MARISE CAMPOS DE SOUZA A POLÍTICA DA MEMÓRIA NUMA PERSPECTIVA COMPARATIVA: TENSÕES, DESAFIOS E RISCOS. Orientador: Prof. Dr. Rossano Lopes Bastos Co-Orientador: Prof. Dr. Luiz Oosterbeek Universidade Trás-os-Montes e Alto Douro- Vila Real/PT 2012 0
MARISE CAMPOS DE SOUZA UM PERFIL DA ARQUEOLOGIA CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA. A POLÍTICA DA MEMÓRIA NUMA PERSPECTIVA COMPARATIVA: tensões, desafios e riscos. Tese apresentada ao programa de Doutorado Quaternário, Materiais e Cultura da Universidade Trás-os-Montes e Alto Douro, como requisito parcial para obtenção do título de doutora. Orientador:Prof. Dr. Rossano Lopes Bastos Co-Orientador:Prof. Dr. Luiz Oosterbeek Universidade Trás-os-Montes e Alto Douro- Vila Real/PT 2012 1
[...] quando se gosta da vida, gosta-se do passado, porque ele é o presente tal como sobreviveu na memória humana. Marguerite Yourcenar (1903-1987) 2
AGRADECIMENTOS Difícil tarefa que me impus falar de gestão. Entretanto, não é o que procuramos realizar no exercício cotidiano de planejar nossas vidas, tomar decisões e reorientar o nosso rumo? Neste período, foram muitos os obstáculos a serem vencidos que imprimiram na motivação inicial uma nova roupagem, mais densa, porém, nem por isso menos frisante. A cada percalço, um motivo a mais para me concentrar no foco e continuar. Continuar, nesse caminho, sobretudo pelo incentivo e carinho insubstituível dos meus pais aos quais sou tão grata, se todos fossem no mundo igual a vocês, dos meus irmãos, que sempre torceram por mim, e dos meus filhos, por todo amor, carinho e orgulho. E nessa jornada, quantos desafios: muitos hiatos, perdas, desencontros, recomeços e encontros. Surpreendente e inevitável recomeço, que se transformou em sentimento inesperado. A você meu amor, obrigada pelo suporte, por sua extensa paciência e sugestões essenciais ao desenvolvimento desse estudo, saiba que sempre seguirei como encantada ao lado teu. Fiz também grandes amigos e agradeço reconhecidamente, a contribuição e ajuda de Prof. Dr. José Luiz de Morais e Dayse Morais, Prof. Dr. Antônio Pires da Silva e Clarinha Pires da Silva. Sou especialmente grata ao apoio e orientação de Prof. Dr. Luiz Oosterbeek e Prof. Dr. Rossano Lopes Bastos, principalmente pela boa amizade que partilhamos nesses anos. Aos professores da UTAD e IPT a minha gratidão pelas aulas e visitas culturais, que além de fortalecerem o espírito e o corpo, apresentaram os locais pitorescos de Portugal. 3
Aos colegas do doutorado, muito obrigada pela alegre convivência em tempos de apresentação de trabalhos, e, especialmente, as minhas amigas Telma e Tânia por me deixarem compartilhar de sua amizade. pesquisa. Aos membros da banca agradeço por terem aceitado a participar da avaliação desta 4
RESUMO Esta pesquisa tece numa temática geral reflexões acerca da gestão do patrimônio arqueológico. Pontualmente, articula a atuação e os conceitos disciplinares da arqueologia preventiva no licenciamento ambiental e apresenta as problemáticas da gestão pública do patrimônio arqueológico, por meio do estudo de casos concretos nos diversos segmentos da arqueologia, com enfoque teórico e fundamento na práxis arqueológica. Aborda as inconsistências normativas, numa perspectiva de compreensão integrada às novas demandas da sociedade, em que cada uma dessas vertentes está imbricada com as demais. Avalia a evolução do sistema de tutela do IPHAN em relação ao patrimônio arqueológico e aponta as novas tendências de participação civil, de inclusão social e extroversão do conhecimento. No âmbito da arqueologia preventiva explora por meio de uma análise as políticas de gestão do patrimônio arqueológico no Brasil, na América Latina e países da Europa. Propõe linhas de intervenção assente sobre pilares basilares: composição de um conjunto normativo consistente; conservação do patrimônio arqueológico como um todo; potencialização das ações de sensibilização e de promoção do patrimônio arqueológico (educação patrimonial); formação científica e capacitação profissional como veículo de fruição sustentável do patrimônio arqueológico. PALAVRAS-CHAVE: arqueologia preventiva, arqueologia pública, IPHAN, patrimônio arqueológico, políticas de gestão pública. 5
