O AGRONEGÓCIO NO MARANHÃO: uma estratégia destrutiva do capitalismo neoliberal no campo ABSTRACT

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Transcrição:

O AGRONEGÓCIO NO MARANHÃO: uma estratégia destrutiva do capitalismo neoliberal no campo RESUMO Zaira Sabry Azar 1 O artigo discorre sobre práticas do agronegócio no estado do Maranhão, enquanto estratégia destrutiva adotada a partir da reestruturação da produção e do capital. Demarca-se a articulação entre a produção industrial e a agropecuária como intrínseca, apresentando-se o latifúndio, neste contexto, multifacetado e travestido como agronegócio, cuja faceta produtiva mascara seu caráter rentista. Nesta unidade federativa as práticas produtivas do agronegócio têm constituído elemento determinante para danosas consequências para a reprodução da vida, nas suas várias dimensões. Palavras-chave: Agronegócio. Latifúndio. Reestruturação produtiva ABSTRACT The article discusses practices of agribusiness in the state of Maranhão, while destructive strategy adopted from the restructuring of production and capital. Demarcates the relationship between industrial production and agriculture as intrinsic, presenting landlordism, in this context, multifaceted and disguised as agribusiness, whose productive facet masks his rentier character. This federative unit productive practices of agribusiness have constituted decisive factor in damaging consequences for reproduction of life in its various dimensions. Keywords: Agribusiness. Landlordism. Productive restructuring 1 Doutora. Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: zairasabry@gmail.com

1. INTRODUÇÃO Este artigo trata de práticas produtivas do agronegócio no estado do Maranhão, destacando elementos que caracterizam estratégias destrutivas realizadas para garantir a acumulação da riqueza no processo de reestruturação do capital. Demarca a estreita e orgânica relação entre o setor agropecuário e o industrial, mostrando articulação intrínseca entre estes. O Maranhão, estado que historicamente apresenta elevados indicadores de desigualdade, tem em sua formação socioeconômica, papel definido na divisão nacional e internacional do trabalho, invariavelmente, como fornecedor de produtos primários, com ciclos produtivos desde o período colonial. Em tempos remotos, produtos como o algodão e a cana-deaçúcar eram exportados para atender o mercado internacional. Hoje, com os monocultivos de soja, eucalipto, cana-de-açúcar, bambu, cumpre o mesmo papel. Articulados a processos de indústria de transformação, como a minerosiderurgia, o agronegócio compõe a ofensiva neoliberal no campo maranhense, estabelecendo novas dinâmicas e configurações nas relações sociais, políticas, culturais e econômica, a partir da década de 1980, com a implantação de projetos desenvolvimentistas na região amazônica, cuja maior referência foi o Programa Grande Carajás. O referido artigo resulta de reflexões sistematizadas na tese de doutoramento intitulada RELAÇÕES DE TRABALHO E RESISTÊNCIA CAMPONESA NO DESENVOLVIMENTO DEPENDENTE NO MARANHÃO: o assentamento Califórnia como expressão, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão, defendida em 2013. A pesquisa realizada teve como premissa de que as relações e condições de trabalho no Maranhão se constituem a partir do padrão autoritário de produção e consumo da força de trabalho caracterizado pela reestruturação da produção e do trabalho, partindo daí, a organização da produção feita pelo agronegócio. O objetivo desta abordagem é contextualizar o agronegócio como uma reconfiguração do latifúndio, dando a este uma faceta modernizada de produção, camuflando-lhe o caráter conservador e autoritário. A importância a esta questão encontra-se no modelo de desenvolvimento definido pelo Estado à região amazônica, que em detrimento das necessidades da população, privilegia interesses de grupos e corporações empresariais. As

