A VISÃO DIALÓGICA DO DISCURSO

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Transcrição:

A VISÃO DIALÓGICA DO DISCURSO SANTOS, Robson Fagundes dos. (G UNIOESTE) LUNARDELLI, Mariangela Garcia. (UNIOESTE) RESUMO: O presente estudo visa apresentar os pressupostos acerca da Análise do Discurso, com base no referencial teórico de Orlandi (2001); Maingueneau (1998); Brandão (2004); e Charaudeau e Maingueneau (2004). Também objetiva apresentar algumas direções teóricas a partir do círculo de Bakhtin, com fundamentação em Brait (2005; 2008); Baccega (2000) e no próprio Bakhtin (1997) e Bakhtin e Volochinov (2002). O círculo Bakhtiniano contribui com importantes apontamentos para a análise das relações discursivas, principalmente no que diz respeito à incorporação de outros discursos por um dado discurso, merecendo destaque os conceitos de dialogismo e de interação verbal. O dialogismo se apresenta como princípio constitutivo da linguagem. Trata-se de seu funcionamento real, em que um dado discurso faz uso de outros discursos em uma esfera de comunicação verbal. Sobre a interação verbal, ela se apresenta como constituinte da verdadeira substancia da língua, uma vez que surge a partir da enunciação, da interação entre os indivíduos localizados em um determinado grupo social. Além desses conceitos, este estudo apresenta os conceitos de polifonia, enunciação, enunciado, horizonte social e auditório social. Os discursos estão presentes em todas as dimensões da sociedade, sendo de suma importância a compreensão dos mesmos fundamentados nas condições históricas, culturais e sociais, revelando-se como elos de uma corrente comunicativa ininterrupta. PALAVRAS-CHAVE: Análise do discurso, Relações discursivas, Dialogismo, Interação verbal. 1 Introdução Os estudos referentes ao discurso e à relação que este mantém com outros discursos é o que nos leva a uma visão das relações discursivas que se fundamenta a partir dos estudos do círculo bakhtiniano. Uma vez que a Análise do Discurso se relaciona com diferentes campos do conhecimento, temos uma abordagem semiótica que postula que as relações discursivas interagem através do dialogismo. Ademais, serão explanados outros conceitos que fazem parte do círculo de Bakhtin e que complementam a análise dessas relações como, por exemplo, a enunciação, a palavra, a interação verbal, o diálogo e o conceito de polifonia. 2 - Análise do discurso

A análise do discurso é o domínio interdisciplinar que toma o discurso como seu objeto próprio, buscando compreender a língua em movimento, como uma entidade na qual a ideologia se manifesta. Por estar em relação com os gêneros de discurso trabalhados em diferentes setores do espaço social ou nos campos discursivos (político, científico), e entendida como uma disciplina que visa à articulação da enunciação sobre um certo lugar social, compete-nos apresentar, a partir do interesse da análise do discurso pelos diferentes corpora de outras disciplinas como a sociolingüística, a análise conversacional e outros, as diferentes linhas de pesquisa que ela toma, uma vez que se apoia nas disciplinas vizinhas adotando diferentes pontos de vista. Assim, por entrecruzar-se com as ciências humanas, postula-se que há analistas do discurso mais sociólogos, outros mais lingüistas, outros mais psicólogos. A essas divisões acrescentam-se as divergências entre as múltiplas correntes (MAINGUENEAU, 1998, p. 14). Surgida na França, na década de 60, a análise do discurso rompe com a tradição de práticas teórico-analíticas voltadas para a interpretação e procura, com base na articulação da Linguística, do Marxismo e da Psicanálise, evidenciar as muitas maneiras de significar a partir da materialidade linguística, entendendo a língua enquanto produção de sentido, relacionando-a com sua exterioridade, suas condições de produção. Ao considerar o discurso como um objeto sócio-histórico, a Análise do Discurso critica a prática das Ciências Sociais e da Linguística, fazendo uma reflexão de como a linguagem se materializa na ideologia e como a ideologia se manifesta na língua. Surge assim, a relação língua-discurso-ideologia, uma vez que a ideologia tem como materialidade específica o discurso, e este a língua (ORLANDI, 2001, p. 16). A ideologia é compreendida como condição para a constituição do sujeito e dos sentidos (IBID, p. 46). Assim, tem-se o fato de que o indivíduo, estando diante de qualquer objeto simbólico e incumbido de interpretá-lo, irá questionar a sua função, o significado e propósito, utilizando-se das evidências e relacionando-se com suas condições materiais de existência. A ideologia traça esse propósito e se coloca como função da relação do sujeito com a língua e a história, no intuito da construção de sentido. É a relação necessária entre a linguagem e o mundo.

