literatura, a maior representação do gênero épico foi a epopéia que é uma narrativa feita, essencialmente em versos; é sobretudo um canto, um poema de exaltação. A epopéia narra grandes feitos heróicos. Sua principal característica é ter

10 um narrador que fala sobre os acontecimentos grandiosos e heróicos da história de um povo. Um dos principais elementos da epopéia é o maravilhoso, ou seja, a ação dos deuses e de fatos sobrenaturais que se interpõem na solução de um problema. Esses textos envolvem aventuras, guerras, viagens, gestos heróicos e apresentam um tom de exaltação, isto é, de valorização de heróis e seus feitos. O herói épico é um ser superior aos meros mortais que o rodeiam. Tem qualidades físicas e caráter que o põem num plano superior ao da raça humana. Para os gregos, era o semideus. Os heróis não possuem uma iniciativa ideológica e lingüística que modifique o seu papel. São como imobilizados pelo Destino, divindade que reina absolutamente acima de qualquer outra e da qual é impossível escapar porque já determina a priori a trajetória do herói. ( Aragão apud Samuel, 1985, p. 68). Os heróis épicos são sempre seres excepcionais, que se destacam por sua nobreza ou por sua excelência nos combates, assim como por sua astúcia, religiosidade ou beleza. (Ibidem: p. 67). Por sua nobreza, pode-se citar Agamenão; por sua excelência e bravura, Aquiles; por sua astúcia, Ulisses e por sua beleza, Paris. No Canto I do poema épico Caramuru de Santa Rita Durão, pode-se perceber a exaltação do herói e de seus feitos: Caramuru Canto I De um varão em mil casos agitados, Que as praias discorrendo do Ocidente Descobriu o recôncavo afamado Da capital brasílica potente; Do filho do Trovão denominado, Que o peito domar soube à fera gente; O valor cantarei na adversa sorte, Pois só conheço herói quem nela é forte. Muitos dos poemas épicos feitos no Brasil seguiram o exemplo de Camões com sua epopéia Os Lusíadas, onde ele narra as viagens e aventuras dos portugueses e destaca sua bravura na conquista de novas terras.

11 Na música, um belo exemplo do gênero épico é a letra da canção O Índio de Zé Ramalho. Nessa composição musical, exalta-se o índio como herói, como um ser superior, nobre, que está acima dos meros mortais. Ela dá ênfase ao mito do bom selvagem, aquele que vive em perfeita harmonia com a natureza e o universo. O Índio Um índio descerá de uma estrela colorida brilhante De uma estrela que virá numa velocidade estonteante E pousará no coração da América num claro instante Depois de exterminada a última nação indígena E o espírito dos pássaros, das fontes, de água límpida Mais avançado que a mais avançada das tecnologias Virá, impávido que nem Muhammad Ali Virá que eu vi, apaixonadamente como Peri Virá que eu vi, tranqüilo e infalível como Bruce Lee Virá que eu vi, o axé do afoxé Filhos de Gandhi Virá Um índio preservado em pleno corpo físico Em todo sólido, todo gás e todo líquido Em átomos, palavras, alma, cor, em gesto, em cheiro Em sombra, em luz, em som, magnífico Num ponto eqüidistante entre o Atlântico e o Pacífico Do objeto sim, resplandecente, descerá o índio E as coisas que eu sei que ele dirá, fará, não sei dizer Assim de um modo explícito Virá...[...] E aquilo que nesse momento se revelará aos povos Surpreenderá a todos não por ser exótico Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto Quando terá sido o óbvio. 2.3 As epopéias de Homero Outras epopéias famosas que podemos citar são Ilíada e Odisséia do poeta grego Homero. E apesar dessas epopéias terem sido escritas na Antigüidade, elas são ainda muito conhecidas no início do século XXI.

12 Homero é um poeta genial e a obra-de-arte possui suas exigências internas, não correspondendo muitas vezes com relatos históricos. Os poemas homéricos como Ilíada e Odisséia foram compostos ou ao menos reunidos, após existirem como tradição oral, portanto poderem ter sido alterados, vários séculos após os acontecimentos neles relatados. Na ilíada, o maior dos poetas épicos rememora os tempos heróicos da Guerra de Tróia, a dimensão do mundo aqueu, que se estende, ao norte desde a Tessália até o extremo sul do Peloponeso. Logo no início do poema Ilíada, I,7, aparece Agamêmnon, rei de Micenas, que é chamado ánaks andrôn, o rei dos heróis, o que deixa claro ser ele o chefe supremo dos reis aqueus confederados contra Tróia. Quando o príncipe troiano Páris raptou Helena, Menelau, a quem ela escolhera por marido, pediu auxílio a seu irmão Agamêmnon, o poderoso rei, que também estava ligado a Menelau por juramento. Agamêmnon foi escolhido comandante supremo da armada aquéia. Convocados os demais reis ligados por juramento a Menelau, formou-se o núcleo da grande armada destinada a vingar o rapto de Helena e atacar Tróia, para onde Páris levara a princesa. Nove anos de luta diante da cidade de Príamo já se haviam passado, quando surgiu grave discórdia entre Agamêmnon e o principal herói aqueu, Aquiles. É que ambos, tendo participado de diversas expedições de pilhagem contra cidades vizinhas lograram se apossar de duas jovens: Briseida e Criseida. Briseida tornou-se escrava de Aquiles e Criseida de Agamêmnon. Porém, o pai de Criseida, que era amigo de Aquiles, pediu que este interferisse ; assim Aquiles e Agamêmnon tiveram séria discussão e cortaram relações.

