ECLI:PT:TRL:2013:1350.12.9TYLSB.G.L1.6.F7 http://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ecli:pt:trl:2013:1350.12.9tylsb.g.l1.6.f7 Relator Nº do Documento Maria De Deus Correia rl Apenso Data do Acordão 28/11/2013 Data de decisão sumária Votação unanimidade Tribunal de recurso Processo de recurso Data Recurso Referência de processo de recurso Nivel de acesso Público Meio Processual Decisão Apelação improcedente Indicações eventuais Área Temática Referencias Internacionais Jurisprudência Nacional Legislação Comunitária Legislação Estrangeira Descritores insolvência; citação; princípio do contraditório; revelia; Página 1 / 5 16:26:09 04-07-2019
Sumário: I-As situações contempladas no preceito constante do art.º 12.º do CIRE, legitimadoras da dispensa da audição do Requerido, são a residência do devedor que seja pessoa singular no estrangeiro e o desconhecimento do seu paradeiro. A motivação do regime legal, como se vê da letra do artigo, é obviar à demora excessiva do processo que a audiência do devedor nessas condições poderia envolver. II-Contudo, este preceito não pode deixar de ser interpretado à luz dos princípios fundamentais do processo civil designadamente o princípio do contraditório, consagrado no art.º 3.º do Código de Processo Civil, segundo o qual nenhum conflito deve ser decidido sem que à outra parte seja dada a possibilidade de deduzir oposição. III-Ao nosso sistema processual civil repugnam as decisões tomadas à revelia de algum dos interessados, o que apenas excepcionalmente é admitido em situações em que os restantes interesses o imponham. Uma das excepções é precisamente aquela que está prevista no art.º 12.º do CIRE. (sumário da Relatora) Decisão Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I-RELATÓRIO Nos presentes autos de insolvência em que é Requerente L, S.A. e é Requerida M, LDA, ambos melhor identificadas nos autos, vem o presente recurso interposto da decisão que dispensou a citação da Requerida, nos termos do disposto no art.º 12.º do CIRE. Foi proferido o despacho com o seguinte teor: Nos presentes autos em que é requerida M, Lda, tentada a citação da mesma na respectiva sede social, foi devolvido o respectivo expediente com a indicação recusado (fls.48). Foi tentada a citação na pessoa do seu legal representante, tendo o expediente respectivo sido igualmente devolvido. Foram efectuadas as buscas previstas no art.º 244.º n.º1 do Código de Processo Civil e não foram obtidas novas moradas. Atendo o facto da devolução da carta de citação da requerida, foi tentada a citação por funcionário judicial que também se revelou infrutífera. Assim, tendo em conta a factualidade supra descrita e sendo neste momento desconhecido o paradeiro, quer da requerida, quer do seu representante legal, ao abrigo do disposto no art.º 12.º n.º 1, 2 e 3 do CIRE, dispenso a audiência da requerida. Após ter tomado conhecimento da sentença que decretou a sua insolvência, sem antes ter sido ouvida, inconformada com a decisão que dispensou a sua audição, vem interpor recurso dessa decisão. Formulou, no essencial as seguintes conclusões de recurso: No caso concreto existiu dispensa de citação da Requerida, ora Recorrente, nos termos do art.º 12.º do CIRE. O art.º 12.º do CIRE, apesar de encerrar um mecanismo ao dispor do juiz, para obviar a demoras excessivas na citação ou para ultrapassar manifestos expedientes dilatórios, também encerra, em si própria, a preocupação de não ultrapassar direitos de defesa do citando, a qual é patente na definição dos deveres consagrados no n.º2 deste artigo. Página 2 / 5 16:26:09 04-07-2019
