Mudanças na Atenção à Saúde Mental no Amazonas: Projeto para Subsidiar a Implantação dos Serviços Residenciais Terapêuticos



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Transcrição:

Anais do 2º Congresso Brasileiro de Extensão Universitária Belo Horizonte 12 a 15 de setembro de 2004 Mudanças na Atenção à Saúde Mental no Amazonas: Projeto para Subsidiar a Implantação dos Serviços Residenciais Terapêuticos Área Temática de Saúde Resumo Este projeto tem o intuito de instaurar ações que possam por em prática o previsto na legislação referente à Saúde Mental. Através de uma equipe multidisciplinar, são efetuados procedimentos que possibilitam dar suporte técnico-científico ao Hospital Psiquiátrico Eduardo Ribeiro no sentido de viabilizar a re-inserção social dos pacientes asilares. O principal referencial teórico utilizado é o Psicodrama e a ênfase que trilha a práxis é o vínculo que se estabelece no encontro entre o portador de sofrimento psíquico e o profissional de saúde. São realizadas reuniões semanais pela equipe multidisciplinar que tem por objetivo discutir e avaliar questões concernentes ao avanço da Reforma Psiquiátrica no Brasil e, prioritariamente, no Estado do Amazonas. Ao longo de pouco mais de dois anos da implementação do Projeto, foram conquistados avanços significativos que permitiram desmembramentos de outros sub-projetos que, além de dar suporte ao Projeto principal, atendem demandas específicas surgidas à medida que as trocas foram estabelecidas. A perspectiva presente em todo o curso de trabalho é a desinstitucionalização da loucura, que nos moldes como atualmente se apresenta reforça a estigmatização da loucura e contribui com a exclusão e a discriminação dificultado a re-inserção social do portador de sofrimento psíquico. Autores Ermelinda do Nascimento Salem Muniz Psicóloga Docente UFAM Ana Maria Coelho Marques Psiquiatra - Associação Amazonense de Psiquiatria (AAP) Antenor P. Cavalcante - Graduando de Psicologia Dalit F. Waisman - Graduanda de Psicologia Heloísa P. M. Azevedo Graduanda de Psicologia Instituição Universidade Federal do Amazonas - UFAM Palavras-chave: reforma psiquiátrica; luta anti-manicomial; saúde mental Introdução e objetivo Ao longo do processo civilizatório, a humanidade incorporou ganhos e perdas. Tornamo-nos capazes de constituir agrupamentos humanos e de viver em sociedade. Entretanto, isso implica em precisarmos abrir mão de necessidades e desejos pessoais, sempre que esses interferem de forma não satisfatória na vida de outros indivíduos de nossa espécie, ameaçando o equilíbrio do grupo. Foi assim que começamos a estabelecer regras, normas, princípios, segundo os quais guiamos nosso comportamento. Desenvolvemos, a partir daí, uma ética das relações, sem a qual não poderíamos reconhecer os direitos e os deveres nossos e dos outros, sem a qual não poderíamos aspirar à cidadania, mas, também, enclausuramo-nos em modelos de conduta, que passaram a determinar o que seria normal ou anormal de fora para dentro - do grupo para o indivíduo - e começamos a temer desmesuradamente qualquer comportamento que se desvie

das regras da suposta normalidade. Tememos tal comportamento em nós e, especialmente, nos outros, por não podermos sequer admiti-lo em nós mesmos. Além disso, em função de interesses de uns grupos em relação a outros, em função da luta pelo poder - o poder material, o poder da verdade, o poder do controle, entre tantos outros - criamos uma falsa ética das relações, em que produzimos a exclusão e a segregação como se fossem circunstâncias absolutamente legítimas. Aparelhos repressores foram construídos, sob o disfarce de instituições destinadas à manutenção da ordem e da normalidade sociais - na verdade a ordem e a normalidade que refletem os interesses de uns grupos em detrimento de outros. Foi a verdadeira perversão - uns homens impedindo a humanidade de outros. Assim é que os manicômios, destinados aos tratamentos dos "loucos", surgem na história da humanidade: como tantos outros aparelhos repressores, como tantas outras instituições "normatizadoras" que deveriam, sob o disfarce do tratamento, da terapêutica, segregar, excluir da sociedade os "indesejáveis". Os"doentes mentais" foram internados, ou mesmo abandonados, por meses, anos, eternamente, entre grandes muros e muitas grades, submetidos a eletrochoques e a excessos de substâncias químicas (os "remédios"), que os dopavam e impregnavam, cronificando-os. Envoltos em "camisas de força", quase sempre em ambientes imundos, sem roupas, sem mobiliário, completamente destituídos de sua dignidade. E os psiquiatras e, mais recentemente, os psicólogos, assumimos os papéis de legítimos agentes representantes desse aparelho repressor, em nome de um conhecimento científico que nada tem de neutralidade, mas que, ao contrário, sempre revela uma forma de conceber o homem que reflete uma determinada cultura, com todos os seus interesses, suas contradições, seus temores e suas perversões. Foi preciso que buscássemos tentar libertar-nos de nossas próprias contradições, de nossos próprios temores; que nos tornássemos cada vez mais reflexivos e críticos quanto ao nosso conhecimento; que nos trabalhássemos no sentido de nos compreendermos como parte desse grande grupo, que é a humanidade; que atentássemos para o nosso compromisso de uns com os outros e que buscássemos resgatar ou aprimorar essa legítima ética das relações, para que começássemos a efetuar mudanças na atenção à saúde mental. A Reforma Psiquiátrica Brasileira, normatizada pela Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001, determina regulamentações e ações que se opõem ao modelo manicomial de segregação e exclusão e estabelece a necessidade de efetivar mudanças nos modelos assistenciais. Essa Lei, nos itens VII e VIII do parágrafo único do artigo 2º, especifica que os pacientes devam receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento e que sejam tratados em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis. A Portaria nº 224 do Ministério da Saúde, de 29 de janeiro de 1992, define a criação de uma rede assistencial substitutiva ao hospital psiquiátrico, com alternativas mais humanizadas de serviços ambulatoriais e hospitalares, com equipes multiprofissionais (Psiquiatras, Psicólogos, Enfermeiros, Assistentes Sociais, Terapeutas Ocupacionais e outros), habilitadas para o desenvolvimento de ações em saúde mental que, de fato, correspondam às demandas dos usuários, que estejam voltadas para a saúde e não para a doença, para o indivíduo, no grupo, a caminho da cidadania e que resultem contrárias às deformações na ética das relações humanas. A Portaria/GM nº 106/00, de 11 de fevereiro de 2000, cria os Serviços Residenciais Terapêuticos e assim os define: moradias ou casas inseridas, preferencialmente, na comunidade, destinadas a cuidar dos portadores de transtornos mentais, egressos de internações psiquiátricas de longa permanência, que não possuam suporte social e laços familiares e, que viabilizem sua inserção social. A III Conferência Nacional de Saúde Mental, realizada em Brasília no período de 11 a 15 de dezembro de 2001, aprova a proposta de suprimir a expressão egressos de internações

psiquiátricas de longa permanência do texto da Portaria 106, visando possibilitar a criação de residências terapêuticas para pessoas com perfil adequado aos critérios estabelecidos pela Portaria, mas que não são oriundas de internações psiquiátricas de longa permanência. Assim, amplia esse dispositivo para todos os portadores de sofrimento mental, deficientes mentais, autistas, que assim o requeiram, como, por exemplo, aqueles que vivem nas ruas, os egressos dos manicômios judiciários e de outras instituições penais, bem como os egressos de demais estruturas asilares. Nesta perspectiva, o referencial teórico-técnico do Psicodrama, desenvolvido pelo médico romeno Jacob Levi Moreno, vem fornecer um dos instrumentos necessários ao desenvolvimento de uma proposta desta natureza. Em Moreno, concebe-se o homem como um ser comprometido com o encontro e intrinsecamente responsável por todos os fatos da vida e por todos os outros homens. A abordagem do indivíduo é realizada no contexto das relações interpessoais, através do desempenho de papéis. Este enfoque apresenta-se perfeitamente afinado com a fundamentação básica da Reforma Psiquiátrica, que exige uma