INTERPRETAÇÃO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE, À LUZ DO ARTIGO 170, INCISO III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 RESUMO



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Transcrição:

1 INTERPRETAÇÃO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE, À LUZ DO ARTIGO 170, INCISO III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Solange Rosa Guimarães 1 Vinicius de Paula Rezende 2 RESUMO A Constituição Federal de 1988 manteve a função social da propriedade entre os princípios da ordem econômica (art. 170, III) e, cuidou, inclusive, prever os requisitos mediante os quais a propriedade de bens imóveis, urbanos ou rurais, cumpre sua função social. Palavras-chave: propriedade, função social, Constituição Federal. ABSTRACT The Federal Constitution of 1988 maintained the social function of property between the principles of economic order (article 170, III), and cared even predict the requirements by which the ownership of property, urban or rural, fulfills its social function. Keywords: property, social function, the Federal Constitution. 1 Bacharel em Direito e Pós-Graduanda em Direito Processual pela FEIT UEMG de Ituiutaba MG. 2 Professor do Curso de Pós-Graduação da FEIT UEMG de Ituiutaba MG.

2 INTRODUÇÃO A ordem econômica é um conjunto de princípios estabelecidos na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 170, que preconiza que: A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I soberania nacional; II propriedade privada; III função social da propriedade; IV livre concorrência; V defesa do consumidor; VI defesa do meio ambiente; VII redução das desigualdades regionais e sociais; VIII busca do pleno emprego; IX tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas, sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. A função social da propriedade é um tema relativamente recente. As contribuições desse princípio no ordenamento jurídico, como as contribuições da doutrina da Igreja Católica medieval, nesse contexto. Na Idade Média, a Igreja Católica busca questões políticas e legislativas sobre as funções da propriedade. A Encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII, marcou o início dos estudos da Igreja, quando iniciaram-se as discussões sobre a contribuição, que poderia ser buscada pelo uso da propriedade. A Igreja prega que a função social é uma característica fundamental da propriedade, abrangendo o social e o individual. A função social da propriedade, prevista no inciso III do artigo 170, da Constituição Federal de 1988 caracteriza-se como uma restrição ao princípio da propriedade privada. Esse princípio permite a intervenção do Estado sobre a propriedade que deixa de cumprir sua função social. Esse princípio, a propriedade deve exercer sua função econômica, deve ser utilizada para geração de riqueza, garantia de trabalho, recolhimento de tributos ao Estado, e a promoção do desenvolvimento econômico. Assim, como uma troca, na qual o proprietário tem o direito de uso e gozo de sua propriedade, mas, essa propriedade deve cumprir com sua função social, estabelecida pela lei.

3 A propriedade relacionada aos meios de produção, sua utilização se refere ao que diz o caput do artigo 170 da Constituição Federal de 1988, o qual estabelece o objetivo de se garantir a todos, a existência digna, visa o bem estar da coletividade. A função social da propriedade caracteriza-se como componente fundamental à propriedade. Este entendimento, não há propriedade sem que haja à sua função social. 1 NOÇÃO DE PROPRIEDADE O artigo 170, incisos II e III, da Constituição impõem como princípio da ordem econômica, a propriedade privada e a função social da propriedade. Essa configuração já se fazia presente no art. 5º, incs. XXII e XXIII. Há normas constitucionais que se referem e interferem com a propriedade: arts. 5º, XXIV a XXX; 170, II e III, 176, 177 e 178, 182 183, 184, 185 186, 191 e 222 ambos consagrados pela Carta Magna. Para Silva 3, o regime jurídico da propriedade tem seu fundamento na Constituição. O termo propriedade advém do vocábulo latino propriestas, de proprius, significado, a qualidade do que é próprio. Historicamente, concepção coletiva da propriedade, considerada como bem de todos, para uma ideia de um direito individual e absoluto até se alcançar a concepção atual de que, assegurada individualmente, a propriedade deverá atender a sua função social. Recentemente, uma relativização desse direito, deixou de considerar-se absoluto. Essa mudança caminhou com o instituto do Direito Privado para o Direito Público. Houve a constitucionalização do direito de propriedade e, a explicitação constitucional do conteúdo desse direito. Assinalam alguns autores, o direito de propriedade deixa de ser apenas um direito individual, para figurar no capítulo constitucional relativo à ordem econômica, como princípio constitucionaleconômico, capaz de identificar um determinado sistema econômico vigente. 3 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p.273.

