Circulando à margem do sistema: O Funk Proibidão midiatizado 1

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Transcrição:

Circulando à margem do sistema: O Funk Proibidão midiatizado 1 Circulating at the margins of the system: mediatized Funk Proibidão Palavras-chave: Midiatização; Dispositivos; Circulação; Funk Proibidão. Luísa Schenato Staldoni Introdução O Funk Proibidão (subgênero do Funk Carioca) tem como narrativa a realidade da favela ligada às facções criminosas, contra o estado e a violência policial. Muitas vezes as letras são em primeira pessoa, abordando o modo de vida dos traficantes como algo épico e, de certa forma, heroico, ou seja, uma fábula com moral tácita. (PALOMBINI, 2014) 2. Por conta da temática retratada nas letras (criminalidade, violência, etc) os trabalhadores desse subgênero só conseguem divulgar suas músicas através dos bailes funk ou pela internet (YouTube e redes sociais), onde criam um circuito de produção e distribuição independente baseado na autogestão. Ou seja, são culturas musicais periféricas e marginalizadas que estão plenamente inseridas no contexto da midiatização e se apropriam dessa lógica para existir. 1 Trabalho apresentado ao III Seminário Internacional de Pesquisas em Midiatização e Processos Sociais. PPGCC-Unisinos. São Leopoldo, RS 6 a 10 de maio de 2019. 2 Mais informações: http://www.proibidao.org/proibidao-perguntas-frequentes/. Acessado em 02 de novembro de 2018. 1

O estilo retrata de maneira explícita o estado de abandono e violência vivenciados nas comunidades periféricas, refletindo em um discurso que busca explicitar as relações de poder que permeiam esse contexto: relações entre os criminosos; os moradores das comunidades 3 ; os moradores de fora das comunidades (do asfalto); o estado e a violência e opressão policial. Tais relações de poder que se formam no cotidiano militarizado e violento das comunidades caracterizam o que diferencia um Funk Proibidão de um Funk de outro estilo. Isso não se dá apenas nas temáticas das letras, mas também nas escolhas de produção como: uso de sons de tiros incorporados à batida (ritmo) das músicas, montagens que utilizam áudios de traficantes e/ou moradores, inserção de trechos de matérias jornalísticas, etc. (NOVAES, 2016). Dessa forma, o Proibidão traz à tona o embate entre práticas estatais de repressão e controle e o poder dos bandidos. Em meio a essa situação de guerra o Funk estabelece ressignificações criativas na construção de suas narrativas, gerando dicotomias e espaços de moral nebulosa a partir das noções de autorizado/proibido, bem/mal, morador/bandido, amigo/inimigo, etc. Assim, entendemos que: por ser um narrar da guerra, essas dicotomias parecem não dar conta da realidade que se propõem a pensar, o que parece levá-los a uma reflexão densa sobre a polissemia do poder e suas atualizações no cotidiano (NOVAES, 2016, p.102). À primeira vista notamos que o Proibidão constrói uma narrativa (romantizada ou não) acerca do o modo de vida dos traficantes e criminosos ligados às facções e constrói a imagem de um bandido estilo Robin Wood, um anti-herói que luta contra o estado pelo bem da comunidade onde vive. O destinatário é alguém que não tem outra 3 Ressaltamos que na narrativa do Proibidão existe uma distinção bem clara entre quem é morador e quem é bandido. 2

opção a não ser unir-se às facções (que são vistas como irmandades/famílias) contra a violência e falta de amparo do estado. Mesmo que isso não se confirme na realidade essa é a narrativa central do Proibidão. Ao mesmo tempo, retrata o lado trágico da vida desses indivíduos em conflito com a norma, quase que servindo de alerta para quem pretende entrar nessa vida. Como uma segunda camada narrativa percebemos a questão da construção de uma identidade masculina baseada na violência e no poder (através das armas de fogo); ostentação de bens materiais inacessíveis para moradores de comunidades e, em uma concepção machista, de ter muitas mulheres à disposição. Também existe um forte discurso religioso, com a noção de que só Deus pode julgar os homens e que os bandidos são protegidos, tem o corpo fechado. (PALOMBINI, 2014). Além disso, o Proibidão - enquanto crítica social se ocupa em retratar as desigualdades de classe e praticamente não aborda a questão do racismo abertamente (diferenciando-se do Rap, outro estilo periférico). O gênero trata de forma mais acentuada as diferenças sociais, retratando as comunidades como lugares isolados, invisíveis, que não pertencem ao Brasil oficial, locais que tem suas próprias leis e regras. Diante dessas características peculiares do estilo, nossa proposta é discutir de que maneira o Proibidão tem se inscrito na sociedade em midiatização. Para tal, selecionamos dois vídeos da música Sistema do cantor de Funk Proibidão Mc Orelha, uma ao vivo no Baile Funk da Chatuba 4 e outra no programa Roda de Funk 5, bem como algumas interações que ocorrem nos comentários dos dois vídeos. 4 https://www.youtube.com/watch?v=bhxsabn0i1o. 5 https://youtu.be/mmntfzxugzi?t=1042. (Já está no momento em que a música Sistema começa). 3

