Daniele dos Santos Lima (UNICAP) 1 INTRODUÇÃO

Documentos relacionados
OS ESTUDOS DA ENUNCIAÇÃO E A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE LÍNGUAS

ESTUDO DA LINGUÍSTICA CONTEMPORÂNEA: A ENUNCIAÇÃO A PARTIR DE DOIS OLHARES ESTRUTURALISTAS

Questões-chave da lingüística da enunciação A lingüística da enunciação constitui um campo científico de estudos?...

SOBRE A POSSIBILIDADE DE UMA DUPLA-REFERÊNCIA EM ÉMILE BENVENISTE

ESTUDOS CONTRASTIVOS DOS DIALETOS BAIANOS E PERNAMBUCANOS

ESCRITA E REESCRITA DE TEXTOS: ANÁLISE DA INTERSUBJETIVIDADE CONSTITUTIVA DO PROCESSO DE APROPRIAÇÃO DA LÍNGUA

PÊCHEUX E A PLURIVOCIDADE DOS SENTIDOS 1

OS PRONOMES PESSOAIS-SUJEITO NO PORTUGUÊS DO BRASIL: NÓS E A GENTE SEGUNDO OS DADOS DO PROJETO ATLAS LINGÜÍSTICO DO BRASIL

DA ESTRUTURA AO ACONTECIMENTO: UMA REFLEXÃO SOBRE A INSERÇÃO DO SUJEITO RESUMO

APONTAMENTOS SOBRE A CONSTITUIÇÃO DA AUTORIA EM RESENHAS ACADÊMICAS

Linguagem em (Dis)curso LemD, v. 9, n. 1, p , jan./abr. 2009

O QUE É O NORMAL E O QUE É PATÓLÓGICO NA FALA? UMA REFLEXÃO LINGUÍSTICA

EMENTÁRIO DAS DISCIPLINAS DO CURSO DE LETRAS-PORTUGUÊS - IRATI (Currículo iniciado em 2015)

Prefácio. Karina Falcone 1 Mônica Nóbrega 2

DEPARTAMENTO DE ARTES E LIBRAS LETRAS LIBRAS EAD PLANO DE ENSINO

Linguística e Discurso? Heranças epistemológicas e mudanças terrenas

Enunciação e intersubjetividade

ENUNCIAÇÃO: entraves para os estudos discursivos 1. Palavras-chave: Enunciação. Aparelho formal. Discurso. Acontecimento.

Fenomenologia. Psicopatologia Geral e Especial Carlos Mota Cardoso

COM PÊCHEUX PENSANDO A SIGNIFICAÇÃO A PARTIR DO CORTE SAUSSUREANO

CADERNO 15. Anais Eletrônicos VI ECLAE. Semântica e ensino

ENUNCIAÇÃO E ESTUDO DO TEXTO: UM ESBOÇO DE PRINCÍPIOS E DE CATEGORIAS DE ANÁLISE

DACEX CTCOM Disciplina: Análise do Discurso. Profa. Dr. Carolina Mandaji

Professora: Jéssica Nayra Sayão de Paula

O MEMORÁVEL NA RELAÇÃO ENTRE LÍNGUAS

CARDOSO, Suzana Alice. Geolinguística: tradição e modernidade. São Paulo: Parábola, p. Valter Pereira ROMANO *

10/06/2010. Prof. Sidney Facundes. Adriana Oliveira Betânia Sousa Cyntia de Sousa Godinho Giselda da Rocha Fagundes Mariane da Cruz da Silva

Aula 5 ESTRUTURALISMO

TÍTULO: A IRONIA E A CONSTRUÇÃO DE UM ETHOS FEMINISTA NO DISCURSO LITERÁRIO DE JANE AUSTEN

FIORIN, José Luiz; FLORES, Valdir do Nascimento e BARBISAN, Leci Borges (orgs). Saussure: a invenção da Linguística. São Paulo: Contexto, p.