13 A Ilíada relata apenas o nono ano da Guerra de Tróia, ou seja, a partir da briga entre Aquiles e Agamêmnon e a ira de Aquiles contra Heitor, príncipe troiano e irmão de Páris, uma vez que este havia matado seu melhor amigo Pátroclo. O poema termina com os funerais de Heitor, porém Tróia continua de pé. Cercada por uma forte muralha, a cidade de Tróia era opulenta e prosperava graças à fertilidade de seu solo, na pecuária e na criação de cavalos. Os Troianos são chamados comumente por Homero de domadores de cavalo. No último verso da Ilíada, o maior herói troiano recebe este epíteto: _Assim, eles (os Troianos) fizeram os funerais de Heitor, domador de cavalos. (Ilíada, XXIX, 804) (Brandão,1993, p.123). A Odisséia é o poema de Homero que narra o regresso de Ulisses, um dos reis que ajudaram Agamêmnon, após os dez anos da longa e sangrenta Guerra de Tróia, para sua pátria, Ítaca, sua mulher, Penélope, e seu filho Telêmaco. A temática desse poema é diferente: é o canto de regresso do esposo ao lar e da nostalgia da paz. Daremos maior ênfase às epopéias de Homero, uma vez que seus heróis e heroínas tornaram-se, através dos tempos, mitos importantes para o homem na sua formulação de mundo e ainda são citados em boa parte da literatura e da música. Esses mitos e alguns outros serão estudados no capítulo seguinte.

14 3 O MITO E SUAS RELAÇÕES Os mitos estão relacionados a vários aspectos da vida humana como a religiosidade, a história, a arte, o psicológico... 3.1 O mito e a religiosidade O mito nada mais é do que uma narrativa tradicional de conteúdo religioso, que procura explicar os principais acontecimentos da vida por meio do sobrenatural. A narração mitológica envolve basicamente acontecimentos supostos, relativos a épocas primordiais, ocorridos antes do surgimento dos seres humanos (história dos deuses) ou com os primeiros humanos (história ancestral). Porém, o verdadeiro objeto do mito não são os deuses nem os ancestrais, mas a apresentação de um conjunto de ocorrências fabulosas com que se procura dar sentido ao mundo. De acordo com Brandão (1993, p.13), o mito se apresenta como um sistema que tenta, de maneira mais ou menos coerente, explicar o mundo e o homem. O mito narra uma história sagrada. Relata um acontecimento que teve lugar no tempo primordial, o tempo fabuloso dos inícios. Dito de outra forma, o mito narra como, graças aos efeitos dos Entes sobrenaturais uma realidade veio à existência, seja a realidade total o Cosmos seja um fragmento apenas: uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, uma instituição. Portanto, trata-se sempre da narrativa de uma criação: relata como alguma coisa foi produzida, como começou a ser... Em suma, os mitos descrevem as diversas e às vezes dramáticas irrupções do sagrado (ou do sobrenatural) no Mundo. È esta irrupção do sagrado que funda realmente o Mundo e o faz tal qual é presentemente. Mais ainda: em conseqüência das intervenções dos Entes sobrenaturais, o homem é o que é no presente: um ente mortal, sexuado e cultural. ( Eliade apud Crippa, 1975, p.17).

15 3.2 O mito e a linguagem De acordo com estudos, o mito é anterior ao ser humano, pois está relacionado ao divino e ao surgimento do Cosmos. Assim também é a palavra. Crippa afirma que: A palavra e a linguagem têm uma origem divina. A palavra, o dizer, assume os mais diversos sentidos porque ligada ao saber divino (1975, p.98). E ainda: Na revelação do Antigo Testamento, o gesto criador de Deus é a Palavra, que é essencialmente divina (Ibidem, p.98) Assim: Surgimos, os homens, num mundo de significações postas e fundadas. A linguagem pertence a este mundo que nos precede. (Ibidem, p.95) Como forma de comunicação humana, o mito está obviamente relacionado com questões de linguagem e também da vida social do ser humano, uma vez que a narração dos mitos é própria de uma comunidade e de uma tradição comum. Conforme Brandão: Assim é que o mito atrai, em torno de si, toda a parte do irracional no pensamento humano, sendo, por sua própria natureza, aparentado à arte, em todas as suas criações. E talvez seja este caráter mais evidente do mito grego: verificamos que ele está presente em todas as atividades do espírito. Não existe domínio algum do helenismo, tanto a plástica quanto a literatura que não tenha recorrido constantemente a ele. (Brandão, 1993, p.14). 3.3 O mito e o psicológico Ora, não é de hoje que se sabe que a Grécia foi o grande berço da cultura ocidental e que, principalmente os mitos gregos tão utilizados são símbolos da formação da consciência coletiva e já deixaram de ser história da carochinha ou