O Circuito-ambiente do Proibidão Após a seleção dos vídeos referentes a música Sistema buscamos analisar o processo de circulação comunicacional (FERREIRA, 2013; 2016) e formação de um circuito-ambiente (BRAGA, 2012; 2017b) em torno desse Funk Proibidão. Consideramos que tal cultura periférica se consolida em dispositivos midiáticos (FERREIRA, 2007; 2013) e dispositivos interacionais (BRAGA, 2017a), que se deslocam e se afetam formando um circuito-ambiente bastante complexo. Por midiatização entendemos que esta pode ser referida como um momento de transformação profunda da sociedade, o que configura uma nova forma de viver e de ser no mundo (GOMES, 2016). É um fenômeno incompleto, em construção, portanto compreendemos que a sociedade está em vias de midiatização, o que evidencia uma transformação, um processo de mudança. Nesse sentido, a partir de Fausto Neto (2010) pode-se perceber que existem contextos de mutações atravessando aspectos sociais, técnicos e culturais e que o campo da comunicação tem assumido um papel central no tecido social, constituindo seu próprio modo de falar. Assim, a comunicação se expande, ultrapassa as próprias fronteiras e é apropriada por outros campos afetando as lógicas de funcionamento dos mesmos. Por esse ângulo compreende-se que as estruturas mais sólidas dos campos sociais vão se enfraquecendo e que estes avançam misturados. Isso decorre do fato de que as fronteiras estão diluídas e as lógicas midiáticas perpassam todas as esferas sociais potencializadas pelos fenômenos midiáticos, ou seja, pela capacidade de exteriorizar pensamentos, por conseguinte, comunicar por meio de tecnologias e dispositivos (VERÓN, 2014). Rosa (2017), complementa essa noção: 4

[...] A midiatização é entendida [...] como uma articulação entre os processos sociais e midiáticos que se realiza no âmbito dos dispositivos midiáticos, sendo que para Ferreira (2007) os dispositivos agem como locais de intersecção. [...] Isto porque a outra forma de se pensar a comunicação, entendendo que estamos diante de um processo histórico, que se desenvolve com o próprio homem, mas que se acentua a partir do século XX, principalmente, com a ampliação das formas de acesso e com o fato de que a cultura da mídia se expande para todo o tecido social. A cada dia, observa-se com mais intensidade o domínio das lógicas midiáticas que implicam em usos, práticas de meios e até mesmo na consolidação de apropriações (PROULX, 2014) através das tecnologias. (ROSA, 2017, p. 4-5). Dentro da concepção de midiatização a circulação deixa de ser entendida como um momento da mediação, afinal não pode ser reduzida a um diagrama linear. É uma processualidade que passa por articulações de ordem social, técnica e comunicacional; envolvendo dispositivos, indivíduos e instituições (FERREIRA, 2013). Fausto Neto (2010) ressalta que a circulação pode ser entendida como uma zona de indeterminação onde A soberania das gramáticas em produção e em reconhecimento teve suas marcas dissolvidas pela força de co-enunciações que se constituem no contexto (e pelos efeitos) deste novo dispositivo circulatório (FAUSTO NETO, 2010, p. 9). Avançando nessa perspectiva Fausto Neto afirma: A circulação desponta como um território que se transforma em lugar de embates de várias ordens, produzidos por campos e atores sociais. Aqueles motivados por causas que, ao se apropriar de processos tecnoenunciativos midiáticos, visam o acesso ao âmbito da circulação [...]. (FAUSTO NETO, 2013, p. 51) Essa zona de embates é claramente identificada no Proibidão quando as músicas passam a circular livremente na internet. Nesse momento, narrativas (da realidade das favelas, bem como contradições e dicotomias acerca da vida dos varejistas de entorpecentes) que antes eram restritas às comunidades descem para o asfalto e passam a gerar conflitos entre os artistas e forças repressivas. A utilização de códigos próprios dos traficantes ou denúncias de abuso policial são vistas como associação 5