INTRODUÇÃO À ANÁLISE DO(S)/DE DISCURSO(S) UNEB Teorias do signo Lidiane Pinheiro

Letras Língua Portuguesa

IX SEMINÁRIO DE PESQUISA E ESTUDOS LINGUÍSTICOS 21 e 22 de setembro de 2017

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

Metodologia do Trabalho Científico

1 Doutoranda em Letras Linguística na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Bolsista CAPES.

DACEX CTCOM Disciplina: Análise do Discurso. Profa. Dr. Carolina Mandaji

Tipo de Prova: Escrita e Oral

A IMPORTÂNCIA DO SIGNO PARA O APRENDIZADO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

ENUNCIANDO-SE NO INTERIOR DE UMA ESCRITA: RESENHA DE INTRODUÇÃO À TEORIA ENUNCIATIVA DE BENVENISTE, DE VALDIR DO NASCIMENTO FLORES

Da noção de subjetividade de Benveniste à leitura como ato enunciativo

A linguagem serve para viver : o fundamento da prática pedagógica

Conceituação. Linguagem é qualquer sistema organizado de sinais que serve de meio de comunicação de ideias ou sentimentos.

AS MARCAS DO SUJEITO NA LÍNGUA: ANÁLISE DA CATEGORIA DE PESSOA E NÃO-PESSOA EM TIRAS

A Língua como Sistema (1) Prof. Dr. Felipe Venâncio Barbosa

Oferta de optativas área de Linguística e Língua Portuguesa

Conteúdo. Histórico. Linguagem Verbal e Não-Verbal. O que é a Linguística? Linguística e Gramática. O Estruturalismo. O Objeto de Estudo de Saussure

OS DISCURSOS SOBRE EDUCAÇÃO NAS PROPAGANDAS GOVERNAMENTAIS BRASILEIRAS

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

ELEMENTOS DÊITICOS EM NARRATIVAS EM LIBRAS 43

O DISCURSO CITADO: UM ESTUDO SOBRE A OBRA DE BAKHTIN

II Congresso Nacional de Pesquisa em Tradução e Interpretação de Língua de Sinais Brasileira

O homem na língua: o dialeto como índice de subjetividade e identidade cultural

MICROLINGUÍSTICA 1 : UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA. Miguel Eugênio ALMEIDA (UEMS)

DISCURSO IMAGÉTICO. Por Claudio Alves BENASSI DAS TRANSMUTAÇÕES POÉTICAS/SEMÂNTICAS PARA O

Linguagem como Interlocução em Portos de Passagem

ESTUDO ENUNCIATIVO DA DESIGNAÇÃO DA EXPRESSÃO LÍNGUAJAR GAÚCHO NA OBRA DE DANTE DE LAYTANO: REFLEXÃO SOBRE A NOÇÃO DE ACONTECIMENTO

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA INSTITUTO DE LETRAS E LINGUÍSTICA

PLANO DE ENSINO DADOS DO COMPONENTE CURRICULAR

A noção de discurso na teoria enunciativa de Émile Benveniste

Realizam a prova alunos autopropostos que se encontram abrangidos pelos planos de estudo instituídos pelo Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho.

Os efeitos das analogias saussurianas na reflexão sobre Aquisição da Linguagem 1

LEITURA E ESCRITA: UMA REFLEXÃO A PARTIR DE TEORIAS ENUNCIATIVAS

VARIAÇÃO NO USO DAS PREPOSIÇÕES EM E PARA/A COM VERBOS DE MOVIMENTO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO

A referência na teoria da enunciação: da referência ao sujeito à falha referencial

GUIMARÃES, Eduardo. História da Semântica. Sujeito, Sentido e Gramática no Brasil. Campinas, Pontes, 2004, 142 p. Maurício da Silva *

ESTUDO E COMPARAÇÃO DA VARIAÇÃO SEMÂNTICO- LEXICAL DA FALA BALSENSE

produziu mais cedo será sempre anterior ao que se produziu mais tarde. Quanto aos conceitos temporais, Elias escreve:

CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO Disciplina: Português

Letras Língua Portuguesa

INTRODUÇÃO ENSINO BÁSICO E ENSINO SECUNDÁRIO PORTUGUÊS LÍNGUA NÃO MATERNA (PLNM) APRENDIZAGENS ESSENCIAIS ARTICULAÇÃO COM O PERFIL DOS ALUNOS

