A teoria da tributação ótima aplicada ao sistema brasileiro: Parte 6 Tributação das transferências de riqueza ITCMD



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Transcrição:

A teoria da tributação ótima aplicada ao sistema brasileiro: Parte 6 Tributação das transferências de riqueza ITCMD Marcos de Aguiar Villas-Bôas Doutor em Direito Tributário pela PUC-SP Advogado Em textos anteriores, fizemos uma abordagem geral sobre a Optimal Taxation Theory. Tratamos das principais conclusões de Ramsey, assim como de Diamond e Mirrlees, e analisamos algumas aplicações possíveis ao sistema tributário brasileiro. A partir deste artigo, iremos iniciar um aprofundamento em temas mais específicos. De acordo com inúmeros estudos estrangeiros, o tributo sobre transferência de riqueza (wealth transfer tax) é um dos melhores para realizar a redistribuição dessa riqueza 1 e é um dos que causa menos distorções econômicas. No estudo coordenado por James Mirrlees, são citados inúmeros economistas, desde John Stuart Mill ao vencedor do Prêmio Nobel James Meade, a favor de uma tributação considerável das transferências entre pessoas vivas e no recebimento de herança 2. Mesmo trabalhos que creditam menos importância a esse tipo de tributação reconhecem estar ela ligada ao grau de relevância conferido à igualdade em dada sociedade 3. Deste modo, partindo do pressuposto aparentemente inegável de que o Brasil é, senão o mais, um dos países mais desiguais do mundo, e que essa desigualdade é um dos fatores centrais para os seus problemas socioeconômicos em geral, o ITCMD surge como um elemento central no combate à desigualdade. Para efeitos de Economia Comportamental (Behavioral Economics), interessantes análises podem ser feitas a respeito das características da relação existente entre aquele que transfere e aquele que recebe um bem ou direito, mas dificilmente elas 1 PIKKETY, Thomas; SAEZ, Emmanuel. A theory of optimal inheritance taxation. Disponível em: < http://eml.berkeley.edu/~saez/piketty-saezecma13.pdf. Acesso em: 26. fev. 2015, p. 1878-1879. 2 MIRRLEES, James et alli. Tax by design. Disponível em: 2 MIRRLEES, James et alli. Tax by design. Disponível em: <http://www.ifs.org.uk/docs/taxbydesign.pdf>. Acesso em: 27. fev. 2015, p. 354-355. 3 A third reason for renewed interest in the taxation of inherited wealth is simply the increasing skewness in the distribution of income over the last two decades, as indicated for example by time series on top income shares (Atkinson et al., 2011; Atkinson and Piketty, 2010; Scheve and Stasavage, 2012a) and growing inequality in wealth (Piketty, 2014). Wealth transfer taxation is, or can be, highly progressive, and so would help to reduce inequality in after tax incomes, even if it raises little in the way of revenues (PROFETA, Paola; SCABROSCETII, Simona; WINER, Stanley L. Wealth transfer taxation: an empirical investigation. Disponível em: < https://www.law.ucla.edu/~/media/assets/tax%20policy%20colloquium/documents/spring%202015/ WealthTransferTaxationITAX2142014.ashx>. Acesso em: 14. mar. 2015, p. 2).