consequências deste processo se manifestam em expressões da questão social, como a questão agrária, a questão ambiental, as desigualdades sociais, a expropriação das condições de trabalho, a pobreza e a migração. 2. AGRONEGÓCIO: a reconfiguração do latifúndio Na reorganização do capital mundializado para a superação da crise atual no capitalismo neoliberal a região periférica do sistema tem como incumbência a produção de bens primários. No Maranhão, tal dinâmica adota estratégias destrutivas de produção, no momento em que insere e expande a produção agropecuária aos moldes propostos pelo agronegócio. Os reajustes estruturais que foram feitos na economia brasileira, seguindo a tendência do mundo do trabalho na organização capitalista, desencadearam transformações na organização e relações de trabalho que culminam com a acumulação flexível. Neste sentido, a preocupação com o crescimento econômico apresenta como base a exploração do trabalho vivo, operando para isso, uma articulação entre a utilização da tecnologia e a organização da produção. A dinâmica socioeconômica maranhense expressa esta organização do trabalho, cuja referência, o receituário neoliberal, orienta medidas protecionistas aos interesses do capital e, consequentemente, medidas de desregulamentação de direitos trabalhistas, assim com o desmonte do Estado, com a teoria do Estado mínimo. Para tanto, são reconfiguradas as relações de trabalho e privilegiadas formas atípicas de trabalho, como a precarização deste.. Com a organização do agronegócio foram dinamizados e ampliados os investimentos de capital para a expansão e modernização da produção no campo, visando, sobretudo, a exportação (DELGADO, 2010, p.51), principalmente nos setores da agricultura, pecuária e indústria. Importante lembrar que as relações do campo até muito recentemente tinham como figura dominante o velho latifundiário, que carregava consigo a simbologia do atraso e obstáculo ao desenvolvimento, pela compreensão da sociedade acerca do sentido improdutivo que o latifúndio assumiu na organização social.

Com o aprofundamento do ideário da produção regulada pelos interesses do mercado, sob o ideário neoliberal, o espectro do latifúndio assume novas configurações sociais e econômicas travestido de agronegócio, que se apresenta no contexto atual como totalidade em que não há possibilidade de outro modelo de desenvolvimento rural (FERNANDES, 2008, p. 08). Reconfigurado, portanto, o velho novo latifúndio se recria através das práticas do agronegócio. Tal transmutação tem como base a mudança de comportamento do velho fazendeiro, que antes apenas mantinha grandes quantidades de terras anacrônicas, sem o cumprimento da função social, passando à condição de produtor. Como empresário do agronegócio, utiliza as terras para a produção de mercadorias, principalmente para o mercado externo. O processo produtivo organizado pelo empresariado rural desenvolve-se enredado numa complexa articulação de poderes políticos e econômicos das várias esferas. Para sua implementação depende essencialmente das ações estratégicas do Estado, que garante elementos fundamentais como a infraestrutura, isenções e incentivos fiscais, assim como capacitação da força de trabalho e a desregulamentação de direitos trabalhistas. Tal articulação acontece desde os poderes e grupos locais quanto dos estaduais e nacionais. Fundamental nesta articulação política é a organização da representação dos interesses patronais do latifúndio transmutado em agronegócio nas instâncias deliberativas nacionais, a exemplo dos lobistas e da bancada ruralista na Câmara e no Senado Federal, consolidada esta, desde a Assembleia Nacional Constituinte, por ocasião da construção da Constituição Federal aprovada em 1988. Outro setor importante desta articulação política é o judiciário, que tem em sua composição grandes aliados do agronegócio, mantendo, muitas vezes, uma relação orgânica, pois em muitas situações magistrados assumem a condição de fazendeiros. Outro viés desta articulação encontra-se no poder econômico constituído através das associações com grupos e corporações empresariais do setor, grupos que comandam a produção de commodities agrícolas pelo mundo afora. O controle da produção agropecuária passa, dentre outras coisas, pela produção das sementes, produção e distribuição de insumos, maquinário e tipo de produto. Como matriz tecnológica, o agronegócio adota o monocultivo, a alta tecnologia, a utilização de pouca força de trabalho. Como consequência, os monocultivos têm implicações em todas as dimensões da vida humana. Ambientalmente, tem afetado fauna, flora e pessoas, com o