DA ELABORAÇÃO DO QUESTIONÁRIO À FORMULAÇÃO DA PERGUNTA: O EFEITO GATILHO NAS PESQUISAS GEOLINGUÍSTICAS

V SEMINÁRIO DE PESQUISA E ESTUDOS LINGUÍSTICOS

OS ÍNDICES ESPECÍFICOS E OS PROCEDIMENTOS ACESSÓRIOS DA ENUNCIAÇÃO

TÍTULO: QUARTO DE DESPEJO, DE CAROLINA MARIA DE JESUS, SOB AS LENTES DA ANÁLISE DO DISCURSO

III FEIRA DE NOÇÕES BÁSICAS DE LINGUÍSTICA 1. Polêmicas linguísticas em pauta: livro do MEC e estrangeirismos

Transmissão da ideologia dominante como forma de inserção na cultura científica

Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos

EFEITO-MEMÓRIA DA LINGUÍSTICA NO DIREITO: SAUSSURE NO PENSAMENTO DE KELSEN E DE LUHMANN

Contribuições dos Estudos Bakhtinianos aos Estudos Neurolinguísticos

Suely Aparecida da Silva

Agrupamento de Escolas de Santa Maria dos Olivais

manifestações científicas, gêneros literários (provérbio, poesia, romance) etc. AULA GÊNEROS DISCURSIVOS: NOÇÕES - CONTINUAÇÃO -

Perspectiva benvenistiana de língua: considerações iniciais para pensar uma interface com a lingüística aplicada ao ensino

A DESIGNAÇÃO DA EXPRESSÃO LÍNGUAJAR GAÚCHO NA OBRA: O LINGUAJAR DO GAÚCHO BRASILEIRO

A língua, pela enunciação, na escola

O MEIO QUE NA MÍDIA: UMA ABORDAGEM FUNCIONAL DA LÍNGUA

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA INSTITUTO DE LETRAS E LINGUÍSTICA

1. FRASE E ENUNCIADO NA SEMÂNTICA ARGUMENTATIVA

Linguística e Língua Portuguesa 2016/01

DEPARTAMENTO DE LÍNGUAS - Grupo de Português Planificação Anual /Critérios de avaliação

A RELAÇÃO MÃE-BEBÊ: POSSÍVEIS RELAÇÕES ENTRE WINNICOTT E BENVENISTE

Português. 1. Signo natural

ÍNDICE PRIMEIRA PARTE

RESUMO. Segundo Saussure, língua é um sistema de signos constituído arbitrariamente

Linguagem e Ideologia

Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos

FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA PROFESSOR: REINALDO SOUZA

Descrição da Escala Língua Portuguesa - 7 o ano EF

Transcrição:

ASPECTOS MORFOSSINTÁTICOS NA FALA DE PERNAMBUCO E DA BAHIA: UMA PROPOSTA DE ANÁLISE À LUZ DA DIALETOLOGIA E DA TEORIA DA ENUNCIAÇÃO DE ÉMILE BENVENISTE Daniele dos Santos Lima (UNICAP) danlima02@hotmail.com 1 INTRODUÇÃO Este trabalho irá analisar como ocorre a enunciação verbal nos dialetos baiano e recifense. O termo tempo recobre representações muito diferentes, que são as muitas maneiras de colocar o encadeamento das coisas, queremos mostrar que a língua conceitua o tempo de modo totalmente diferente da reflexão e que somente o verbo permite exprimir o tempo. Com isso desejamos examinar este colocar em funcionamento da língua por um ato individual de utilização. Faremos uma analogia dos verbos e expressões verbais nas capitais Salvador e Recife, identificando as diferenças dialetais que existem nos verbos e seu significado, mostrando a possível relação subjetiva no uso dos verbos e expressões verbais nas capitais estudadas baseada na Teoria de Émile Benveniste. A subjetividade é a capacidade do locutor se propor como sujeito. A língua em sua totalidade está submetida à subjetividade que caracteriza cada ato de enunciar. A enunciação, não é a língua, e sim aquilo que possibilita o seu emprego, este tornar próprio de si que o locutor opera com a língua. A relação do sujeito com a língua passa pela questão da identidade do povo. Dessa forma, a identidade cultural é importante para fazermos uma avaliação do sujeito sobre si em relação ao mundo, pois a enunciação é a língua em uso. A própria ideia de identidade cultural revela um construto de práticas históricas e conjunção/dispersão de discursos sobre a cultura e sobre a identidade, sendo que o sujeito marca, da forma que for, seu lugar na cultura e no próprio discurso sobre a cultura. É o sujeito que se marca na língua e a enunciação é um ato que não se repete. A metodologia usada para este trabalho será baseada em leituras de livros e artigos relacionados à enunciação, ao verbo, a subjetividade, a intersubjetividade, a referência, também iremos utilizar os dicionários do Baianês, do Pernambuquês e do Nordeste.