16 uma ficção, uma vez que eles são usados para explicar parte da Psicanálise e da Psicologia. E mais: Os deuses olímpicos tinham muitos atributos humanos: o comportamento deles, as reações emocionais, a aparência e a mitologia nos proporcionam padrões que se igualam ao comportamento e às atitudes humanos. Eles nos são familiares porque são arquétipos, isto é, representam modelos de ser e de se comportar que nós reconhecemos a partir do inconsciente coletivo, do qual todos nós compartilhamos. (Bolen, 1990, p.38). Os mitos evocam sentimento e imaginação e tocam temas que são parte da herança coletiva humana. Os mitos gregos e todos os outros contos de fada e mitos que ainda são contados há milhares de anos permanecem correntes e pessoalmente relevantes, porque há uma ressonância de verdade neles sobre experiências humanas compartilhadas. (Ibidem, p. 27). 3.4 O mito e a história Apesar de muitas vezes não nos darmos conta do fato, a maior parte de nossa cultura tem origem na Grécia Antiga e nossa atualidade é resultado de situações vividas naquela época. Tomemos como exemplo os ritos do matrimônio: até hoje o noivo, na noite de núpcias, transpõe a porta da futura casa do casal com a noiva nos braços; os noivos ainda cortam o bolo juntos e juntos degustam o primeiro pedaço, como sinal de mudança de lar e a fixação da noiva em seu novo lar. E ainda nossa linguagem, nossas construções, nossos pensamentos e nossa arte sofrem influências gregas. Portanto, o passado é deveras importante, pois o nosso presente é construído a partir dele e, embora a história não o reconheça, o passado nos revela o mito. Como afirma Eudoro de Souza: Para levar sua tarefa a bom término, a história não precisa de refletir sobre si mesma, perguntar de onde veio e para onde vai: só precisa de saber onde está, e, quando o sabe, julga saber que tudo está nela, que tudo está onde ela estiver. O mais, concerne o filósofo. Mas como também a filosofia procedeu e precede em sentido inverso ao procedimento do mítico, vamos inevitavelmente bater à porta que nunca se abrirá, se insistirmos na

17 pretensão de que o mítico esteja, não só no início da história, como também no de suas épocas. A iniciativa só pode partir de fora. Mas o fora da história - que talvez seja mais propriamente o se lado de dentro é mito. Este não permanece além do horizonte da história, só porque esta se lhe recusa. Antes diria o contrário. A história também quer saber de mitos (algo haverá de que ela não queira saber?). Mas o mito, só enquanto alegorizável, responde à solicitação inquiridora das ciências históricas.(souza, 1988, p.20). E ainda segundo Eudoro: Agora, nada mais claro do que a origem e essência da alegoria: a exegese alegórica de um mito é um apressado refugiar-se na inteligibilidade, a razão discursiva, rede por cujas malhas escorre e de todo se perde a ambiência do mítico que é pura sensibilidade, ou antes, o sem-fundo da sensibilidade. O mito ainda é mito, nas suas camadas superiores, mas se prossegue na ascensão e passa o limite liminar da inteligibilidade,perdido de sua ambiência natural, morre na alegoria. [...] Mito é vida da sensibilidade; a alegoria, sua morte. (Ibidem, p.48). 3.5 O mito e arte Pelo caráter simbólico que reveste, o mito pode ser considerado manifestação artística e geradora de arte. Em cada povo e civilização, os mitos são fonte de inspiração para as mais diversas obras de arte, assim como as fantasias e criações imaginárias dos sonhos e dos estados alterados da consciência são também estímulos à atividade artística. Existe uma conexão estreita entre o mito e a literatura. O mito é originalmente uma narração oral espontânea que se cristaliza ao longo de gerações. A literatura tende a explicar, a clarificar e desenvolver o mito que havia nascido de forma fragmentária e, por vezes, pouco coerente. À medida que é adaptado à esfera e às dimensões da vida humana, manipulado e elaborado conscientemente pelos indivíduos, o mito se dilui em suas características originais para tornar-se lenda, saga, epopéia, fábula, história, conto, novela e até mesmo música. As alterações sofridas pelos mitos gregos, todavia, não se restringem aos poetas e artistas. Estes, conquanto reduzissem o mito e o recriassem,