É dado ao julgador um poder que deve ser utilizado com um especial cuidado e ponderados os interesses em jogo, potencialmente antagónicos. O da celeridade e o da segurança jurídica por via do exercício do contraditório. E, quer-nos parecer que o M.º Juiz do Tribunal a quo não teve um especial cuidado na decisão tomada, prejudicando gravemente o ora Recorrente, dispensando a sua citação. No caso não se compreende como foi apenas consultada a base de dados da Segurança Social, relativamente ao gerente da ora Recorrente, onde surge a indicação de uma entidade patronal que foi completamente ignorada. Impunha-se a realização de mais diligências, nomeadamente a consulta das bases de dados indicadas no artigo 244.º do CPC (não só a da Segurança Social), antes de decidir pela dispensa da citação. Assim deve ser declarado nulo o despacho que dispensou a citação e consequentemente ser anulado todo o processado subsequente. Nas suas contra alegações a Recorrida pugnou pela improcedência do recurso. O Tribunal a quo, pronunciando-se sobre a invocada nulidade referiu por despacho de fls. 184: Conforme decorre do art.º 12.º do CIRE, a citação do devedor pode ser dispensada quando acarrete demora excessiva, ainda que se trate de administradores da devedora. Decorre dos autos que após tentativa de citação da pessoa colectiva na sua sede foi tentada a citação do seu representante legal na morada inscrita na CRC, frustrando-se igualmente esta, foi determinado o cumprimento do disposto no art.º 244.º do Código de Processo Civil, tendo novamente sido tentada a citação nas moradas aí apuradas que também se frustrara. Ainda assim, o tribunal determinou a citação pessoal do gerente da devedora, por funcionário judicial que também se frustrou. Ora, tendo nesta altura já decorrido cerca de 4 meses desde a data da entrada da acção, quando a lei indica como prazo para julgamento apenas 5 dias, dúvidas não restam que estávamos perante uma demora excessiva. O Tribunal não pode nem se lhe impõe que faça uma investigação aprofundada para descobrir o paradeiro dos representantes das pessoas colectivas, que, aliás têm a obrigação legal de ter as suas moradas actualizadas nos registos, quer comercial quer civil, quer ainda na Segurança Social, Finanças e IMTT, o que parece não ser o caso. Veja-se que apesar de recorrer, nem agora se veio indicar qual é, afinal, a morada do gerente em causa. Ora, face a estas circunstâncias, o tribunal foi muito para além daquilo que lhe era legalmente exigido na tentativa de citar a requerida e não o contrário. Assim, não existe qualquer nulidade na dispensa de citação da requerida, mantendo-se integralmente o referido despacho. II-OS FACTOS Os elementos fácticos com relevo para a decisão, são os que constam do relatório supra. III-O DIREITO Tendo em conta as conclusões de recurso formuladas, que delimitam o respectivo âmbito de cognição, a questão que importa decidir consiste em saber se, no caso concreto, estavam verificados os requisitos que permitem a dispensa da audiência do devedor, nos termos do art.º 12.º do CIRE. Nos termos daquele preceito legal, 1- a audiência do devedor ( ) incluindo a citação, pode ser dispensada quando acarrete demora excessiva pelo facto de o devedor, sendo uma pessoa singular, residir no estrangeiro, ou por ser desconhecido o seu paradeiro. 2-( ) 3- O disposto nos números anteriores aplica-se, com as devidas adaptações relativamente aos administradores do devedor, quando este não seja uma pessoa singular. Página 3 / 5
As situações contempladas no preceito em análise, legitimadoras da dispensa da audição, são a residência do devedor que seja pessoa singular no estrangeiro e o desconhecimento do seu paradeiro. A motivação do regime legal, como se vê da letra do artigo, é obviar à demora excessiva do processo que a audiência do devedor nessas condições poderia envolver [1]. E a dispensa da audição pode ser oficiosamente promovida pelo juiz desde que este, em função dos elementos constantes do processo, se aperceba da verificação de qualquer das situações que a possibilite[2]. Contudo, este preceito não pode deixar de ser interpretado á luz dos princípios fundamentais do processo civil designadamente o princípio do contraditório, consagrado no art.º 3.