2 DESENVOLVIMENTO Nos anos 50, a filosofia francesa está dominada pelo projeto fenomenológico. Na filiação da obra de Husserl, cumpre retornar a intencionalidade da consciência. Essa postura fica muito atenta ao vivenciado, ao descritivo, ao conceito, e atribui à subjetividade uma preponderância manifesta. O projeto de Husserl consiste em fazer passar a filosofia do estágio de ideologia para o estatuto da ciência. Na Libertação, a fenomenologia na França era, sobretudo, sartreana e enfatizava a consciência, uma consciência transparente em si mesma. Por seu lado, Maurice Merleau-Ponty retoma o projeto de Husserl, mas orienta-o mais para a dialética que se trava entre sentido proferido e aquele que se revela nas coisas. Isso vai conduzi-lo a um diálogo cada vez mais íntimo com as ciências e o homem. Em 1960 foi publicado pela Gallimard: Signes, o texto pelo qual Merleau-Ponty deu a conhecer aos filósofos os conceitos adquiridos pela linguística moderna e os avanços da antropologia. Nessa obra, de suprema importância para toda geração, Merleau-Ponty retoma uma comunicação que fizera em 1951, na qual mostra todo o interesse da obra de Saussure como inauguração da linguística moderna. Se o estruturalismo engloba um fenômeno muito diversificado, mais do que um método e menos do que uma filosofia, ele encontra seu cerne, sua base unificadora no modelo da linguística moderna e na figura daquele que é apresentado como o seu iniciador: Ferdinand Saussure. Foi necessário, porém esperar a publicação do CLG (Curso de Linguística Geral) para assistir o nascimento da linguística moderna. Como se sabe, essa obra de Saussure é oral, ela resulta dos cursos que ele ministrou entre 1907 e 1911, e da coleta, depuração e ordenamento dos raros escritos deixados pelo mestre genebrino, assim como os apontamentos recolhidos por seus alunos: Charles Bally e Albert Séchehaye, que publicam o CLG após a morte de Saussure em 1915. O essencial da demonstração consiste em fundamentar o arbitrário do signo, em mostrar que a língua é um sistema de valores constituído não por conteúdos ou produtos de uma vivência, mas por diferenças puras. O mestre genebrino oferece uma interpretação da língua que a coloca resolutamente do lado da abstração para melhor a separar do empirismo e das considerações psicologizantes. Funda assim uma nova disciplina, autonomizada em relação às outras ciências humanas: a linguística. A abordagem descritiva, a prevalência do sistema, a preocupação em remontar até as unidades elementares a partir de procedimentos construídos e explícitos, é a nova orientação, oferecida por Saussure, e que vai constituir o menor denominador comum de todos os movimentos estruturalistas.