4 2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA Os gregos e os romanos, as relações particulares a ideia de sociedade gentílica. A propriedade era considerada comum, pertencente à totalidade dos cidadãos. Houve uma evolução do conceito de propriedade que, era uma evolução da própria estrutura social: a sociedade gentílica cede em face da instituição da família. A propriedade privada surge conjuntamente com o enaltecimento da família, cujos laços são mais fortes que aqueles existentes na gens. A noção de propriedade passa a estabelecer-se com maior nitidez. Na Idade Média, a propriedade é permitida apenas a determinada classe social, na classe proprietária em distinção das demais. O feudalismo é o regime que presidiu a sociedade nesse período. Estabeleciam-se relações entre o patrono e os clientes, numa relação de compromissos mútuos. A terra é cultivada pelo cliente, pertence ao patrono. A relação de colonato, que praticamente assemelhava o colono ao escravo, porque ficava absolutamente preso à terra. A Idade Média impõem-se referir à Magna Charta Libertatum, documento de máxima importância para o constitucionalismo. Além da já tradicionalmente conhecida proteção quanto à liberdade de locomoção, referido documento preocupou-se com a propriedade das terras. Na idade moderna incluir-se o período das grandes navegações e descobertas de terras teve implicações diretas no âmbito do instituto da propriedade, as novas terras, descobertas no novo mundo, consideradas de propriedade dos reis de Espanha e Portugal. Com a Revolução Industrial e o triunfo do capitalismo, no mundo, enfatiza-se a propriedade privada. Há uma forte e exclusiva conotação individual do direito de propriedade. 3 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

5 A relação entre a denominada ordem econômica e a propriedade, ou o seu regime jurídico em determinado país. A análise não só direito de propriedade e seu regime, como chamada função social presente no nosso Direito Brasileiro, por força constitucional expresso. Observa Eros Grau 4, a distinção, entre propriedade de função individual e propriedade de função social: À distinção explicitada, entre propriedade dotada de função individual e propriedade dotada de função social, permite-nos operar uma primeira precisão, necessária à compreensão do sentido assumido pelo princípio da função social da propriedade, que, como vimos, tem como pressuposto necessário a propriedade privada dos bens de produção e de bens que excedam o quanto caracterizável como propriedade afetada por função individual. À propriedade dotada de função individual respeita o art. 5º, XXII do texto constitucional; de outra parte, a propriedade que atenderá a sua função social, a que faz alusão o inciso seguinte XXIII só pode ser aquela que exceda o padrão qualificador da propriedade como dotada de função individual. À propriedade função social, que diretamente importa à ordem econômica propriedade dos bens de produção respeita o princípio inscrito no art. 170, III. A economia descentralizada e o modelo econômico do liberalismo encontramse, na tutela da propriedade privada. A propriedade só está garantida, na Constituição Federal de 1988, nos termos do art. 5º, inciso XXIII, que prescreve: a propriedade atenderá a sua função social. Silva 5 diz que: Esta garante o direito de propriedade, desde que este atenda sua função social. Não há como considerar a propriedade como um direito privado, ou mesmo direito individual. A função social da propriedade, a Constituição não nega o direito do dono sobre a coisa, mas exige o uso da coisa condicionada bem-estar geral. 4 GRAU, Eros Roberto. Ordem econômica na constituição de 1988. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 270-271. 5 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 273.

