CONCEPÇÕES DE PROFESSORES SOBRE GÊNEROS TEXTUAIS/DISCURSIVOS NA ESCOLA. Fernanda Cargnin Gonçalves goncalves.fernandac@gmail.com

Documentos relacionados
5 Considerações finais

SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS ÀS AÇÕES DE FORMAÇÃO CONTINUADA DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DO RECIFE/PE

Contexto. Rosana Jorge Monteiro Magni

O MATERIAL DIDÁTICO PEÇAS RETANGULARES

A QUESTÃO ÉTNICO-RACIAL NA ESCOLA: REFLEXÕES A PARTIR DA LEITURA DOCENTE

Encantos de Mojuí dos Campos

O QUE OS ALUNOS DIZEM SOBRE O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: VOZES E VISÕES

OLIVEIRA, Luciano Amaral. Coisas que todo professor de português precisa saber: a teoria na prática. São Paulo: 184 Parábola Editorial, 2010.

III SEMINÁRIO EM PROL DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA Desafios Educacionais

A PRÁTICA PEDAGÓGICA DO PROFESSOR DE PEDAGOGIA DA FESURV - UNIVERSIDADE DE RIO VERDE

INTERPRETANDO A GEOMETRIA DE RODAS DE UM CARRO: UMA EXPERIÊNCIA COM MODELAGEM MATEMÁTICA

O ENSINO DE LÍNGUA INGLESA A PARTIR DO GÊNERO TEXTUAL PROPAGANDA

Denise Fernandes CARETTA Prefeitura Municipal de Taubaté Denise RAMOS Colégio COTET

A INCLUSÃO DOS PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS EDUCATIVAS NAS SÉRIES INICIAIS SOB A VISÃO DO PROFESSOR.

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA CENTRO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA CEAD PLANO DE ENSINO. Carga Horária: 72h Créditos: 4 Fase: 3ª

REPRESENTAÇÕES DE AFETIVIDADE DOS PROFESSORES NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Deise Vera Ritter 1 ; Sônia Fernandes 2

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE INCLUSÃO ESCOLAR NO COLÉGIO DE APLICAÇÃO DA UERJ: IMPACTOS SOBRE A CULTURA ESCOLAR

compreensão ampla do texto, o que se faz necessário para o desenvolvimento das habilidades para as quais essa prática apresentou poder explicativo.

ALTERNATIVAS APRESENTADAS PELOS PROFESSORES PARA O TRABALHO COM A LEITURA EM SALA DE AULA

Crenças, emoções e competências de professores de LE em EaD

PERCEPÇÃO DOS ALUNOS DO ENSINO MÉDIO SOBRE A CONTEXTUALIZAÇÃO DO ENSINO DE QUÍMICA NO MUNÍCIPIO DE GURJÃO-PB

Profa. Ma. Adriana Rosa

PROJETOS DE ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: DO PLANEJAMENTO À AÇÃO.

RESUMO. Autora: Juliana da Cruz Guilherme Coautor: Prof. Dr. Saulo Cesar Paulino e Silva COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA

A aula de leitura através do olhar do futuro professor de língua portuguesa

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA À DISTÂNCIA SILVA, Diva Souza UNIVALE GT-19: Educação Matemática

ANÁLISE DOS GÊNEROS TEXTUAIS ABORDADOS NA COLEÇÃO PROJETO MULTIDISCIPLINAR BURITI DO 1º AO 5º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL NA EDUCAÇÃO DO CAMPO

ITINERÁRIOS DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA: O ESTÁGIO SUPERVISIONADO E A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA

EXPRESSÃO CORPORAL: UMA REFLEXÃO PEDAGÓGICA

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DOS PROFESSORES DE MATEMÁTICA DO ENSINO MÉDIO DA ESCOLA ORLANDO VENÂNCIO DOS SANTOS DO MUNICÍPIO DE CUITÉ-PB

difusão de idéias QUALIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL Um processo aberto, um conceito em construção

ensino encontra-se no próprio discurso dos alunos, que, no início do ano, quando se resolve adotar determinado livro, perguntam: Professor, tem

Processo de Pesquisa Científica

A ORALIZAÇÃO COMO MANIFESTAÇÃO LITERÁRIA EM SALA DE AULA

INDICADORES OBJETIVOS DE NOVAS PRÁTICAS NO ENSINO DE REDAÇÃO: INDÍCIOS DE UMA MUDANÇA?