Saussure fez, portanto, a escolha do signo contra o sentido, devolvido ao passado metafísico, escolha que converterá numa das características do paradigma estruturalista. Na abordagem saussuriana há o fechamento da língua sobre si mesma. O signo linguístico une não uma coisa ao seu nome, mas um conceito a uma imagem acústica num vínculo arbitrário que remete a realidade, o referente, para o exterior do campo do estudo a fim de definir a perspectiva, por definição restrita, do linguista. O signo saussuriano só envolve, portanto, a relação entre significado (o conceito) e significante (imagem acústica), com exclusão do referente. Flores (2007) diz que é o próprio Saussure que autoriza Benveniste a conceber a língua e a fala como dois planos constituintes da linguagem. Émile Benveniste foi um linguista de notório reconhecimento entre seus pares. Influenciado pelo comparativismo de Antoine Meillet e pela linguística de Ferdinand Saussure, sua notoriedade, já na metade do século XX, decorre da publicação de dois estudos magistrais do indo-europeu. No campo da enunciação, o reconhecimento de Benveniste se dá com a publicação dos dois tomos dos Problemas de linguística geral. O primeiro volume vem a público em 1966; o segundo, em 1974. Desde então, Benveniste é considerado o grande expoente da linguística da enunciação. Benveniste, apesar de sustentar sua semântica em princípios estruturais, inclui os estudos da enunciação no objeto proposto por Saussure: introduz na linguística as noções de sujeito e de referência. Segundo Benveniste (2005, p. 286) É na linguagem e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito; porque só a linguagem fundamenta na realidade, na sua realidade que é a do ser, o conceito de ego. Para D Ávila (2004, p. 155) O sujeito da enunciação benvenistiano é um sujeito linguístico: é a representação daquele que fala e, dessa forma, deve ter pessoa, tempo e lugar. É sempre um eu, que tendo um tu, opera, durante o processo de enunciação. Émile Benveniste em seu livro Problemas de Linguística Geral II, no capítulo intitulado: aparelho formal da enunciação define enunciação da seguinte maneira: O ato individual de apropriação da língua introduz aquele que fala em sua fala. Este é um dado constitutivo da enunciação. A presença do locutor em sua enunciação faz com que cada instância de discurso constitua um centro de referência interno. Esta situação vai se manifestar por um jogo de formas específicas cuja função é de colocar o locutor em relação constante e necessária com sua enunciação. (BENVENISTE, 1989, p. 84) Para Flores (2013, p. 37) Enunciar é converter a língua em discurso, logo, este é produto daquela. Segundo Flores et al. (2009, p. 102) A noção de enunciação, entendida como uso da língua, pressupõe um quadro enunciativo, que se configura por sujeitos o par

eu-tu-, ou seja, a noção de pessoa e situação o espaço e tempo. Ao par eu/tu, Benveniste (2005, p.255) chama de correlação de subjetividade: O que diferencia eu de tu é, em primeiro lugar, o fato de ser, no caso de eu, interior ao enunciado e exterior a tu, mas exterior de maneira que não suprime a realidade humana do diálogo. A subjetividade é a capacidade do locutor se propor como sujeito. A língua em sua totalidade está submetida à subjetividade que caracteriza cada ato de enunciar. A enunciação, não é a língua, e sim aquilo que possibilita o seu emprego, este tornar próprio de si que o locutor opera com a língua. Todo homem se coloca em sua individualidade enquanto eu por oposição a tu e ele. Aquele que fala se refere sempre pelo mesmo indicador eu a ele mesmo que fala. O ato de discurso que enuncia o eu aparecerá, cada vez que ele é reproduzido, como o mesmo ato para aquele que o entende, mas para aquele que o enuncia, é cada vez um ato novo, ainda que repetido mil vezes, porque ele realiza a cada vez a inserção do locutor num momento novo do tempo e numa textura diferente de circunstâncias e de discursos. De acordo com Flores (2012), o homem está na língua e estar na língua é a enunciação. O indivíduo faz uso das palavras, sem parar para pensar nelas, sem ter a consciência do seu ato, de sua enunciação. E a enunciação é este colocar em funcionamento a língua por um ato individual de utilização. A enunciação inclui no seu escopo a língua e a fala, isto é, o ato que um sujeito realiza ao comunicar os seus pensamentos. O sujeito ao enunciar faz um uso individual e único do sistema linguístico. O objetivo da nossa pesquisa é investigar a enunciação verbal nos dialetos soteropolitano e recifense. O termo tempo recobre representações muito diferentes, que são as muitas maneiras de colocar o encadeamento das coisas, queremos mostrar que a língua conceitualiza o tempo de modo totalmente diferente da reflexão e que somente o verbo permite exprimir o tempo. O verbo segundo Azeredo (2008, p. 180) é a espécie de palavra que ocorre nos enunciados sob distintas formas (vocábulos morfossintáticos) para a expressão das categorias de tempo, aspecto, modo, número e pessoa. Além disso, o verbo, em todas as suas categorias (aspecto, tempo, pessoa, gênero) apresenta um modo de significação subjetivo ou um modo de significação objetivo, se fizer parte de um discurso contendo eu ou contendo ele respectivamente. Ou seja, além da categoria de pessoa, as categorias de tempo e espaço partilham do mesmo status linguístico e figuram como pertencentes ao discurso. A ideia de discurso como produto da enunciação está presente no PGL II: O presente formal não faz senão explicitar o presente inerente à enunciação, que se renova a cada produção de discurso, e a partir deste presente contínuo, coextensivo à nossa própria presença, imprime na consciência o

