OBSERVATÓRIO DE DEFESA COMERCIAL



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Transcrição:

OBSERVATÓRIO DE DEFESA COMERCIAL Informativo da Confederação Nacional da Indústria Ano 2 Número 3 Outubro de 2013 www.cni.org.br O da Confederação Nacional da Indústria (CNI) tem como objetivo informar e analisar assuntos de destaque e de interesse da indústria acerca dos instrumentos de defesa comercial (antidumping, salvaguardas e medidas compensatórias), contenciosos internacionais e temas relacionados. O TRATAMENTO DA CHINA COMO ECONOMIA (NÃO) DE MERCADO APÓS 2016 Nesta Edição Impactos do reconhecimento do status de economia de mercado sobre medidas de defesa comercial_pág. 02 O Brasil já reconheceu a China como economia de mercado? Pág. 03 A China é a principal origem de importações a preços de dumping Pág. 03 As normas aplicáveis à China Pág. 05 a- O mito do reconhecimento automático da China como economia de mercado após 2016 Pág. 05 b- O que de fato deverá ocorrer ao fim de 2016, conforme as regras da OMC? Pág. 06 Considerações finais Pág. 07 Introdução Desde que a China passou a fazer parte da Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2001, tomou-se como verdadeira a ideia de que ela será automaticamente reconhecida como economia de mercado em 2016. O tema sempre preocupou a indústria brasileira, uma vez que tal reconhecimento viria a dificultar significativamente a utilização de medidas antidumping contra importações originárias da China a preços artificialmente baixos. Em meados de 2012, surgiram debates em meios acadêmicos nos quais se questionava o senso comum de que haverá o reconhecimento automático da China como economia de mercado em 2016. Diante disso, a CNI decidiu analisar o assunto de modo aprofundado, realizando um estudo completo e objetivo do tema com o apoio de consultores especializados. Contrariando o senso comum, o resultado do estudo revela que as regras da OMC, na realidade, não impõem o reconhecimento automático da China como economia de mercado em 2016. A presente edição do sintetiza as conclusões do estudo, que desfaz o mito do reconhecimento automático e propõe uma interpretação apropriada das normas da OMC sobre o assunto.

Impactos do reconhecimento do status de economia de mercado sobre medidas de defesa comercial A China ingressou na OMC em 2001, após quinze anos de complexas negociações com os membros da Organização a respeito das reformas e concessões necessárias para que o país pudesse passar a se beneficiar do acesso a mercados negociado no plano multilateral nos mais de cinquenta anos anteriores. O resultado dessas negociações encontra-se refletido principalmente no Protocolo de Acessão da China à OMC, no qual constam os diversos compromissos assumidos pelo país com relação a diversas políticas comerciais e industriais. Constam também no Protocolo de Acessão certas regras aplicáveis especificamente à China, diante das peculiaridades de seu regime econômico e dos potenciais impactos das exportações chinesas sobre os demais países. Parte das regras específicas negociadas que será discutida mais detalhadamente adiante diz respeito à comparabilidade de preços no contexto de investigações de dumping. Essencialmente, os membros da OMC foram autorizados a desconsiderar preços e custos chineses para fins de determinação do valor normal. Como se sabe, é possível aplicar medidas antidumping quando exportações são realizadas a preços inferiores ao valor normal, o qual, em regra, é definido pelo preço praticado no mercado interno de origem do produto. Ocorre que, na dinâmica das investigações de dumping, deve haver uma comparação justa entre o preço de exportação e o valor normal. Evidentemente, no caso de países que não sejam considerados economia de mercado, não se pode considerar que os preços internos são normais e não seria justo utilizá-los como referência para averiguar se está sendo praticado dumping. Assim, no caso da China, em função das regras específicas acima mencionadas, é possível aplicar metodologias alternativas para a determinação do valor normal. 1 A metodologia alternativa mais comumente aplicada é a utilização dos preços em país substituto, isto é, dos preços internos (ou de exportação) praticados em um terceiro país cuja economia seja de mercado. 2 1 - Desde 1947, quando entrou em vigor o texto original do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT 1947), reconheceu-se que, no caso de importações procedentes de países onde todos os preços internos eram fixados pelo Estado, tais preços não se prestariam à determinação do valor normal para fins de medidas antidumping vide texto da Nota Interpretativa ao Artigo VI (Parágrafo 1) do GATT 1947. Pode-se dizer que as regras acordadas com a China em 2001 representam uma evolução do princípio existente desde 1947 de que métodos alternativos podem ser aplicados para a defesa comercial contra importações originárias de economias que não sejam de mercado. 2 - Na legislação brasileira, o Art. 15 do Decreto 8.058/2013 prevê as metodologias de determinação do valor normal no caso de países que não sejam considerados economias de mercado, bem como os critérios para definir o país substituto apropriado. 2

