O andebol oferece-me coisas que a faculdade não tem é a demonstração de carácter Aos 24 anos Ricardo Pesqueira tem já um longo percurso andebolístico. Cresceu para o desporto no Águas Santas, mas no currículo conta já com várias chamadas à Seleção Nacional. No FCPorto foi bi-campeão nacional, mas é atualmente ao serviço do ABC de Braga que o seu esforço individual tem sido reconhecido. Trabalhador, persistente e lutador, são algumas das características com que o próprio se define. Na cabeça leva a ciência que a medicina exige, mas no coração a raça e a dedicação que o andebol alimenta.
Jéssica Rocha (JR.): Começou muito novo a praticar desporto. O que o motivou? Ricardo Pesqueira (RP.): Comecei na natação, muito novo. Com cerca de 2/3 anos. E desde muito cedo a minha mãe, principalmente, começou a incutirme este espírito do desporto, de fazer alguma atividade JR.: Quando entra o andebol nesta história? RP.: O andebol foi quase um acaso. Quando fui morar para Águas Santas, ao ir para as piscinas, o pavilhão ficava no caminho. Nessa altura ia com o meu avô. Foi num dia à vinda da escola, devia ter para aí uns 7/8 anos. Ao contrário de outros dias, entrei no pavilhão e estive lá a ver o treino dos seniores. Gostei do que vi e no fim-de-semana a seguir fui experimentar um treino nos bâmbis, que era o escalão mais baixo. A partir daí fui conciliando as duas coisas o andebol e a natação -, porque de facto gostava e tinha mais tempo para fazer as duas coisas. Entretanto aos 12/13 anos tive de optar por uma e a natação como era aquela que me dava menos prazer - não sei se era por ser um desporto individual e o outro coletivo -, acabei por decidir e a partir dos 13 anos, aí sim, dediquei-me exclusivamente ao andebol. JR.: Não se imaginava noutro desporto? RP.: (Pensativo) Não! Acho que não. Não e por várias razões. Primeiro, porque depois de jogar andebol tantos anos acredito simplesmente que é o desporto mais completo e o melhor desporto do mundo. Depois, porque acho que não tenho mesmo jeito para nenhum dos outros desportos (risos). Não jogo nada futebol, tenho mesmo muito pouco jeito para o futebol. Basquete ajudava um pouco a minha altura. Voleibol também jogo muito mal. JR.: A que posição gostava mais de jogar? RP.: Praticamente desde sempre joguei a pivô. Claro que naqueles escalões mais baixos bâmbis, minis experimentamos todas as posições, mas seguramente desde os infantis sempre fui pivô. É a posição que mais gosto. Acho mesmo que é a que mais gosto e a que melhor se adapta a mim. Quando estamos em escalões mais jovens sente-se alguma pressão, mas não é uma coisa que nos limite
JR.: Em juvenil é chamado pela primeira vez à seleção nacional de sub-16. O que sentiu quando viu o seu nome na convocatória? RP.: Foi um primeiro contacto na altura tinha vários colegas meus que jogavam comigo no Águas Santas e que já iam à seleção há bastante tempo. Todos eles me falavam que era uma experiência muito engraçada, porque contactavam com outros jogadores que nós estávamos habituados a ver a jogar e lembro-me, por exemplo, que num torneio entre Seleções Regionais - eu jogava na Seleção Regional do Porto cheguei a jogar contra o Pedro Seabra, que agora é meu colega no ABC, e já o admirava como jogador. Jogava contra o Nuno Silva, por exemplo, que jogava na Associação de Andebol de Braga. Vários jogadores. O próprio Rui Silva, que está no Sporting. De facto a Seleção era um espaço onde todos os grandes valores se juntavam e foi uma experiência muito engraçada. E a partir daí sabia que tinha de trabalhar ao máximo e que tinha de aproveitar aquela oportunidade para me manter lá. JR.: Esta chamada deu então o alerta para continuar a trabalhar RP.: Claro que sim, claro que sim! Até porque quando fui a primeira vez à seleção secalhar ainda não tinha capacidades técnicas para estar numa Seleção Nacional, mesmo jovem. Mas pronto, já era grande, já era forte e reconheço que isso me ajudou um pouco a chegar mais longe e tudo o resto, obviamente, foi trabalho e muita vontade. Eu sabia que me tinha de agarrar a alguma coisa e agarrei-me a esse trabalho, que era aquilo que em primeira instância me poderia levar um pouco mais longe. JR.: Ainda se lembra do primeiro jogo pela Seleção Nacional? RP.: Lembro. Lembro-me que foi um torneio em Guimarães e foi contra a Espanha. Na altura