sentimento de uma continuidade que denominamos tempo ; continuidade e temporalidade que engendram no presente incessante da enunciação, que é o presente do próprio ser que se delimita, por referência interna, entre o que vai se tornar presente e o que já não é mais. (BENVENISTE, 1989, p. 85-86) Benveniste (1989) informa que esta relação com o tempo merece que aí nos detenhamos, que meditemos sobre sua necessidade, e que interroguemos sobre o que fundamenta. A temporalidade é produzida, na verdade, na e pela enunciação. Da enunciação procede a instauração da categoria do presente, e da categoria do presente nasce o tempo. Ele é esta presença no mundo que somente o ato de enunciação torna possível, porque, é necessário refletir bem sobre isso, o homem não dispõe de nenhum outro meio de viver o agora e de torná-lo atual senão realizando-o pela inserção do discurso no mundo. Vejamos o que Émile Benveniste fala sobre o uso verbo no livro Problemas de Linguística Geral I: [...] o mesmo verbo, segundo seja assumido por um sujeito ou esteja colocado fora da pessoa, toma um valor diferente. É uma consequência do fato de que a própria instância de discurso que contém o verbo apresenta o ato, ao mesmo tempo em que fundamenta o sujeito. Assim, o ato é cumprido pela instância de enunciação do seu nome [...] ao mesmo tempo em que o sujeito é apresentado pela instância de enunciação do seu indicador (que é eu ). (BENVENISTE, 2005, p. 292-293) Dessa forma, este trabalho sobre a enunciação verbal nos dialetos baiano e recifense pretende verificar qual é a relação entre o dialeto e o sujeito na enunciação verbal? E como a linguística da enunciação pode contribuir para o estudo das identidades culturais? Com isso desejamos verificar este colocar em funcionamento da língua por um ato individual de utilização. Fazendo uma analogia dos verbos e expressões verbais nas capitais Salvador e Recife, identificando as diferenças dialetais que existem nos verbos e seu significado, mostrando a possível relação subjetiva no uso dos verbos e expressões verbais nas capitais estudadas. Para estudar os aspectos semânticos, iremos analisar o que mencionam Normand (2009) e Ferrarezi e Basso (2013), pois o modo dialetal pode marcar o sujeito que fala, ou seja, o dialeto pode vir a representar a enunciação do sujeito (ou de um grupo), uma vez que ao selecionar um aspecto lexical regional em oposição a outro o sujeito faz uso da língua e a coloca em funcionamento. A linguagem só é possível porque cada locutor se apresenta como sujeito, remetendo a ele mesmo como eu no seu discurso. Por isso, eu propõe outra pessoa, aquela que, sendo embora exterior a mim, torna-se o meu eco ao qual digo tu e que me diz tu. A polaridade das pessoas é na linguagem a