ABSTRACT The present research theme weaves general reflections on the management of archaeological heritage. Occasionally articulates the performance and disciplinary concepts of preventive archaeology in licensing; presents the problems of public management of archaeological heritage, through case studies in various sectors of archaeology, focusing on theoretical grounds and archaeological practice. Addresses regulatory inconsistencies, an integrated perspective of understanding the new demands of society, in which each of these aspects are intertwined with the others. Evaluates the progress of the trusteeship system IPHAN in relation to archaeological heritage and shows trends in civic participation, social inclusion and extroversion of knowledge. As part of preventive archaeology, explores throughout an analysis of the management policies of the archaeological heritage in Brazil, Latin America and European countries. Proposes lines of action based on basic pillars: the composition of a consistent set of rules; conservation of archaeological heritage as a whole; enhancement of awareness-raising and promotion of archaeological heritage (heritage education); scientific and professional training as a vehicle for sustainable enjoyment of the archaeological heritage. KEYWORDS: archaeological heritage, IPHAN, preventive archeology, public archaeology, public management policies. 6
ABREVIATURAS ADA: Área Diretamente Afetada, Brasil. AIA: Avaliação de Impacto Ambiental, Brasil. AID: Área de Influência Direta, Brasil. ADECAP: Associação para o Desenvolvimento e a Cooperação Peninsular, Portugal. AIE: Área de Influência Expandida, Brasil. AMS: Accelerator Mass Spectometer. APA: Associação Nacional dos Arqueólogos, Portugal. APAE: Associação de Pais e Amigos do Excepcional, Brasil. BAS: Bulgarian Academy of Science, Bulgaria. BMI: Banco Monetário Internacional. CDC: Código de Defesa do Consumidor, Brasil. CF/88: Constituição Federal de 1988, Brasil. CHM: Culture Heritage Management. CIAT: Centro de Investigação no sítio arqueológico de Tiwanaku, Bolívia. CNPq: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, Brasil. CNPP: Conselho Nacional do Patrimônio da Polônia. CNRC: Centro Nacional de Referência Cultural, Brasil. CNRS: Conselho Nacional de Pesquisa Cientifica, França. CNSA: Cadastro Nacional de Bens Arqueológicos, Brasil. COARPE: Colégio Profissional de Arqueólogos do Peru, Peru. CONAMA: Conselho Nacional de Meio Ambiente, Brasil. CONCULTURA: Secretaria Nacional de Cultura 7
CONDEPHAAT: Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo, Brasil. CONPRESP: Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio Histórico de São Paulo, Brasil. CNAR: Cadastro dos Negociantes de Arte, Brasil. CNART: Cadastro Nacional dos Negociantes de Antiguidades e Obras de Arte, Brasil. CNBCP: Cadastro Nacional de Bens Culturais Procurados, Brasil. CRESPIAL: Centro Regional para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial da América Latina. CRM: Cultural Resource Management CPB: Código Penal Brasileiro. CPCV: Censo do Patrimônio Cultural Venezuelano, Venezuela. CPPA: Centro da Proteção do Patrimônio