CONCEITOS RELEVANTES PARA A COMPREENSÃO DAS POLÍTICAS DE SAÚDE NO BRASIL: MODELOS ASSISTENCIAIS, PROMOÇÃO DA SAÚDE E VIGILÂNCIA DA SAÚDE



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Transcrição:

CONCEITOS RELEVANTES PARA A COMPREENSÃO DAS POLÍTICAS DE SAÚDE NO BRASIL: MODELOS ASSISTENCIAIS, PROMOÇÃO DA SAÚDE E VIGILÂNCIA DA SAÚDE Claudia Ross 1 Leda Aparecida Vanelli Nabuco de Gouvêa 2 INTRODUÇÃO No estudo das políticas de saúde no Brasil torna-se essencial o entendimento de conceitos que passaram a ser orientadores das políticas de saúde, principalmente aquelas implementadas a partir dos anos de 1990, com a institucionalização do Sistema Único de Saúde (SUS). As políticas de saúde são defendidas como forma de proporcionar aos indivíduos e coletividades mecanismos para melhoria da saúde, cabendo ao Estado e a sociedade a responsabilidade de reduzir as inequidades sociais, assegurando a igualdade de oportunidades ao acesso a saúde. Neste sentido, observam-se no Brasil, e nos países latino-americanos, modelos diversos de organização da assistência à saúde decorrentes destas políticas, que vão desde o modelo médico-assistencial privatista perpassando por modelos sanitaristas, até práticas resultantes de modelos alternativos, representados pelas recentes propostas de promoção da saúde e vigilância da saúde (AYRES, 2002; MARTINS et al., 2008). Assim, o presente estudo tem por objetivo apresentar alguns conceitos, tais como modelos assistenciais, promoção da saúde e vigilância da saúde, que são relevantes para a compreensão da configuração atual das políticas de saúde no Brasil. 1 Docente do Curso de Enfermagem - Unioeste Cascavel/PR Fone: (45) 3220-3147 e-mail: claudiross@gmail.com 2 Docente do Curso de Enfermagem - Unioeste Cascavel/PR e-mail: ledanabuco@brturbo.com.br 1

METODOLOGIA Para o desenvolvimento deste trabalho realizou-se uma revisão bibliográfica a partir do tema e objetivo formulados previamente, com a busca de material bibliográfico em livros e através do acesso on-line às bases de dados da Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), utilizando as palavras chaves: modelos assistenciais, promoção da saúde e vigilância da saúde. Em seguida, realizou-se a leitura do material obtido, o fichamento dos textos que abordavam a temática em estudo e a organização lógica do assunto (GIL, 2007). RESULTADOS De acordo com Paim (2003b) a análise do desenvolvimento das políticas de saúde e das suas implicações nos modos de intervenção sobre problemas e necessidades de saúde permite identificar distintas formas de atuar sobre a realidade de saúde. Entre estas estão os conhecidos modelos tecnoassistenciais ou modelos tecnológicos ou, ainda, modelos assistenciais em saúde. Nas pesquisas sobre os modelos assistenciais em saúde, ou seja, estudos que procuram apreender a racionalidade que permeia a configuração da assistência à saúde verifica-se que dois modelos assistenciais coexistem e configuram-se como modelos fundamentais na organização da assistência à saúde da maioria dos países na América Latina, sendo estes: o modelo da Atenção Primária à Saúde e o Modelo Biomédico. Conforme a definição de Paim (2003a), os modelos assistenciais ou modelos de atenção à saúde, podem ser definidos como uma combinação de técnicas e tecnologias a fim de intervir sobre problemas e necessidades de saúde, tanto individuais como coletivas, ou seja, é uma maneira de organizar os meios ou processos de trabalho em saúde. Na concepção deste autor (2003a, p.164) corresponde à dimensão técnica das práticas de saúde; incorpora uma lógica que orienta as intervenções técnicas sobre os problemas e necessidades de saúde. Assim, pode ser compreendido como uma razão de ser, uma racionalidade ou uma lógica que orienta as ações (PAIM, 2003a). 2