uso de agroquímicos 2 ; socialmente, têm provocado grandes e intensos conflitos com famílias que vivem do campo, como as assentadas, ribeirinhas, comunidades quilombolas, extrativistas e indígenas, em torno das disputas entre os diferentes modelos produtivos. Em termos culturais tem estimulado práticas produtivas que alteram tradicionais formas de relação dos camponeses com a terra. Como característica principal, o agronegócio apresenta a exigência de grandes extensões territoriais. Com isso, para a ampliação dos lucros através da produção agropecuária, aos empreendimentos econômicos é imperiosa a aquisição constante de terras para o aumento da produção, o que é feito através de vários mecanismos, que vão desde a compra direta de terras até a expulsão de famílias camponesas. A retórica para tal matriz produtiva é a alta produtividade e a modernização da agricultura, sendo alcançados altos índices produtivos. E, para a construção deste ideário popular de produtores assumido pelos latifundiários, a mídia conservadora assume papel de destaque, se responsabilizando pela construção da imagem dinâmica e produtiva do grupo, apesar de estudos de órgãos públicos e da própria mídia mostrarem que a agricultura familiar camponesa responde pela maior parte da produção de gêneros alimentícios do consumo nacional. Considerando os aspectos expostos, como representação da classe dominante no campo, os empresários do agronegócio assumem a simbologia de modernidade, alavancando seu status quo. No entanto, a despeito de imagem construída, o empresariado rural tem como base produtiva estratégias consideradas destrutivas para a sociedade, incluindo aí tanto a população que vive no campo quanto a população urbana, que também sofre de forma direta as consequências desta prática produtiva. No Maranhão, esta se apresenta de forma singular, considerando as particularidades em que este se encontra, enquanto periferia da periferia capitalista. Sobre isto será tratado no item a seguir. 3. O AGRONEGÓCIO NO MARANHÃO: uma estratégia destrutiva do capital 2 Na matriz tecnológica adotada pelos monocultivos é prática comum a pulverização aérea de defensivos agrícolas, como os agrotóxicos. Lançados de forma indiscriminada, estes produtos alcançam todos os espaços e seres, sendo assim afetados rios, lagos, lençóis freáticos, plantações em geral, as espécies animais, além das populações residentes nas áreas atingidas.

O Maranhão é um estado eminentemente agrícola, que historicamente cumpre um papel na divisão nacional e internacional do trabalho, principalmente no fornecimento de matériasprimas. Dentre os ciclos produtivos do passado constam o algodão, a cana-de-açúcar e o couro. Nacionalmente, participou com importante contribuição no processo de industrialização, através do fornecimento de gêneros alimentícios baratos para a composição da cesta básica do emergente operariado; além do fornecimento de grandes contingentes de força de trabalho, que somaram o exército industrial de reserva. O estado, atualmente se insere na rota do capital mundializado a partir de dois eixos produtivos: o industrial e o agronegócio, sendo que historicamente, o estado tem... se encarregado de produzir os produtos primários e destiná-los ou ao exterior ou ao mercado interno (nacional ou regional) e comprá-los depois de industrializados. Foi assim com o algodão, com o arroz, com o gado e está sendo com os minérios, com vários outros produtos e especialmente com a soja. Nem os processos de produção e nem as formas de exploração da agricultura são os mesmos, mas obedecem à mesma lógica da acumulação e reprodução (BOTELHO, 2010, p.30) Com a reestruturação do capital, a economia estadual segue o ideário neoliberal e, na particularidade do campo, seguiu as tendências de modernização da produção, esta na perspectiva da conservação da ordem, o que significa que apenas parte da produção no campo se modernizou, no caso, a produção patronal, pois a exemplo do que acontece nacionalmente, o velho latifundiário se travestiu de moderno e passou a adotar práticas produtivas de altos índices de produtividade, porém permanecendo neste espaço social, a velha estrutura fundiária e as desigualdades. Nesta unidade federativa, a reorganização produtiva no campo se dá através, principalmente do agronegócio, que em primeira vista pode ser entendido como as práticas produtivas ligadas ao setor agropecuário, mas que aqui assume articulação clara com a produção industrial, o que faz com que, muitas vezes, não haja clara distinção entre os setores produtivos. Assim, quando se fala em agronegócio no Maranhão, fala-se na produção agropecuária propriamente dita, mas também nas várias atividades de industrialização que se encontram estreitamente relacionadas ao setor. Ou seja, aqui, a indústria e o agronegócio se articulam de forma intrínseca e complementar, sendo que ao tratar-se de um, não se exclui o outro. Então, ao processamento de minério feito nas guseiras, imprescindível é o carvão vegetal produzido nas carvoarias, com a madeira resultante dos monocultivos do eucalipto.

