CARLA DANICE DE MELO SANTOS AS COMISSÕES DA CÂMARA DOS DEPUTADOS NO PROCESSO LEGISLATIVO: IMPORTÂNCIA DO PODER CONCLUSIVO Projeto de pesquisa apresentado ao Programa de Pós- Graduação do Cefor como parte das exigências do curso de Especialização em Processo Legislativo Brasília 2006
1. IDENTIFICAÇÃO DO PROJETO Título: As comissões da Câmara dos Deputados no processo legislativo: importância do poder conclusivo. Autor: Carla Danice de Melo Santos Finalidade/Natureza do projeto: Trabalho de conclusão do Curso de Especialização em Processo Legislativo Instituição: Programa de Pós-Graduação CEFOR Câmara dos Deputados Data: 18/08/2006 Orientadora: Luciana Botelho Pacheco 2. APRESENTAÇÃO Ingressei na Câmara dos Deputados em 1994, exercendo o cargo de assistente administrativo. No ano de 2002, participei do Curso de Extensão para Formação de Secretário de Comissão, realizado por esta Casa, oportunidade na qual aprofundei meus conhecimentos sobre as funções exercidas pelas comissões. Desde então tenho notado a grande importância que possui o trabalho desses órgãos para a consecução da atividade legislativa. Neste curso de Especialização em Processo Legislativo, ao estudar a disciplina Estrutura e Funcionamento das Comissões, interesseime pelo poder de apreciação conclusiva atribuído constitucionalmente às comissões: se ele é efetivamente utilizado, sua abrangência, seus resultados e sua importância no processo legislativo e para a produção legal. 3. PROBLEMA Com a intenção de criar procedimentos capazes de fortalecer o Legislativo e valorizar institucionalmente seus órgãos técnicos, dotando-os de poderes reais para influir no resultado da produção legislativa final, o Constituinte de 1988 incluiu expressamente no texto da Carta Magna um significativo rol de atribuições para as comissões parlamentares, entre as quais se destacam o chamado poder conclusivo, por meio dos quais são capacitadas a substituir o Plenário na deliberação de alguns tipos de projetos a serem definidos pelo regimento interno. Não obstante essa opção constitucional por um Legislativo mais descentralizado, dotado de poderes decisórios distribuídos entre o sistema de comissões e o Plenário, a maioria das pesquisas realizadas pelos cientistas políticos até hoje indica que esse objetivo não foi alcançado. Suas conclusões são de que as comissões utilizam muito pouco dessa competência que lhes foi outorgada, sendo na maior parte das vezes atropeladas em suas atribuições por uma estrutura real de poder muito mais centralizada, dominada pela Mesa e pelas lideranças partidárias, o que acabaria resultando num ciclo vicioso de enfraquecimento e esvaziamento do sistema de comissões como um todo 1. Embora essa corrente de pensamento prevaleça no meio acadêmico em razão dos resultados obtidos pelos estudiosos, o anuário estatístico do processo legislativo relativo ao ano de 1 Cf. CINTRA, Antônio Octávio e LACOMBE, Marcelo in A Câmara dos Deputados na Nova República: a visão da Ciência Política, texto integrante do livro Sistema Político Brasileiro: uma introdução, organizado por Lúcia Avelar e Antônio Octávio Cintra. Rio de Janeiro, Fundação Konrad-Adenauer-Stiftung, 2004.
2005, documento recentemente elaborado e publicado pela Câmara dos Deputados, revela alguns dados novos que permitem vislumbrar alterações nesse panorama. Enquanto, por exemplo, as pesquisas de Figueiredo e Limongi 2 demonstraram que, no período de 1989-1994, somente 16% das leis aprovadas derivavam do poder conclusivo das comissões, o anuário em referência divulga que, em 2005, essas leis equivaleram a 60% do total. Para dar um outro exemplo, o apontado esvaziamento das comissões, identificado naquele primeiro período e considerado pelas pesquisas como um dos indicadores da fraqueza desses órgãos técnicos como instância decisória, deixa de ser verificado nos dados apresentados pelo anuário, que mostra uma média bastante alta de presença dos parlamentares nas reuniões, o que sugere possa ter havido mudança na perspectiva parlamentar em relação aos trabalhos desenvolvidos nessa seara. O ponto central da monografia a ser elaborada será examinar se essas e outras discrepâncias de dados entre o anuário de 2005 e as pesquisas divulgadas em períodos anteriores refletem, ao invés de um fenômeno restrito ao ano em questão, uma mudança que vem se firmando paulatinamente no comportamento das instituições de poder na Câmara dos Deputados. 4. OBJETIVOS O objetivo geral do projeto é descrever e analisar o desempenho do poder conclusivo das comissões. O objetivo específico é investigar se a atuação do poder conclusivo das comissões na produção legislativa, de início pouco significativa, conforme os primeiros estudos publicados, vem melhorando e se estabelecendo ao longo das legislaturas, considerando os anos de 1997, 2001 e 2005 (3ªs sessões legislativas das últimas três legislaturas). 5. JUSTIFICATIVA O material disponível acerca do poder conclusivo das comissões, concentrado em poucas publicações de artigos e monografias, em geral escritos pelas mesmas pessoas, torna patente que há um grande espaço de pesquisa e avaliação a ser explorado sobre o assunto. As publicações existentes baseiam-se em dados obtidos apenas até o ano de 1999, praticamente o período de duas legislaturas após a instituição do poder conclusivo pela Constituição Federal. Este trabalho visa pesquisar um período de tempo mais recente, a fim de trazer informações mais atuais sobre o processo legislativo nas comissões. A relevância do projeto consiste em dar a conhecer à sociedade o papel importante que desenvolvem as comissões da Câmara dos Deputados no cenário democrático brasileiro, como órgãos técnicos especializados que atuam diretamente no processo legislativo. 6. REVISÃO DA LITERATURA Os cientistas políticos Argelina Cheibub Figueiredo e Fernando Limongi, ao analisarem a organização interna dos trabalhos legislativos em Executivo e Legislativo na nova ordem constitucional (2000), apontaram que o Poder Executivo pode influir fortemente sobre o 2 Cf. Figueiredo, Argelina e Limongi, Fernado. Executivo e Legislativo na nova ordem constitucional, Rio de Janeiro, Ed. FGV, 2002.