Tanto o Modelo Biomédico como o da Atenção Primária a Saúde, emergem, historicamente, como propostas de reformulação do ensino médico que ocorreram no início do século passado em países como Estados Unidos, Canadá e Inglaterra. O Modelo Biomédico originou-se das reformulações no ensino médico, decorrente das proposições contidas no chamado Relatório Flexner. Daí, muitas vezes a referência à medicina flexneriana. Este relatório foi elaborado em 1910 por Abraham Flexner, da Universidade de Johns Hopkins, a convite da Fundação Carnegie dos Estados Unidos da América, com o objetivo de fazer uma avaliação da educação médica nos EUA e Canadá (SILVA JUNIOR, 2006). Dentre algumas proposições do referido relatório estão: a) a definição de padrões de entrada nos cursos e de ampliação da duração para quatro anos; b) introdução do ensino laboratorial; c) estímulos à docência em tempo integral; d) expansão do ensino clínico, especialmente em hospitais; e) ênfase da pesquisa biológica; f) estímulo à especialização médica; g) controle do exercício profissional pela profissão organizada (SILVA JUNIOR, 2006). As concepções fundamentais, ou elementos estruturais, em que se pauta o Modelo Biomédico são: o mecanicismo, o biologicismo, a especialização, o individualismo, a exclusão de práticas alternativas, a tecnificação do ato médico, a ênfase na Medicina curativa e a concentração de recursos no espaço urbano/hospitalar. A convergência destes elementos justifica a adoção do termo Modelo Biomédico, uma vez que: a) o mecanicismo, ao considerar o corpo humano como uma máquina constituída por órgãos, sistemas e aparelhos, promove a noção de que ao se ter instrumentos adequados pode-se interferir nas partes orgânicas afetadas por doenças; b) o biologicismo [...] pressupõe o reconhecimento, exclusivo e crescente, da natureza biológica das doenças e de suas causas e consequências ; c) o individualismo retira o caráter social do processo saúde-doença, direcionando-se ao indivíduo como objeto da atenção médica, o coletivo é concebido de forma reducionista e não extrapola o âmbito das relações pessoais e sociais imediatas do indivíduo; d) a exclusão das práticas alternativas construiu o mito da eficácia cientificamente comprovada das práticas médicas, a qual anulou ou restringiu outras alternativas, tidas como ineficazes (SILVA JUNIOR, 2006, p.46); e) a tecnificação do ato médico, por conseqüência da crescente necessidade técnica e 3

equipamentos para a investigação diagnóstica e para a terapêutica, levou a compreensão de que o critério para a qualidade da assistência teria relações com o grau de incorporação tecnológica na prática médica; f) ênfase na medicina curativa, ou seja, no diagnóstico e tratamento das doenças e não na prevenção das mesmas; g) a concentração de recursos em hospitais, centros de diagnóstico e tratamento. O Modelo Biomédico assentado nos pressupostos acima delineou a lógica em que foram organizados os serviços de saúde e influenciou a formação médica em vários países a partir do século XX, entre eles o Brasil. Daí tornar-se o modelo hegemônico, ou seja, que predominou e predomina na maioria dos sistemas de saúde nacionais. No Brasil, a expressão do Modelo Biomédico foi definida por Paim (2003a), como modelo médicoassistencial privatista, considerado como o modelo hegemônico, quer seja no setor privado ou público. De acordo com o mesmo autor, no setor público, configurou-se o modelo assistencial sanitarista, correspondente à Saúde Pública que foi institucionalizada no Brasil no século XX. Neste último modelo, os problemas de saúde da população são enfrentados com campanhas, a exemplo das campanhas de vacinação e de combate às epidemias, e por meio de programas especiais, como o controle da tuberculose, hanseníase, saúde de grupos específicos da população, entre outros. Para o autor, estas formas de intervenção ao concentrarem-se na atenção a certos agravos ou grupos de risco de adoecimento e morte, acabam não contemplando a totalidade das situações problemáticas relacionadas à saúde. Nesta perspectiva, pode-se dizer, que tanto o modelo médico-assistencial privatista como o modelo sanitário assentam-se no Modelo Biomédico. Contudo, este modelo assistencial de saúde que serve de lógica para orientar a organização dos serviços de saúde, não é expansível para abarcar o atendimento da maioria da população. O Modelo Biomédico se abastece e se incrementa cada vez mais no desenvolvimento tecnológico passando a ser oneroso em determinadas conjunturas políticas, econômicas e sociais. Neste sentido, buscam-se alternativas para que a população excluída dos benefícios dos avanços da Medicina Científica receba, no mínimo, uma assistência que lhes garanta a sobrevivência, a partir de intervenções menos onerosas e mais efetivas e eficazes. A alternativa principal para debelar as 4