º do Código de Processo Civil, segundo o qual nenhum conflito deve ser decidido sem que à outra parte seja dada a possibilidade de deduzir oposição. Trata-se da pedra angular ou trave mestra de todo o sistema, sem a qual dificilmente as decisões seriam substancialmente justas [3]. Com efeito, só a audição de ambas as partes interessadas no pleito e a possibilidade que lhes é conferida de controlarem o modo de decisão dos tribunais permitirão que a verdade seja descoberta e que sejam acautelados os interesses dos litigantes [4]. Por isso, ao nosso sistema processual civil repugnam as decisões tomadas à revelia de algum dos interessados, o que apenas excepcionalmente é admitido em situações em que os restantes interesses o imponham. Uma das excepções é precisamente aquela que está prevista no art.º 12.º do CIRE. Por conseguinte, em conformidade com o exposto, a aplicação do regime em causa há-de ser sempre balizado pelo seu carácter de excepcionalidade. A questão está, portanto, em aferir se, em face dos elementos constantes do processo, se verificavam as condições que permitissem a dispensa da citação da Requerida, considerando os parâmetros supra delineados. Ora, analisados os autos que se verifica? Observa-se que, em 8 de maio de 2012, foi alterada a sede da Requerida que passou a localizar-se na Rua F, conforme consta da certidão do registo comercial. A petição deu entrada em Julho de 2012, portanto em data posterior à mudança da sede. A Requerente solicitou a citação da Requerida nessa morada. Foi remetida carta registada com aviso de recepção para a sede da Requerida, mas a mesma foi devolvida com menção de que a mesma foi recusada por terceiro. Em face da devolução da carta para citação da requerida no local da sua sede, foi ordenada a citação por funcionário judicial na pessoa do gerente da sociedade, tendo em conta a morada constante de fls. 61. Não foi possível também desse modo realizar a citação, pelos motivos constantes da certidão negativa que consta dos autos da qual se destaca o facto de a residência se encontrar sempre fechada e deixados avisos para comparecer no Tribunal o notificando nunca o fez. Efectuadas as buscas previstas no art.º 244.º n.º1 do CPC não foram obtidas outras moradas do gerente da Requerida onde pudesse ser tentada a citação. Ora, com estas diligências, decorreram cerca de quatro meses, desde a data da entrada da acção, o que como bem analisou o Tribunal a quo, não pode deixar de se considerar uma demora excessiva, considerando a natureza do processo de insolvência e os curtos prazos que o legislador estabeleceu para os respectivos trâmites. Ora, uma vez que tanto as pessoas singulares, como as pessoas colectivas têm a obrigação de manter actualizadas as moradas nos registos, quer comercial quer civil, quer na Segurança Social, Finanças, etc, não é exigível que o Tribunal proceda a outras diligências para além das que fez, ou seja, tentar a citação nas moradas que constavam desses registos. De resto, nem outras Página 4 / 5
Powered by TCPDF (www.tcpdf.org) diligências de impunham, no caso, pois efectivamente, a sede da Requerida estava actualizadíssima. A Requerida tinha alterado a sua sede, pouco tempo antes da entrada em juízo do processo. E a Requerida ao intervir no processo, juntou procuração onde indica como sede essa mesma, para onde foi remetida a carta registada com vista à citação e que foi devolvida com menção de recusada. Confirma-se, portanto, que a Requerida só não foi citada por razão que lhe é imputável, logo, até por força do disposto no art.º 224.º n.º2 do Código Civil, deveria considerar-se citada. Em suma, não merece qualquer censura a decisão do Tribunal a quo na medida em que respeitou os critérios legais aplicáveis ao caso. IV- DECISÃO Face ao exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida. Custas pela Apelante. Lisboa, 28 de Novembro de 2013 Maria de Deus Correia Maria Teresa Pardal Carlos de Melo Marinho [1] Luis Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid juris, Lisboa, 2009, p.107. [2] Idem. [3] António Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, I vol. Almedina, p.74. [4] Idem, p.75. Página 5 / 5