GUIMARÃES 2012 CAPITAL EUROPEIA DA CULTURA ÁREA : ARTE E ARQUITECTURA CICLO : ESCALAS E TERRITÓRIOS PROJECTO: O CASTELO EM 3 ACTOS: Assalto, Destruição e Reconstrução. COMISSÁRIO: PAULO CUNHA E SILVA ABERTURA O tema do Castelo é uma poderosa metáfora para agarrar as grandes questões contemporâneas. Pertinentemente, o Castelo é também o símbolo mais forte de Guimarães. Por isso, permite, simultaneamente, não escamotear uma realidade da cidade (que pela sua dimensão e presença iconográfica jamais o seria) e serve de pretexto para introduzir as grandes questões que agitam o nosso tempo. O Castelo é assim passado e futuro, raiz e utopia, origem e destino, fortaleza e palácio, unidade e diversidade. No imaginário nacional, o Castelo de Guimarães corresponde ao mito da origem, pelo menos da origem da nacionalidade. Questionar todas estas flutuações num momento em que Guimarães é Capital Europeia da Cultura é não só oportuno, como indispensável: a cidade que corporiza a referência nacional é, por desígnio externo e vontade própria, uma cidade europeia, uma capital da cultura. Passamos a vida a fazer castelos, muitos deles são de cartas outros de areia. Mas alguns sobrevivem. Para o bem e para o mal. Porventura o elemento mais importante do castelo é o muro. E o muro, como fronteira, como estrutura que separa o interior do exterior, pode ser sempre encarado de duas formas: agente de segurança e diferenciação, mas também agente de separação, de corte, porventura de cerco. A Cultura Europeia Contemporânea está vivamente confrontada com esta questão. Que Europa queremos: uma Europa estanque ou uma Europapermeável? A cidade que será Capital Europeia da Cultura não pode ficar indiferente a estas questões.
Ou, no limite, para onde vai a Europa? O Castelo será também uma metáfora da Europa num momento de grande indefinição para a mesma. A biologia moderna ensinou nos a eficácia das fronteiras inteligentes, que são as membranas celulares. Estas possuem uma capacidade auto regulativa que lhes permite tomar decisões sem preconceitos, fazendo uma avaliação e uma monitorização permanente da situação. Será que o Castelo pode ter muros inteligentes? Esta é porventura a principal questão que agita este programa. Este projecto circula deliberadamente por vários territórios à procura de uma dimensão suplementar. Esta circulação é, por um lado, a manifestação da dúvida essencial com que é construído, mas é também a afirmação da vontade de encontrarmos noutros campos respostas que parecem longínquas. Estamos num campo minado de dúvidas. Dúvidas, naturalmente, quanto ao destino, mas também dúvidas quanto ao trajecto (será que devemos ir por aí?). E por paradoxal que pareça, dúvidas quanto à origem. Nunca a questão da origem, que deveria ser uma questão resolvida, foi tão discutida. Estrutura e Sequência: 3 Actos: Assalto, Destruição, Reconstrução O programa organizar se á a partir da gestão de três fases que correspondem à relação do castelo com o espaço (que controla) e o tempo (de sobrevivência). O castelo é um lugar de cobiça. Um lugar de conquista e de captura. Um lugar de cerco. Por isso decidimos dividir este programa em três momentos, três actos. Começando pelo Assalto. O castelo de Guimarães existe, está lá. O início desta programação deveria começar por este questionamento, ou seja, pelo momento em que o Castelo é posto em causa. Ao Assalto seguir se á, naturalmente, a Destruição, teremos o Castelo em ruínas: mas não poderíamos ficar impávidos perante essa situação. Perante a destruição impõe se a Reconstrução. E será este o último acto do projecto. O Assalto deverá começar por uma acção performativa, levada a cabo pelo colectivo Footsbarn, em que será simulado um verdadeiro assalto ao castelo.
Uma mole de gente (de actores profissionais ou não) equipada com utensílios consequentes dará corpo a esta invasão. O Assalto poderá começar por um momento de assédio, de cerco, em que o grupo de actores poderá simular a situação cercando fisicamente o Castelo, o seu perímetro. Dando as mãos em torno deste. Este acto, significando uma situação de preparação para o Assalto, contribuiria também para reforçar e distinguir a natureza simbólica do projecto. O cerco seria um abraço. Ou seja, o Castelo seria circunscrito literalmente por uma corrente humana (circular). Neste momento seria separado da cidade por esse cordão humano que o isolaria do resto do mundo. Este acto teria uma dimensão de definição do objecto que estamos a discutir, mas também de exaltação do mesmo. Seria simultaneamente um momento de celebração e de preparação para o Assalto, contendo nesta dualidade quase afectiva muito dos paradoxos que a ideia de Castelo encerra. Após este abraço, ritual e iniciático, o grupo entra dentro do Castelo, invadindo o, literalmente. Após a invasão sai e percorre o espaço que separa o Castelo da estátua de D. Afonso Henriques, fazendo a festa típica dos invasores, que depois se dispersam pela cidade. No momento da dispersão é projectada numa das árvores em frente à mesma estátua uma imagem fantasmática de D. Afonso Henriques concebida pelo artista espanhol (basco) Ibon Mainar, especialista neste tipo de intervenções. Essa imagem fantasmática irá dialogar com a imagem estatuária situada em frente, criando um diálogo e uma tensão entre estas duas modalidades de representação do tempo: a estátua que pretende ser eterna e a projecção vídeo que é necessariamente efémera. Dom Afonso Henriques dá assim as boas vindas à nova condição de Guimarães como Capital Europeia da Cultura. Em sequência prossegue a inauguração da exposição em que o conjunto de artistas abaixo indicado produz um obra site specific para cada um dos espaços do piso superior do Paço dos Duques, reforçando a unidade simbólica e arquitectónica entre estas duas estruturas. Aqui ocorrerá um verdadeiro assalto com instalação do assaltante. Ou seja, o artista produzirá uma obra que se instalará num espaço já ocupado (com diverso material do âmbito das artes decorativas). Esta exposição será o núcleo duro do assalto. E será também uma reflexão sobre a capacidade da arte contemporânea como agente hiper simbólico, como elemento capaz de criar um meta