nós estávamos na Seleção Nacional de Juniores C, num torneio que todos os anos se fazia em Guimarães. Lembro-me também da data do estágio: foi no dia 26 de dezembro, o ano é que já não sei dizer (risos). Mas foram ali dois ou três jogos em Guimarães já não sei dizer quais eram as outras seleções -, e depois fomos para Espanha, ainda nesse estágio. Jogar o Torneio das Quatro Estações. JR.: O que se sente nos minutos que antecedem a essas partidas? RP.: Eu lembro-me que nós tínhamos um treinador Sérvio, muito rígido, muito nacionalista. Lembro-me de na palestra antes do jogo ele dizer que estávamos ali a representar 10 milhões de pessoas e isto para um miúdo de 15 anos é engraçado de ouvir. JR.: Não acrescentava pressão? RP.: Não. Nós ainda por cima éramos miúdos. Estávamos lá era para nos divertirmos. Quando estamos assim em escalões mais jovens sente-se alguma pressão, é óbvio, temos de a sentir, até para nos habituarmos, mas não é uma coisa que nos limite. JR.: Construiu na Associação Atlética de Águas Santas (Águas Santas) a maior parte da sua carreira desportiva. Como é que recebe o convite para integrar a equipa de andebol do Futebol Clube do Porto (FCPorto)? RP.: A passagem para o Porto deu-se por volta dos 17 anos. De facto, poderia ter acontecido mais cedo. O Porto chegou a falar comigo quando eu tinha 15 anos, só que eu na altura achei que era um pouco cedo. Ainda estava na escola secundária, o Porto já treinava a um ritmo mais profissional e eu tinha como grande objetivo entrar na faculdade de Medicina. Dediquei-me um pouco mais aos estudos, continuei a treinar na mesma no Águas Santas, mas como estava ali um pouco mais perto de casa, foi essa a minha opção. Acabei por ir para o Porto quando já estava aqui (Faculdade), no segundo ano do curso. Achei que era a melhor altura para o fazer.
Foi uma boa oportunidade que surgiu e não estou nada arrependido dessa decisão JR.: O que encontrou no FCPorto? Rp.: No Porto (pensativo) encontrei uma estrutura muito profissional. Aliás, só este nível de treinos e infraestruturas explicam como é que o Porto tem tido tanto sucesso nestes anos. Eu estive lá! Sei de que forma é que se trabalha é mesmo uma equipa que trabalha muito bem e era à procura dessa exigência, também, que eu ia. Entretanto comecei a jogar, contactei com muitos jogadores de outro nível e isso também me fez crescer. JR.: Foi no Porto que se estreou nas competições europeias RP.: Foi no apuramento para a Liga dos Campeões, em 2010/2011. Penso que foi na minha primeira época no clube. Foi um apuramento que fizemos no Dragão e na altura apuramo-nos a segundos do fim. E foi essa a minha primeira experiência. Logo num apuramento para a Liga dos Campeões. JR.: Em 2011/2012 mudou-se para o ABC, de Braga. Foi uma decisão voluntária? RP.: Sim. Sim. Foi uma conjugação de fatores. O ABC estava a precisar de outro pivô, porque o habitual estava lesionado e no Porto estava a jogar essencialmente na equipa de juniores. Havia ali a possibilidade de eu sair por empréstimo, para ganhar um pouco mais de experiência, e de facto foi a minha vontade e também a do Porto, na altura, de me possibilitar essa experiência. Ao fim de um ano e meio no Porto, acreditava que estava numa altura em que precisava de jogar, de começar a sentir a pressão dos jogos, de crescer um pouco quanto a isso. E pronto, foi uma boa oportunidade que surgiu e não estou nada arrependido dessa decisão. JR.: Quando se mudou, o ABC enfrentava uma crise desportiva RP.: De facto, quando fui jogar para lá, o ABC estava a enfrentar um período difícil. Depois do desinvestimento natural que houve, pois o último título do ABC tinha sido há 6/7 anos, passamos ali duas épocas um pouco complicadas. Entretanto voltamos a reunir um bom conjunto de jovens jogadores, trabalhadores, humildes, alguns com experiência noutros clubes. Secalhar não temos as condições económicas nem a nível de infraestruturas que têm os clubes ditos gigantes, mas temos outras riquezas que possivelmente eles não têm. Temos uma cultura desportiva que mais nenhum clube tem. JR.: De facto, este ano estão bem lançados na Challenge Cup RP.: Sim, sendo uma competição inferior à Liga dos Campeões, é algo com algum nível, com prestígio. Portugal tem algum historial nesta competição e o nosso (do ABC) objetivo, este ano, passa por ganhá-la.