Arqueológico, Polônia. DAPA: Divisão de Arqueologia Preventiva e de Acompanhamento, Portugal. DEPAU: Documents d'évaluation du atrimoine rc ologique des villes de rance, França. DERSA: Desenvolvimento Rodoviário S.A., Brasil. DGPC: Direcção-Geral do Património Cultural, Portugal. DINAR: Direção Nacional de Arqueologia, Bolívia. DINAAR: Direção Nacional de Arqueologia e Antropologia, Bolívia. DPC: Diretoria de Portos e Costas, Brasil. DPHAN: Departamento de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Brasil. DRAC: Direction Régionale des Affaires Culturelles, França. DRASSM: Departamento de Pesquisa Arqueológica Subaquática e Submarina, Brasil. DRC: Direcções Regionais de Cultura, França. ECO-92: Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento, Rio de Janeiro-1992. 8
EIA: Estudo de Impacto Ambiental, Brasil. EJA: European Journal of Archaeology, U.K. ETHÉA : Esquisses de Topographie Historique et d'évaluation Archéologique, França. FINEP: Financiadora de Estudos e Projetos, Brasil. FNPM: Fundação Nacional Pró-Memória, Brasil. HERITY: Heritage & Quality, Itália. IBC: Instituto Boliviano de Cultura. IBICT: Instituto Brasileiro de Ciências e Tecnologia. IBPC: Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural, Brasil. ICAHM: lnternational Committee of Archaeological Heritage Management. ICANH: Instituto Colombiano de Antropologia Nacional e História, Colômbia. ICBS: Instituto Cultural Banco Santos, Brasil. ICUCH: International Committee on the Underwater Cultural Heritage. IGESPAR: IP: Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, Portugal. IGT: Instrumento de Gestão Territorial, Portugal. IMC: IP: Instituto dos Museus e da Conservação, Portugal. INA: Instituto Nacional de Antropologia, Bolívia. INAPL: Instituto Nacional de Antropologia e Pensamento Latino-Americano, Argentina. INAPL: Instituto Nacional de Antropología y Pensamiento Latinoamericano. INAR: Instituto Nacional de Arqueologia, Bolívia. INRAP: Institut National de Recherches Archéologiques Préventives, França. INTERPOL: Organização Internacional de Polícia Criminal. IPA: Instituto Português de Arqueologia, Portugal. IPARQ: Instituto de Pesquisa em Arqueologia, Brasil. IPC: Instituto Patrimônio Cultural, Venezuela. 9
IPHAN: Instituto Patrimônio Histórico Arquitetônico Nacional, Brasil. IPM: Inspetoria de Monumentos Nacionais, Brasil. IPT: Instituto Politécnico de Tomar, Portugal. IPPAR: Instituto Português do Património Arquitetônico e Arqueológico, Portugal. IPPC: Instituto Português do Património Cultural. KÖH (Kulturális Örökségvédelmi Hivatal): Instituto Nacional do Patrimônio Cultural, Hungria. KÖSZ (Kulturális Örökségvédelmi Szakszolgálat): Serviço Técnico de Campo do Patrimônio Cultural, Hungria. LI: Licença de Instalação, Brasil. LP: Licença Prévia, Brasil. LO: Licença de Operação, Brasil. MAE: Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, Brasil. MD: Ministério da Defesa, Brasil. MEC: Ministro da Educação e Cultura, Brasil. MERCOSUL: Mercado Comum do Sul. MinC: Ministério da Cultura, Brasil. MM: Ministério da Marinha, Brasil. MMA: Ministério do Meio Ambiente, Brasil. MPE: Ministério Público do Estado, Brasil. MPF/SP: Ministério Público Federal em São Paulo, Brasil. Mus. Sc. Nat.: Museo Scienze Naturali-Universitá di Ferrara, Italia. NAM: Museu Nacional de Arqueologia, Bulgária. NEPA: National Environmental Policy Act, USA. NIAM: Instituto Nacional de Arqueologia com Museu, Bulgária. 10