O discurso, como objeto sócio-histórico e produto ideológico importante nessa relação, depende do sujeito para existir, necessita de uma entidade que o produza, sendo o sujeito movido pela ideologia, não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia: o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia e é assim que a língua faz sentido (PÊCHEUX, 1975 apud ORLANDI, 2001, p. 17). A língua 1, a partir da análise do discurso, não é vista como um produto abstrato, mas como maneiras de significar, como produção de sentido, fazendo parte do mundo. A linguagem se coloca como meio de comunicação e interação social. O indivíduo faz parte da história e, por isso, é necessário considerar os processos e as condições de produção da linguagem; a linguagem é linguagem porque faz sentido. E a linguagem só faz sentido porque se inscreve na história (ORLANDI, 2001, p. 25). É a partir da Análise do Discurso que se tem a relação entre o sentido e a linguagem, a capacidade do indivíduo de significar e significar-se. Mas é preciso evidenciar aqui o direcionamento desse domínio interdisciplinar, de acordo com os objetos de estudo e a abordagem desses objetos por diferentes teóricos e suas linhas de pensamento. Assim temos a distinção teórica de no mínimo dois domínios interdisciplinares: uma Análise do Discurso dominada pelas correntes interacionistas e etnometodológicas, dedicadas ao estudo da língua, cujo objeto de estudo é a conversação ordinária e a Análise do Discurso de linha francesa, a AD, como apresentam Pêcheux e Fuchs (1975 apud BRANDÃO, 2004, p. 32), que articula as Ciências Sociais (História, Sociologia e Filosofia), Linguística, Teoria do Discurso e Psicanálise. Para a realização da análise do discurso, é necessário apropriar-se do conceito de interdiscurso. Em sentido amplo, a Análise do Discurso é entendida como um conjunto das unidades discursivas sejam elas partes de discursos anteriores de mesmo gênero ou pertencentes a discursos contemporâneos de outros gêneros, com as quais um discurso, em particular, entra em relação implícita ou explícita. Em sentido restrito, o interdiscurso é um espaço discursivo, um conjunto de discursos (de um mesmo campo 1 Na obra Análise de Discurso: Princípios e Procedimentos, Orlandi (2001, p. 15) utiliza os termos língua e linguagem como sinônimos, isso se explica, talvez, porque estes termos não são objetos de estudo da Análise do Discurso, e sim o discurso significando a palavra em movimento, prática de linguagem....

discursivo ou de campos distintos) que mantém relação de delimitação recíproca uns com os outros (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2004, p. 286). 3 - O dialogismo e outros elementos norteadores nos estudos de Mikhail Bakhtin Para traçar um estudo sobre as relações discursivas, Mikhail Bakhtin postula que essas relações interagem através do dialogismo. Este parte da suposição de que o nosso discurso não se relaciona diretamente com as coisas, mas com outros discursos que semiotizam o mundo (FIORIN, 2006, p. 167). O indivíduo faz uso da linguagem para estabelecer uma relação com a realidade. Assim, o dialogismo se apresenta como princípio constitutivo da linguagem, que corresponde ao seu funcionamento real. Um dado enunciado faz uso de outros discursos dentro de uma esfera de comunicação verbal e mantém com estes uma relação de sentido: A relação dialógica é uma relação de (sentido) que se estabelece entre enunciados na comunicação verbal. Dois enunciados quaisquer, se justapostos no plano do sentido (não como objeto ou plano lingüístico) entabularão uma relação dialógica (BAKHTIN, 1997, p. 345). Também é preciso, além do conceito de dialogismo, definir o termo enunciação. Uma vez que a palavra se dirige a um interlocutor, isto é, de alguém para alguém, temse a enunciação como um produto resultante da interação de dois indivíduos posicionados e organizados socialmente. Assim, para determinar o meio social em que um indivíduo está situado, a época, os processos histórico-culturais e a constituição ideológica desse meio, aplica-se o termo horizonte social. A reflexão do indivíduo, o mundo interior que é constituído sempre a partir das relações dialógicas tem um auditório social, este que possibilita a construção das deduções interiores, das motivações e apreciações desse indivíduo (BAKHTIN; VOLOCHÍNOV, 2002, p. 112). Segundo Baccega (2000, p. 53), há uma distinção entre enunciação e enunciado. A enunciação se refere ao lugar onde o discurso nasce; um universo a disposição do sujeito que nele escolhe as palavras para combiná-las e formar seu enunciado. Já o enunciado é entendido como a manifestação desse discurso, quer seja na modalidade escrita da língua, quer seja na modalidade oral. A palavra se estabelece como uma ponte entre o enunciador e o enunciatário, ou seja, como elemento constitutivo do enunciado:

Toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra apóia-se sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor (BAKHTIN; VOLOCHÍNOV, 2002, p. 113, grifos do autor). A interação verbal se constitui a partir da enunciação, do ato de expressão da palavra. São as enunciações que movimentam as relações sociais e que promovem a interação entre os indivíduos de um determinado grupo social. Os indivíduos relacionam-se, organizam-se e definem-se como grupos porque trocam experiências e compartilham crenças e valores. Não é um sistema abstrato de formas linguísticas e, muito menos, a enunciação monológica isolada; esta que se estabelece como expressão da consciência individual, que irá constituir a verdadeira substância da língua, mas sim o fenômeno da interação verbal (BAKHTIN; VOLOCHÍNOV, 2002, p. 123). O diálogo é uma das formas desse fenômeno e é compreendido como toda comunicação verbal. Assim, podemos definir o ato de fala impresso como um elemento da comunicação verbal, feito para ser apreendido de maneira ativa, ser estudado a fundo. Um ato de fala sob a forma de livro mantém relações dialógicas com outros impressos, e é orientado em função das intervenções anteriores, sejam elas do próprio autor como de outros autores. O discurso escrito é parte integrante de uma discussão ideológica, sempre respondendo a alguma coisa, confirmando, refutando e antecipando respostas e objeções potenciais. É por esse motivo que a enunciação corresponde apenas a uma fração de uma corrente de comunicação verbal ininterrupta. Um discurso incorpora discursos anteriores, assim como ele também será incorporado por discursos futuros (BAKHTIN; VOLOCHÍNOV, 2002, p. 123). A relação entre discursos, ou seja, a incorporação de outros discursos por um dado enunciado traz a reflexão sobre as várias vozes que se manifestam neste enunciado. Assim, o dialogismo é concebido como um espaço de interação entre o eu e o tu, ou entre o eu e o outro, uma vez que todo discurso vem interpelado por outras

vozes. A importância do outro na constituição do sentido, a concepção de que outras vozes constituem o discurso é o que se classifica como polifonia: A polifonia é aquela multiplicidade de vozes e consciências independentes e imiscíveis... cujas vozes não são meros objetos do discurso do autor, mas os próprios sujeitos desse discurso, do qual participam mantendo cada uma sua individualidade caracterológica, sua imiscibilidade (BEZERRA, 2007, p. 198, grifo do autor). O conceito de polifonia apresentado por Bakhtin surge a partir de estudos da obra de Dostoievski, em que as vozes presentes no romance respondem por elas mesmas, não sendo objeto do discurso do autor, mas sujeitos de seus próprios discursos. O autor passa a ser uma espécie de regente de um coro de muitas vozes que participam do processo dialógico. Essas vozes, embora criadas pelo autor, se manifestam com autonomia e possibilitam o surgimento de um romance diferente: o romance polifônico (BEZERRA, 2007). Assim, Bakhtin consegue entrecruzar duas diferentes perspectivas epistemológicas: a filosofia da linguagem e os estudos literários. É pelo fato de se articular com outras ciências que a AD é aplicada no discurso literário. Para Bakhtin (1988, p.31 apud BACCEGA, 2000, p. 75) tudo o que é ideológico é um signo. Sem signo não existe ideologia. A palavra é um signo verbal e entra na composição do discurso literário. A literatura enquanto arte feita com palavras refrata o ser social e, ao mesmo tempo, outras esferas ideológicas como, por exemplo, a religião, a política e o conhecimento científico. O fato de a literatura, como domínio ideológico, trabalhar com a globalidade e apropriar-se de todos os discursos é o que explica o seu estreito com a AD, uma vez que a Análise do Discurso, em linhas gerais, interessa-se por diferentes corpora de outras disciplinas (BACCEGA, 2000, p. 77). Assim, o discurso literário cumpre um papel ideológico cíclico, já que consegue configurar artisticamente o material que recolhe de outros domínios e retornálo a realidade social de onde emergiu. Um exemplo são os fatos históricos citados em romances de época, re-configurados literariamente, gerando assim novos signos que vão se integrar à realidade social (ibid.; p. 78). 4 - Considerações finais

O discurso surge em um determinado momento histórico, presenciando e incorporando as manifestações que ocorrem nesse espaço temporal. Quando um discurso faz uso de outros discursos, ele está, através do dialogismo, fazendo uso de outras perspectivas de leitura que foram feitas em outros momentos histórico-políticosociais. Trata-se de uma construção discursiva pautada em discursos anteriores, construção esta que também poderá servir de base para discursos ainda a serem construídos. É por esse motivo que se deve considerar os fatores ideológicos e sociais do momento de sua produção. O discurso como uma corrente de comunicação verbal ininterrupta. Referências bibliográficas: BACCEGA, Maria Aparecida. Palavra e discurso: literatura e história. São Paulo: Ática, 2000. BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 2. ed. Trad. e org.: Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes,. 1997. BAKHTIN, Mikhail (VOLOCHINOV). Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. e org.: Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Annablume; Hucitec, 2002. BEZERRA, Paulo. Polifonia. IN: BRAIT, Beth (org.). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2007. p. 191-200. BRANDÃO, Helena N. Introdução à Análise do Discurso. Campinas: UNICAMP, 2004. CHARAUDEAU, Patrik; MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de análise do discurso. Trad. e org.: Fabiana Komesu. São Paulo: Contexto, 2004. FIORIN, José Luiz. Interdiscursividade e intertextualidade. IN: BRAIT, Beth (org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006. p. 161-193. MAINGUENEAU, Dominique. Termos-chave da análise do discurso. Trad. e org.: Márcio Venício Barbosa e Maria Emília Amarante Torres Lima. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998. ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 3. ed. Campinas, SP: Pontes, 2001.