mudança na concepção da saúde e doença mental, capaz de desconstruir o modelo de exclusão e alienação com que os portadores de transtornos mentais têm sido tratados. O resgate da cidadania dessas pessoas somente será efetuado mediante a sua inserção social, conforme aponta a Portaria nº 106. Faz-se necessário, portanto, trabalhar as relações interpessoais e os papéis sociais amputados ao longo do processo de abandono, cronificação e institucionalização daqueles que apresentam problemas mentais. Além disso, o referencial Psicodramático apresenta duas vertentes indispensáveis à consecução de um trabalho com este objetivo, representadas nos referenciais do Psicodrama Pedagógico e do Psicodrama Terapêutico. Objetivo geral: trabalhar, junto aos portadores de transtornos mentais com internações psiquiátricas de longa permanência no CPER, que não possuam suporte social e laços familiares, o processo de implantação dos SRTs como modalidade assistencial substitutiva à moradia asilar, viabilizando a inclusão social e o resgate da cidadania desses pacientes. Objetivos específicos: promover a qualificação de profissionais e acadêmicos dentro de uma perspectiva de humanização da atenção em saúde mental; identificar peculiaridades amazônicas, que devem ser consideradas na implantação dos SRTs; avaliar e aplicar as possibilidades de contribuição do Psicodrama na implantação de programas dessa natureza; fornecer o maior número de informações a respeito da doença e do tratamento, estimulando a discussão acerca da moradia asilar, bem como dos benefícios e comprometimentos que pode representar à integridade biopsicossocial; detectar a existência de fatores que incapacitem os pacientes para uma determinada modalidade de moradia; promover o resgate dos papéis sociais necessários a uma vida em comunidade o mais autônoma possível; auxiliar os pacientes na identificação das dificuldades e possibilidades dos vínculos já estabelecidos ou que venham a estabelecer entre si, com os membros da equipe de execução do projeto e comunidade em geral. Metodologia Público alvo: portadores de transtornos mentais com internações psiquiátricas de longa permanência no Centro Psiquiátrico Eduardo Ribeiro, que não possuam suporte social e laços familiares. Identificação e seleção dos pacientes: seleção, para início do trabalho, de um grupo com no máximo 12 (doze) pacientes com maiores perspectivas de inserção social (observando-se critérios como maior disponibilidade para as relações interpessoais, motivação para outro tipo de moradia e outros que se apresentem quando da identificação dos participantes). Os demais pacientes serão atendidos subseqüentemente, de forma semelhante.

Avaliação e aplicação da metodologia do psicodrama: discussão e identificação, em reuniões semanais da equipe de execução do Projeto, de elementos indicativos das especificidades regionais, como vocabulário, costumes e representações mentais inerentes ao contexto situacional dos pacientes, inclusive com o objetivo de adequar continuamente as intervenções e estratégias à realidade local; elaboração, pela equipe executora do Projeto, de modelo de avaliação de resultados das sessões dos grupos de pacientes, em que se evidencie o desempenho e evolução de cada um; este modelo deverá ser preenchido por todos os profissionais e alunos envolvidos, por ocasião das reuniões técnicas semanais, possibilitando a mensuração dos resultados e norteando os avanços de cada grupo trabalhado; utilização do referencial teórico técnico do Psicodrama Pedagógico e Terapêutico, no treinamento da equipe executora do Projeto e nas sessões dos grupos de pacientes; detecção de Transtornos Mentais e/ou Seqüelas Neurológicas Limitantes; levantar história e evolução do quadro clínico apresentado, através de pesquisas nos prontuários e entrevistas com a equipe multiprofissional da Instituição e outras fontes (se existentes); solicitar avaliações médicas, psicológicas e laboratoriais julgadas necessárias pela equipe executora do Projeto; identificar tipos de cuidados médicos, psicológicos, de enfermagem, de fisioterapia e/ou outros, requeridos em cada caso; definição de modalidades de moradias; utilização das