ineficiências do atendimento à maioria da população foi encontrada nas formulações pertinentes a organização dos serviços a partir do Modelo da Atenção Primária à Saúde. Esta, embora conceituada e divulgada no final dos anos de 1970, tem suas raízes históricas em duas proposições que emergiram ao longo do século passado que foram expressas no Relatório Dawson (1920) e na Medicina Comunitária em meados dos anos de 1970. A primeira destas alternativas de expansão da assistência médica a população foi apresentada, quase que de forma contemporânea a consolidação do Modelo Biomédico, por meio das propostas de intervenção formuladas no Relatório Dawson, publicado em 1920, na Inglaterra. O Relatório Dawson foi elaborado pelo médico Bertrand Dawson, que propôs algumas estratégias para os serviços de saúde de seu país. Conforme Silva Junior (2006, p.54) [...] esse relatório se baseava no princípio do Estado como provedor e controlador de políticas de saúde; os serviços de saúde seriam responsáveis por ações preventivas e terapêuticas em regiões específicas, ou seja, já continha o embrião da regionalização dos serviços de saúde. Os serviços de saúde deveriam estar disponibilizados para amplas populações mediante uma nova e ampliada organização, que fosse distribuída de acordo com as necessidades da comunidade. Esta nova organização, segundo o relatório, seria indispensável tanto por razões de eficiência como de custo, o que implicaria em beneficiar tanto o público como a profissão médica. Expressa o Relatório Dawson que quanto mais o saber se amplia, mais complexas ficam as medidas necessárias para resolver os problemas de saúde e doenças, reduzindo-se ao âmbito individual e exigindo, por conseguinte, esforços combinados. Neste sentido, à medida que os custos e a complexidade do tratamento aumentam, diminui o número daqueles que podem pagar pelos serviços. (SILVA JUNIOR, 2006). Conforme Hübner e Franco (2007), Dawson defendia a idéia de que os currículos das escolas médicas deveriam se preocupar em concentrar esforços em formar um profissional mais generalista, que fosse capaz de exercer sua prática profissional em um sistema de saúde regionalizado, e não dar tanta ênfase nas disciplinas de especialidades. Os mesmos autores expõem que as propostas elaboradas no Relatório Dawson só foram implementadas no Serviço 5

Nacional de Saúde na Inglaterra em 1948. Contudo, influenciou os sistemas de saúde da Rússia, após 1917, Cuba após 1959 e o Canadá, no final dos anos de 1960. A Medicina Comunitária, por sua vez, nasceu como uma estratégia no contexto da conformação do movimento da Medicina Preventiva. Esta surgiu nos anos de 1940, nos Estados Unidos, em decorrência das discussões em torno de propostas de articulação de um sistema nacional de saúde. Devido a interesses das corporações médicas norteamericanas esta proposta resultou a uma mera mudança em termos de ensino médico, originando assim, a Medicina Preventiva (AROUCA, 2003). A Medicina Preventiva é considerada um movimento ideológico dentro da área médica, que deu origem à inclusão de uma nova abordagem na formação médica em que se enfatizaria a prevenção das doenças. Conforme Paim e Almeida Filho (2000), com o tempo, houve uma redefinição da noção de prevenção, que se daria em três níveis, isto é, prevenção primária, secundária e terciária, de acordo com o esquema do modelo da História Natural das Doenças, formulado por Leawell e Clark (1965). Segundo Paim e Almeida Filho (2000), os organismos internacionais do campo da saúde entusiasmados pela proposta orquestraram uma internacionalização da Medicina Preventiva. Duas décadas após a institucionalização da Medicina Preventiva, nos anos de 1960, no contexto da Guerra do Vietnã irrompe nos Estados Unidos, os movimentos de mobilização popular e intelectual em torno de questões sociais, tais como direitos humanos, racismo, pobreza, entre outros. No campo da saúde, emerge o movimento da Saúde Comunitária, também denominado de Medicina Comunitária (PAIM; ALMEIDA FILHO, 2000). A proposta da Medicina Comunitária seria uma alternativa aos altos custos dos serviços médicos e a sua baixa cobertura populacional. Contudo, seria uma prática complementar à medicina flexneriana, uma prática oferecida aos contingentes excluídos do acesso a essa medicina... (SILVA JUNIOR, 2006, p. 57). Os programas de Medicina Comunitária foram implantados mediante algumas experiências pontuais, em países da América Latina, incluindo o Brasil. Foram difundidos, primeiramente, por organizações internacionais como a Organização Mundial da Saúde e Organização Panamericana de 6