A possibilidade de usar metodologias alternativas é crucial porque, do contrário, preços e custos chineses, os quais não são determinados pelo mercado e, portanto, tendem a ser mais baixos precisariam ser utilizados. Isso dificultaria a demonstração do dumping e poderia resultar na impossibilidade de aplicação de medidas antidumping ou, no mínimo, em uma redução das margens de proteção que poderiam ser aplicadas em benefício da indústria nacional. O gráfico 1 ilustra o impacto que o reconhecimento do status de economia de mercado poderia trazer para a aplicação de medidas antidumping. O Brasil já reconheceu a China como economia de mercado? As regras da OMC preveem que o uso das metodologias alternativas de determinação do valor normal só será permitido até que a China seja reconhecida como economia de mercado nos termos da legislação nacional do país importador. Uma vez reconhecido o status de economia de mercado, passará a ser necessário utilizar preços e custos internos chineses no contexto de investigações de dumping. Até hoje, o Brasil concedeu o reconhecimento formal como economias de mercado por meio de Portarias publicadas pela SECEX a 12 países, a saber: Rússia, Ucrânia, Eslováquia, Eslovênia, Estônia, Hungria, Letônia, Lituânia, Polônia, República Checa, Bulgária e Romênia. No que diz respeito à China, recorda-se que o Brasil assinou, em 12 de novembro de 2004, um Memorando de Entendimentos reconhecendo o seu status de economia de mercado. O fato gerou grande repercussão e justificados protestos da indústria nacional à época. Felizmente, porém, esclareceu-se ao longo do tempo que o reconhecimento de 2004 constituiu apenas uma declaração de intenções não vinculante, ou seja, o reconhecimento só será válido depois de implementado conforme a legislação brasileira. Isso fica claro, inclusive, em documentos posteriores assinados entre o Brasil e a China. Em abril de 2010, em particular, foi assinado o Plano de Ação Conjunta 2010-2014, no qual as partes se comprometeram a fortalecer o diálogo sobre a implementação do reconhecimento da China como economia de mercado. As importações da China são o principal alvo de medidas antidumping Conforme discutido acima, o reconhecimento da China como economia de mercado poderia impossibilitar a aplicação de direitos antidumping em certos casos ou, no mínimo, reduzir a margem de proteção que poderia ser aplicada em prol da indústria nacional. Uma breve análise da importância relativa das importações chinesas dentre as origens de produtos investigados e sujeitos a medidas antidumping no Brasil demonstra que o impacto de um eventual reconhecimento da China como economia de mercado seria substancial. Conforme se verifica na figura abaixo, há 63 investigações em curso, das quais 22 tem como país investigado a China, o que corresponde a mais de um terço do total. Já no que se refere às medidas antidumping aplicadas, a China também ocupa posição principal. Das 103 medidas em vigor, a China responde por 38, ou seja, quase 40% do total. 3 - Conforme a nova regulamentação brasileira sobre medidas antidumping (Decreto 8.058/2013), a competência para conceder o status de economia de mercado para fins de defesa comercial passou a ser expressamente da CAMEX. 3