NORMAN: Normas da Autoridade Marítima Nacional, Brasil. NPS: National Park Services, USA. NUPEC: Núcleo de Pesquisa e Estudo em Chondrichthyes, Brasil. PATRIARCH: Patrimoine Archéologique, França. PEP: Programa de Educação Patrimonial, Brasil. PEPRI: Programa Especial de Privatizações, Peru. PESM: Parque Estadual da Serra do Mar, São Paulo, Brasil. LU: lans Locaux d Urbanisme, rança. PM: Programa Monumenta, Brasil. PNMA: Política Nacional do Meio Ambiente, Brasil. RAP: Redevance d'archéologie Préventive, França. RARC: Rescue Archaeological Research Center. RIMA: Relatório de Impacto Ambiental, Brasil. SAB: Sociedade Arqueológica Brasileira. SDAU: Schéma Directeur d'aménagement, França. SEMA: Secretaria de Meio Ambiente, Brasil. SISNAMA: Sistema Nacional do Meio Ambiente, Brasil. SMA: Secretaria do Meio Ambiente, Brasil. SNC: Secretaria Nacional de Cultura, Bolívia. SNGIPC: Sistema Nacional de Gestão Integrada de Património Cultural, Uruguai. SPHAN: Serviço do Patrimônio Histórico Nacional, Brasil. SRA: Service Régional de l'archéologie, França. TAC: Termo de Ajustamento de Conduta, Brasil. UE: União Europeia. UGMP: Unidade Geográfica de Manejo Patrimonial. 11
UNAR: Unidade Nacional de Arqueologia, Bolívia. UNESCO: United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization. UNIDROIT: International Institute for the Information of Private Law. UNISANTOS: Universidade Católica de Santos, Brasil. UTAD: Universidade Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real, Portugal. VR: Virtual Reality. ZAC: Zones d'aménagement Concertées, França. ZPPAUP: Zone de Protection du Patrimoine Architectural, Urbain et Paysager, França. 12
ÍNDICE GERAL Agradecimentos... 3 Resumo... 5 Abstract... 6 Abreviaturas... 7 Índice de fotografias... 16 Introdução... 18 Objeto de estudo... 30 As problemáticas do patrimônio arqueológico brasileiro no Estado de São Paulo... 31 Metodologia... 39 Capítulo I. Memória, Paisagem e Patrimônio Cultural... 43 I. 1. Introdução... 44 I. 2. Elementos do patrimônio cultural intangível ou imaterial... 46 I. 2.1. Os diferentes elementos da memória... 46 I. 2.2. Elementos do patrimônio arqueológico... 49 I. 2.3. Paisagem cultural... 50 I. 2.3.1. Identidade da paisagem... 52 I. 2.3.2. Paisagem e inclusão do capital social... 55 I. 3.1. O órgão de preservação no Brasil - IPHAN: uma breve excursão historiográfica... 61 I. 3.2. Trajetória da política do IPHAN... 64 I. 3.3. A consolidação da Superintendência Estadual de São Paulo... 69 Capítulo II. Arqueologia preventiva... 71 II. 1. Introdução... 72 II. 2. Arqueologia acadêmica vs arqueologia empresarial: dilema ou necessidade?... 77 13
II. 2.1. Confrontos entre a arqueologia preventiva brasileira e a internacional... 81 II. 3.1. América do Sul... 82 1.Guiana Francesa... 82 2.Argentina... 87 3.Bolívia... 89 4.Colômbia... 95 5.Paraguai... 101 6.Peru... 106 7.Uruguai... 113 8.Venezuela... 116 II. 3. 2. Comunidade Europeia... 121 1.Bulgária... 121 2.Itália... 122 3.Hungria... 126 4.Polônia... 132 5.Portugal... 138 II. 3.3. Breve discussão sobre a arqueologia preventiva praticada nos países abordados pela pesquisa.... 143 Capítulo III. O patrimônio arqueológico na política ambiental brasileira... 149 III. Introdução... 150 III. 1. Impactos ambientais no patrimônio arqueológico... 156 III. 1.1. O aparato legal no âmbito do licenciamento... 156 III. 1.2. A práxis da arqueologia brasileira no licenciamento ambiental... 162 III. 2. Os impactos ambientais arqueológicos estudos de casos e aplicativos de gestão... 170 14