O agronegócio encontra-se organizado nos monocultivos de soja, eucalipto, bambu e canade-açúcar, mas também na siderurgia e aciaria, assim como na exploração de ouro e gás. Ainda pode-se registrar hidrelétrica e termoelétricas, além de base aeroespacial. As transformações recentes da economia maranhense apresentam como referência a inserção do estado no planejamento feito pelo Estado ditatorial para geração de divisas para o pagamento da dívida externa. Especificamente, a região amazônica vai ser aberta a grandes empresas para implementação de grandes projetos econômicos, capitaneados pelo extinto Projeto Grande Carajás, implantado na década de 1980 (BARBOSA, 2006, p. 97). Os projetos econômicos citados encontram-se distribuídos ao longo de todo o estado, constituindo, portanto, prática comum em todas as suas regiões. Comum também é sua matriz tecnológica, que em geral tem como base produtiva a utilização de grandes extensões de terra, o uso de tecnologia informatizada, adoção de pouca força de trabalho e produção de mercadorias para o mercado externo. Tal produção assume caráter destrutivo por conta de alguns aspectos que compõem sua organização. Primeiramente, com a intencionalidade de ampliação da riqueza, o agronegócio substitui a produção de alimentos pela produção de mercadorias, referenciada pelas regras de mercado, cuja indicação principal são as bolsas de valores internacionais. Como consequência, há o negligenciamento, pelo Estado, da produção de alimentos para o consumo interno, o que implica na importação de muitos produtos da cesta básica como arroz, legumes, frutas e verduras. Como uma das estratégias para aumentar a produtividade é o uso da tecnologia avançada, as produções agrícolas utilizam recursos indiscriminados de inseticidas, como a pulverização área, o que tem provocado, no estado, graves problemas ambientais, a exemplo do comprometimento de lençóis freáticos. Muitas são as denúncias de problemas respiratórios e de pele em área onde há registro desta prática. Questões ambientais têm sido identificadas, como o problema causado pelos monocultivos. O eucalipto, por exemplo, é chamado deserto verde, denominação justificada pelo fato de que A biodiversidade fica limitada, pois poucas espécies conseguem se desenvolver ao redor do eucalipto. Parte desse efeito se deve à grande capacidade do eucalipto de absorção de água do solo, o que causa um ambiente mais seco. Isso gera grande impacto ecológico e até mesmo estético (MONTEIRO e SCALIONI, 2007, p.07).