poderiam ser levadas em consideração para efeitos de tributação devido à dificuldade de saber quais as reais intenções das duas partes, dentre outros aspectos que levam a uma transferência entre vivos e, também, a um indivíduo falecer guardando um estoque de riqueza. De acordo com o estudo coordenado por James Mirrlees, há três diretrizes a serem seguidas para uma tributação ótima. A primeira é focar naquele que recebe, e não naquele que transfere. Interessa tributar o beneficiado, o novo detentor dessa riqueza, que não sofrerá se lhe for retirada uma parcela dela, para a formação da qual, em muitos casos, não contribuiu. Deste modo, uma herança de R$ 1.000.000,00, a ser dividida entre 10 beneficiários, deve ser tributada considerando os R$ 100.000,00 que cada um recebe. A sua tributação não deve ser maior do que no caso de uma única herança de R$ 100.000,00 transferida a um único beneficiário. Como o objetivo é que a tributação seja progressiva sempre que possível, seguindo o princípio da capacidade contributiva e um fim de redistribuição das riquezas e da renda, a tributação deve ter diferentes alíquotas conforme o valor dos bens ou direitos recebidos pelo beneficiário. Isso não acontece na maior parte dos estados brasileiros, que aplicam uma alíquota única na média de 4%, como é o caso de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná. O Estado de Santa Catarina, no entanto, que já realizava uma tributação progressiva desde a década de 90, estabeleceu recentemente uma interessante tributação progressiva com cinco alíquotas, assim como o Estado da Bahia também prevê uma variação de alíquotas no caso de transferência de riqueza por morte. O problema dessas tabelas progressivas é que elas sofrem uma limitação pela Resolução 09/1992 do Senado Federal, que impõe um teto de 8%. Essa alíquota máxima deveria ser aumentada com uma ressalva de que o aumento do ITCMD apenas poderia ocorrer com uma redução proporcional, em termos de arrecadação prevista, do ICMS. O objetivo é tornar o sistema mais progressivo, desonerando a produção e o consumo, o que fará a economia crescer e, dentre vários outros efeitos positivos, aumentará a própria tributação. A segunda diretriz parte da mesma premissa de que a tributação deve se dar no destino, então, se houver herança advinda de diferentes origens, deverá ser

considerada a soma dos valores dos bens e direitos para efeito de determinação da alíquota aplicável. Se um mesmo indivíduo recebe diferentes heranças, os valores deverão ser somados para efeito de aplicação da alíquota pertinente na tabela progressiva. A terceira diretriz é a de que, se o objetivo maior desse tributo é gerar redistribuição, pode-se diferenciar a alíquota de acordo com a idade daquele que recebe o bem ou direito, como também de acordo com o grau de proximidade entre aquele que transfere e aquele que recebe. O Estado da Bahia leva em consideração esse fator da proximidade, tributando com alíquotas menores os valores transferidos entre parentes mais próximos. Essa é a linha de diversos países desenvolvidos, a exemplo da Alemanha, onde há três classes. A primeira é composta por: esposas, filhos, netos, bisnetos, mais e avôs. Nela, a tributação começa com uma alíquota de 7% para tributar transferências a partir de 75.000,00 euros, tributa com 11% transferências acima de 300.000,00 e com 15% operações acima de 600.000,00. A segunda classe é composta por irmãos, sobrinhos e parentes pelo casamento (ex. sogra). Nesse caso, as alíquotas são 15%, 20% e 25%. Por fim, a terceira classe abrange todos os demais casos e é tributada com alíquota única de 30%. Uma razão para essa diferenciação é que, quando há proximidade, muitas vezes o beneficiado contribuiu de alguma forma para a formação do patrimônio, como acontece frequentemente entre pais e filhos, ou mesmo entre cônjuges. No caso de transferência entre parentes mais distantes ou pessoas sem relação parental, normalmente o beneficiado recebe bens ou direitos de bandeja, sem ter tido qualquer esforço ou outro tipo de relação com a produção deles, justificando uma maior contribuição para a sociedade por meio do tributo. Alguns poderiam questionar sobre a diretriz da neutralidade. Quanto mais alíquotas e diferenciações criamos, mais complexo fica o tributo e mais distorções podem acontecer. Esse tipo de avaliação precisará sempre ser realizada no mínimo detalhe perante a situação concreta. É uma avaliação de custo versus benefício, que precisa criar um balanço entre eficiência econômica, de um lado, e redistribuição, de outro. Em regra, por ser o Brasil extremamente desigual e por estar de acordo com os seus