III. 2.1. Estudo de caso: o Rodoanel no Estado de São Paulo e o seu destempo no licenciamento arqueológico... 172 III. 2.2. As questões dos museus e dos acervos... 176 III. 2.3. A repressão ao roubo e ao tráfico ilícito de patrimônio arqueológico... 179 III. 2.4. O segmento da arqueologia subaquática e seus entes de tutela... 186 III. 2.5. Estudo de caso: o colecionismo, o ilícito de peças arqueológicas e a extroversão - Instituto Cultural Banco Santos (ICBS), em São Paulo... 192 III. 2.6. Estudo de caso: a guarda de acervo em instituições particulares - a Universidade Católica de Santos e o Instituto de Pesquisa em Arqueologia (IPARQ/UNISANTOS)... 197 III. 2.7. Estudo de caso: a ausência de pesquisa e a desobediência ao licenciamento no sítio arqueológico histórico Casa do Itaim-Bibi em São Paulo e considerações sobre o segmento da arqueologia histórica.... 201 III. 2.8. Estudo de caso: impacto positivo e a articulação entre a pesquisa arqueológica, arqueologia preventiva e arqueologia pública na gestão pública do sítio arqueológico São Francisco... 209 Capítulo IV. Arqueologia Pública... 216 IV. 1. Arqueologia Pública, inclusão social turismo sustentável... 217 Discussão final e perspectivas... 225 Bibliografia... 238 Suporte Eletrônico... 256 15
ÍNDICE DE FOTOGRAFIAS Nº LEGENDA PÁGINA Foto 1 Foto 2 Foto 3 Foto 4 Foto 5 Foto 6 Foto 7 Foto 8 Foto 9 Foto 10 Foto 11 Foto 12 Foto 13 Foto 14 Foto 15 Foto 16 Foto 17 (esquerda): o complexo em 2005. Mori, 2005. (esquerda): o complexo em 2005. Mori, 2005 (direita): o complexo em 2012. Dimitriadis, 2012 (direita): o complexo em 2012. Dimitriadis, 2012 (direita): o complexo em 2012. Dimitriadis, 2012 (direita): o complexo em 2012. Dimitriadis, 2012 (esquerda): reserva técnica etnográfica (crânios) e arqueológica (cerâmica e lítico). Bruno Netto, 2008. (esquerda): reserva técnica etnográfica (crânios) e arqueológica (cerâmica e lítico). Bruno Netto, 2008. (esquerda): reserva técnica etnográfica (crânios) e arqueológica (cerâmica e lítico). Bruno Netto, 2008. (direita): detalhes de crânio reduzido, vasilha e machado. Bruno Netto, 2008. (direita): detalhes de crânio reduzido, vasilha e machado. Bruno Netto, 2008. (direita): detalhes de crânio reduzido, vasilha e machado. Bruno Netto, 2008. (esquerda acima): detal e da Casa do Itaim-Bibi. Zanettini Arqueologia, 2010. (direita acima): panorâmica do sítio arqueológico Casa do Itaim-Bibi. Zanettini Arqueologia, 2010. (da esquerda para a direita): momentos da escavação arqueológica. Zanettini Arqueologia, 2010 (da esquerda para a direita): momentos da escavação arqueológica. Zanettini Arqueologia, 2010. (da esquerda para a direita): vistoria conjunta IPHAN/SP e MPF em SP. Zanettini Arqueologia, 2010. 171 171 171 171 171 171 190 190 190 190 190 190 199 199 199 199 199 16
Foto 18 Foto 19 Foto 20 Foto 21 Foto 22 Foto 23 Foto 24 (da esquerda para a direita): vistoria conjunta IPHAN/SP e MPF em SP. Souza, 2010. (esquerda acima): a autora na entrada do sítio São Francisco em São Sebastião- SP. Dimitriadis, 2012. (esquerda acima): a autora na fonte do sistema de captação de agua no sítio. Dimitriadis, 2012. (esquerda): detalhes de material arqueológico em superfície. Souza, 2012. (esquerda): detalhes de material arqueológico em superfície. Souza, 2012. (direita): panorâmicas de diferentes locais do sítio. Souza, 2012. (direita): panorâmicas de diferentes locais do sítio. Souza, 2012. 199 207 207 207 207 207 207 17
INTRODUÇÃO 18
INTRODUÇÃO Nossa herança cultural advém da capacidade que temos de criar, acumular conhecimento e de transmiti-lo aos que nos sucedem. A lembrança de um evento depende sempre de quem o lembra, pois há diferentes percepções dos fatos em função da vivência de cada um. Essas memórias formam uma cadeia de ligações, em que cada geração é um elo responsável pela perpetuação da memória coletiva; registradas através da cultura material, das representações humanas, dos saberes, dos sabores, enfim do patrimônio cultural que representa as identidades culturais dos povos. O patrimônio cultural é vulnerável. Está constantemente ameaçado, seja