informações sobre cuidados especiais requeridos, com o fim de possibilitar orientações técnicas para definição das modalidades de Serviço Residencial Terapêutico; repasse dessas informações, bem como das modalidades de Serviços Residenciais Terapêuticos passíveis de serem viabilizados, nas sessões pedagógicas terapêuticas e em outras atividades com os pacientes. Resgate dos papéis sociais: realização de treinamentos e fornecimento de informações acerca de aspectos da cidade de Manaus, da vida em sociedade, dos afazeres inerentes à administração de uma casa, do sistema viário da cidade e particularmente do bairro onde residirão, etc.: em atividades fora do CPER (como, por exemplo, levando-os para conhecer os terminais de ônibus e auxiliando-os a aprenderem a deslocar-se através dessa forma de transporte); ao longo das sessões pedagógicas terapêuticas no CPER (através do role playing dos papéis que forem sendo identificados ou referidos no grupo, como importantes para a adaptação à nova moradia; ou auxiliando-os na limpeza e arrumação de seus objetos pessoais dentro das enfermarias em que dormem, etc.); identificação das dificuldades e possibilidades vinculares; focalização do trabalho sobre a relação e não sobre a doença, buscando o desenvolvimento do potencial de estabelecimento de vínculos satisfatórios - através da experiência concreta, da relação democrática e simétrica entre pacientes e equipe executora do projeto, ao longo de todas as atividades, com vistas a garantir a participação e a tomada de decisões dos pacientes no processo como um todo e vivenciar a proposta Moreniana do encontro: O amor e o compartilhamento mútuo são princípios de trabalho indispensáveis e poderosos numa vida em grupo. Por isso, é imperativo que tenhamos fé nas intenções de nosso semelhante, uma fé que transcende a mera obediência originada pela coerção física e legalística (MORENO, 1997). Resultados e discussão Além das duas sessões semanais com os pacientes, outras atividades têm sido proporcionadas, algumas das quais desenvolvidas fora da instituição. A participação dos pacientes no III Seminário - Saúde Mental e o SUS no Amazonas, realizado no período de 14 a 16 de novembro de 2002, foi um marco muito importante, tanto do ponto de vista sócio-político no que se refere à necessidade de serem efetuadas mudanças vigorosas na atenção à Saúde Mental em nosso Estado e à necessidade de mudanças na concepção de saúde mental e doença mental quanto do ponto de vista terapêutico quando o enfoque deixa de ser a doença e passa a ser a relação do louco com a sociedade, verificamos uma melhora no quadro desse dito louco que nos surpreende.

Em novembro de 2002, a presença do Secretário de Saúde e da Coordenadora do Programa de Saúde Mental em uma sessão pedagógica terapêutica com os pacientes, ensejou uma visita da equipe técnica ao Conjunto Habitacional Nova Cidade, por sugestão do próprio Secretário. Essa visita teve o objetivo de avaliarmos a possibilidade de utilização de algumas unidades residenciais do referido Conjunto, como Serviços Residenciais Terapêuticos, ocasião em que, também, contatamos com a equipe do Programa Saúde da Família, no Centro de Referência Monte das Oliveiras, quando fomos informados que o Conjunto Nova Cidade não faz parte da área de abrangência dessa Unidade. Posteriormente, com vistas a garantir a participação dos pacientes na tomada de decisões ao longo de todo o processo, aconteceu uma segunda visita, desta vez com a presença dos mesmos. Na ocasião, manifestaram sua aprovação e o desejo de que sejam realizadas reformas que atendam às suas expectativas, tais como a cor da pintura, construção de varandas, pátios, muros e cobertura de lavanderias, troca de portas e janelas, colocação de grades para reforçar a segurança, tipo de vegetação, características do mobiliário, entre outras mais específicas como, por exemplo, a criação de galinhas e animais de estimação. Foi encaminhado, então, um documento ao Secretário de Saúde na época e à Superintendência de Habitação (SUHAB), propondo a aquisição de imóveis, no Conjunto Nova Cidade, para a implantação dos Serviços Residenciais Terapêuticos. No documento constam