Gráfico 2: Investigações de dumping em curso no Brasil Gráfico 3: Medidas antidumping aplicadas Demais 27 33% China 27 33% Demais 27 30% China 34 37% EUA 4 5% UE 5 6% Índia; 5; 6% Taiwan 7 9% Coreia do Sul; 7 8% Taipé Chinês 4 4% EUA 11 12% EU 15 17% Fonte: DECOM (www.mdic.gov.br), dados atualizados até 10/10/2013 As figuras a seguir, por sua vez, demonstram que as importações chinesas são o principal alvo também de medidas antidumping aplicadas por outros países, inclusive os Estados Unidos e a União Europeia. Gráfico 4: Total de medidas antidumping aplicadas contra China desde 1995 Gráfico 5: Percentual de medidas antidumping aplicadas contra a China desde 1995 79 94 126 16,2% 21,9% 24,8% 27,0% 29,5% 16 21 Austrália México U.E. EUA Índia Austrália México U.E. EUA Índia 4

As normas aplicáveis à China As regras que permitem expressamente desconsiderar preços chineses na determinação do valor normal em investigações de dumping constam no Artigo 15 do Protocolo de Acessão da China à OMC, relativo a regras para a comparabilidade de preços para determinação de subsídios e dumping. Abaixo se encontram reproduzidos os trechos de tal Artigo necessários para uma análise apropriada do suposto reconhecimento automático da condição de economia de mercado após 2016: a) Na determinação da comparabilidade de preços, sob o artigo VI do GATT 1994 e o Acordo Antidumping, o Membro importador da OMC utilizará, seja os preços e os custos chineses correspondentes ao segmento produtivo objeto da investigação, ou uma metodologia que não se baseie em uma comparação estrita com os preços ou os custos domésticos chineses, com base nas seguintes normas: i) se os produtores investigados puderem demonstrar claramente que, no segmento produtivo que produz o produto similar, prevalecem condições de economia de mercado no que diz respeito à manufatura, produção e à venda de tal produto, o Membro da OMC utilizará os preços ou custos prevalecentes na China do segmento produtivo objeto da investigação, para determinar a comparabilidade dos preços; ii) o Membro da OMC importador poderá utilizar uma metodologia que não se baseie em uma comparação estrita com os preços internos ou custos prevalecentes na China se os produtores investigados não puderem demonstrar claramente que prevalecem no segmento produtivo que produz o produto similar condições de economia de mercado no que diz respeito à manufatura, a produção e à venda de tal produto. (...) b) Uma vez tendo a China estabelecido, em conformidade com a legislação nacional do Membro importador da OMC, que é uma economia de mercado, ficarão sem efeito as disposições do item a), desde que a legislação nacional do Membro importador preveja critérios para aferir a condição de economia de mercado, na data de acessão. Em quaisquer casos, as disposições do item a) ii) expirarão após transcorridos 15 anos da data de acessão. Ademais, nos casos em que a China estabelecer, em conformidade com a legislação nacional do Membro importador da OMC, que em um segmento produtivo particular ou indústria prevalecem condições de economia de mercado, deixar-se-ão de aplicar a esse segmento produtivo particular ou indústria as disposições do item a) referentes às economias que não são economias de mercado. [grifo nosso] a. O mito do reconhecimento automático da China como economia de mercado após 2016 A ideia de que a China será automaticamente reconhecida como economia de mercado em 2016 decorre de uma leitura apressada da frase as disposições do item a) ii) expirarão após transcorridos 15 anos da de acessão da China à OMC, ou seja, em 11 de dezembro de 2016. Ocorre que, como se vê no próprio texto acima reproduzido do Protocolo de Acessão da China à OMC, apenas uma parte do Artigo 15 especificamente, o inciso (ii) do item (a) deixará de ser aplicável após 2016. O inciso (i) do item (a) e o item (d) permanecerão aplicáveis e não podem ser ignorados. Ignorar tais dispositivos que permanecerão válidos após 2016 e que seguirão prevendo a possibilidade de não usar preços chineses em investigações de dumping seria contrário aos princípios de interpretação de tratados internacionais. Por essa razão, pode-se dizer que a tese de que as regras da OMC determinam que em 2016 a China será reconhecida integralmente como uma economia de mercado tese que é defendida oficialmente pelo governo chinês e usualmente reproduzida em meios de comunicação é uma espécie de lenda urbana global, como denominou o especialista irlandês Bernard O Connor, um dos pioneiros na defesa de que não existirá reconhecimento automático 4. 4 - O CONNOR, Bernard. Market-economy status for China is not automatic. VoxEu, 27/11/2011. Disponível em: <http://www.voxeu.org/index.php?q=node/7345>. 5