6 Para Carvalho 6, a função social da propriedade: Ao dispor que a propriedade atenderá sua função social, o art. 5º, XXIII, da Constituição a desvincula da concepção individualista do século XVIII. A propriedade, sem deixar de ser privada, se socializou, com isso significando que deve oferecer à coletividade uma maior utilidade, dentro da concepção de que o social orienta o individual. A Constituição arrola a propriedade privada e sua função social dentre os princípios gerais da ordem econômica do artigo 170, nos incisos II e III, da CF/88. A propriedade esteja prevista dentre os direitos individuais, está igualmente inserida dentre os princípios da atividade econômica. A necessidade de compatibilização entre os preceitos constitucionais, o que significa dizer, que a propriedade não pode ser considerada em seu caráter individualista. Esta conclusão de que a ordem econômica, na qual se insere a propriedade tem como finalidade, conforme dispõe caput do art. 170, CF/88: assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. O cumprimento da função social por parte de toda e qualquer propriedade. A interpretação conforme a Constituição, este conteúdo legal de ser compreendido à luz do impositivo constitucional de que a propriedade cumpra sua função social. Para fins constitucionais, distinguir a propriedade urbana da rural, já que cada uma submete-se a regime próprio no que tange ao cumprimento da função social. Segundo os ensinamentos desse ilustre doutrinador Silva 7 : Garante o direito de propriedade em geral (art. 5º, XXII; garantia de um conteúdo mínimo essencial), mas distingue claramente a propriedade urbana (art. 182, 2º) e a propriedade rural (art. 5º, XXVI, e, especialmente, arts. 184, 185 e 186), com seus regimes jurídicos próprios, sem falar nas regras especiais para outras manifestações da propriedade. 6 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional didático. 5. ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 1997. p.217. 7 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 277.

7 Não houve, até a Constituição de 1988, uma preocupação em assinalar com precisão qual seria o regime social aplicável à propriedade na área urbana. A propriedade rural rendia a preocupação constitucional expressa. A distinção da propriedade urbana da rural para efeitos das normas de trânsito, ou mesmo para fins sanitários, ou para fins de imposição tributária o IPTU (Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana) e o ITR (Imposto Territorial Rural). A zona urbana é definida por Lei Municipal, conforme o parágrafo primeiro do Código Tributário Nacional, a observância dos requisitos: a) meio-fim ou calçamento, com canalização de águas pluviais; b) abastecimento de água; c) sistema de esgotos sanitários; d) rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiliciar; e) escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado. O Município, exigir outros elementos, além daqueles enumerados no Código. A Carta Constitucional, prever o instituto em termos gerais, no inciso XXII do artigo 5º, acaba falando de diversas outras modalidades, como propriedade urbana artigo 182, 2º da CF/88 e a propriedade rural artigos 5º, inciso XXVI, e, 184, 185 e 186 ambos da Constituição Federal, conta com regimes jurídicos próprios. 3.1 Função social da propriedade urbana A função da social da propriedade urbana quando satisfizer às exigências fundamentais de ordenação da cidade, diz o 2º, do art. 182 da CF/88: 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. Esclarece Petter 8, que a função social da propriedade urbana do 2º, artigo 182, da Constituição Federal, o plano diretor é obrigatório para cidades com mais de 20 mil habitantes, é o instrumento de desenvolvimento, vejamos: 8 PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: O significado e o alcance do art. 170 da Constituição Federal. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. p 215.