Saúde e fundações americanas como a Kellogs, Rockfeller e Ford. O contexto da implementação da Medicina Comunitária nestes países coincidem com o aumento da preocupação dos governos com as várias expressões da questão social, que se intensificaram mediante o crescimento massivo da pobreza, decorrente dos desdobramentos da crise da dívida externa, nos anos de 1970, nos países da região. A Medicina Comunitária comportava o núcleo de conhecimentos e pressupostos da Medicina Preventiva, que enfatizava o chamado preventivismo. Os programas comunitários de saúde, como uma de suas propostas, passaram a ser difundidos pela Organização Mundial de Saúde, enfatizando, conforme Paim e Almeida Filho (2000, p.43), a dimensão da assistência simplificada visando à extensão de cobertura de serviços para populações até então excluídas do cuidado à saúde, principalmente em áreas rurais, sendo incorporados ao discurso das agências oficiais (secretarias, ministérios) de saúde. Ainda segundo os mesmos autores, a definição de serviços básicos de saúde foi elaborada em 1953 pela OMS, e que cobririam as atividades de atenção à saúde de mulheres e crianças, controle de doenças transmissíveis, saneamento ambiental, manutenção de sistemas de informação, educação em saúde, enfermagem em saúde pública e assistência médica de baixo grau de complexidade. A participação popular, como elemento da Medicina Comunitária foi incluída em 1963. Das proposições e das experiências acumuladas em torno da Medicina Comunitária emergem novas formas de se pensar a saúde pública, na qual se sobressaiu a noção de cuidados primários de saúde. Os Cuidados Primários de Saúde ou Atenção Primária à Saúde, termo que foi divulgado e assimilado em vários países, passaram a compor um modelo assistencial em saúde, consagrado internacionalmente no final dos anos de 1970, sendo defendida como forma ideal para a organização dos serviços públicos de saúde e como alternativa ao Modelo Biomédico. Em 1978, foi realizada a I Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde na cidade de Alma-Ata, no Cazaquistão, convocada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Nesta 7