condição fundamental, cujo processo de comunicação, de que partimos, é apenas uma consequência pragmática. (BENVENISTE, 2005, p. 286) A escolha em estudar a classe dos verbos foi pelo seguinte: Benveniste tem uma discussão da relação do espaço, tempo e pessoa, e o verbo também trabalha com o espaço, o tempo e a pessoa. Sendo que a pessoa de Benveniste é diferente da pessoa do verbo. O tempo benvenistiano também é diferente do tempo verbal. Para Benveniste (2005, p. 289): A marca temporal do presente só pode ser interior ao discurso. Ele também informa que devemos tomar cuidado; não há outro critério nem outra expressão para indicar o tempo em que se está senão tomá-lo como o tempo em que se fala. Esse é o momento eternamente presente, embora não se refira jamais aos mesmos acontecimentos de uma cronologia objetiva porque é determinado cada vez pelo locutor para cada uma das instâncias de discurso referidas. O tempo linguístico é sui-referencial. Em última análise, a temporalidade humana como todo aparato linguístico revela a subjetividade inerente ao próprio exercício da linguagem. Além disso, decidimos investigar os dois dialetos (soteropolitano e recifense), pois a relação do sujeito com a língua passa pela questão da identidade do povo, a identidade cultural é importante para fazermos uma avaliação do sujeito sobre si em relação ao mundo; pois a enunciação é a língua em uso. As linguísticas da enunciação podem contribuir para o estudo das identidades culturais. A própria ideia de identidade cultural revela um construto de práticas históricas e conjunção/dispersão de discursos sobre a cultura e sobre a identidade, sendo que o sujeito marca, da forma que for, seu lugar na cultura e no próprio discurso sobre a cultura. É o sujeito que se marca na língua e a enunciação é um ato irrepetível. Iremos analisar alguns verbos presentes nos Dicionários do Baianês (LARIÚ, 1991), do Pernambuquês (BERNARDINO, 2002) e do Nordeste (NAVARRO, 2013). De acordo com Benveniste (1989, p. 20) a língua compõem-se de elementos isoláveis [...] São estes elementos que os dicionários catalogam e, ao lado de cada um deles, colocam uma definição, dão, pois, o que eles chamam de sentido. É importante levarmos em consideração que, hoje em dia, com o aprimoramento das tecnologias os indivíduos se locomovem constante e rapidamente de uma região para outra e, através desta locomoção, ocorre à interação com indivíduos de outras culturas. É necessário que o indivíduo entenda que sua maneira de falar não é inferior ou superior a de outra localidade, são apenas diferentes. Os estudos dialetológicos são importantes, para fazermos um percurso da trajetória histórica e dos contrastes existentes nos dialetos soteropolitano e recifense, analisando as diferenças dialetais existentes entre os verbos e expressões verbais na realidade sociocultural

das cidades selecionadas. Pois qualquer língua com um número significativo de falantes possui o seu dialeto e principalmente se houver barreiras geográficas separando um grupo de pessoas. Ferreira e Cardoso (1994, p.12), pesquisadoras baianas na área de Dialetologia no Brasil, afirmam que: os falantes de uma mesma língua, mas de regiões distintas, têm características linguísticas diversificadas e se pertencem a uma mesma região também não falam da mesma maneira. Ferreira e Cardoso (1994, p.19), acrescentam que: A dialetologia não deve ser confundida com a geografia linguística ou geolinguística, pois esta é um método utilizado pela dialetologia. Cardoso (2001) em seu artigo Dialetologia: Trilhas seguidas, caminhos a perseguir diz que: A Geolinguística, como a própria denominação lhe impõe e a natureza dos dados que busca reunir exige, permanece, na sua essência, diatópica sem porém, descurar do aspecto multidimensional de que se reveste o ato de fala. Sendo assim, a história dos estudos dialetais vem demonstrando que a visão diatópica não está desacompanhada da perspectiva social na metodologia a ser seguida pela geolinguística. Nas abordagens dialetológicas e sociolinguísticas preveem uma semelhança na fala (os falantes precisam falar parecido, pois é a partir daí que se estabelece os limites). A dialetologia se ocupa e dá conta do aspecto mais puramente linguístico. A noção de língua é diferente para as abordagens dialetológicas e para as abordagens enunciativas. Na abordagem dialetológica o falante é categorizado de acordo com as marcas fonológicas do seu dizer. Nas abordagens enunciativas, diferentemente, principalmente pela contribuição da intersubjetividade e subjetividade na língua de Benveniste, é o sujeito que se marca na língua e a enunciação é um evento que não se repete. 3 CONCLUSÃO Como podemos perceber Émile Benveniste foi um linguista de notório reconhecimento entre seus pares. Influenciado pelo comparativismo de Antoine Meillet e pela linguística de Ferdinand Saussure. Benveniste, apesar de sustentar sua semântica em princípios estruturais, inclui os estudos da enunciação no objeto proposto por Saussure: introduz na linguística as noções de sujeito e de referência. Além disso, é possível perceber que o indivíduo faz uso das palavras, sem parar para pensar nelas, sem ter a consciência do seu ato, de sua enunciação. E a enunciação é este colocar em funcionamento a língua por um ato individual de utilização. A enunciação inclui