8 O plano diretor, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana ( 1º), o qual deve ser formulado em atenção ao pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, garantido o bem-estar de seus habitantes. A inovação legislativa mãos importante no que toca à função social da propriedade urbana veio com a Lei 10.257/2001, denominada Estatuto da Cidade, que trata da política urbana. Ali ficaram consignadas diretrizes gerais (art. 2º), instrumentos de atuação (art. 4º), entre eles parcelamento, edificação ou utilização compulsórios de imóveis (art. 5º), IPTU progressivo no tempo (art. 7º), desapropriação com pagamento em títulos (art. 8º), entre outros. Outro instrumento digno de nota é o nominado Estudo de impacto de vizinhança (art. 36), obrigatório para empreendimentos e atividades, públicos e privados, definidos em lei municipal, de forma a contemplar os efeitos positivos e negativos quanto à qualidade de vida da população (art. 37). A Constituição Federal prescreve, em seu 4º do artigo 182: 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para a área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I parcelamento ou edificação compulsórios; II imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressiva no tempo; III desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais. A Constituição permite a fiscalização do uso da propriedade. Exige-se: a) que se trate de propriedade urbana; b) Que esteja incluída na área do plano diretor; c) que se trate de solo não edificado, subutilizado ou não utilizado. O uso do solo urbano, a Constituição, desde que constatadas aquelas condições, sucessivamente no tempo, as medidas: a) parcelamento ou edificação compulsória; b) imposto progressivo no tempo; c) desapropriação. São modalidades de intervenção estatal na propriedade privada, não há dúvida.

9 A medida rigorosa e penosa pode ocorrer como última alternativa é preciso que o Poder Público não tenha obtido sucesso nas medidas menos rigorosas para mais rigorosas, até a desapropriação. O parcelamento ou loteamento do terreno urbano implica na divisão física do mesmo consoante o interesse público municipal. A edificação compulsória é a imposição de que o proprietário arque com a construção forçada de edifício em sua propriedade. O imposto progressivo significa o município, por meio de lei, estabelecer alíquotas diferenciadas no tempo, com sua majoração sucessiva, até certo limite. À desapropriação, reconhecendo o direito à indenização do proprietário, o certo é que o pagamento poderá ser mediante títulos da dívida pública, com prazo de resgate máximo de até dez anos, em parcelas sempre anuais, iguais e sucessivas. À emissão desses títulos, da alçada municipal, por gerar dívida pública local, a Constituição exige a prévia aprovação pelo Senado Federal. É garantir o valor real da indenização e os juros legais. 3.2 Função social da propriedade rural A propriedade rural satisfaz a função social quando tiver aproveitamento adequado dos recursos naturais, preservarem o meio ambiente, observar as disposições de regulamentação do trabalho e tiver exploração que favoreça os proprietários e trabalhadores. O art. 184 da Constituição poderá a União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não cumpra sua função social. São expressas as condições objetivas pelas quais se afere o cumprimento da função social. Será necessário que o imóvel cumpra os requisitos que diz o artigo 186, incisos I, II, III e IV da Constituição Federal de 1988: Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I aproveitamento racional e adequado;

II utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV exploração que favoreça os proprietários e dos trabalhadores. 10 A lei deverá estabelecer os critérios e graus de exigências de cumprimento dessas condições constitucionais. Para Petter 9, a função social da propriedade rural somente com a observância dos requisitos previstos em todos os incisos do art. 186 da CF/88, vejamos: Dela trata o art. 186 da Constituição Federal. Somente com a observância dos requisitos previstos em todos os incisos deste preceito se poderá dizer que a propriedade produtiva com propriedade cumpridora de sua unção social. Uma propriedade produtiva, no sentido econômico da expressão, ou seja, aquela que extrai da terra, v.g.,x toneladas de grãos, com rendimento acima da média, poderá ser juridicamente improdutiva. Pois, se não há pagamento dos impostos correspondentes, s os trabalhadores não têm seus mínimos direitos observados e, ainda, se há agressão ambiental, de que adianta a alta produtividade? A Constituição exige a utilização dos recursos naturais, com a tutela ambiental (art. 225). É da competência material comum da União, dos Estados Federados, Municípios e Distrito Federal a efetiva preservação das florestas, fauna e flora art. 24, VI, da CF/88. O fundamento da Reforma Agrária é a função social da propriedade, tendo a terra como meio de produção. O interesse nacional pela produtividade da terra, que precisa ser explorada de maneira mais racional e econômica. A finalidade da reforma agrária no desenvolvimento intenso progresso de nossa agricultura, que se refere à produtividade, que respeita às melhores condições de vida dos trabalhadores rurais. Uma vez desapropriado o imóvel, a Constituição Federal de 1988, no caput do seu artigo 189: 9 PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: O significado e o alcance do art. 170 da Constituição Federal. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. p 216.

