Audição da CIP na Comissão de Trabalho e Segurança Social 27 de janeiro de 2016 Bom dia a todos. São vários os projetos de diploma que aqui nos trazem, mas que, de um modo geral, se podem aglutinar em dois grandes blocos de matérias: a reposição dos feriados suprimidos em 2012 e a redução do período normal de trabalho na função pública, de 40 para 35 horas semanais. Estamos todos bem conscientes de que os atuais níveis de bem-estar económico da grande maioria dos portugueses são claramente insatisfatórios. Reconhecemos todos que o bem-estar económico dos portugueses depende do seu rendimento. Todavia, o rendimento só poderá aumentar de forma sustentável se forem criadas as condições necessárias para as empresas produzirem mais. É por isso necessário recentrar o debate sobre a economia nos seus protagonistas, em quem gera valor económico, em quem cria emprego: as empresas. E porque somos uma economia de mercado, aberta ao comércio internacional, para que as empresas produzam e vendam mais é também preciso que produzam melhor ou seja, com maior produtividade e com ganhos crescentes de competitividade. 1
O principal critério objetivo de avaliação da política económica deverá ser sempre baseado nos efeitos positivos ou negativos que tais políticas venham a provocar na competitividade das empresas. Ora, os diplomas que estão presentes nesta audição vão claramente no sentido contrário ao desejado, prejudicando a competitividade das empresas portuguesas e a sua capacidade de produzirem mais e distribuírem mais rendimento. Comecemos por abordar os Projetos de Lei que pretendem repor os feriados nacionais obrigatórios eliminados em meados de 2012, por força de Lei n.º 23/2012, de 25 de junho. A alteração ao regime de feriados, constante do Código de Trabalho em vigor, resulta, como se sabe, de um Acordo de Concertação Social: o Compromisso para o Crescimento, Competitividade e Emprego, celebrado entre o Governo e a maioria dos Parceiros Sociais com assento na CPCS, em 18 de janeiro de 2012. Na negociação desse Compromisso, a redução do número de feriados foi uma solução encontrada pelo Governo e os Parceiros Sociais, num quadro em que também esteve presente o aumento, em meia hora, do período normal de trabalho (PNT), como contraponto à não redução da Taxa Social Única (TSU), que constava do Memorando de Entendimento, celebrado entre o Estado Português e a Troika, em 17 de maio de 2011. O aumento em meia hora do PNT caiu, a descida da TSU não ocorreu e, nos projetos de diploma que aqui nos trazem, intenta-se, também, pôr fim aos cortes de feriados. 2
Caso a reposição dos feriados fosse imposta, o equilíbrio do CCCE, já extremamente atingido na sequência do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 602/2013, ficará inexoravelmente esboroado, com impactos económicos do maior relevo e uma profunda alteração da credibilidade da própria Concertação Social. Tendo sido, como foram, os Parceiros Sociais a acordar na eliminação dos feriados em causa, e a desenhar o equilíbrio que ficou plasmado nesse Compromisso, mais do que natural diria mesmo, bem exigível se tornaria que fossem os Parceiros Sociais a equacionar o quadro da alteração desse equilíbrio. Como segundo aspeto que queremos deixar bem vincado, é o consignado no n.º 1 do artigo 10º da já citada Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, na redação que lhe foi dada pelo artigo 4º da Lei n.º 69/2013, de 30 de agosto. Aí se dispõe que a eliminação dos feriados em causa será obrigatoriamente objeto de reavaliação num período não superior a 5 anos. Esta reavaliação tem que se dar em Concertação Social, o que não sucedeu. A redução do tempo de trabalho, que seria operada por via da reposição dos feriados eliminados ao abrigo da Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, determinaria custos muito acrescidos para as empresas quatro feriados representam cerca de 2% no tempo de trabalho anual, percentagem que sobe se se tiver em consideração o tempo necessário à retoma do normal funcionamento de laboração após um período de 3
paragem que se repercutiriam negativamente na competitividade, no funcionamento da economia e, consequentemente, no comportamento do emprego. A CIP é, pois, totalmente contrária à reposição dos feriados obrigatórios pelas consequências desta medida sobre a atividade económica quer diretamente (pela quebra de produção que daí decorrerá) quer indiretamente pelas suas consequências sobre os custos das empresas e, portanto, sobre a sua competitividade. Aliás, não deixa de ser significativo que esta discussão tenha lugar quando, em França, por exemplo, o que se discute é a proposta da confederação empresarial MEDEF no sentido de suprimir dois feriados entre os onze que atualmente a França tem, com o objetivo de estimular o crescimento económico em 1% e criar 100 000 empregos. Detenhamo-nos, um pouco, sobre o impacto económico da reposição dos quatro feriados em Portugal: Num primeiro conjunto de hipóteses, ou seja, para a hipótese de a empresa laborar nesse dia, o acréscimo dos custos laborais não é uniforme já que não idêntico o regime constante do Código do Trabalho e o que emerge da esmagadora maioria dos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho que, como entendido pelo Tribunal Constitucional, prevalece sobre aquele. Para um acréscimo de 100% de retribuição, o acréscimo de custos laborais, no cômputo do ano seria de 3,4%; para um acréscimo 50% de retribuição, o acréscimo seria de 2,6%. 4