pelo processo de deterioração natural decorrente da ação do tempo, pelo fenômeno da globalização que propicia a uniformização cultural dos valores e comportamentos, pela atuação das relações econômicas e sociais ou pelo risco relacionado às atividades humanas. Esses conjuntos de fatores favorecem problemas de toda ordem; de natureza cientifica, técnica, financeira, política, e determinam a necessidade de escolhas culturais. A necessidade de garantir a difusão do saber e assegurar a identificação, proteção, conservação, valorização e transmissão do patrimônio cultural às gerações futuras parecem evidentes. Entretanto, a proteção de tal patrimônio tem se mostrado às vezes inadequada devido à insuficiência de recursos econômicos e à diversidade de elementos que devem ser avaliados para uma intervenção técnico-científica de salvaguarda dos bens. Salienta-se que em face da extensão e da gravidade dos perigos que ameaçam os bens culturais é também de competência da coletividade participar da proteção do patrimônio 19
cultural. Deve-se promover a salvaguarda do patrimônio cultural de forma cooperativa entre organizações governamentais e não governamentais. Desta sorte há a necessidade de incentivo a estudos e pesquisas científicas e técnicas que forneçam dados para subsidiar a adoção de políticas de gestão do patrimônio cultural, que integradas a ferramentas jurídicas, científicas, técnicas, administrativas e financeiras auxiliem na conservação, proteção, salvaguarda e valorização do mesmo. O patrimônio arqueológico é, segundo a definição comumente admitida, a herança desejável a se transmitir às gerações futuras (UNESCO, 1956) 1. Este trabalho pretende apresentar e avaliar as condicionantes que incidem na gestão do patrimônio arqueológico, os atores que dela participam tais como organismos governamentais e não governamentais (terceiro setor e sociedade) e as ferramentas disponíveis que vêm sendo utilizadas na construção de políticas de gestão desse patrimônio. A gestão de um ambiente cultural compete à responsabilidade de construir, aplicar e aperfeiçoar os instrumentos que fundamentam as escolhas de uma decisão. Desta maneira, os conceitos relativos ao patrimônio arqueológico devem ser apresentados, contextualizados, revistos e sistematizados, e ainda deve-se empreender o enquadramento legal desse. No Brasil, o patrimônio arqueológico tem a sua tutela sob a responsabilidade da União Federal, representada pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Histórico Nacional IPHAN seu órgão competente, e regido na Constituição Federal de 1988, pelos artigos 215º e 216º. O Art. 215º dispõe que o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais ; O Art. 216º define que: 1 A Recomendação resultante da 9ª Conferência Geral da UNESCO de 1956 em Nova Deli se constitui como primeiro instrumento a apresentar a conceituação de patrimônio arqueológico e a propor sua regulamentação. 20
Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais ; E pelo inciso V, que identifica os bens que compõem o patrimônio cultural da Nação, [...] constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico [...]. O texto constitucional no artigo 20, inciso X, define a propriedade pública e arrola os bens pertencentes à União: [...] são bens da União: as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré- istóricos 2. E legislando sobre Meio Ambiente o Cap. VI, Art. 225, 1º e seus incisos, sobretudo o IV e o VI, definem o bem arqueológico colocando-o sob a tutela dos bens socioambientais 3. Neste prisma, o patrimônio cultural passa a ser parte integrante do meio ambiente a ser protegido, intitulado como meio ambiente cultural, que se divide em meio ambiente natural ou físico; artificial e do trabalho, compreendendo a água, o ar, a flora, a fauna, o patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico etc. A nova realidade jurídica define o 2 A CF/88, Art. 20º arrola os bens da União de forma não exaustiva, mas exemplificativa, pois entende a sua relação no inciso I, ao afirmar os que atualmente l e pertencem e os que l e vierem a ser atribuídos. 