Em processos industriais, como a minerometalurgia, muitas são as práticas questionáveis. No polo siderúrgico localizado na região sul do estado, a produção é realizada com emissão de muita poluição, os resíduos não recebem tratamento adequado, provocando acidentes em animais e pessoas, assim como poluem o meio ambiente, de forma especial os rios. Articulada à minerosiderurgia e ao monocultivo de eucalipto, a produção de carvão vegetal é responsável pela emissão de fumaça, sem qualquer tratamento, alcançando vasta área. Em termos de trabalho, tendo como objetivo a redução dos custos de produção, há a substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto. Neste sentido, com a maquinaria moderna, o agronegócio utiliza pouca força de trabalho, a exemplo da máquina de cortar eucalipto que substitui cem homens força de trabalho. Estudos feitos por Carneiro (2008) mostram queda vertiginosa no número de empregos de 1995 a 2006 no estado. Ainda sobre as relações de trabalho, as grandes empresas e corporações adotam formas não típicas, práticas de acumulação flexível, com o trabalho informal, precarizado, degradante; com jornadas intensas e extensas; com trabalho infantil e análogo ao trabalho escravo. Oferecem condições precarizadas com estruturas inadequadas, alimentação imprópria, transportes inseguros e, muitas vezes, ilegais. Um viés da pouca utilização da força de trabalho é que, com ínfimas possibilidades para a organização do trabalho camponês, os trabalhadores passam a disputar entre si os poucos postos de trabalho oferecidos. Apesar da fragilidade das relações de trabalho regida pela terceirização, é grande a superpopulação relativa existente. Como para a implantação dos empreendimentos do agronegócio demanda grandes extensões de terra, diversas estratégias são utilizadas para a aquisição. Ações de compra, mas também de grilagem e de expropriação das famílias camponesas. A dinâmica expropriatória, muitas vezes violenta, tem intensificado os conflitos pela terra. Com isso, a estrutura fundiária do estado apresenta-se concentrada, com indicadores que apontam que os estabelecimentos patronais representam apenas 8,70% do total, mas controlam 65,20% das terras, em 2006 (IBGE, 2006) O Estado, por sua vez apresenta em seus programas governamentais, garantias para o avanço e efetivação dos empreendimentos econômicos empresariais. Com programas fragmentados e inconsistentes, não consegue atender as necessidades da agricultura familiar camponesa.

Diante do contexto, sem muitas alternativas além da luta, para muitas famílias a saída que se apresenta é a migração, fenômeno que tem se intensificado com a modernização do campo. São os migrantes da terra, assim denominados por Silva (2011), por tratar a migração como alternativa criada historicamente para a reprodução social do campesinato. É a migração feita pelas vítimas da questão agrária. Para o estudioso Atualmente, estes migrantes podem ser encontrados em todas as regiões do país, constituindo a classe camponesa expropriada de suas condições de trabalho e da própria terra pela dinâmica contemporânea, cujas expressões podem ser percebidas nas questões apresentadas pelos quilombolas, sem terra, indígenas, caiçaras, extrativistas (SILVA, 2011, p. 19) A pesquisa realizada pelo autor mostra que a migração no campo maranhense tem como maior vítima a juventude, que segue rumos diversos. Muitos seguem a rota agrícola de estados das regiões Sul e Sudeste. Lá dedicam-se ao corte de cana nos canaviais paulistas; outros compõem a colheita da maçã em Santa Catarina ou de batatas em Minas Gerais. Também, seguem para o Centro-Oeste para as fazendas de soja. Mas, os migrantes não seguem apenas para o trabalho agrícola, pois muitos têm como destino as construções civis urbanas e até para o garimpo em outros países. Outra perspectiva migratória é a definitiva para centros urbanos, o que muito tem contribuído para a urbanização desordenada. Nas cidades, sem formação ou capacitação profissional, famílias inteiras compõem a massa de desempregados e trabalhadores informais, sem acesso à educação, saneamento básico e outros serviços públicos. O agronegócio, na tentativa de ampliar sua capacidade produtiva e manter o controle das relações no campo, muitas vezes submete as famílias camponesas a práticas integradas de produção, com o aluguel de terras para o plantio de monocultivos ou para a criação de gado. Culturalmente, as consequências são devastadoras, pois neste processo, são adotadas práticas que comprometem a reprodução familiar, uma vez que as famílias camponesas deixam de organizar a produção para sua subsistência e passam a priorizar o produto contratado, passando com isso, a receber pelo produto e a comprar os gêneros para consumo familiar. Com isso, acontecem alterações consistentes em várias dimensões da vida no campo. Neste aspecto, a substituição de policulturas por monocultivos constitui uma das mais danosas práticas desencadeadas pelo agronegócio. Politicamente, nas áreas de vida camponesa, o agronegócio, para se legitimar, tem desencadeado práticas de cooptação de lideranças de comunidades afetadas diretamente pelos impactos causados pelos empreendimentos. Em não conseguindo o controle das