conteúdo, o tempo e o ritmo do processo legislativo. Tal capacidade é proporcionada tanto pelas disposições constitucionais, que lhe asseguram várias prerrogativas para interferir nos trabalhos legislativos, como por exemplo a possibilidade de solicitar urgência para seus projetos, quanto pelas regras inscritas no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, que consagraram um formato decisório muito centralizado para o processo legislativo, deixando vários poderes relevantes concentrados nas mãos das lideranças partidárias e da Mesa. Esclarecem os autores, também, que em razão desse formato organizacional afinal prevalecente, o sistema de comissões da Câmara, idealmente concebido como parte de uma engrenagem de poder descentralizada, onde os órgãos técnicos, dotados de especialização, deveriam acrescentar qualidade ao processo legislativo e se constituir como caminho obrigatório pelo qual todas as proposições passariam, acabou sendo esvaziado e enfraquecido como instância legislativa. Apresentando pesquisa referente aos anos de 1989 a 1994, os autores mostram dados segundo os quais 282 (55%) das 514 leis aprovadas sofreram pedido de urgência e apenas 151 leis (29%) seguiram o fluxo regular de aprovação pelo plenário após apreciação pelas comissões. Além disso, apenas 81 leis (16%) teriam sido aprovadas por meio do uso do chamado poder conclusivo das comissões, instituto introduzido no processo legislativo pela Constituição de 1988 que deveria, em princípio, imprimir nova dinâmica ao trabalho parlamentar. A pequena produtividade conclusiva, assim, é criticada pelos pesquisadores. Cabe ressaltar, no entanto, que esse instituto somente foi previsto pelo Regimento Interno de 1989 e regulamentado em 1991, sendo, portanto, muito recente na época em questão. Ademais, o texto traz um pouco de confusão ao nomear de parecer conclusivo o parecer da comissão sobre proposições que devam ir ao plenário, e ao interpretar erroneamente alguns dados do gráfico de tramitação das proposições que foram transformadas em lei, quando coloca o número de proposições que tiveram pedido de urgência após o parecer da comissão (44) como sendo o número de projetos em que as comissões teriam cumprido integralmente seu papel de apreciação. Não há dúvidas de que o pedido de urgência, como diz o texto, retira uma parte dos poderes das comissões, uma vez que leva ao plenário proposição ainda pendente de tramitação, principalmente no que diz respeito à sua apreciação conclusiva, mas daí a generalizar que as comissões pouco influenciem na agenda de trabalhos e no produção legislativa final parece um equívoco. Outro ponto a ser questionado é o de que as leis sancionadas no período analisado, em sua maioria, não passaram pelas comissões, que teriam feito pouco uso de seu poder conclusivo, com fundamento no percentual de leis sancionadas que foram apreciadas em regime de urgência. Ocorre que a mesma tabela traz a informação de que 62,5% do total de projetos (360) aprovados pela Câmara e que aguardavam decisão do Senado foram apreciados conclusivamente pelas comissões, além de 16% desse tipo de proposição ter sido transformado em lei. Mais uma vez pode-se vislumbrar o quanto as comissões produzem em termos de aprovação, mesmo que seu produto ainda não tenha sido convertido em lei, por motivos alheios ao seu trabalho, afora as rejeições que não foram evidenciadas na pesquisa realizada. Tratando também sobre o processo legislativo brasileiro, conforme o artigo Uma teoria da preponderância do Poder Executivo. O sistema de comissões no legislativo brasileiro (2000), os doutores Carlos Pereira e Bernardo Mueller buscaram, em teorias produzidas sobre o sistema de comissões americano teoria distributiva e teoria informacional, elementos que pudessem ser aplicados no exame do funcionamento do sistema de comissões da Câmara dos Deputados.