11 Art. 189. Os benefícios da distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária receberão títulos de domínio ou de concessão de uso, inegociáveis pelo prazo de dez anos. A desapropriação de imóveis para fins de reforma agrária, caracterizando-se, a desapropriação por interesse social. A reforma agrária realizada em propriedades particulares, não em propriedades pertencentes ao Poder Público. 4 ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO Existe luminoso julgado, sobre o princípio da função social da propriedade, do Tribunal de Justiça de São Paulo 10, confirmado pelo Superior Tribunal de Justiça, que fixou o seguinte: A leitura de todos os textos do CC só pode se fazer à luz dos preceitos constitucionais vigentes. Não se concebe um direito de propriedade que tenha vida em confronto com a Constituição Federal, ou que se desenvolva paralelamente a ela. As regras legais, como se sabe, se arrumam de forma piramidal. Ao mesmo tempo que se manteve a propriedade privada, a CF a submeteu ao princípio da função social da propriedade (arts. 5º, XXII e XXIII; 170, II e III; 182, 2º; 184; 186, etc.). Esse princípio não significa apenas uma limitação a mais ao direito de propriedade, como, por exemplo, as restrições administrativas, que atuam por força externa àquele direito, em decorrência do poder de polícia da Administração. O princípio da função social da propriedade atua no conteúdo do direito. Entre os poderes inerentes são domínio, previstos no art. 524 do CC (usar, fruir dispor e reivindicar), o princípio da função social introduz um outro interesse (social) que pode não coincidir com os interesses do proprietário. (...) Assim, o referido princípio torna o direito de propriedade, de certa forma, conflitivo consigo próprio, cabendo ao Judiciário dar-lhe a necessária e serena eficácia nos litígios graves que lhe são submetidos. (...) O jus reivindicandi fica neutralizado pelo princípio constitucional da 10 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo - Apelação Cível n. 212.726-1/8, Rel. Des. José Osório de Azevedo Júnior, confirmado pelo REsp 75659/SP, Ministro Aldir Passarinho Junior.

função social da propriedade. Permanece a eventual pretensão indenizatória em favor dos proprietários, contra quem de direito. 12 Assim, o princípio da função social da propriedade atua na questão de ordem, a propriedade atenderá a sua função social, conforme diz o art. 5º, XXIII, para a propriedade em geral. Mas a Constituição não se limitou a isso. A propriedade privada e a sua função social como princípios da ordem econômica (art. 170, II e III). Além disso, o princípio da função social da propriedade define relação às propriedades urbana e rural, com sanções para o caso de não ser observado os arts. 182, 184 e 186. CONSIDERAÇÕES FINAIS Conclui-se que os objetivos deste trabalho eram de analisar e interpretar do artigo 170, inciso III, da Constituição Federal de 1988, que consta expressamente no rol dos princípios atinentes à ordem econômica, a função social da propriedade. É, na sistemática da Constituição Federal de 1988, que a propriedade está socialmente funcionando, respeitando a dignidade da pessoa humana, contribuindo para o desenvolvimento nacional e a diminuição da pobreza e das desigualdades sociais. A Carta Magna sociedade livre, justa e solidária, onde o desenvolvimento promova a redução de desigualdades, o conteúdo da função social assume um papel fundamental de assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. REFERÊNCIAS CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional didático. 5. ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 1997.

BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo - Apelação Cível n. 212.726-1/8, Rel. Des. José Osório de Azevedo Júnior, confirmado pelo REsp 75659/SP, Ministro Aldir Passarinho Junior. 13 GRAU, Eros Roberto. Ordem econômica na constituição de 1988. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2001. PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: O significado e o alcance do art. 170 da Constituição Federal. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.. Comentário contextual à constituição. 7. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2010. TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Ed. Método, 2003.