Há, de facto, setores da atividade económica em que a maioria das empresas funciona em laboração contínua, onde o impacto relevante não será a inerente perda de produção, mas, sim, o decorrente do acréscimo do custo do trabalho. No caso de as empresas encerrarem nos feriados, os custos são de difícil avaliação. Desde logo, há a considerar os custos decorrentes da perda de produção de quatro dias de trabalho. Tendo em conta um total de 232 ou 233 dias úteis de trabalho por ano, menos 4 dias correspondem a menos 1,72% de tempo de trabalho. 1,72% do total da produção nacional são mais de 3 mil milhões de euros. Poder-se-á argumentar que há empresas que operam abaixo da sua capacidade de produção e que terão possibilidade de compensar, pelo menos parcialmente, a perda de produção no feriado por aumentos noutros dias, mesmo sem recurso a trabalho suplementar. Mesmo assim, a redução da produção será muito significativa. Estimativas avançadas por diversas associações setoriais apontam para valores superiores a 20 milhões de euros por dia, no respetivo setor. É o caso da metalurgia e metalomecânica, do têxtil e vestuário, da construção. No calçado, a perda de produção (e de exportações, visto que a quase totalidade da produção é exportada) seria de mais de 8 milhões de euros por dia. 5
Em segundo lugar, há que considerar outros custos para as empresas: Os recursos energéticos consumidos na fase de arranque das instalações industriais e equipamentos são muito superiores aos que são consumidos em laboração contínua. São referenciados valores superiores a 30% no aumento de consumo de energia na fase de arranque dos equipamentos industriais. Na indústria têxtil, por exemplo, o tempo para se obter a temperatura certa para o arranque da semana é de quatro horas. Quatro horas de energia perdida com um feriado. Há situações de ciclos produtivos que não podem ser interrompidos (no caso das tinturarias são ciclos de 10 horas). Os ciclos têm que ser continuados, sob pena de perda total do trabalho iniciado. O rearranque da produção tem, igualmente, consumo de tempo para a afinação de equipamentos. Acrescem, para as industrias exportadoras, constrangimentos ao nível das atividades logísticas internacionais para colocar os seus produtos nos mercados externos. Estarão as empresas portuguesas em condições de suportar todos estes custos? Estará a economia portuguesa em condições de suportar perdas de produção? Será este o momento para abdicar de produção e competitividade, logo de rendimento, para obter mais tempo de lazer para os portugueses? Há que fazer opções. Não podemos obter mais tempo de lazer sem perder algo em troca, algo que reputamos de muito relevante. Será esta a opção dos portugueses? 6
Estou certo que a resposta a todas estas questões é não. Por outro lado, alguns projetos legislativos intentam tornar a terçafeira de carnaval um feriado obrigatório. Essa mesma intenção, para além dos efeitos negativos que, em termos económicos e de funcionamento das empresas tem ínsitos, e que já antes deixámos ressaltados, não só carece de qualquer justificação, como surge ao arrepio da corrente do nosso ordenamento jus laboral que sempre considerou tal feriado como facultativo, desde a Lei das Férias, Feriados e Faltas, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de dezembro (v. artigo 19º), que passou para o Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto (v. artigo 209º), e consta, hoje, do artigo 235º do CT em vigor. Pelo seu impacto ao nível económico, com inexoráveis repercussões no plano do emprego, a reposição de qualquer feriado, num quadro vinculativo para as empresas, na perspetiva da CIP, é totalmente inaceitável. Estão também em apreciação diversos projetos legislativos com o objetivo de restabelecer as 35 horas semanais como período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas. Sobre este assunto, apenas duas breves notas. O Governo assegurou já que a reposição das 35 horas semanais não implicará aumentos de custos para o Estado. Permitam-me apenas que duvide que, nesse caso, não haja perda de quantidade ou de qualidade 7
dos serviços prestados pela Administração Pública. Seria sinal de que a produtividade dos trabalhadores do setor público está, afinal, muito aquém do seu potencial. Será que cinco horas por semana de trabalho na função pública são completamente improdutivas, de modo a que a sua supressão não tenha quaisquer efeitos? O aumento do período normal de trabalho na função púbica, das 35 para as 40 horas semanais, foi introduzido como medida inserida num conjunto de sacrifícios que foi exigido a todos os portugueses. O contributo do tempo de trabalho da função pública para a economia nacional é por demais valioso para que dele possamos prescindir. E qualquer quadro que consubstanciasse, em termos legais, menos tempo de trabalho para o setor privado, é, de si, tão aberrante e tão calamitoso, que nem sequer o podemos configurar, nem como hipótese meramente académica. É, pura e simplesmente, um não assunto. 8