18 alterando-o, para que o mesmo pudesse atender às novas exigências artísticas, de qualquer forma o aceitavam e mantinham. (Brandão, p. 27). Mesmo hoje, em pleno século XXI, quando poetas e artistas não precisam mais atender a exigências artísticas, escrevendo versos longos e metrificados como as epopéias antigas, o mito ainda está presente nas poesias, nos romances e nas letras de músicas, comprovando a sua importância e mostrando que, embora o ser humano progrida em seus inventos tecnológicos, ele ainda não esclareceu cientificamente a sua origem e não tem idéia exata de quando começou a usar a linguagem: se quando começou a desenhar nas paredes das cavernas ou ainda antes disso. Portanto deixemos estas explicações para os mitos, cujas interpretações ainda nos influenciam. 3.6 Mitos gregos Como já citado anteriormente, a epopéia Ilíada narra boa parte da Guerra de Tróia, que foi causada pelo rapto de Helena, esposa de Menelau, por Paris,príncipe de Tróia. O mito de Helena é deveras confuso e complexo, explicações posteriores a Homero tentam encobrir o sentido primitivo do mitologema: Essa personagem mítica especial, helena, foi raptada, uma primeira vez, pelo herói ateniense Teseu, que a conduziu a Afiadna, na Ática, e a confiou à sua mãe Etra. [...] seus raptos por Teseu e Paris, parecem levar a uma só conclusão: Helena teria sido primitivamente uma deusa ctônia e, por conseguinte, uma deusa da vegetação, uma guardiã dos ovos, das sementes depositadas no seio da terra. Como tal uma vítima destinada ao rapto. Com o tempo, a deusa Helena, suplantada por outras divindades da vegetação mais importantes, teria caído no esquecimento e passado à classe das heroínas, fato comum bem atestado na mitologia. Na realidade, o rapto de deusas ou de heroínas fazem parte integrante não somente de um ritual de iniciação, mas também de um rito de vegetação, como ainda se pode observar em culturas primitivas Normalmente, o rapto se consuma no outono, quando os trabalhos agrícolas estão terminados, os celeiros estão cheios e é, portanto, o momento de se pensar e preparar a colheita. Na Grécia, no segundo ato do casamento, denominado pompé, ação de

19 conduzir, a noiva, seguida de uma procissão alegre e festiva, é levada ou por arautos ou pelo marido, da casa paterna para seu novo lar. Não podendo penetrar com seus próprios pés na nova habitação, porque o fogo sagrado do lar ainda não fora aceso, a noiva simila uma fuga e começa a gritar, pedindo o auxílio das mulheres que a acompanham. O marido terá de raptá-la e com ela nos braços atravessar a porta com todo cuidado, para que os pés da esposa não toquem na soleira. [...] O mundo moderno, embora tenha esquecido o valor iniciático e a sacralidade da fertilização do ritual do rapto da esposa, ainda, por vezes, sem o saber, o relembra. As noivas, ao menos as mais dietéticas, têm ou tinham o direito de ser transportadas nos braços hercúleos do marido para dentro do novo lar ou do quarto da primeira noite de núpcias! [...] O casamento pode considerarse um rito de iniciação em que o homem e a mulher têm que submeter- se mutuamente. Em algumas sociedades, todavia, o homem compensa sua submissão raptando ritualmente a noiva, como fazem os dyaks da Malaia e Bornéu. Hoje em dia existe uma reminiscência dessa prática no fato de o noivo cruzar a soleira da porta com a noiva nos braços.[...] O casamento é essencialmente um rito de iniciação da mulher, em que o homem há de sentir-se tudo, menos um herói conquistador. Por isso mesmo, não surpreende que se encontrem em sociedades tribais ritos compensadores de semelhante temos como o rapto ou a violação da noiva. (Brandão: p. 112 a 114) Ainda na Ilíada aparece a figura de Ulisses, que se converteu na atualidade, em símbolo de capacidade do ser humano para superar as adversidades. Segundo a versão da mitologia grega, Ulisses (em grego Odisseu) nasceu na ilha de Ítaca, filho do rei Laerte e de Anticléia. Ele foi educado pelo centauro Quirão e passou por provas iniciáticas para tornar-se rei. Sua vida é citada nas duas grande obras de Homero, sendo protagonista de Odisséia. Ulisses também foi um dos pretendentes de Helena, porém casou-se com Penélope, sua prima. Relatos posteriores apontam-no como o senhor da ardilosa idéia do cavalo de madeira que permitiu aos gregos penetrar em Tróia e obter a vitória. Conforme Brandão ( Ibidem, p.300): O maior cometimento de Ulisses na Guerra de Tróia foi, sem dúvida, o já referido e genial estratagema do Cavalo de Tróia, objeto das descrições de Homero (Od. VIII, 493 520) e Públio Vergílio Marão (Eneida, 2, 13 267).

20 Quando a guerra terminou, Ulisses iniciou o regresso a Ítaca, mas um temporal afastou-o com suas naus da frota. Então começaram os vinte anos de aventuras pelo Mediterrâneo que constitui a essência de Odisséia. Ulisses, durante este tempo, foi protegido por Atenas e perseguido por Poseidon e conheceu incontáveis lugares e personagens: a terra dos lotófagos, a dos lestrigões, as ilhas de Éolo; a feiticeira Circe e o próprio Hades. Nessas viagens, Ulisses perdeu todos os companheiros e, após ficar retido por anos pela ninfa Calipso, voltou à Ítaca, disfarçado de mendigo. Depois de matar todos os pretendentes de Penélope, sua esposa, que se manteve fiel a ele todo esse tempo, recuperou o reino e assim conclui-se a Odisséia Porém, de acordo com Junito de Souza Brandão (1992, p.320) Bem, Ulisses e Penélope, como tudo neste vale de lágrimas, não foram felizes para sempre! E também: A épica, sobretudo, por sua própria estrutura, conduz o herói para um desfecho feliz. Homero, na Odisséia, fechou genialmente a longa nostalgia, peregrinações e lutas de seu protagonista com um hino ao amor, à fidelidade de Penélope e com um eloqüente tratado de paz, mas o mito continua em outras variantes e tradições para além da epopéia. Retrata outro estado de coisas e prossegue pelos misteriosos labirintos da vida. [...] Ulisses é, em grau superlativo, o herói do mito do retorno do esposo, após prolongada e acidentada ausência.um homem partiu para uma longa viagem...a esposa lhe permanecerá fiel e, após alguns incidentes o reconhecerá. Eis que o marido retorna envelhecido, disfarçado, pouco importa. (Brandão: 1992, p. 320-321). Para resumir o reconhecimento de Ulisses são apontados três sinais: o primeiro é a cicatriz que Ulisses tem como resultado de uma mordida de javali. Segundo Brandão: A cicatriz é como se fora uma minimutilação, o que, em termos xamânicos, colocava seu portador bem próximo do sagrado e dos próprios deuses. (1992,p. 321). Ulisses era um dos heróis preferidos dos deuses, protegido por