JR.: Domingo jogam a segunda mão da meia-final, na Noruega. Vão em vantagem. O que espera deste jogo? RP.: Em primeiro lugar espero passar à final (risos). Depois, como qualquer outro jogo, espero ganhá-lo, até porque não temos nenhuma derrota nesta competição e porque acredito muito que temos qualidade para ir à Noruega ganhar. Vencemos cá por 7, acredito que até poderia ter sido por mais, mas já que cá não conseguimos, queremos fazê-lo agora. O jovem seguiu para Braga, para partir com a comitiva para a Noruega JR:. O Benfica é a outra equipa portuguesa ainda na Taça Challenge. Caso ambos vençam, será a primeira final 100% portuguesa. RP.: É um bom passo para o andebol em Portugal. Eu gostaria muito de jogar contra o Benfica na final da Challenge Cup. Primeiro, porque é uma equipa portuguesa e depois, porque caso uma equipa portuguesa vença esta competição, o quinto classificado nacional tem a possibilidade de disputar as competições europeias, no próximo ano. O que é a Taça Challenge? A EHF Challenge Cup ou Taça Challenge é uma competição a Federação Europeia de Andebol. Na presente época, duas equipas portuguesas chegaram às meias-finais: O ABC (clube de Ricardo Pesqueira) e o Benfica. Jogadas a duas mãos, o Benfica acabou por ser afastado, ao perder por duas vezes frente aos romenos do Odorhei. Melhor sorte teve a equipa minhota, que venceu as duas partidas fente aos noruegueses do Stord, tendo chegado à final. Com a sorte novamente do lado dos romenos, o ABC saiu vencido. Alcançando o honroso segundo lugar nesta competição europeia.
JR.: Seria um impulso para a modalidade? RP.: O crescimento da modalidade depende de vários fatores. É claro que também depende do sucesso das equipas nestas competições. O Porto esteve na Liga dos Campeões com uma excelente performance. O Sporting igualmente, na época passada também esteve bem nas competições europeias. Mas falta a seleção masculina neste caso - voltar a uma grande competição. Já não vamos a uma grande competição há cerca de 10 anos, pelo menos. E isso sim é um ponto essencial para se dar esse crescimento. JR.: Neste nível, quantas vezes por semana treina? RP.: Treino todos os dias. Depois tenho jogo ao fim-de-semana. E eu, como estudo perto da faculdade de desporto, aproveito e tento, no mínimo, ir ao ginásio duas vezes por semana. Por isso, no final, dá os sete treinos por semana, de 2/3horas. Invisto cerca de 5horas por dia no andebol. Desde o tempo que demora a viagem até Braga até ao regresso. JR.: Há 4 anos a jogar em Braga, continua a morar no Porto. Como se faz esta gestão? RP.: (Risos) Todos os anos chegamos a Setembro (início de época) e todos temos imensa vontade de ir para Braga. Não há problema nenhum, as viagens são espetaculares, vamos todos na conversa. Reconheço que chegamos a março/abril/maio depende do contexto desportivo - e as viagens já começam a custar um bocadinho. Já estamos mais cansados, temos os estudos, o trabalho. Mas a rotina e o facto de viajarmos em grupo (são cerca de 6 atletas e o treinador), de irmos a estudar, ou a fazer certas coisas pelo caminho, ajudam a passar o tempo. Tentamos rentabilizar ao máximo as viagens e, possivelmente, isto ajudou-me a ser ainda mais organizado. JR.: Começou a jogar muito jovem. Como conciliava o andebol com os estudos? RP.: Desde novo tive a vontade de manter as duas coisas. Então, a única forma de continuar a jogar era tirar boas notas. Eram objetivos que impunha a mim mesmo. Entrei na faculdade, continuei a jogar. Neste momento o andebol até me compensa financeiramente, mas tenho de ter na mesma boas notas, fazer as cadeiras...portanto, a longo prazo comecei a pensar muito novo. A Medicina é o meu futuro garantido