PIBID: DESCOBRINDO METODOLOGIAS DE ENSINO E RECURSOS DIDÁTICOS QUE PODEM FACILITAR O ENSINO DA MATEMÁTICA

PALAVRAS-CHAVE: PNLD, livro didático, língua estrangeira, gênero.

PROFESSOR PEDAGOGO. ( ) Pedagogia Histórico-Crítica. ( ) Pedagogia Tecnicista. ( ) Pedagogia Tradicional. ( ) Pedagogia Nova.

DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM EM MATEMÁTICA NO ENSINO FUNDAMENTAL II DA ESCOLA ESTADUAL DE ENSINO FUNDAMENTAL VIDAL DE NEGREIROS CUITÉ/PB

INVESTIGANDO O OLHAR DOS PROFESSORES EM RELAÇÃO AS PESQUISAS EM CIÊNCIAS

OS SABERES PROFISSIONAIS PARA O USO DE RECURSOS TECNOLÓGICOS NA ESCOLA

2 METODOLOGIA DA PESQUISA

PÁTRIA EDUCADORA QUE DISCURSO É ESSE?

Colégio Estadual Vicente Tomazini - Ensino Fundamental, Médio e Normal Francisco Alves - Paraná

DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS MATEMÁTICAS Marineusa Gazzetta *

Pedagogia Estácio FAMAP

ERRADICAR O ANALFABETISMO FUNCIONAL PARA ACABAR COM A EXTREMA POBREZA E A FOME.

RELAÇÃO CTSA EM AULAS DE QUÍMICA: AVALIAÇÃO DE UMA PROPOSTA DE ENSINO PARA O CONTEÚDO DE GASES.

O E-TEXTO E A CRIAÇÃO DE NOVAS MODALIDADES EXPRESSIVAS. Palavras-chave: texto, , linguagem, oralidade, escrita.

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas

Investigando números consecutivos no 3º ano do Ensino Fundamental

A LEITURA E A ESCRITA NA ESCOLA: PRÁTICAS CONJUNTAS

Gráfico 1 Jovens matriculados no ProJovem Urbano - Edição Fatia 3;

ÁLBUM DE FOTOGRAFIA: A PRÁTICA DO LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL 59. Elaine Leal Fernandes elfleal@ig.com.br. Apresentação

HISTÓRIA ORAL NO ENSINO FUNDAMENTAL: O REGIME MILITAR NO EX- TERRITÓRIO DE RORAIMA

PESQUISA DATAPOPULAR: PERCEPÇÃO SOBRE A QUALIDADE DA EDUCAÇÃO NAS ESCOLAS ESTADUAIS DE SÃO PAULO

Indicamos inicialmente os números de cada item do questionário e, em seguida, apresentamos os dados com os comentários dos alunos.

PUBLICO ESCOLAR QUE VISITA OS ESPAÇOS NÃO FORMAIS DE MANAUS DURANTE A SEMANA DO MEIO AMBIENTE

Educação a distância: criando abordagens educacionais que possibilitam a construção de conhecimento

O trabalho infantil hoje e em diferentes épocas: Uma nova Abordagem para o Ensino. de História nas Séries Iniciais

FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES E ENSINO DE MATEMÁTICA: UMA EXPERIÊNCIA EM GRUPO

VOZES E IMAGENS POÉTICAS: UMA EXPERIÊNCIA COM O CORDEL NO CEEIGEF

ENSINO DE CIÊNCIAS PARA SURDOS UMA INVESTIGAÇÃO COM PROFESSORES E INTÉRPRETES DE LIBRAS.

PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSA DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA PIBID. Subprojeto de História

O professor que ensina matemática no 5º ano do Ensino Fundamental e a organização do ensino

GESTÃO DEMOCRÁTICA EDUCACIONAL

PROBLEMA É IMPLEMENTAR LEGISLAÇÃO

PROJETO DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA DE FORMAÇÃO CONTINUADA PARA EDUCADORES DE JOVENS E ADULTOS

Breve histórico da profissão de tradutor e intérprete de Libras-Português

O PSICÓLOGO (A) E A INSTITUIÇÃO ESCOLAR ¹ RESUMO

A DANÇA E O DEFICIENTE INTELECTUAL (D.I): UMA PRÁTICA PEDAGÓGICA À INCLUSÃO

Arquivo Público do Estado de São Paulo Oficina O(s) uso(s) de documentos de arquivo na sala de aula

Proposta Disciplinar de Língua Portuguesa. 1. Título da proposta: A intertextualidade através do livro Procura-se Lobo

Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos

Seminário Internacional de Recursos Educacionais Abertos Brasília 19 de agosto de 2015

INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO PÚBLICA NO ENSINO MÉDIO 1

A ÁLGEBRA NO ENSINO FUNDAMENTAL: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA DE INTERVENÇÃO

PLANEJAMENTO E AVALIAÇÃO. Prof. Msc Milene Silva

LEITURA EM TELA NO PONTO BALE/CTI

SEQUÊNCIA DIDÁTICA: ORALIDADE

O mundo lá fora oficinas de sensibilização para línguas estrangeiras

A DISLEXIA E A ABORDAGEM INCLUSIVA EDUCACIONAL

Apresentação. Cultura, Poder e Decisão na Empresa Familiar no Brasil

Programa de Pós-Graduação em Educação

ATUAÇÃO DO PROFESSOR DIANTE DO BULLYING NA SALA DE AULA: PREVENÇÃO E COMBATE

Tal discussão faz parte das transformações nos paradigmas teóricos mais gerais, que atingem todas as áreas do conhecimento, no mundo contemporâneo,

Aprovação do curso e Autorização da oferta. PROJETO PEDAGÓGICO DE CURSO FIC de Comunicação e relações interpessoais no ensino médio

O USO DO TANGRAM EM SALA DE AULA: DA EDUCAÇÃO INFANTIL AO ENSINO MÉDIO

AVALIAÇÃO NA DISCIPLINA DE ARTE

PEDAGOGIA ENADE 2005 PADRÃO DE RESPOSTAS - QUESTÕES DISCURSIVAS COMPONENTE ESPECÍFICO

MÍDIAS DIGITAIS EM ATIVIDADES DO PIBID: EXPERIÊNCIAS COM OS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL 58

9 Como o aluno (pré)adolescente vê o livro didático de inglês

ATENA CURSOS EMÍLIA GRANDO COMPREENDENDO O FUNCIONAMENTO DO AEE NAS ESCOLAS. Passo Fundo

O uso do Crédito por consumidores que não possuem conta corrente Junho/2015

Palavras-chave: Metodologia da pesquisa. Produção Científica. Educação a Distância.

Despesas com a Educação

INVESTIGANDO O ENSINO MÉDIO E REFLETINDO SOBRE A INCLUSÃO DAS TECNOLOGIAS NA ESCOLA PÚBLICA: AÇÕES DO PROLICEN EM MATEMÁTICA

A MEMÓRIA DISCURSIVA DE IMIGRANTE NO ESPAÇO ESCOLAR DE FRONTEIRA

Transcrição:

CONCEPÇÕES DE PROFESSORES SOBRE GÊNEROS TEXTUAIS/DISCURSIVOS NA ESCOLA Fernanda Cargnin Gonçalves goncalves.fernandac@gmail.com

O que faremos? Recorte de uma pesquisa realizada no ano de 2010 com 84 professores que lecionavam nos três primeiros anos do Ensino Fundamental da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis, enfoque nas concepções dos alfabetizadores sobre gêneros textuais/discursivos na escola.

Objetivo da pesquisa Depreender concepções de professores alfabetizadores da referida Rede de Ensino em questões sobre alfabetização, no que se refere a domínios ontológicos, entendidos como as propriedades gerais, da essência do ato de alfabetizar o que é alfabetizar?; domínios axiológicos, no que se referem à valoração social, cultural e histórica atribuída a esse mesmo ato qual a importância da alfabetização para o homem contemporâneo?; domínios teórico-epistemológicos, entendidos como os princípios sobre os quais o ato de alfabetizar está fundamentado o que o professor precisa saber para alfabetizar?; e domínios metodológicos, percebidos como as bases procedimentais do ato de alfabetizar como o professor deve proceder para alfabetizar alguém.

Metodologia da pesquisa Trata-se de um estudo de caso de caráter quantitativo e qualitativo, pois foram entregues 119 questionários a professores de 33 escolas da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis e foram entrevistados oito professores da mesma Rede. Ademais, é importante considerar que a Rede possui um total de 36 escolas e que foi feita a devolutiva de 84 questionários, o que corresponde a 70% do total de educadores participantes da pesquisa dos três primeiros anos de escolarização da Rede Pública em questão.

Por ser uma pesquisa ampla, que envolve diferentes discussões teóricas e resultados, focalizaremos neste artigo apenas um dos itens pesquisados no domínio teórico-epistemológico do estudo: a importância dos gêneros do discurso e da teoria de Bakhtin para os professores participantes da pesquisa.