objetivos principais traçados na Constituição Federal, deve-se privilegiar a redistribuição. A estrutura das alíquotas do ITCMD deve seguir a mesma lógica do IR. Se um dos objetivos principais do sistema tributário é redistribuir, então não há porque tributar transferências com valores muito pequenos. É claro que uma pessoa rica poderá transferir bens ou direitos com valores pequenos e se beneficiar da faixa de isenção, mas a tendência muito maior é que as transferências com valores pequenos sejam realizadas entre pessoas com menor renda. A incidência cumulativa do imposto, adianta explicada, impediria planejamentos por meio de sucessivas pequenas transferências. Na outra ponta, a alíquota não pode ser tão alta que comece a desincentivar as transferências entre vivos e as economias, essas sob a ótica da transferência em caso de morte. No Reino Unido, a alíquota única do equivalente ao ITCMD é de 40%, tendo sido razão para inúmeras reclamações da população e alvo de crítica pelo trabalho coordenado por James Mirrlees. Uma discriminação que não parece fazer sentido é aquela de alíquotas para o caso de transferência entre vivos e o caso de morte. A Bahia peca nesse sentido, pois tributa com alíquota menor a transferência entre vivos e permite, por exemplo, que pessoas com idade mais avançada comecem a transmitir sua riqueza valendo-se de uma alíquota menor do que a aplicável a transferências decorrentes do falecimento. Uma sugestão mais conservadora de tabela de alíquotas para os estados brasileiros poderia ser a seguinte: Transferências em Linha Reta, cônjuges e irmãos: a) R$ 0 a R$ 70.000,00 isenção; b) R$ 70.000,01 a R$ 500.00,00 4%; c) R$ 500.000,01 a R$ 2.000.000,00 8%; d) a partir de R$ 2.000.000,01 12%; Transferências nos demais casos: a) R$ 0 a R$ 30.000,00 isenção; b) R$ 30.000,01 a R$ 300.000,00 4%; c) R$ 300.000,01 a R$ 1.000.000,00 8%; d) R$ 1.000.000,01 a R$ 2.000.000,00 12%; e e) R$ 2.000.000,01 em diante R$ 16%. Como viemos alertando em outros textos, é necessário analisar os dados de cada estado para estabelecer as alíquotas. Essa sugestão realizada toma como base as alíquotas aplicadas hoje no Brasil, aquelas aplicadas no mundo e as diretrizes da Optimal Taxation Theory. Para um ajuste fino, deve-se verificar quais os valores normalmente transferidos em cada estado, que tipo de operação acontece mais, os

riscos de alteração de comportamentos com a modificação das alíquotas, dentre outros fatores. Uma questão muito importante e interessante levantada em trabalhos sobre Optimal Taxation Theory, não sendo diferente com a pesquisa coordenada por James Mirrlees, é o período de tributação. No caso dos tributos sobre a transferência de riqueza, como é o caso do ITCMD, é preciso considerar os recebimentos de forma cumulativa, ou seja, para efeito de determinar qual a alíquota aplicável, soma-se todas as transferências recebidas por determinado indivíduo, evitando que elas sejam pulverizadas ao longo do tempo para colocar a base de cálculo na faixa de isenção ou numa faixa com alíquota menor. Deste modo, se alguém recebe um veículo no valor de R$ 40.000,00, mas a faixa de isenção vai até R$ 50.000,00, ele não vai pagar tributo. Se, após um período de tempo, ele recebe um novo veículo no valor de R$ 30.000,00, ele deverá pagar o ITCMD como se estivesse recebendo um veículo no valor de R$ 70.000,00, lembrando que, como no caso do IR, as alíquotas são marginais, então a tributação apenas se inicia a partir do primeiro centavo após o limite da faixa, de modo que o indivíduo seria tributado pela alíquota referente à base de cálculo de R$ 70.000,00, mas ela seria aplicada apenas ao valor de R$ 20.000,00, pois até R$ 50.000,00 há isenção. Outro possível approach para o ITCMD é seguir a linha americana (ou mesmo chegar a uma linha intermediária que seja mais adequada ao Brasil). Nos Estados Unidos, os tributos, seja o federal, sejam aqueles criados em nível estadual, que recaem sobre a transferência de riqueza têm um modelo semelhante ao do wealth tax criado em alguns países, ou seja, eles procuram atingir apenas grandes transferências, conferindo uma taxa de isenção bem larga para que menores transferências não sofram o peso dos tributos. No ano de 2015, as transferências de riqueza até um valor de USD 5.430.000,00 não são tributadas, mas, por outro lado, aquelas acima desse valor são tributadas sob uma alíquota fixa de 35% 4. O Brasil poderia experimentar um ITCMD com uma faixa de isenção bem maior do que as sugeridas acima e alíquotas também maiores. Devido à enorme desigualdade do país, talvez isso fizesse mais sentido. 4 Disponível em: <http://www.irs.gov/businesses/small-businesses-&-self-employed/whats-new- Estate-and-Gift-Tax>. Acesso em: 1. mar. 2015.