JR.: Entretanto entrou em Medicina... RP.: A Medicina foi acompanhando este meu percurso do andebol. E a verdade é que, quando entrei no curso, o andebol não me compensava financeiramente, mas neste momento permite-me pagar o curso, ter as minhas coisas, comprar carro, ser eu a pagar as minhas despesas. A Medicina é o meu futuro garantido, mas neste momento tenho imensa vontade de conciliar as duas coisas. Não sei é dizer até quando o vou conseguir fazer. JR.: Nunca ponderou entre a Medicina e o andebol? RP.: Não. Secalhar também já utilizei uma estratégia para não ter que tomar essa decisão tão cedo. Estou no quinto ano do curso e optei por dividir os dois últimos anos o quinto e o sexto -, fazendo-os em três anos. Ou seja, estamos em 2015, mas só acabarei o curso em 2017. O que me permite, pelo menos, mais três épocas a jogar. Isto se estiver em boas condições (risos). JR.: Esse é outro ponto: as lesões. Em algum momento pensou se o esforço valeria compensaria? RP.: Ponderar se valia a pena, acho que não. Eu acredito que quando trabalhamos, tudo vale a pena. No mínimo, o facto de termos trabalhado e estarmos tranquilos com isso. É claro que as lesões nos abalam sempre, e eu este ano estou a atravessar uma época menos boa a esse nível. Estive dois meses fora no início da época, porque me lesionei logo na primeira jornada. Nunca recuperei a minha forma a 100%, porque tenho alguns problemas nos joelhos. No final deste ano terei de fazer uma cirurgia aos dois joelhos. Não é nada complicado, mas terei de parar mais três meses. Obviamente que isto nos faz ponderar se está a valer a pena o esforço, mas eu acredito sempre que sim. Prémio de Melhor Jogador do Ano 2014
JR.: Resultado desse esforço, é o facto de ter ganho um prémio recentemente RP.: Sim, foi em janeiro. O prémio de Melhor atleta do ano de 2014. Foi talvez a distinção mais importante que recebi até hoje, em termos individuais. Foi um enorme orgulho, principalmente por ser num clube com a história do ABC e depois pela forma como eu também entrei no clube. É um percurso do qual me orgulho muito e espero ter muitos mais sucessos. JR.: Apesar de ainda jovem, dedicou mais de metade da sua vida ao andebol RP: E não me arrependo minimamente. Óbvio que teria mais tempo para ter outras experiências na faculdade, mas a verdade é que o andebol me oferece coisas que a faculdade não tem. Desde as viagens que posso fazer, as emoções desportiva, o facto de conhecer colegas que levo para a vida, com quem luto em equipa é um tipo de relação diferente. Aliás, até me conheço melhor a mim próprio. É como se diz: o desporto é a demonstração de carácter. JR.: E a família, não se queixa da falta de tempo? RP.: Eu tento aproveitar o tempo livre para estar com os meus avós, com a restante família, com a namorada. É uma gestão que tenho de fazer, para agradar a todos (risos). JR:. Quando aos 8 anos entrou pela primeira vez no pavilhão do Águas Santas, sonhava com tudo isto? RP.: (Risos) Não sei. Na altura gostei do que vi, do desporto que via, e a partir do momento em que entro numa coisa gosto sempre de dar o meu máximo, quer tenha ou não sucesso. E a partir de um certo momento, talvez dos 15anos, quando comecei a ter outras experiências, aí sim já começava a sonhar estar num plantel sénior a lutar por títulos, a estar na seleção nacional e a verdade é que estou muito contente pelo que fiz até agora, mas espero ficar ainda mais com o que ainda está para vir.
JR.: O que ainda falta alcançar em termos desportivos? RP.: Quero sempre mais. Todas as medalhas que temos, todas as conquistas, a partir do momento em que as conquistamos passam a pertencer ao passado. Por isso há que aproveitá-las enquanto as conquistamos. Um dos meus sonhos é jogar a Liga dos Campeões. Gostava de voltar a representar o meu país numa competição internacional. Gostava também de ser campeão pelo ABC. JR.: E na Medicina será o médico sempre de sapatilha no pé? RP.: (Risos) Não sei, não sei. Não sei se será possível conciliar as duas coisas. Depende da especialidade que escolher. Uma coisa posso garantir: nem a medicina vai deixar de fazer parte da minha vida, nem o andebol. Depois de me tornar médico, vou ter imensa dificuldade em me abstrair do andebol. Por isso, se um dia até poder estar inserido numa estrutura, seria ótimo para manter o contacto com o andebol. Sou trabalhador, persistente e lutador Ricardo Pesqueira JR.: Quem é o Ricardo Pesqueira? RP.: (Risos) Quem é que eu sou? Acho que sou uma pessoa trabalhadora, que tem a possibilidade de estar a construir um bom futuro na medicina e a fazer aquilo que mais gosta, que é jogar andebol. Mas se me resumir assim em duas palavras, acho que sou um rapaz trabalhador, que faço tudo pela competência e que fico triste quando erro, mas acredito que o trabalho é um bom caminho para o sucesso.quer o atinjas, quer não. por: Jéssica Rocha