direta ao crime por parte do estado e da mídia corporativa, que começam um processo de criminalizar a cultura Funk e todas as sociabilidades juvenis comuns entre jovens moradores de favelas (NOVAES, 2016, p.61). Dessa forma, quanto mais o Proibidão circula, mais tentam reprimi-lo, silencia-lo. Alicerçado nessa breve conceituação de midiatização e circulação entendemos que o Proibidão está plenamente inserido nesse processo e se consolida em dispositivos midiáticos e interacionais. Neste trabalho, os dispositivos midiáticos (FERREIRA, 2007; 2013) caracterizam-se como espaços de inscrição, nos quais operações são realizadas. É onde se dá a midiatização. [...] o dispositivo não é meio nem mensagem. É um lugar de inscrição que se transforma em operador de novas condições de produção e de recepção, e, ao mesmo tempo, passagem e meio. Nesse duplo movimento, observa-se um deslocamento/reescalonamento, instalando novas lógicas de classificações em contextos interacionais em que está inserido. (FERREIRA, 2013, p. 139). Já a noção de dispositivo interacional remete a premissa de que o fenômeno comunicacional se realiza em episódios de interação entre pessoas e/ou grupos, de forma presencial e/ou midiatizada. O nível de sucesso interacional de tais episódios é tentativo e depende de códigos (elementos que são compartilhados entre os participantes) e inferências a cerca desses códigos (BRAGA, 2017a). Portanto, [...] tais dispositivos são elaborados através do processo de interações tentativas que geram, por aproximação sucessiva, modos e táticas na busca de uma efetividade comunicacional ampliada, desenvolvendo, na prática, objetivos e critérios indicadores de sucesso. [...] Um dispositivo interacional é um modelo desenvolvido pela prática experimental (tentativas) que conta com uma articulação mais ou menos definida de processos de códigos e de espaços não codificados solicitadores de inferências dos participantes. (BRAGA, 2017a, p. 33 34). Derivado da concepção de circulação Braga (2012) identifica um fluxo adiante, a circulação indo além do processo linear entre o polo produtor e o receptor. 6

Tal fluxo ocorre quando o receptor faz seguir adiante a mensagem, seja por meios tecnológicos ou não. A manifestação deste fluxo continuo é denominada por Braga como circuito, espaços de fala e escuta, preenchidos de sentidos. Desse modo, Braga (2017b) afirma que após a apropriação de sentidos de uma determinada mensagem pode-se colocar para circular uma resposta, independente do retorno imediato. Tal resposta vai seguindo adiante em processos diferidos e difusos, complexificando a própria mensagem original e criando mensagens derivadas. A Inteligibilidade Comunicacional do Funk Proibidão Midiatizado A escolha dois vídeos da música Sistema do cantor de Funk Proibidão Mc Orelha, bem como algumas interações encontradas nos comentários dos vídeos, se justifica, pois, nesse material identificamos ângulos e questões que parecem pertinentes e instigantes para trabalhar a proposta desse artigo. Nesse sentido, identificamos: A gravação original dessa música foi lançada apenas online (em 2008) no site de compartilhamento 4shared, porém essa versão foi excluída pelo site por apologia ao crime e se perdeu. Então, o que se tem acesso hoje são diversas versões ao vivo da música postadas e repostadas por fãs; O primeiro vídeo consiste em uma montagem do áudio captado (com mixagem posterior feita pelo DJ Gelouko) no Baile Funk da Chatuba (Complexo da Penha 2009) com imagens selecionadas pelo criador do vídeo, que não tem relação direta com o MC Orelha. O que denota a formação de circuitos complexos em torno do Proibidão, nos quais os conteúdos circulam em diferentes temporalidades, afinal o áudio original foi gravado em 2009, mixado posteriormente por um DJ e transformado por um fã do MC nessa montagem de 2010. Além disso, o evento de 7

