Avaliação dilatométrica da reversão das martensitas induzidas por deformação em um aço inoxidável austenítico do tipo ABNT 304



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ISSN 1517-7076 Revista Matéria, v. 13, n. 4, pp. 587 596, 2008 http://www.materia.coppe.ufrj.br/sarra/artigos/artigo11018 Avaliação dilatométrica da reversão das martensitas induzidas por deformação em um aço inoxidável austenítico do tipo ABNT 304 Santos, T.F.A; Andrade, M.S Setor de Tecnologia Metalúrgica - Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais - CETEC Av. José Cândido da Silveira, 2000, 31170-000, Horto, Belo Horizonte, MG e-mail: tfa.santos@gmail.com, margareth.spangler@cetec.br RESUMO Aços inoxidáveis austeníticos da classe ABNT 304, quando deformados, sofrem transformações de fase, gerando as fases martensíticas epsilon, de estrutura hexagonal compacta, e alfa-linha, tetragonal de corpo centrado. As propriedades mecânicas, assim como a conformabilidade desse aço, dependem da morfologia, distribuição e fração volumétrica das martensitas. Ensaios de tração foram realizados nas temperaturas de -50ºC a 20ºC, com deformação verdadeira de 0,03 a 0,12, com o intuito de obter diferentes quantidades de martensitas. Determinou-se a fração volumétrica de martensita alfa-linha através de um ferritoscópio, indicando a diminuição da martensita alfa-linha, com a elevação da temperatura de deformação. Ensaios dilatométricos foram conduzidos na faixa de temperaturas de 50 a 1000ºC a 1ºC/s e mostraram duas transformações de fase, nas faixas de temperaturas de 50 a 200ºC e 500 a 800ºC, que foram relacionadas às transformações reversas epsilon gama e alfa-linha gama. A quantidade transformada de epsilon cresce até um máximo, enquanto que a quantidade transformada de alfa-linha aumenta, continuamente, com a deformação. A formação de epsilon precede o aparecimento de alfa-linha e diminui sua quantidade à custa do aumento de martensita alfa-linha. Palavras-chaves: martensita induzida por deformação, aço inoxidável austenítico, dilatometria. Dilatometric evaluation of strain-induced martensite reversion in type AISI 304 austenitic stainless steel ABSTRACT Austenitic stainless steels can form strain-induced martensites when deformed. The mechanical properties, as the formability, depend on morphology, distribution and volumetric fractions of phases generated, epsilon-martensite, with a close-packed hexagonal structure, and alpha-prime martensite, which possesses a body-centered cubic structure. Tensile tests were carried out in temperatures in the range of -50 to 20ºC with true strains ranging from 0.03 to 0.12, in order to obtain different volumetric fractions of epsilon and alpha-prime martensites. The amount of alpha-prime martensite was measured by using a ferritoscope indicating that the alpha-prime martensite fraction increases with strain for a constant temperature and decreases with the temperature for a constant strain. The epsilon and alpha-prime martensites reversion was observed in the temperature range of 50 to 200ºC and 500 to 800ºC, respectively, by dilatometer tests. The epsilon martensite volumetric fraction first rises with the strain and, at higher deformations, drops from a maximum value, which depends on the deformation temperature. The epsilon martensite occurs before alphaprime martensite and its amount decreases with the increase on the volumetric fraction of alpha-prime martensite. Keywords: strain-induced martensite, austenitic stainless steel, dilatometry. 1 INTRODUÇÃO As várias classes dos aços inoxidáveis, denominadas austeníticos, ferríticos, martensíticos, endurecíveis por precipitação, são fundamentadas na composição química do material, gerando diversas características mecânicas e de resistência à corrosão [1-4]. Os aços inoxidáveis austeníticos, em especial, são, largamente, utilizados em aplicações de engenharia devido a suas excelentes propriedades de resistência à corrosão, soldabilidade e propriedades mecânicas [1-4]. Autor Responsável: Santos, T.F.A. Data de envio: 28/09/2007 Data de aceite: 07/08/2008