Fundamentação teórica Conceitos formulados por Voloshinov; Bakhtin (2000 [1929]) e Bakhtin (2003 [1952/53]): linguagem; alteridade; dialogismo; enunciação; gêneros do discurso.

As Concepções dos alfabetizadores Com o objetivo de depreender as teorias do campo educacional que sustentam o trabalho dos professores que participaram da pesquisa relatada neste artigo, solicitamos aos docentes que classificassem, por ordem de importância, as seguintes teorias do campo educacional em se tratando de seu trabalho como alfabetizador: construtivismo de Ferreiro; sociointeracionismo de Vigotski; teorias de Bakhtin; teorias de letramento; teorizações neurocientíficas e teorizações sobre gêneros textuais/discursivos.

Observemos o Gráfico 1 a seguir no qual estão quantificadas as respostas dos participantes sobre as teorias educacionais no campo da alfabetização, do que é possível depreendermos tendências teóricas. É importante destacar que neste gráfico o número 6 representa o item mais importante, o 1 é o menos importante e o 0 é sem importância as colorações correspondentes a esses números traduzem a importância atribuída pelo professor em cada uma dos itens. No questionário, contudo, o comando era inverso, o número 1 era o mais importante e o 6 era o menos importante, mas por razões estatísticas essa ordem precisou ser invertida.

Os itens da questão 10 do questionário da pesquisa representados no Gráfico 1 abaixo significam: 101 Construtivismo de Emília Ferreiro (Jean Piaget); 102 Sociointeracionismo de Vigotski; 103 Teorias de Bakhtin; 104 Teorias de letramento; 105 Teorizações neurocientíficas; 106 Teorizações sobre gêneros textuais/discursivos.

O gráfico suscita muitas análises, focalizaremos, contudo, apenas os itens 103 Teorias de Bakhtin; e 106 Teorizações sobre gêneros textuais/discursivos. Esses dois itens, na relevância das abordagens teóricas na ação desses alfabetizadores, foram classificados em quarto e quinto lugares, respectivamente.

As teorias sobre gêneros não são recentes, circulam no Brasil há algum tempo, principalmente desde a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais na década de 1990. Ainda assim, os estudos de Bakhtin e de autores nacionais que tratam do tema parecem não ter chegado a essas escolas e à prática dos educadores envolvidos neste estudo.

Arriscamos supor que as informações que esses profissionais detêm acerca dos estudos bakhtinianos derivam de formações oferecidas pela Rede de Ensino ou por leituras de autores que escreveram sobre os textos originais; Bakhtin (2003 [1952/53]; 2000 [1929]) e suas discussões sobre gêneros discursivos, alteridade, dialogismo, dentre outros conceitos, parecem não fazer parte do cotidiano dos alfabetizadores.

Exemplo disso foram as solicitações com que nos defrontamos no processo de geração de dados, ocasião em que fomos interpelados por vários alfabetizadores que pediam textos sobre Bakhtin, alegando querer saber mais sobre o autor, segundo eles, em voga hoje. Não registramos formalmente esses dados porque nosso estudo não previu diário de campo como instrumento de pesquisa.

Esse quadro justifica o nível intermediário para o nível quase sem importância 31,6% (coloração roxa na coluna 103) e 31,6% (coloração verde na coluna 106) do gráfico apontado pelos professores em relações às teorias de Bakhtin e gêneros textuais/discursivos. Muitos desses alfabetizadores tiveram contato com tais abordagens, possivelmente grande parte dos profissionais já ouviu falar ou já leu algo em revistas de educação de grande circulação, mas dificilmente tenha feito leitura de livro ou artigo científico que abordem o assunto teoricamente.

Essa reflexão nos faz inferir o tempo que as teorias demoram para migrar da academia para as escolas: mesmo presente no Brasil desde a década de 1990 nas universidades, os alfabetizadores participantes da pesquisa demonstram ainda não ter familiaridade com as teorias de gêneros e de Bakhtin.

A mesma demora aconteceu, por exemplo, com a teoria de Emilia Ferreiro. Seus pressupostos parecem ter demandado cerca de duas décadas para chegar às salas de aula e, tal qual adverte Kleiman (2006), sua teoria nas escolas parece ter sido marcada por ressignificações substantivas em relação aos enfoques originais.