conferência, designada muitas vezes como Conferência de Alma-Ata, foi formulada a Declaração de Alma-Ata, assinada por 134 países. Nesta conferência foram propostas metas entre os países signatários a fim de que fosse possível chegar-se ao ano 2000 com melhores níveis de saúde mundiais e trouxe, de forma enfática, a questão da saúde como direito e de responsabilidade política dos governos, incluindo o reconhecimento de que a saúde tem uma determinação intersetorial (PAIM; ALMEIDA FILHO, 2000). Esse acordo político ficou conhecido como Saúde para Todos no Ano 2000. Na declaração de Alma-Ata os Cuidados Primários de Saúde são definidos como cuidados essenciais fundados em métodos e tecnologias práticas que estejam ao alcance universal da população, representando o primeiro nível de contato desta com o sistema nacional de saúde, sendo o primeiro elemento de um processo de assistência à saúde continuado. Constituir-se-iam como parte integrante tanto do sistema de saúde nacional, como do desenvolvimento social e econômico da comunidade. Os custos com estes cuidados essenciais precisariam estar de acordo com as condições que a comunidade e os países poderiam manter (OPAS/OMS, 1978). No Brasil, a Atenção Primária a Saúde, passou a ser denominada como Atenção Básica a Saúde no contexto dos anos 2000. Conforme o Ministério da Saúde, em documento publicado em 2003, a [...] Atenção básica tem sido uma denominação adotada no país, especialmente no âmbito do SUS, para designar uma abordagem, que corresponderia ao que se tem chamado, na literatura internacional, de atenção primária de saúde. Esta nova elaboração conceitual, segundo o documento está relacionada [...] à necessidade de construção de uma identidade institucional própria, capaz de estabelecer uma ruptura com uma concepção redutora desse nível de atenção, uma vez que a atenção primária pode ser compreendida como uma assistência médica de caráter primário, com baixa densidade tecnológica e com limitações no seu alcance a parcelas da população excluídas (BRASIL, 2003, p.7). Na intenção de fugir a esta análise reducionista, o Ministério da Saúde definiu a atenção básica como [...] um conjunto de ações de saúde que englobam a promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação. É desenvolvida através do exercício de práticas gerenciais e sanitárias, democráticas e participativas, sob a forma de trabalho em equipe, dirigidas a populações de territórios (território-processo) bem delimitados, pelas 8

quais assumem responsabilidade. Utiliza tecnologias de elevada complexidade e baixa densidade, que devem resolver os problemas de saúde das populações de maior freqüência e relevância. É o contato preferencial dos usuários com o sistema de saúde. Orienta-se pelos princípios da universalidade, acessibilidade (ao sistema), continuidade, integralidade, responsabilização, humanização, vínculo, eqüidade e participação social (BRASIL, 2003, p. 7). A atenção básica à saúde no Brasil é perpassada por conceitos relevantes como o de promoção da saúde e vigilância da saúde. A promoção da saúde emergiu como um movimento internacional no bojo das discussões e defesas internacionais sobre a Atenção Primária a Saúde, que passou a ser discutida, enfatizada e divulgada pela Organização Mundial da Saúde. A atenção primária a saúde seria um dos modelos assistenciais em saúde, que se constitui na porta de entrada do sistema de saúde e que pretende ampliar o acesso à saúde para a maioria da população. Neste contexto, o movimento da promoção da saúde surge em 1974, Canadá, cujo marco de referência é o chamado Relatório Lalonde, elaborado pelo Ministro da Saúde da época. Este documento parece ter, segundo Buss (2003), motivações políticas, técnicas e econômicas, uma vez que seu objetivo era enfrentar os custos crescentes relacionados à assistência médica naquele país, e, ao mesmo tempo, questionava o padrão de abordagem para as doenças crônicas pautado exclusivamente na abordagem médica. No que concerne ao último aspecto, o Relatório Lalonde insere a discussão do conceito de campo da saúde a fim de subsidiar análises mais abrangentes das questões de saúde pública, que, no Modelo Biomédico, estavam reduzidas ao tratamento, cura e reabilitação. O campo da saúde, segundo o Relatório Lalonde, estaria constituído por quatro dimensões: a biologia humana; o ambiente; o estilo de vida e a organização da assistência à saúde. Em cada uma destas dimensões estariam distribuídos vários fatores que influenciariam as condições de saúde. A conclusão do documento remete-se a questão de que os maiores gastos em saúde estariam concentrados na assistência médica, entretanto, ao se analisar as principais causas dos processos de morbi- 9