b. O que de fato deverá ocorrer ao fim de 2016, conforme as regras da OMC? A redação do Artigo 15 do Protocolo de Acessão como frequentemente ocorre em tratados internacionais que resultam de complexas negociações não é tecnicamente perfeita. Os princípios de interpretação normalmente aplicados no direito internacional devem ser utilizados para que se possa compreender qual o efeito da exclusão de apenas uma parte do Artigo 15 ao final de 2016. Uma discussão detalhada desses princípios de interpretação aplicáveis encontra-se no estudo realizado pela CNI. Este Observatório traz apenas os pontos principais e conclusões alcançadas no estudo. O primeiro ponto a observar é que a interpretação das normas da OMC costuma ser realizada conforme o sentido literal de seu texto. O Artigo 15 do Protocolo de Acessão da China, como visto acima, não menciona nada sobre uma eventual obrigatoriedade de reconhecê-la como economia de mercado após 2016. Ao contrário, a parte do Artigo 15 que permanecerá aplicável seguirá permitindo tratar a China como economia não de mercado. Essa é a interpretação que dá efeito útil a todo o texto do dispositivo, conforme exigido pelo princípio interpretativo da eficácia (effet utile) e pelas regras gerais de interpretação previstas na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Não se poderá negar a eficácia das partes que permanecerão vigentes do Artigo 15, em particular o seu caput e o inciso (i) do item (a). Por outro lado, é preciso reconhecer que alguma mudança deve ocorrer em virtude do fim da vigência de uma parte do Artigo, isto é, o inciso (ii) do item (a). A parte excluída também precisa ter tido algum efeito, enquanto esteve em vigor. O estudo da CNI propõe que a mudança que deverá ocorrer em virtude da eliminação da citada parte do Artigo 15 será apenas procedimental. Mais especificamente, entende-se que haverá, após 2016, uma inversão do ônus da prova no que se refere à demonstração de que não prevalecem condições de economia de mercado, seja geral ou setorialmente, na China. Hoje, os membros da OMC estão autorizados a partir da premissa de que inexistem tais condições de mercado. Depois de 11 de dezembro de 2016, será necessário evidenciar sua ausência, antes de rejeitar preços e custos chineses para fins de determinação do valor normal. Os critérios para se recusar o tratamento de economia de mercado à China após 2016 deverão se basear na legislação nacional de cada país, uma vez que não se encontram definidos no Protocolo de Acessão ou em outros Acordos da OMC. 5 Não há, tampouco, definição quanto à necessidade de um procedimento geral ou de uma avaliação caso a caso da possível ausência de condições de economia de mercado na China ou em determinados setores econômicos do país, o que a princípio tornaria permissíveis ambas as hipóteses. A tese proposta no estudo não apenas garante o efeito útil de todas as partes do Artigo 15, como também se coaduna com outro princípio de interpretação denominado in dubio mitius. Segundo esse princípio, se uma norma permitir mais de uma interpretação, deve-se optar pelo sentido menos oneroso para a parte que assume a obrigação, ou o que imponha menos restrições a seu comportamento, na esfera de sua soberania. Ler no texto do Artigo 15 uma obrigação de tratar a China como economia de mercado após de 2016 seria não apenas ler algo que não está ali escrito, como também desconsiderar uma parte de sua redação e adotar a interpretação mais onerosa possível para os membros da OMC, o que ofenderia o citado princípio. Cabe lembrar, ainda, que o Artigo 17.6 do Acordo Antidumping prevê que, se determinada norma puder ser interpretada de diversas formas, qualquer interpretação aceitável deve ser admitida. Desse modo, a interpretação proposta no estudo da CNI, também sob esta ótica, estaria em conformidade com as regras da OMC e tenderia a resistir a um eventual questionamento no sistema de solução de controvérsias da Organização. 5 - Na legislação brasileira, o Art. 3.3 da Circular SECEX nº 59/2001 lista os fatores a serem observados para avaliar a existência de condições de economia de mercado. 6