lugar. Um lugar para lá do existente. Um lugar que entenda o Castelo na ambivalência que vai da violência da prisão à capacidade escapatória do sonho. Os artistas são convocados a, utilizando toda a capacidade metafórica do Castelo, produzir uma obra que transforme aquele lugar noutro lugar. A este conjunto de artistas nacionais + 1 angolano (o tema da nacionalidade é naturalmente um tema ligado ao projecto) será permitida a ocupação. O artista espanhol fará a sua intervenção fora. Todavia intervirá sobre a figura fundadora da nacionalidade. Exploraremos assim, através de várias camadas irónicas que se cruzam e dissipam, alguns dos nossos mitos e dos nossos medos. A presença do artista angolano que tem trabalhado o tema colonial/pós colonial é outra das pregas irónicas do projecto. Os artistas que convidamos são artistas cujo trabalho se tem cruzado com o campo simbólico que estamos a definir: Adriana Molder Ana Pérez Quiroga Filipa César Fernanda Fragateiro Gabriel Abrantes Ibon Mainar João Leonardo João Louro João Pedro Vale João Onofre José Pedro Croft Julião Sarmento Miguel Palma Rui Chafes Yonamine
Dada a natureza inter e transdisciplinar do projecto convocamos outras áreas com os seus autores para reflectirem este programa em 3 Actos. E no momento do Assalto pareceu nos fundamental ter já uma espécie de olhar prospectivo da Reconstrução através da proposta de 3 MODELOS PARA UM (NOVO) CASTELO Um castelo é uma construção, um exercício modular sobre o espaço. Três especialistas em três tipos de espaço: o espaço plano do design gráfico (R2), o espaço tridimensional do design industrial (Miguel Vieira Baptista), e o espaço desejante da arquitectura (João Carrilho da Graça) criam no interior do Castelo, um Castelo alternativo, um modelo, um protótipo, um Castelo Arquetípico: O Castelo do Futuro. Perante os escombros do assalto propomos 3 soluções com espacialidades diferentes para a sua reconstrução: R2 Miguel Vieira Baptista João Carrilho da Graça Não podia faltar o olhar do cinema que tantos castelos filmou e produziu. Seria, por isso, oportuno, em articulação com a área de programação do Cinema, organizar um Ciclo sobre a presença do Castelo na História do Cinema divido nos 3 Actos que configuram o projecto. Além disso, a oportunidade estender se ia a uma encomenda a um cineasta cujo trabalho circula entre o documentário e a ficção, Ivo M. Ferreira, de uma curta metragem dividida nos mesmos três momentos. Faltava a literatura ou melhor a reliteratura. Uma das obras seminais do século XX é O Castelo de Kafka. Por isso impunha se revisitar esta obra. EM (RE)VISITAS AO CASTELO (DE KAFKA) Três escritores com estilos muito diversos relêem O Castelo de Kafka (um dos castelos virtuais mais famosos do mundo) e recriam uma narrativa entrelaçando o mistério Kafkiano e de K. (o personagem central do romance) com o nosso Castelo original. Gonçalo M. Tavares Mário Cláudio José Eduardo Agualusa
Impunha se ainda a gastronomia, ou melhor, a criação culinária. Jantar no Castelo, comer no Castelo, é uma das mitologias mais radicalmente associadas ao seu imaginário. Da iguaria à grande farra, o Castelo é um espaço que não é indiferente à comida. Sobre isso, a criação culinária nos últimos anos tem se afirmado como um dos territórios de experimentação plástica mais provocadores e saborosos: bastará lembrar que Ferran Adriá foi convidado, com estatuto de artista, para a última Documenta de Kassel. Convidamos assim o Chefe José Avillez a realizar uma espécie de última ceia com apoio curatorial da fotógrafa Adriana Freire que tem desenvolvido uma relação sistemática entre a cozinha e outras artes nomeadamente a fotografia. Apesar de as duas fases que se seguem ao Assalto terem já sido enunciadas noutros momentos do projecto, como fomos vendo, não queríamos deixar de as marcar fortemente através de dois momentos de discussão internacional. Assim, a Destruição e a Reconstrução serão sobretudo duas conferências internacionais em que se pretende de certa forma fazer o diagnóstico do mundo, do estado das coisas, sobretudo quando a ideia de crise começa a ganhar contornos avassaladores. Mas também por isso, pensamos que seria fundamental terminar o projecto com um momento de esperança, com a discussão da Reconstrução, daquilo que podemos fazer. DESTRUIÇÃO: O CASTELO EM RUÍNAS Reflexão Internacional sobre Europa e Migração É de admitir que depois do Assalto e na sequência desta narrativa o Castelo fique em ruínas. Nesta fase propomos uma reflexão internacional sobre a questão do fim do muro e do seu sistemático restauro. É o momento para discutirmos a questão da migração, da deslocação, dos refugiados, da cidade refúgio, da hospitalidade (no sentido de Derrida). RECONSTRUÇÃO: O FUTURO DO CASTELO Estratégias Políticas e Sociais para um Mundo de Fronteiras (muralhas) Permeáveis O que fazer, que alianças estabelecer, que mundo queremos, para onde vai a Europa, Castelo à deriva ou Castelo com sentido? Paulo Cunha e Silva
Roma 2011