mortalidade no Canadá, verificou-se que sua origem encontrava-se nos outros componentes do campo da saúde, ou seja, na biologia humana, no ambiente físico e no estilo de vida (BUSS, 2003). Buss (2003) ressalta que nas estratégias de intervenção formuladas no relatório, a promoção da saúde não recebeu ênfase particular, mas sim, que esteve como uma das demais estratégias propostas. Esta só tornou-se uma estratégia enfática na organização e implementação dos serviços em saúde no final dos anos de 1980, notadamente nos países chamados em desenvolvimento, entre os quais os da América latina, com a divulgação pela Organização Mundial da Saúde de seus pressupostos centrais. A partir da I Conferência Internacional de Promoção da Saúde (1986), realizada em Otawa, Canadá, a seqüência de conferências internacionais sobre a promoção da saúde expressam a importância que esta estratégia ganhou nos discursos internacionais e nacionais. A Carta de Ottawa (1986), como marco que elege o movimento da promoção da saúde no âmbito internacional, define promoção da saúde como o processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria da sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo'' (BRASIL, 2002). Conforme Buss (2003) há um reforço da responsabilidade e dos direitos dos indivíduos e da comunidade pela sua saúde. A Carta de Otawa incluiu como condições e recursos fundamentais para a saúde a paz, justiça social, equidade e condições como habitação, educação, alimentação, renda, recursos sustentáveis. Preconiza cinco campos de ação para a promoção da saúde que contemplem: a elaboração e implementação de políticas publicas saudáveis; a criação de ambientes favoráveis à saúde; o reforço da ação comunitária; o desenvolvimento de habilidades pessoais e reorientação do sistema de saúde (BUSS, 2003). Neste aspecto, a promoção da saúde, inicialmente utilizada para caracterizar um nível de atenção da Medicina Preventiva, passou [...] a representar, mais recentemente, um enfoque político e técnico em torno do processo saúde-doença-cuidado (BUSS, 2003, p.15). Conforme o mesmo autor, o termo nasceu das proposições de Leavell e Clark (1965), que utilizaram o conceito de promoção da saúde quando desenvolveram o modelo da Historia Natural da Doença. Esta teria três níveis de prevenção, sendo que a 10

prevenção primária estaria relacionada ao período de pré-patogênese, mediante medidas direcionadas para uma saúde geral protegendo o homem contra agentes patológicos ou pelo uso de barreiras contra os agentes provenientes do meio ambiente. A educação e a motivação sanitárias seriam elementos importantes e que um bom padrão de nutrição e moradia adequada, recreação e condições adequadas no lar e no trabalho, dentre outros, promoveriam a saúde. Contudo, salienta Buss (2003, p.18), o enfoque estava centrado no indivíduo,... com uma projeção para a família ou grupos dentro de certos limites. Ainda, o autor supracitado destaca que há dois grupos de conceitos sobre promoção de saúde. O primeiro que propõem atividades direcionadas à transformação comportamental dos indivíduos, no qual os estilos de vida ganham ênfase na abordagem, particularmente realizada a partir de programas e atividades de teor educativo cujo eixo central são os comportamentais que podem ser modificados, ou seja, que podem ser controlados pelos indivíduos. O segundo grupo é o que caracteriza a promoção da saúde mais atual, em que se parte da constatação do papel protagonizante dos determinantes gerais que incidem nas condições de vida. Neste grupo, a saúde é concebida como resultado de um amplo conjunto de fatores que estão relacionados à qualidade de vida, como alimentação, nutrição, habitação, saneamento, boas condições de trabalho, oportunidades educacionais, ambiente físico limpo, e [...] apoio social para famílias e indivíduos, estilo de vida responsável e um espectro adequado de cuidados de saúde. Nesta perspectiva, as atividades da moderna promoção da saúde estariam mais direcionadas ao coletivo de indivíduos e ao ambiente. Ambiente que, que no seu sentido mais amplo, requer políticas publica e de ambientes favoráveis para o desenvolvimento da saúde e, por sua vez, inclui também o conceito de empoderamento, ou seja, reforçar a capacidade dos indivíduos e das comunidades (BUSS, 2003, p.19). Diante do exposto, pode-se apreender que inicialmente na prevenção da doença, no contexto da teoria da História Natural da Doença, estava implícita a teoria da multicausalidade do processo saúde-doença. O que evidenciava um avanço no sentido de ampliar a concepção das causas das doenças antes centrada no modelo explicativo pertinente a bacteriologia e microbiologia, ou de situações de carências nutricionais. 11