Por fim, diante de um possível argumento da China de que os negociadores do Protocolo de Acessão tinham como objetivo prever o reconhecimento automático do status de economia de mercado ao fim de 2016, deve-se notar que, em disputas na OMC, jamais houve interpretação dos acordos internacionais conforme os supostos propósitos dos negociadores. Na verdade, se os negociadores tivessem a intenção de prever tal reconhecimento automático, poderiam tê-lo feito facilmente, em lugar de afastar os efeitos de apenas uma parte do Artigo 15 do Protocolo de Acessão. 6 Considerações finais O estudo da CNI evidencia que há fundamentos jurídicos consistentes para continuar a desconsiderar os preços chineses em investigações de dumping após 11 de dezembro de 2016. O tema é sensível e pode até mesmo provocar disputas comerciais entre a China e outros países caso não ocorra o reconhecimento do status de economia de mercado como pretendem os chineses, mas o fato é que não há obrigação de implementar tal reconhecimento nas normas da OMC. O estudo evidencia que há importantes implicações práticas em resistir a pressões do governo chinês para a antecipação do reconhecimento da China como economia de mercado na legislação ou regulamentação nacional. Não existe a antecipação pretendida pelo discurso oficial da China, porque não haverá um reconhecimento automático em 2016. O eventual reconhecimento do status de economia de mercado, seja antes ou depois de 2016, de fato eliminaria a possibilidade de tratar exportações da China de modo diferenciado em investigações de dumping, ou seja, traria consigo a necessidade de utilizar, em regra, preços internos chineses para determinar o valor normal abaixo do qual se verifica a prática de dumping. As conclusões apresentadas no estudo e a sensibilidade política e econômica que o tema envolve tornam recomendável a abertura de um diálogo de alto nível nas instâncias governamentais brasileiras competentes, preferencialmente com participação do setor privado, para que um posicionamento estratégico sobre o assunto venha a ser adotado, da maneira mais favorável ao interesse nacional. A definição de tal posicionamento estratégico com antecedência tende a incrementar as possibilidades práticas de manutenção da prerrogativa de aplicar metodologias diferenciadas a economias não de mercado, preservando assim um espaço de manobra importante para uma das ferramentas de política comercial mais utilizadas pelo país. A CNI já apresentou o seu estudo a autoridades governamentais, bem como à Coalização Empresarial Brasileira (CEB), e seguirá acompanhando o tema em nome dos interesses da indústria nacional. 6 - Aliás, caso se admita aplicar as normas da OMC conforme os seus objetivos, deverá então ser aplicada à China uma Nota Interpretativa ao texto do GATT 1947 que autoriza desconsiderar preços internos de países em que os preços são integralmente fixados pelo Estado. O objetivo da norma era tratar de modo diferenciado países comunistas. Se ela fosse redigida nos dias de hoje, provavelmente preveria tratamento diferenciado a regimes como o da China, em que, embora os preços não sejam totalmente fixados pelo Estado, não há verdadeiras condições de mercado. Vale notar que, em estudos publicados em 2012, a Prof.ª Vera Thorstensen e sua equipe da Fundação Getúlio Vargas defendem que a citada Nota Interpretativa seria um dos caminhos apropriados para não tratar a China como economia de mercado após 2016. Ver, por exemplo, THORSTENSEN, Vera; RAMOS, Daniel; MÜLLER, Carolina. O reconhecimento da China como economia de mercado: o dilema de 2016, Revista Brasileira de Comércio Exterior, n. 112, p. 56-69, jul./set. 2012. 7

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