21 Hermes e Atená. Brandão ainda afirma: O mito desse animal faz parte da tradição hiperbórea, onde o mesmo configura o poder espiritual. (p.321) O segundo sinal é o poder de armar o arco. Ulisses era o único homem que conhecia seu arco e chamou-o pelo nome, conversando com ele. Aí está a segunda parte da explicação. Somente o herói conhecia o nome de seu arco e, por isso mesmo, pôde conversar com ele e facilmente armálo. [...] E semelhantemente compreendemos por que apenas Ulisses era capaz de armar seu arco e disparar as flechas, não só para liquidar os pretendentes, mas sobretudo para reconquistar seu grande amor. (Brandão: 1992, p.321 323). O terceiro sinal é a lembrança do segredo da construção do leito conjugal. Esse segredo era um tronco de oliveira que servia de suporte para o leito. A oliveira é considerada uma árvore sagrada, símbolo da fecundidade. Reconhecendo seu leito conjugal, o rei de Ítaca se reencontra com o gênio de seus ancestrais e continua a desempenhar a função sagrada da fecundação. (Ibidem, p.324) Ulisses corresponde ao modelo de marujo e comerciante do século VII a.c. Esse homem devia adaptar-se, pela astúcia e o bom senso, em um mundo cada vez mais complexo e em contínua mutação. Nas epopéias de Homero, outros heróis se destacaram, além de Ulisses. Um deles é Agamenon, personagem histórica que a tradição cercou de lendas. Agamenon era um soldado valoroso, digno e austero rei de Micenas e cunhado de Helena, raptada por Paris. Este rei reuniu uma frota de mais de mil navios e um enorme exército para resgatar Helena em Tróia. Os átridas, integrantes da família de Agamenon, inspiraram grandes tragédias, desde a Grécia Antiga (Ésquilo, a trilogia Oréstia; Sófocles, Electra) até os tempos contemporâneos (Eugene O Neill, O luto assenta bem em Electra; Jean-Paul Sartre, As Moscas). (Barsa: vol. 1, p.139)

22 Outro personagem destacado é Páris, príncipe de Tróia e raptor de Helena. Ficou conhecido como um grande sedutor, amante da beleza feminina. Ele raptou Helena com a ajuda de Afrodite, deusa da beleza e da paixão sexual, segundo a mitologia grega. Afrodite é um dos arquétipos da beleza feminina.seus símbolos eram a pomba, a romã, o cisne e a murta. Por ordem de Zeus, Afrodite casou-se com Hefesto, o coxo deus do fogo e o mais feio dos imortais. Foi-lhe muitas vezes infiel, sobretudo com Ares, deus da guerra, com quem teve os filhos Eros e Harmonia. Afrodite possuía um cinturão mágico de grande poder sedutor e os efeitos de sua paixão eram irresistíveis. As lendas freqüentemente a mostram ajudando os amantes a superar todos os obstáculos. Era e é sempre relacionada com o erotismo e a fertilidade. Seu filho, Eros, na mitologia primitiva, o deus grego do amor e do desejo, encerrava significado mais amplo e profundo. Seu poder unia os elementos para fazê-los passar do caos ao cosmos, ou seja, ao mundo organizado. Em tradições posteriores era filho de Afrodite e de Zeus, Hermes ou Ares; não tem paternidade definida, uma vez que Afrodite foi amante de todos esses deuses. A relação de Eros com Psique (uma mortal) simboliza, hoje, a alma e constitui uma metáfora sobre a espiritualidade humana. Na mitologia romana era chamado de Cupido e era representado ou como um menino alado que carregava um arco e um carcás com setas, cujos ferimentos provocados por elas despertava amor ou paixão em suas vítimas; ou com uma armadura de guerra para simbolizar a invencibilidade do amor. Embora fosse, algumas vezes, apresentado como insensível e descuidado, Cupido era tido como benéfico em razão da felicidade que concedia aos casais, mortais ou imortais. No pior dos casos, era considerado malicioso pelas combinações que fazia, causando assim tristeza e amores não correspondidos. Na maioria das situações era orientado por sua mãe, Afrodite. Em