Contudo, mesmo com a inserção das questões referentes ao meio social, esta apreensão das relações entre indivíduo e sociedade não implicavam em uma visão mais ampla do processo saúde-doença. A ampliação do entendimento de que o processo saúde-doença seria o resultado de múltiplas determinações que englobariam o aspecto biológico, social e cultural, foi construída, ao longo dos anos de 1980, em que pesquisadores vinculados a Medicina Social, incluindo nos países da América Latina, introduziram importantes contribuições. Para Buss (2000, p.165), a promoção da saúde representa uma estratégia promissora para enfrentar os múltiplos problemas de saúde que afetam as populações humanas e seus entornos, parte, neste sentido, de uma concepção ampla do processo saúde-doença e de seus determinantes propondo [...] a articulação de saberes técnicos e populares, e a mobilização de recursos institucionais e comunitários, públicos e privados, para seu enfrentamento e resolução. Diante deste contexto, o mesmo autor afirma que o desafio da promoção da saúde na América Latina é o de criar condições que possibilitem o bem-estar geral como objetivo do desenvolvimento, transformando as relações excludentes, equilibrando interesses econômicos com propósitos sociais e trabalhando para a solidariedade e equidade social. A promoção da saúde representa atualmente uma das possibilidades de intervenção sobre a realidade sanitária, tanto na perspectiva individual quanto coletiva, e também na formulação de políticas públicas saudáveis nas várias esferas do governo (PAIM, 2003b). As recentes propostas de promoção da saúde guardam estreitas afinidades com a concepção ampliada de vigilância da saúde. A temática Vigilância da Saúde tornou-se objeto de interesse de gestores de saúde e epidemiólogos no final da década de 1980 e início de 1990 dentro da perspectiva de discussão dos modelos assistenciais. Nessa época a Organização Panamericana de Saúde promoveu reuniões para uma reflexão acerca do Modelo de Prestação de Serviços de Saúde e verificou-se através destas que a promoção da saúde e prevenção de enfermidades encontrava-se pouco desenvolvidas 12

nos diversos países da América Latina. Paralelo a isto, no Brasil, à mesma época dinamizou-se o debate sobre uma ampliação do objeto da vigilância epidemiológica e uma reflexão sobre a vigilância sanitária (PAIM, 2003b). Ao se discutir a articulação entre epidemiologia, planejamento e a organização dos serviços durante o II Congresso de Epidemiologia (1992), destacou-se que a vigilância da saúde, por atuar sobre problemas que requerem atenção e acompanhamento contínuos, mediante articulação entre ações promocionais, preventivas e curativas sobre o território, poderia ser acionada para o enfrentamento de problemas e necessidades selecionadas, combinando saberes e tecnologias de diferentes campos de ação. Assim, a tentativa de construção de um modo tecnológico de intervenção que articulasse os conhecimentos e as técnicas provenientes da epidemiologia, do planejamento e das ciências sociais em saúde resultou na proposta de vigilância da saúde (PAIM, 2003b, p. 168). Segundo Teixeira, Paim e Vilasbôas (1998), no III Congresso de epidemiologia aparece a distinção entre uma concepção restrita e outra ampla da Vigilância da Saúde. Na concepção restrita haveria uma ampliação da vigilância epidemiológica com a incorporação da vigilância sanitária, sem prever a reorganização do conjunto de ações e serviços da atenção à saúde. Por outro lado, na concepção ampliada ocorreria [...] uma visão ampliada de Saúde e da formulação de modelos de interpretação dos determinantes, riscos, agravos, à luz da moderna Epidemiologia, articulando-os em um esquema operacional que resgata e amplia o modelo clássico da História Natural das Doenças, incorporando desde as ações sociais organizadas pelos distintos atores até as ações específicas de prevenção de riscos e agravos, bem como as de recuperação e reabilitação de doentes (PAIM, citado por TEIXEIRA; PAIM; VILASBÔAS, 1998, p.15). De acordo com Paim (2003b) o debate atual sobre a Vigilância da Saúde se expressa no uso de variações terminológicas como vigilância da saúde, vigilância à saúde e vigilância da saúde, tendo como eixo comum para todas à abertura para a epidemiologia. Apesar disso, percebem-se distintas vertentes de debate em relação à vigilância da saúde, entre estas: vigilância da saúde como análise de situações de saúde; vigilância da saúde como proposta de integração institucional entre a vigilância epidemiológica e a vigilância sanitária; vigilância da saúde como proposta de ação para a redefinição das práticas sanitárias (PAIM; TEIXEIRA citado por PAIM, 2003b). 13