Segundo a teoria distributiva 3, as comissões são utilizadas para o benefício próprio de seus membros, servindo como moeda de troca. Na teoria informacional 4, as comissões recebem poderes do plenário como estímulo para sua especialização e conseqüente ganho de informação, a qual deve ser transmitida ao plenário. O artigo tem como intenção contribuir para a criação de uma teoria específica para o caso brasileiro, denominada pelos autores de teoria da preponderância executiva. A premissa de tal teoria é a subordinação das comissões à vontade do Poder Executivo, o qual controla o Legislativo de duas formas: os poderes de legislar dados pela Constituição (edição de medidas provisórias, vetos totais e parciais, competência privativa de iniciar leis e pedidos de urgência) e a centralização do poder decisório nas mãos dos líderes partidários, proporcionada pelo regimento interno da Casa, que lhes assegura um papel principal na condução dos trabalhos das comissões, seja pela nomeação e substituição, a qualquer momento, dos seus membros, seja pelo uso do pedido de urgência. Em relação às teorias apresentadas, o texto deixa claro que, pelo fato de as comissões brasileiras não possuírem meios de fazer prevalecer a sua vontade e de terem um alto nível de rotatividade, a teoria distributiva não pode ser aplicada diretamente ao Congresso brasileiro. Podese vislumbrar sua aplicação apenas em relação à influência do Executivo na composição das comissões, por meio da indicação de membros pelas lideranças partidárias aliadas ao governo, em troca de favores como liberação de emendas orçamentárias ou cargos executivos. No entanto, os autores entendem que essa teoria é insuficiente para explicar a complexidade das comissões brasileiras. Tentam, então, encontrar subsídios na teoria informacional. Constatam que, apesar dos ganhos obtidos com as informações fornecidas pelas comissões especializadas, o custo de espera que uma proposição sofre para ser aprovada implica diretamente na sua retirada das comissões, mediante pedido de urgência. Segundo o texto, o Poder Executivo, cujas proposições se concentram na área econômica e administrativa, prefere perder informação a perder tempo. Ao contrário, as proposições do Legislativo, que em grande parte estabelecem alterações sociais, sofrem mais debates e demoram mais a serem apreciadas. Essa seria uma explicação para o fato de que as proposições do Executivo tramitem, em sua maioria, em regime de urgência. Conclui, portanto, que alguns elementos das teorias estudadas aplicam-se às comissões brasileiras, mas sempre com a interferência direta ou indireta do Poder Executivo. Em razão de todos os meios de que dispõe o Executivo para realizar sua vontade legislativa, apontam os autores que as comissões, apesar do poder conclusivo dado pela Constituição de 1988, não são institucionalmente fortes. Baseiam essa constatação nos dados pesquisados na legislatura de 1995 a 1998, em que 805 propostas foram aprovadas, das quais 207 (25,20%) iniciaram e 106 (13,16%) findaram sua tramitação com poder conclusivo. Declaram, ainda, que 96 das 207 propostas receberam pedidos de urgência, perdendo assim a conclusividade nas comissões. Utilizando esses dados, os autores tentam demonstrar o quão fraco é o desempenho das comissões na produção legal. No entanto, deve-se ter em mente que, em uma comparação adequada, tem-se mais de 50% (106 de 207) das proposições iniciadas e concluídas pelas comissões sem interferência do plenário, o que permite inferir que, mesmo numa época em que o poder conclusivo era um instituto bastante recente, as comissões desempenharam um papel legislativo mais importante do que deduz o texto. Apesar da validade de boa parte das colocações dos autores, deve-se refletir se o resultado do trabalho das comissões é apenas a literal produção legal, ou se também consiste naquilo que elas 3 Weingast e Marshall, 1988; Sheplsle e Weingast, 1987. 4 Gilligan e Krehbiel, 1987; Krehbiel, 1991.
não permitem que se transforme em lei, por meio do poder conclusivo de rejeição. Também há de se pensar na importância das comissões na atualidade, uma vez que nas últimas legislaturas, com a grande quantidade de medidas provisórias travando a pauta do plenário, este tem se visto praticamente impossibilitado de deliberar sobre as demais proposições. 7. METODOLOGIA - A metodologia a ser empregada no trabalho será a análise documental. Far-se-á um levantamento de dados sobre os projetos de lei que tramitaram na Casa nas últimas legislaturas, por meio de informações prestadas pelo Serviço de Sinopse do Centro de Documentação e Informação da Câmara dos Deputados e, após tabulação por parâmetros de tempo de tramitação, comissões responsáveis pela apreciação, e produção final, será realizada a análise detalhada dos resultados. 8. CRONOGRAMA Levantamento bibliográfico X X X SEMANAS Agosto Setembro Outrubro 1 2 3 4 1 2 3 4 1 2 3 4 Coleta de dados X X X Análise dos resultados X X X Elaboração das Conclusões Encontros com o orientador X X X X Relatório parcial X X X X Relatório Final X 9. BIBLIOGRAFIA Anuário estatístico do processo legislativo. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2006. BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria geral das comissões parlamentares: comissões
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