várias especificações destinadas a atender as necessidades manifestadas pelos pacientes, bem como as exigências elencadas na Portaria 106. Embora tenham sido solicitadas quinze unidades residenciais, entendemos que, caso sejam criados Serviços Residenciais Terapêuticos no referido Conjunto, apenas em torno de cinco serão realmente necessárias, tendo em vista que um número pequeno de pacientes apresenta condições e expectativas (constituição de uma família pequena) compatíveis com a modalidade de Serviço Residencial Terapêutico que pode ser instalada nessas unidades (casas pequenas, com apenas dois quartos pequenos). Para os demais pacientes, as pensões protegidas apresentam-se como uma modalidade mais adequada, em função das limitações por eles apresentadas e que vêm a requerer cuidados específicos. O final do ano de 2002 foi marcado pela realização conjunta (equipe técnica e pacientes) de uma festa de confraternização, que correspondeu às expectativas construídas ao longo dos nossos encontros semanais. A aquisição de roupas e adereços culminou com o momento de preparação de cada um para a festa, envolvendo desde a escolha do que vestir até a maquilagem das pacientes. O cardápio também foi escolhido conjuntamente. Essa festa foi vivenciada por todos nós como um momento de intenso compartilhamento dos vínculos construídos ao longo de um semestre de relacionamento. No mês de março de 2003, os pacientes estiveram presentes na abertura da Mostra de Teatro que aconteceu na Praça da Saudade, com a apresentação da peça O Que É e o Que Não Devia Ser. Essa atividade possibilitou a eles um momento de convivência e integração com a comunidade manauara da qual todos fazemos parte e que, naquele momento, dividia uma importante manifestação cultural. Na ocasião, também, participaram de um passeio de ônibus pela cidade. No dia 16 de maio de 2003, como parte da programação relativa ao Dia Nacional de Luta Antimanicomial, participaram de uma concentração em praça pública, passeata e manifestação em frente à Assembléia Legislativa. Esse evento, iniciativa da Coordenação do Programa de Saúde Mental da Secretaria Estadual de Saúde, teve o objetivo de despertar a atenção da comunidade para a questão da Reforma Psiquiátrica, mobilizando os Deputados para a aprovação do Projeto de Lei Estadual da Reforma Psiquiátrica. Tal Projeto de Lei, em tramitação desde o ano de 2002, é de suma importância para garantir o compromisso do Poder Público com o processo de mudança da assistência à saúde mental no Amazonas.

Em 27 de maio de 2003, a equipe de execução do Projeto conseguiu realizar uma reunião com a Coordenação do Programa Estadual de Saúde Mental. Nessa ocasião, foram levantados aspectos tais como: a necessidade de encaminhamento do Projeto, sob protocolo, à Secretária de Saúde, garantindo a sua formalização como proposta ou subprojeto do Programa de Saúde Mental do Estado, possibilitando o aporte financeiro indispensável à sua total realização; a necessidade de identificação do Projeto como Projeto de Extensão da Universidade Federal do Amazonas, com a especificação dos membros da equipe de execução e com vistas ao esclarecimento acerca dos encaminhamentos de correspondências e discussões necessárias; o acompanhamento e supervisão da execução do Projeto pelo Programa de Saúde Mental; a realização de contato do Coordenador do Programa com os pacientes participantes do primeiro grupo, na reunião mensal de familiares e usuários do CPER, em 28/05/03; a viabilidade de execução de subprojetos específicos, a curto e médio prazo; a análise sobre a localização mais adequada dos Serviços Residenciais Terapêuticos, com enfoque sobre a importância de estarem situados em um bairro da cidade que facilite o acesso ao Centro de Saúde que dará o suporte assistencial, que seja uma área com a qual os pacientes estejam familiarizados, próxima do território onde residem atualmente e com fácil acesso a locais de lazer e cultura tais como o Teatro Amazonas, cinemas e outros; a avaliação dos resultados do trabalho, com enfoque sobre a escassa participação dos técnicos do CPER, em parte entendida como resistência às mudanças na forma de ver e de se relacionar