no seu escopo a língua e a fala, isto é, o ato que um sujeito realiza ao comunicar os seus pensamentos. O sujeito ao enunciar faz um uso individual e único do sistema linguístico. A relação do sujeito com a língua passa pela questão da identidade do povo, a identidade cultural é importante para fazermos uma avaliação do sujeito sobre si em relação ao mundo; pois a enunciação é a língua em uso. As linguísticas da enunciação podem contribuir para o estudo das identidades culturais. A própria ideia de identidade cultural revela um construto de práticas históricas e conjunção/dispersão de discursos sobre a cultura e sobre a identidade, sendo que o sujeito marca, da forma que for, seu lugar na cultura e no próprio discurso sobre a cultura. É o sujeito que se marca na língua e a enunciação é um ato irrepetível. Os estudos dialetológicos são importantes, para fazermos um percurso da trajetória histórica e dos contrastes existentes nos dialetos soteropolitano e recifense, analisando as diferenças dialetais existentes entre os verbos e expressões verbais na realidade sociocultural das cidades selecionadas. Pois qualquer língua com um número significativo de falantes possui o seu dialeto e principalmente se houver barreiras geográficas separando um grupo de pessoas. A noção de língua é diferente para as abordagens dialetológicas e para as abordagens enunciativas. Na abordagem dialetológica o falante é categorizado de acordo com as marcas fonológicas do seu dizer. Nas abordagens enunciativas, diferentemente, principalmente pela contribuição da intersubjetividade e subjetividade na língua de Benveniste, é o sujeito que se marca na língua e a enunciação é um evento que não se repete. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARESI, Fábio. Os índices específicos e os procedimentos acessórios da enunciação. ReVEL, v.9, n.16, 2011. AZEREDO, José Carlos de. Gramática Houaiss da Língua Portuguesa. São Paulo: Publifolha, 2008. BENVENISTE, Émile. Problemas de linguística geral II. Tradução Eduardo Guimarães et al. Campinas: Pontes, 1989.. Problemas de linguística geral I. Tradução de Maria da Glória Novak e Maria Luisa Neri. 5. ed. Campinas: Pontes Editores, 2005. BERNARDINO, Bertrando. Minidicionário de Pernambuquês. 3. ed. Recife: Bagaço, 2002.

CARDOSO, Suzana Alice Marcelino. Dialetologia: Trilhas seguidas, caminhos a percorrer. DELTA, 17, N. Especial, 2001. D ÁVILA, Nerci. A enunciação em Benveniste e em Ducrot. Letras de Hoje. Porto Alegre, v.39, n.4. p. 151-162, dez. 2004. COMITÊ NACIONAL. Atlas Linguístico do Brasil. Questionários. Londrina: Ed. UEL, 2001. DOSSE, François. História do estruturalismo: o campo do signo. Tradução Álvaro Cabral. São Paulo: Ensaio, 1945-1966. v. 1. FERRAREZI Jr.,C.; BASSO, R. Semântica, semânticas: uma introdução. São Paulo. Contexto, 2013. FERREIRA, Carlota; CARDOSO, Suzana. A dialetologia no Brasil. São Paulo: Contexto, 1994. FLORES, V. do N.; ENDRUWEIT, M.L. A noção de discurso na teoria enunciativa de Émile Benveniste. Revista MOARA. Pará, n. 38, p. 196-208, jul./dez. 2012. FLORES, Valdir do Nascimento. Introdução à teoria enunciativa de Benveniste. São Paulo: Parábola, 2013.. et al. Enunciação e gramática. 2. ed. 1ª reimp. São Paulo: Contexto, 2013.. Dicionário de linguística de enunciação. São Paulo: Contexto, 2009. FREITAS, Luis Felipe Rhoden. A identidade cultural na interface com os estudos enunciativos e discursivos. Anais do SITED, Porto Alegre,RS, p. 322-330, set. 2010. LARIÚ, Nivaldo. Dicionário de Baianês. 2. ed. rev. e ampliada. Salvador: Copyright, 1992. NAVARRO, Fred. Dicionário do Nordeste. 2. ed. Recife: Cepe, 2013. NORMAND, Claudine. Convite à linguística. 1ª. reimp. São Paulo: Contexto, 2012. SAUUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix, 2006.