Nas entrevistas realizadas com oito dos professores que responderam ao questionário, Bakhtin é citado, mas de forma superficial. Ao serem questionados sobre teorias do campo da alfabetização, as educadoras afirmam que só agora o autor está sendo utilizando nas formações e que estão lendo algo sobre ele, tal qual menciona Prof86: (1) a gente fez um curso que a professora usava bastante Bakhtin (Entrevista n.1, realizada em 10/08/10) e a Prof108 complementa:

(2) O Bakhtin eu não li nenhum livro a respeito dele ainda, porque, assim, pra mim ele também é novo, agora que tá vindo nos livros didáticos, aí eu sinto como uma necessidade de começar a estudá-lo né, mas, assim, é o único que eu realmente não tenho nenhum estudo de nenhum artigo, nenhum livro (Entrevista n.5 realizada em 20/08/10).

Esse retardamento da chegada dos estudos de Bakhtin às escolas reitera a inferência registrada anteriormente de que as teorias acadêmicas demoram a chegar ao universo escolar. E, nesse percurso, como adverte Kleiman (2006), elas tendem a sofrer ressignificações. Dentre elas, podemos citar a objetificação dos gêneros, apontada por Geraldi (2010), que implica tornar os gêneros conteúdos de ensino, destituindo-os da condição de instrumentos e conferindo a seu estudo dimensão conceitual que leva à verticalização do conhecimento em determinados gêneros, escrutinando-os, como se o objetivo fosse tornar as crianças experts na leitura e na produção dos gêneros eleitos para a seriação escolar.

A despeito dessas questões, parece haver, em nível nacional, a preocupação com alfabetizar considerando os gêneros discursivos, no sentido de evitar tomar o ensino da língua escrita em sua imanência, prezando por uma abordagem que considere o fato de essa modalidade da língua prestar-se a instituir relações interpessoais em contextos situados, ainda que não se conheça as teorias de Bakhtin e de gêneros textuais/discursivos que abordam esses assuntos.

Considerações finais A alfabetização a partir da disseminação de uma concepção de língua como objeto social, com ênfase em usos situados da escrita, modificou-se sob vários aspectos e em muitos espaços escolares, sobretudo com a aproximação ao ideário bakhtiniano sobremodo no que respeita aos gêneros do discurso. Importa o registro de que, a exemplo de toda teorização que ganha vulgarização científica, as concepções sobre gêneros do discurso, além de demorarem para chegar nas escolas, também têm sido objeto de equívocos.

A pesquisa que realizamos na Prefeitura Municipal de Florianópolis vai ao encontro desta afirmação, pois a teoria de Bakhtin e dos gêneros textuais/discursivos parece não fazer parte de forma efetiva da vida profissional dos alfabetizadores, fato decorrente da demora que as teorias levam para migrar para as escolas. Por outro lado, devido à vulgarização científica, a teoria pode ser utilizada de forma ressignificada nas salas de aula, o que não significa que não exista um esforço por parte dos professores e principalmente da secretaria de educação em levar os gêneros do discurso para as classes de alfabetização.

Referências BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003 [1952/53]. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Língua Portuguesa. v. 2. Brasília, 1997. FARACO, Carlos Alberto. O estatuto da análise e interpretação dos textos no quadro do círculo de Bakhtin. In: GUIMARÃES, Ana Maria de Mattos; MACHADO, Anna Raquel; COUTINHO, Antónia. (Org.). O interacionismo sociodiscursivo: questões epistemológicas e metodológicas. Campinas/SP: Mercados da Letras, 2007. GERALDI, João Wanderley. Deslocamentos no ensino: de objetos a práticas; de práticas a objetos, 2010. Não publicado. KLEIMAN, Angela. Processos identitários na formação profissional: o professor como agente de letramento. In.: CORRÊA, Manoel Luiz Gonçalves; EOCH, Françoise (Orgs.). Ensino de língua: representação e letramento. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2006.

MORTATTI, Maria do Rosário Longo. Os sentidos da alfabetização. São Paulo: Editora UNESP: CONPED, 2000. ROJO, Roxane. Gêneros do discurso e gêneros textuais: questões teóricas e aplicadas. In.: MEURER, J. L.; BONINI, Adair; MOTTA-ROTH, Desirée (Orgs.). Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. SCHNEUWLY, B. Gêneros e tipos de discurso: considerações psicológicas e ontogenéticas. In: SCHNEUWLY, B. & J. DOLZ. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado de Letras, 2004. VOLOSHINOV, V. N./ BAKHTIN. M. M. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2000 [1929].