comunidades pela cooptação, alia-se a setores conservadores da sociedade como o judiciário e a mídia. Usa artifícios violentos, como o assassinato, ameaças e perseguições. É com esta configuração que o latifundiário se apresenta como agronegócio. Com grandes produções busca mostrar uma faceta nova para a velha agricultura capitalista, tentando dirimir seu caráter rentista. Com práticas produtivas que não consideram as dimensões da vida humana, que se concentram na produção para geração de riqueza, utilizam estratégias irracionais de utilização dos recursos naturais e dos bens humanos, comprometendo com isso, a reprodução da vida nas suas áreas de atuação. No entanto, importante observar que tal dinâmica não acontece de forma harmoniosa e tranquila, sendo no contexto, organizados processos de resistência e luta pela terra e contra capital, especialmente no campo, assunto a ser debatido em outro trabalho. CONSIDERAÇÕES Este trabalho teve como perspectiva configurar o agronegócio como estratégia destrutiva do capital, no processo de reestruturação produtiva no campo, tendo o Maranhão como espaço privilegiado para a dinâmica socioeconômica imposta pelo neoliberalismo. Na sua organização o agronegócio tem assumido práticas que comprometem a reprodução social, principalmente do campesinato, que sofre consequências diretas do padrão produtivo adotado, que apresenta-se autoritário e conservador. Diante do exposto fica bem assinalado que o desenvolvimento socioeconômico maranhense, especialmente no campo, apresenta como centralidade as contradições representadas pelas famílias camponesas e os empreendimentos patronais. Com modelo concentrador e excludente, tem comprometido a reprodução social, de forma direta no campo, mas também alcançando as condições de vida urbana.

As contradições encontram-se na organização da produção no campo, a partir de diferentes perspectivas políticas, sociais e culturais, as quais têm no Estado, maior mediador. REFERÊNCIAS BARBOSA, Zulene Muniz. Maranhão, Brasil: lutas de classes e reestruturação produtiva em uma nova rodada de transnacionalização do capitalismo. Editora UEMA. São Luis. 2006. BOTELHO, Raimundo Edson Pinto. O circuito espacial de produção e os círculos de cooperação da soja no Maranhão no período técnico-científico informacional. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia. Mestrado em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal. 2010. CARNEIRO, Marcelo Sampaio.. A expansão e os impactos da soja no Maranhão. In: SCHLESINGER, Sérgio; NUNES, Sidemar Presotto; CARNEIRO, Marcelo Sampaio. A Agricultura familiar da soja na região sul e o monocultivo no Maranhão: duas faces do cultivo de soja no Brasil. Rio de Janeiro. Fase. 2008. DELGADO, Laurinete Rodrigues da Silva. A relação Serviço Social e questão agrária na contemporaneidade: inserção e prática dos assistentes sociais no MST e na Fetaema no Maranhão. Dissertação de Mestrado do Programa de Pór-Graduação em Políticas Públicas PPGPP UFMA. São Luis. 2010. FERNANDES, Bernardo Mançano (org). Campesinato e agronegócio na América Latina. Expressão Popular. São Paulo. 2008 IBGE. Censo Agropecuário 2006. Disponível em http://www.ibge.gov.br. Acesso em 20 de julho de 2012 MONTEIRO, Viviane e SCALIONI, Téo. Avanço do eucalipto ameaça meio ambiente. Gazeta Mercantil. Caderno C, p. 7. 30 de janeiro de 2007. Acesso em 31 de janeiro de 2011. SILVA, José Jonas Borges da. A migração na reforma agrária no Maranhão: o caso do assentamento Cigra Lagoa Grande do Maranhão. Monografia do Curso de Geografia da Universidade de São Paulo USP. Presidente Prudente. 2011.