Uma sugestão poderia ser a seguinte: Transferências em Linha Reta, cônjuges e irmãos: a) R$ 0 a R$ 300.000,00 isenção; b) R$ 300.000,01 a R$ 1.000.000,00 6%; c) R$ 1.000.000,01 a R$ 5.000.000,00 12%; d) a partir de R$ 5.000.000,01 18%; Transferências nos demais casos: a) R$ 0 a R$ 200.000,00 isenção; b) R$ 200.000,01 a R$ 1.000.000,00 8%; c) R$ 1.000.000,01 a R$ 5.000.000,00 16%; d) R$ 5.000.000,01 em diante R$ 20%. Segundo notícias publicadas recentemente, o governo federal estuda a criação de um imposto incidente sobre a herança. Para tanto, seria necessário, antes de tudo, alterar a Constituição Federal, o que nos parece complicado, pois, além de levar tempo, o quórum necessário é alto (3/5 de cada casa do Congresso) e o governo se encontra fragilizado politicamente. A herança já sofre incidência do ITCMD, que é um tributo estadual (cf. artigo 155, I, CF/88), não havendo outorga constitucional no artigo 153 da CF/88 para que a União institua um imposto sobre transferências de riqueza. Ela não poderia se valer da sua competência residual, uma vez que esbarraria na proibição de novos tributos com mesmos fatos geradores ou bases de cálculo de tributos já previstos na Constituição 5. Se as notícias que vêm sendo publicadas na mídia realmente são acuradas, como era de se esperar, por faltar no Brasil informação suficiente sobre Política Tributária, por não se falar quase nada sobre Optimal Taxation Theory, a União Federal encontra-se perdida, buscando recorrer a saídas erradas para a solução dos seus problemas. Todas essas considerações, como afirmamos em outros textos, servem para que o sistema tributário brasileiro se aproxime do ótimo, seja melhorado. Não há que se aumentar a tributação, que já é extremamente alta, quando o retorno dado ao cidadão é muito pequeno. Não há espaço mais para aumento de carga tributária antes que os problemas de administração pública sejam resolvidos, dentre os quais a pouca eficiência e a enorme corrupção. Como continuaremos vendo nos textos seguintes, a saída para o Brasil arrecadar mais é reformar o sistema tributário para que a economia possa prosperar. O approach de incentivar setores específicos, que vinha sendo utilizado, é falho muitas vezes, pois 5 Art. 154. A União poderá instituir: I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam nãocumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição;

não é sustentável. Retirados os incentivos, que não podem ser financiados para sempre, a tendência é haver uma compensação dos efeitos positivos antes ocorridos. Apenas uma grande reforma tributária é capaz de colocar o país nos trilhos de um crescimento sustentável.