23 psicanálise, é utilizado para significar o instinto sexual, e como tal é sinônimo de libido. A ele opõe-se o instinto da morte. Os dois são, segundo Freud, os instintos primitivos. Além desses mitos muito explorados por Homero, muitos outros são usados em nossa atualidade para explicar fatos e comportamentos. Um deles é o mito de Ícaro. O grande poeta latino, Públio Ovídio Nasão, narra em sua obra Metamorfoses,8, 183 235, um episódio sobre Ícaro. Ícaro era filho do arquiteto Dédalo que, segundo a mitologia, havia construído o famoso labirinto onde vivia o Minotauro, com uma escrava do palácio chamada Náucrates. O rei Minos, para castigar Dédalo por este ter ajudado Teseu a sair do labirinto, prendeu Dédalo e seu filho Ícaro nesse labirinto. Porém Dédalo, para sair do lugar, fabricou para si e para o filho dois pares de asas de penas, presas aos ombros com cera. Todavia, advertiu ao filho que não voasse muito alto, porque o sol derreteria a cera; nem muito baixo, porque a umidade tornaria as penas muito pesadas. O menino, no entanto, não resistindo ao impulso de se aproximar do céu, subiu demasiadamente. Ao chegar perto do sol, a cera fundiu-se, destacaramse as penas e ele caiu no mar Egeu, que, daí por diante passou a chamar-se Mar de Ícaro. Na interpretação desse mito, segundo Brandão: Ícaro é o símbolo do descomedimento. Apesar da admoestação paterna, para que guardasse um meio-termo, o centro entre as ondas do mar e os raios do sol, o menino insensato ultrapassou o métron, foi além de si mesmo e se destruiu. Ícaro é o símbolo da temeridade, da volúpia das alturas ; em síntese: a personificação da megalomania. Se, na verdade, as asas são o símbolo do deslocamento, da libertação, da desmaterialização, é preciso ter em mente que asas não se colocam apenas, mas se adquirem ao preço de longa e não raro perigosa educação iniciática e catártica. O erro grave de Ícaro foi a ultrapassagem, sem o necessário gnôthi s autón, o indispensável conhecer-te a ti mesmo. (Brandão: 1993, p.65).

24 Esses mitos apresentados representam uma minoria dos mitos que encontramos em nosso dia-a-dia, tanto na psicologia quanto em outros conhecimentos desenvolvidos pela humanidade. É evidente a presença dos mitos na literatura antiga, medieval e contemporânea. Eles foram e são fonte de inspiração para poetas e escritores de todos os tempos. 3.7 Epopéias Poetas como Homero, Virgílio, Camões, tornaram-se famosos por suas epopéias que são longos poemas baseados em ficção verossímil. As epopéias são poemas de forma fixa, rigidamente metrificados, geralmente em versos de tamanhos regulares (de dez ou doze sílabas), em estrofes grandes (principalmente de oito ou dez versos). Elas se dividem em cinco partes: 1) Exórdio ou proposição: introdução que apresenta o herói e o tema. 2) Invocação: pedido de inspiração às musas da poesia. 3) Dedicatória: o poema é dedicado a alguém. 4) Narração: ênfase nas peripécias do herói e nos acontecimentos históricos. É a parte mais ampla da epopéia. 5) Epílogo: fechamento da epopéia, geralmente com a consagração do herói. Nas epopéias aparecem muitas figuras de linguagem que são recursos que os autores usam para realçar uma idéia ou emoção, que transformam o significado das palavras para tirar delas maior efeito ou para construir uma mensagem nova.

25 Na estrofe a seguir, do exórdio de Os Lusíadas de Camões, observa-se a estrofe de oito versos decassílabos, a presença dos mitos (Netuno, Marte e as musas) e de uma metáfora do herói: o peito ilustre lusitano. I Cessem do sábio Grego e do Troiano As navegações grandes que fizeram; Cale-se de Alexandre e de Trajano A fama das vitórias que tiveram; Que eu canto o peito ilustre Lusitano, A quem Netuno e Marte obedeceram. Cesse tudo que a musa antiga canta, Que outro valor mais alto se alevanta. Na já citada música de Zé Ramalho, O Índio, podemos comprovar a presença de várias figuras de linguagem: comparação; No verso: Virá que eu vi, apaixonadamente como Peri, temos uma Em: Em átomos, palavras, alma, corpo, em gesto, em cheiro, em sombra, em luz, em som magnífico, há uma gradação; nave espacial. E a estrela colorida brilhante,da canção, trata-se de uma metáfora da As figuras de linguagem (metáfora, comparação, paradoxo, eufemismo, hipérbole, gradação...), tal como os mitos, também prefiguram nas letras de muitas outra músicas; prova de que a literatura e a música são artes irmãs, que têm muitos aspectos em comum. No próximo capítulo, estudaremos mais detidamente uma destas irmãs, a música.