com o portador de transtorno psíquico, proposta fundamental que permeia e embasa todas as ações do trabalho, sustentadas na construção de uma relação com o sujeito que abandone o modelo cultivado e cristalizado de ver a doença ao invés do indivíduo. A princípio os pacientes manifestaram um grande temor em participar do Projeto. A instituição asilar, embora lugar de alienação e cronificação do doente mental, constituiu-se para os mesmos, até aquele momento, como o único espaço de acolhimento e amparo, única referência possível de moradia. Só conseguiam assimilar que sua participação poderia significar sua saída do hospital e, portanto, o seu abandono. Gradativamente foram sendo esclarecidos pela equipe técnica, o que os estimulou a permanecerem no Projeto. Em vários momentos temos trabalhado com mais intensidade, junto aos pacientes, o fornecimento de informações acerca da Reforma, acerca da doença e do tratamento. Durante um desses trabalhos, um paciente nos disse que sua doença é a doença da vida. Quando lhe perguntamos o que é isso, ele nos informou que é crescer na miséria, sendo abandonado pela família, não aprendendo a ler e escrever, não tendo um trabalho e nem onde morar. No decorrer das sessões pedagógicas terapêuticas, em vários momentos ouvimos depoimentos desse tipo, bem como outros que falam da exclusão, da discriminação e dos maus tratos que sofre o louco. E é nesses momentos, em que mais fortemente constatamos a nossa grande dívida social para com os portadores de sofrimento psíquico, que temos encontrado forças para continuar desenvolvendo este Projeto. Em dezembro de 2003, a equipe de execução do Projeto constatou a necessidade de implantação de subprojetos no sentido de sistematizar procedimentos. O SubProjeto Visitante, já implementado em 2004, visa o resgate do momento de visita pode representar a implementação de uma estratégia que concretize esse início do processo de reinserção social. Vivenciado, a princípio, pelos próprios estudantes e profissionais da área de saúde mental, deverá, posteriormente, abrir espaço a todas as pessoas que assim o desejarem. Para 2004, está prevista, ainda, a implantação de outros dois subprojetos, são eles: oficina do B A Ba e, com o objetivo de promover o desenvolvimento de habilidades tais como ler, escrever, executar operações numéricas, entre outras, necessárias a uma vida em comunidade o mais autônoma possível, ampliando as oportunidades de inserção social e resgate da cidadania dos pacientes residentes do Centro Psiquiátrico Eduardo Ribeiro (CPER); educação em saúde mental, objetivando a implementação de medidas que objetivem a

mudança de uma representação social que exclui e segrega o que foge aos padrões de normalidade socialmente instituídos, como é o caso da concepção vulgar sobre o louco e a loucura. Considerando a suscetibilidade dos jovens na formação e transformação de conceitos e opiniões, este projeto propõe a abertura de discussões e reflexões sobre o doente e a doença mental com adolescentes concludentes do ensino fundamental, com base na idéia de que os preconceitos nessa faixa ainda não estão cristalizados (e/ou com outras populações). Conclusões Os resultados obtidos demonstram que, quando viabilizamos a interação e vinculação dos pacientes com pessoas e objetos, em plena vida real, estamos, de fato, trabalhando com a perspectiva de desinstitucionalização da loucura. E que se esta possibilidade, no desenvolvimento deste projeto, não está sendo adequadamente potencializada, há que se criar novos caminhos para contribuirmos com a transformação desse fenômeno de sofrimento existencial e social que é a loucura. Referências bibliográficas AMARANTE, Paulo (Coord.). Loucos Pela Vida: A Trajetória da Reforma Psiquiátrica no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1995. BRASIL. Legislação em Saúde Mental. 3. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2002. MORENO, J.L. Psicodrama. São Paulo: Cultrix, 1997.. Autobiografia. São Paulo: Saraiva,1997. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Comissão Organizadora da III CNSM. Relatório Final da III Conferência Nacional de Saúde Mental. Brasília: Ministério da Saúde, 2002.