3 Art. 225º. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para os presentes e futuras gerações. 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: IV exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; VI promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. 21
patrimônio arqueológico como um bem ambiental de caráter difuso 4 e o insere nas obrigações do licenciamento ambiental. No ordenamento infraconstitucional, o Decreto-lei 25/37, Art. 1º; 1 e Art. 4º 5 dispõe que bens que possuam excepcional valor arqueológico compõem o patrimônio histórico e artístico nacional; e que para tanto as coisas pertencentes às categorias de arte arqueológica, etnográfica, ameríndia e popular devem ser inscritas no livro de Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico. Outras normas afetas se conjugam no sentido de regulamentar esta proteção: a Lei 4.737/65 institui o Código Eleitoral introduzindo penas à colocação de cartazes ou indicações em logradouros públicos ou bens tombados por valor arqueológico (Art. 328º e 329º); a Lei 4.84/65 proíbe a saída para o exterior de obras de arte e ofícios produzidos no país, até o fim do período monárquico; o Decreto Lei 3.365/41 dispõe sobre desapropriações por utilidade pública (Art. 5, item K, I) para preservação e conservação dos monumentos históricos, ou outros bens móveis de valor histórico ou artístico; a Lei nº 7347/85 disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (vetado) e dá outras providências. O patrimônio arqueológico é apreciado no seu conjunto pela Lei 3924/61, que dispõe sobre os Monumentos Arqueológicos e Pré-históricos. Esse dispositivo define o tratamento autônomo do patrimônio arqueológico nacional: 1) deliberando sobre a responsabilidade da 4 Os direitos difusos estão preconizados no Código de Defesa do Consumidor (CDC) Art. 81º, único, inciso I: direitos difusos são transindividuais, isto é, são aqueles que transcendem, ultrapassam a figura do indivíduo. Além disso, é de natureza indivisível, vez que pertencem a uma coletividade simultaneamente e não a esta ou aquela pessoa ou grupo de pessoas. Em suma, os direitos difusos são transindividuais, cuja titularidade é indeterminada e interligada por uma mesma circunstância de fato e tem seu objeto um direito indivisível. 5 Decreto-lei 25/37, Art. 1º Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico. 1º Os bens a que se refere o presente artigo só serão considerados parte integrante do patrimônio histórico o artístico nacional, depois de inscritos separada ou agrupadamente num dos quatro Livros do Tombo, de que trata o Art. 4º desta lei. O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional possuirá quatro Livros do Tombo, nos quais serão inscritas as obras a que se refere o Art. 1º desta lei, a saber: 1) no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, as coisas pertencentes às categorias de arte arqueológica, etnográfica, ameríndia e popular, e bem assim as mencionadas no 2º do citado Art. 1º. 22