Todavia, na última vertente de debate sobre a Vigilância da Saúde Teixeira, Paim e Vilasbôas (1998, p. 18) ressaltam que esta apresenta em síntese as seguintes características [...] intervenção sobre problemas de saúde, (danos, riscos e/ ou determinantes); ênfase em problemas que requerem atenção e acompanhamento contínuos; operacionalização do conceito epidemiológico de risco; articulação entre ações promocionais, preventivas e curativas; atuação intersetorial; ações sobre o território; intervenção sob a forma de operações. Assim, a Vigilância da Saúde constitui-se em um modelo assistencial ou modo tecnológico de intervenção em saúde que tende a incorporar modelos assistenciais vigentes articulando-se com propostas atuais de promoção da saúde que implicam na redefinição do objeto, dos meios de trabalho, das atividades, das relações técnicas e sociais, bem como das organizações de saúde e cultura sanitária, apontando na direção da superação da dicotomia entre as práticas coletivas (vigilância epidemiológica e sanitária) e as práticas individuais (assistência ambulatorial e hospitalar) (TEIXEIRA; PAIM; VILASBÔAS, 1998; PAIM, 2003b). Em consonância com o exposto, Paim e Almeida Filho (2000) ressaltam que a vigilância e a promoção da saúde emergem em um contexto de crise da saúde pública, e como parte de uma crise maior, social e global. Isto exige a construção de um marco teórico-conceitual capaz de reconfigurar o campo da saúde, permitindo uma vigilância para além da perspectiva de promoção reduzida apenas à aplicação de técnicas e normas. Resgatando essa idéia, Freitas (2003) também afirma que o desafio então é formular propostas de vigilância da saúde orientadas para uma lógica econômica, social, política e cultural diferente da que se encontra na atual realidade, sendo essas associadas a valores relacionados à promoção da saúde. 14

CONCLUSÃO A partir do exposto depreende-se que há uma variedade de termos e terminologias que emergem no estudo das políticas de saúde, que, se não forem compreendidos na sua essência, podem ser interpretados de forma errônea, ou seja, muitas vezes utilizados como sinônimos sem a percepção de que há diferenças históricas e teóricas que permeiam a sua constituição. Destes conceitos emanam proposições políticas que buscam concretizar, no plano do discurso, o acesso universal e igualitário às ações e aos serviços de saúde, a rede regionalizada e hierarquizada, a descentralização, o atendimento integral, a participação da comunidade, a humanização, criação de vínculos, entre outros, atendendo a princípios e diretrizes que norteiam a implementação das próprias políticas de saúde. Contudo, no plano concreto, estas proposições, ainda que mescladas com os pressupostos da promoção da saúde e da alternativa do modelo da vigilância da saúde, continuam a esbarrar nos problemas originários da própria conformação dos modelos de assistência à saúde, pautados no Modelo Biomédico. Nesta perspectiva, verifica-se a necessidade de combinar de forma mais eficiente os modelos assistenciais alternativos para promover e resolver problemas de saúde individuais e/ou coletivos, buscando a superação dos modelos assistenciais centrados naquele modelo. Esse processo deve contemplar iniciativas de articulação de ações de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação da saúde, por meio da construção de modelos alternativos como a vigilância da saúde pautada nos valores da promoção da saúde. Assim, os conceitos aqui trabalhados mostram a necessidade de um maior aprofundamento na compreensão de seus significados e importância para a elaboração e implementação de políticas de saúde no Brasil. REFERÊNCIAS AROUCA, S. O dilema preventivista: contribuições para a compreensão e crítica da Medicina Preventiva. São Paulo: UNESP; Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2003. AYRES, J.R. de C.M. Epidemiologia, promoção da saúde e o paradoxo do risco. Rev. Bras. Epidemiol., v.5, n. 1, 2002. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Projeto Promoção da Saúde. As Cartas da Promoção da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2002. 15

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