onde esse áudio foi captado era dentro de uma comunidade, por conta disso o MC canta a letra mencionando a facção Criminosa Comando Vermelho, nomes de traficantes e armas. O segundo vídeo é uma filmagem oficial postada pelo canal Roda de Funk, um projeto idealizado para dar visibilidade aos MCs. Como se trata de um material oficial nota-se que o MC não canta partes da letra com palavras comprometedoras como o nome da facção Comando Vermelho, nome de armas e de traficantes, deixando para a plateia cantar ou substituindo esses trechos. Percebe-se certa inteligibilidade comunicacional por parte dos trabalhadores do Funk Proibidão que dominam as ferramentas disponíveis e fazem sua música circular fora das lógicas das mídias tradicionais e do controle do estado, fazendo uso da propaganda boca a boca e engajamento virtual orgânico, bem como estratégias de comunicação que visam burlar a vigilância estatal. Dessa forma, almejamos compreender o processo de circulação comunicacional e formação de circuitos em torno do Funk Proibidão, analisando em específico para este artigo os dois vídeos mencionados. Referências bibliográficas BRAGA, José Luiz. Circuitos versus campos sociais. In: MATTOS, Maria Ângela; JANOTTI JUNIOR, Jeder; JACKS, Nilda (Org.) Mediação & midiatização. 1. ed. Salvador/Brasília: EDUFBA/COMPÓS, 2012. BRAGA, José Luiz. Dispositivos Interacionais. In: BRAGA, José Luiz et.al. Matrizes Interacionais - a comunicação constrói a sociedade. Campina Grande: EDUEPB, 2017a. p. 17-42. 8

BRAGA, José Luiz. Circuitos da Comunicação. In: BRAGA, José Luiz et.al. Matrizes Interacionais - a comunicação constrói a sociedade. Campina Grande: EDUEPB, 2017b. p. 43-64. FAUSTO NETO, Antonio. A circulação além das bordas. In: FAUSTO NETO, Antonio; VALDETTARO, Sandra. (Org.). Mediatización, sociedad y sentido. 1ed.Rosário: Departamento de Ciencias de la Comunicación - UNR, 2010, v. 1, p. 2-17. FAUSTO NETO, Antonio. Como as linguagens afetam e são afetadas na circulação?. In: Braga, José Luiz; Ferreira, Jairo; Fausto Neto, Antônio; Gomes, Pedro Gilberto. (Org.). 10 Perguntas para a produção de conhecimento em comunicação. 1ed. São Leopoldo: Unisinos, 2013, v. I, p. 38 58 FERREIRA, Jairo. Como a circulação direciona os dispositivos, indivíduos e instituições?. In: Braga, José Luiz; Ferreira, Jairo; Fausto Neto, Antônio; Gomes, Pedro Gilberto. (Org.). 10 Perguntas para a produção de conhecimento em comunicação. 1ed. São Leopoldo: Unisinos, 2013, v. I, p. 140-155. FERREIRA, Jairo. Midiatização: dispositivos, processos sociais e de comunicação. E- Compós, Brasília, v. 10, p. 1-15, 2007. Disponível em: www.e-compos.org.br/ecompos/article/download/196/197. Acesso em: 20 jan. 2019. FERREIRA, Jairo. A construção de casos sobre a midiatização e circulação como objetos de pesquisa: das lógicas às analogias para investigar a explosão das defasagens. GALÁXIA (PUCSP), v. 33, p. 199-213, 2016. GOMES, P. G. Midiatização: um conceito, múltiplas vozes. Revista FAMECOS (Online), v. 23, p. 22253, 2016. Disponível em http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/viewfile/22253/1 4176. Acesso em: 20 jan. 2019. NOVAES, Dennis. Funk Proibidão: Música e Poder nas Favelas Cariocas. Rio de Janeiro, Dissertação de Mestrado: UFRJ/Museu Nacional, 2016. PALOMBINI, Carlos. Como tornar-se difícil de matar: Volt Mix, Tamborzão, Beatbox. Comunicação apresentada no II Simpósio de Pesquisadores do Funk Carioca. Rio de Janeiro: 2015. PALOMBINI, Carlos. Musicologia e Direito na Faixa de Gaza. In: BATISTA, Carlos Bruce, Tamborzão: olhares sobre a criminalização do funk. E-book. 2014. 9

Disponível em: https://www.academia.edu/29110737/_musicologia_e_direito_na_faixa_de_gaza. : Acesso em: 20 fev. 2019. ROSA, Ana Paula da. Tensões entre o registro e a encenação: a imagem de Aylan Kurdi e sua constituição em totem. Revista Observatório, v. 3, n. 1, p. 327-351, 30 mar. 2017. Disponível em: https://sistemas.uft.edu.br/periodicos/index.php/observatorio/article/view/2936. Acesso em: 02 de fev de 2019. VERÓN, Eliseo. Esquema para el analisis de la Mediatización. In: Diálogos de La Comunicación, Lima, nº. 48, out. 1997. 10