26 4 MÚSICA A palavra grega mousikós musical, relativo às musas referia-se ao vínculo do espírito humano com qualquer forma de inspiração artística. Porém, essa palavra, na sua evolução, limitou-se às formas de criação relacionadas à combinação de sons e, nas suas formas mais modernas, também de palavras. Música é a arte de coordenar fenômenos acústicos para produzir efeitos estéticos. Em seus aspectos mais simples e primitivos, a música é manifestação folclórica, comum a quase todas as culturas; quando apoiada na transmissão oral, espelha particularidades étnicas determinadas. Porém, Hornbostel afirma categoricamente não se dever chamar arte à música dos primitivos, por não servir de elemento recreativo nem ser feita para edificar esteticamente o espírito. (Andrade:1976,p.19). Para completar: É comum afirmarem que a Música é tão velha quanto o homem, porém talvez seja mais acertado falar que, como Arte, tenha sido ela, entre as artes, a que mais tardiamente se caracterizou. (Ibidem, p.11) 4.1 História da Música A música surgiu nas mais remotas culturas, para a celebração de acontecimentos festivos e litúrgicos. No Oriente, os principais focos de propagação musical foram as civilizações chinesa, do terceiro milênio antes da era cristã, e indiana. No Ocidente, é bem conhecido o papel preponderante assumido pelos druidas, sacerdotes, bardos e poetas. A tradição musical da Anatólia, porém,

27 penetrou na Europa através da cultura grega (como já vimos no capítulo anterior, não só da música, mas das artes em geral), cuja elaborada teoria musical constituiu o ponto de partida da identidade da música ocidental, bastante diversa da do Extremo Oriente. Todavia, devemos às civilizações chinesa e indiana a capacidade de absorver da música o prazer coletivo. Conforme Andrade A Grécia que, em música, é a manifestação mais conhecida e provavelmente mais perfeita da Antiguidade, já nos interessa mais, porque influi na música da Civilização Cristã. (Ibidem, p.25) A música esteve presente nos cultos cristãos desde seus primórdios. Costuma-se considerar a fase de evolução das primeiras comunidades cristãs como a gestação da tradição musical no Ocidente. Inspirada nos paradigmas da Grécia clássica, a música européia do primeiro milênio da era cristã manifestou-se com mais intensidade no âmbito litúrgico. Porém os documentos que restam sobre a Música entre os gregos, provam que ela teve lá uma construção pelo menos tão perfeita e bem organizada coma estatuária ou a poesia. Do mesmo modo que as outras civilizações da Antiguidade, os gregos acreditavam que a música era um donativo especial das divindades. As origens da música grega se perdem na superstição. As tradições colocam deuses, semideuses e heróis míticos inventando instrumentos e obras musicais. (Andrade: 1976, p.25). O papa Gregório I, no século VI, deu origem ao canto gregoriano, gênero que dominou o panorama musical da Idade Média européia, ao lado do trovadoresco. Porém a música profana, herdeira dos jograis, trovadores e outros cantores de tradição germânica e mediterrânea, adotou as formas polifônicas da música eclesiástica. A partir do canto gregoriano[...] desenvolveu-se na Europa uma arte musical perfeitamente integrada no que se pode denominar de cultura européia, ou ocidental, compreendendo todos esses períodos que, a grosso modo, conhecemos como renascentista, barroco, rococó, clássico, romântico, impressionista, etc.é esta a música que serviu e ainda serve de base para a compreensão de nossa realidade musical de hoje. (Trein: 1986, p.5).

28 A história reconhece que a música existiu e existe em toda parte por se tratar de uma manifestação primária do homem. A música faz parte das criações do homem e está entre as maiores realizações do homem. Ela formou-se em longo processo histórico e as dificuldades em analisar o que se faz agora, e que está obviamente, em relação com essa cultura musical, procedem da falta de perspectiva histórica. O que existe hoje em matéria de música, seja qual for, obedece a fenômenos não tão novos como possam parecer. (Trein: 1986, p.6). A música primitiva estava firmada principalmente no ritmo, ao qual o ser humano associava fragmentos melódicos. Ela não visava a um efeito estético, mas a uma função mágico-encantadora. E, com efeito, se observarmos os povos primitivos atuais, somos forçados a reconhecer que, na grande maioria deles, a música é a menos organizada entre as artes, e a menos rica de possibilidades estéticas. (Andrade: 1976, p.12) A primeira escrita que pode indubitavelmente ser reconhecida como musical foi a dos neumas, do século IX na Europa. A notação neumática empregava sinais ideográficos derivados dos acentos agudo, grave e circunflexo, que indicavam apenas aproximadamente a direção ascendente ou descendente dos sons. Os primeiros escritos sobre a história da música surgiram somente no século XVIII entre os quais a famosa Storia della musica (1757-1781), de Giovanni Battista Martini. O espanhol Antonio Eximeno escreveu Dell origine e delle regole della musica, colla storia del suo progresso, decadenza e rinnovazione (1774) em que discorda da associação feita desde os gregos entre a música e a matemática (a idéia pitagórica segundo a qual o universo se constituiria de sete esferas cristalinas que emitem em seu movimento concêntrico as respectivas notas da escala em perfeita harmonia) e a considera uma verdadeira linguagem. Afirma que, para se compor bem, basta abandonar-se nos braços da Natureza e deixar-se conduzir pelas sensações que se quer musicar. (Barsa, vol. 10, p.226).