tutela dos bens arqueológicos (Art. 1º) 6 e a propriedade dos bens arqueológicos (Parágrafo único) 7 ; 2) elencando o conjunto dos bens arqueológicos (Art. 2º) 8 ; 3) estabelecendo as restrições para as atividades econômicas causadoras de impacto negativo (Art. 3º) 9 ; 4) regulando os procedimentos para realização de escavações e pesquisas (Cap. II Art. 8º) 10 ; 5) normalizando os parâmetros administrativos das investigações arqueológicas (Cap. II Art. 10º) 11 ; 6) atribuindo sanções administrativas, penais e cíveis (Cap. II Art. 11º 1º) 12 ; 7) estabelecendo direitos e deveres do cidadão na custódia provisória de achados fortuitos (Cap. IV Art. 17º a 19º); 8) regulando a saída de acervo para o exterior (Cap. V Art. 20º e 21º); 9) respaldando as ações de natureza documental 13, protetivas 14, conservativas e de preservação; 6 Lei 3914/61 Art.1º: Os monumentos arqueológicos ou pré-históricos de qualquer natureza existentes no território nacional e todos os elementos que neles se encontram ficam sob a guarda e proteção do Poder Público, de acordo com o que estabelece o art. 175 da Constituição Federal. (Art. 175º. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão). 7 Lei 3914/61 Parágrafo único. A propriedade da superfície, regida pelo direito comum, não inclui a das jazidas arqueológicas ou pré-históricas, nem a dos objetos nelas incorporados na forma do art. 152º da mesma Constituição. 8 Lei 3924/61 Art. 2º a) as jazidas de qualquer natureza, origem ou finalidade, que representem testemunhos de cultura dos paleoameríndios do Brasil, tais como sambaquis, montes artificiais ou tesos, poços sepulcrais, jazigos, aterrados, estearias e quaisquer outras não especificadas aqui, mas de significado idêntico a juízo da autoridade competente; b) os sítios nos quais se encontram vestígios positivos de ocupação pelos paleoameríndios tais como grutas, lapas e abrigos sob rocha; c) os sítios identificados como cemitérios, sepulturas ou locais de pouso prolongado ou de aldeamento, "estações" e "cerâmicos", nos quais se encontram vestígios humanos de interesse arqueológico ou paleoetnográfico; d) as inscrições rupestres ou locais como sulcos de polimentos de utensílios e outros vestígios de atividade de paleoameríndios. 9 Lei 3924/61 Art. 3º São proibidos em todo o território nacional, o aproveitamento econômico, a destruição ou mutilação, para qualquer fim, das jazidas arqueológicas ou pré-históricas conhecidas como sambaquis, casqueiros, concheiros, birbigueiras ou sernambis, e bem assim dos sítios, inscrições e objetos numerados nas alíneas b, c e d do artigo anterior, antes de serem devidamente pesquisados, respeitadas as concessões anteriores e não caducas. 10 Lei 3924/61, Cap. II, Art. 8º O direito de realizar escavações para fins arqueológicos, em terras de domínio público ou particular, constitui-se mediante permissão do Governo da União, através da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ficando obrigado a respeitá-lo o proprietário ou possuidor do solo. 11 Lei 3924/61, Cap. II Art. 10º A permissão terá por título uma portaria do Ministro da Educação e Cultura, que será transcrita em livro próprio da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, e na qual ficarão estabelecidas as condições a serem observadas ao desenvolvimento das escavações e estudos. 12 Lei 3924/61, Cap. II, rt.11º 1º s escavações devem ser necessariamente executadas sob a orientação do permissionário, que responderá civil, penal e administrativamente, pelos prejuízos que causar ao Patrimônio Nacional ou a terceiros. 13 Lei 3924/61, Cap. VI, Art. 27º A Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional manterá um Cadastro dos monumentos arqueológicos do Brasil, no qual serão registradas todas as jazidas manifestadas, de acordo com o disposto nesta lei, bem como das que se tornarem con ecidas por qualquer via. tualmente o registro dos bens arqueológicos é realizado no Cadastro Nacional de Bens Arqueológicos - CNSA. 23