29 O Romantismo dos últimos três quartos do século XIX negligenciou, como na literatura, os aspectos formais e estruturais da música; houve quem afirmasse que o Romantismo musical é a arte que realça as possibilidades emocionais e subjetivas da música. A expressão individualista do homem era um elemento da nova consciência. Existia então a peça musical com alta expressão, cuja forma não apresentava rigidez e nem devia apresentar, pois o individualismo da expressão, a originalidade, estava acima de outros elementos. Da mesma forma, o lirismo voltava-se acentuadamente à beleza melódica. (Trein, 1986, p.71). E, conforme Trein, nessa fase a tendência de buscar a inspiração em terrenos extramusicais como na literatura evidencia-se em baladas, lendas, rapsódias, romances, noveletas. (Ibidem, p.71) Os maiores representantes dessa fase foram Beethoven, Schubert, Berlioz, Schumann, Chopin, Franz Liszt, Wagner que compuseram verdadeiros poemas sinfônicos e possibilitaram que os sons descrevessem os sentimentos. Já estão presentes, principalmente na obra de Wagner, a idéia da colaboração de todas as artes na obra de arte total e a escolha de enredos lendários e míticos. O criador da música moderna foi Debussy, que surgiu no último quartel do século XIX, no momento preciso para operar a transformação que a música haveria de sofrer. 4.2 A importância da música Segundo Ricardo S. Corrêa: A música é uma combinação de sons que conservam entre si relações lógicas e ordenadas. Tem por fim evocar sentimentos ou traduzir impressões. Enciclopédia Base, vol.8, 2002, p.2449)

30 Além desses aspectos, a música também, desde a antiguidade, tem o objetivo de socializar o ser humano. O ritmo mexe com a gente. E si, por um lado, era portanto mais apto para aguçar as faculdades do corpo, ainda pelos seus valores dinamogênicos produzia a absorção do indivíduo pela coletividade, socializando-o, lhe determinando o movimento coletivo. (Andrade: 1976, p.17). E mais: Intelectualizada pela palavra, a música tomava parte direta nas manifestações coletivas do povo. O canto coral teve importância vasta, ao passo que a música instrumental isolada, a bem dizer, não existiu. (Ibidem, p.25) Ainda na definição clássica, a música é a arte de combinar os sons e os seus elementos fundamentais são: a melodia (combinação dos sons sucessivos); a harmonia (combinação dos sons simultâneos) e o ritmo. O que a gente pode afirmar, com força de certeza, é que os elementos formais da música, o Som e o Ritmo, são tão velhos como o homem. Este os possui em si mesmo, porque os movimentos do coração, o ato de respirar já são elementos rítmicos, o passo já organiza um ritmo, as mãos percutindo já podem determinar todos os elementos do ritmo. E a voz produz o som. (Andrade: 1976, p.13). A música sempre existiu, porque está na natureza: o canto dos pássaros, o marulhar das ondas do mar, o sussurro dos regatos, o vento por entre os ramos, tudo produz sons harmoniosos, que são do reino da música. Talvez foi ouvindo esses sons naturais que os homens começaram a cantarolar, a cantar, a tocar os seus instrumentos, toscos e primitivos a princípio, e finalmente a compor. Na antiga Grécia, por exemplo, a música era essencialmente vocal, apoiando-se em instrumentos como o aulo e a flauta. 4.3 Tipos de música A partir de 1923, a música abre campo a inúmeras inovações, entre elas a da música concreta, que usa ruídos existentes na natureza; a música eletrônica e

31 finalmente a música aleatória : gravações colhidas arbitrariamente na rua e no rádio são usadas para composições aleatórias. Existem ainda a música folclórica e a popular. E música popular é, sintetizada pelo pesquisador José Ramos Tinhorão, da seguinte forma: Por oposição à música folclórica (de autor desconhecido, transmitida oralmente de geração em geração), a música popular é composta por autores conhecidos e divulgada por meios gráficos. A música popular constitui uma criação contemporânea do aparecimento de cidades com um certo grau de diversificação social. 4.4 A evolução da música brasileira No Brasil, as primeiras manifestações musicais genuinamente brasileiras foram as dos indígenas. Durante a colonização, os jesuítas utilizaram a música na catequese, baseando-se em composições geralmente européias. Já no século XX, a música brasileira ganha contornos mais definidos com a obra de Ernesto Nazareth (1863-1934), que exerceu grande influência sobre Heitor Villa-Lobos (1887-1959), na verdade o primeiro compositor brasileiro de fama internacional; seguiram-se-lhe Oscar Lorenzo Fernández, Mozart Camargo Guarnieri, Francisco Mignone, Radamés Gnatali e Brasílio Ferreira da Cunha (mais conhecido como Brasílio Iberê). São compositores de valor indiscutível, cuja atuação propicia o aparecimento de outros grandes talentos. Quanto à música popular brasileira, ela teve origem no lundu, dança africana, cheia de meneios e sapateados, antecessora do samba e do maxixe, bem assim da modinha de origem portuguesa. A modinha se popularizou a tal