Dependendo da composição química e da temperatura de pesquisa, o aço inoxidável pode sofrer transformação martensítica quando deformado. Observa-se, nesses aços, a formação da martensita ε, de estrutura cristalina hexagonal compacta, e da martensita α, de estrutura cúbica de corpo centrada [3, 5-7]. A fase ε foi descoberta, primeiramente, no ferro puro sob alta pressão, em baixas temperaturas. Quando uma seqüência de átomos empilhados de modo compacto do tipo ABCABC - estrutura cúbica de face centrada - possui uma descontinuidade na ordem de empilhamento do tipo AB ABC, obtém-se, localmente, a estrutura HC. Esse empilhamento é denominado ε [8]. Em deformações mais elevadas, a martensita ε pode cisalhar novamente, transformando-se em estrutura cúbica de corpo centrada, a martensita α [9]. A presença dessas martensitas altera significativamente suas propriedades mecânicas nos aços e, portanto, suas aplicações industriais estão relacionadas à microestrutura [7]. A quantidade, distribuição e morfologia das martensitas ε e α alteram a conformabilidade do aço inoxidável austenítico [7, 9-11]. Desse modo, o estudo dos aspectos que podem modificar a microestrutura do aço, durante seu processamento termomecânico, é de fundamental importância. Uma técnica bastante adequada para avaliar mudanças microestruturais é a dilatometria, pois permite acompanhar, em tempo real, a evolução das transformações em termos das variações dimensionais que ocorrem em uma amostra submetida a um ciclo térmico [12]. O dilatômetro mede, precisamente, as dimensões de uma amostra, usualmente o comprimento, quando submetida à variação da temperatura. A sensibilidade do equipamento amplia à medida que ocorre a variação do comprimento, e as medições são, continuadamente, registradas em função do tempo ou da temperatura. A dilatometria é utilizada para estudos de expansão térmica de materiais, comportamento de transformações de fases em aços e em ligas, durante o resfriamento ou aquecimento contínuo, e em transformações isotérmicas [13]. Através dessa técnica, pode-se verificar, por exemplo, a reversão das fases martensíticas durante o aquecimento contínuo em aços inoxidáveis austeníticos [10]. Um dispositivo normalmente utilizado para medir a fração volumétrica de martensita α é o Ferritoscope. Esse dispositivo foi desenvolvido para medir quantidades de ferrita δ de soldas de aços inoxidáveis [14]. O ferritoscópio detecta a quantidade de fase ferromagnética presente no material [15]. 2 MATERIAIS E MÉTODOS 2.1 Material Foi utilizado um aço inoxidável austenítico do tipo ABNT 304, cuja composição química, fornecida pelo fabricante, é apresentada na Tabela 1. O aço de fabricação comercial foi produzido pela ArcelorMittal Inox Brasil, na forma de chapa de 0,6mm de espessura. Para atingir esta espessura, o aço foi submetido ao processamento padrão de indústria: lingotamento contínuo, laminação a quente, laminação a frio e recozimento final, para eliminar a martensita induzida durante o processo de deformação a frio. Tabela 1: Composição química do aço ABNT 304 (% em peso). C Si Mn Cr Ni Mo N Co Cu 0,060 0,39 1,31 18,09 8,03 0,040 0,0330 0,10 0,07 2.2 Ensaios de Tração Com o objetivo de obter diferentes quantidades de martensitas, os ensaios de tração foram realizados em corpos de prova retirados das chapas na direção paralela à direção de laminação. A Figura 1 mostra um desenho com as medidas reais dos corpos de prova usinados na Acesita. Esses corpos de prova foram confeccionados do tipo seção reduzida e com furo na cabeça, com base na norma ASTME646 [16]. Os ensaios foram realizados em uma máquina universal de ensaios mecânicos Instron 1125, com câmara de condicionamento de temperaturas modelo 3111, que utiliza CO 2 para resfriamento e resistências para aquecimento. A temperatura dos corpos de prova durante o ensaio foi monitorada através de um termopar soldado no centro da amostra. As amostras tiveram deformações verdadeiras de 0,03, 0,06, 0,09, 0,12 nas temperaturas de -50ºC, -30ºC, -10ºC e 20ºC. Testes preliminares [17], utilizando a câmara de condicionamento de temperaturas, mostraram que uma velocidade de 2mm/min do deslocamento do cabeçote da máquina de tração não causa variação de temperatura na amostra. Essa velocidade foi utilizada nos ensaios de tração das amostras com deformação verdadeira de 0,03 a 0,12, nas temperaturas de 50, 30 e 10ºC. Nos ensaios realizados em 20ºC, sem a 588

utilização da câmara de condicionamento de temperatura, a velocidade de deslocamento utilizada foi menor, 1mm/min, para assegurar que a temperatura da amostra fosse constante durante o ensaio de tração. Figura 1: Desenho esquemático do corpo de prova de tração com as dimensões em milímetros. 2.3 Ferritoscópio A fração volumétrica de martensita α foi determinada através de um ferritoscópio Fischer modelo MP3C. Foram feitas 5 medidas e o erro das medidas foi inferior a 0,01. Foi utilizado o fator de conversão 2, definido por Vilela et al [18], encontrado através de comparações com técnicas de difração de raio-x, balança de saturação magnética, microscopia óptica e microscopia de varredura por sonda mecânica. 2.4 Ensaios de dilatometria Ensaios de dilatometria foram executados para verificar a transformação reversa das fases induzidas durante a deformação. As amostras usadas no dilatômetro mediam 12,00mm x 2,00mm x 0,60mm e foram cortadas na direção paralela à direção dos ensaios de tração. Os ensaios foram realizados em um dilatômetro do tipo Adamel Lhomargy LK02, na faixa de temperaturas de 50 a 1000ºC, com taxa de aquecimento de 1,00ºC/s. 2.5 Difração de raios-x Espectros de difração de raios-x das amostras, antes e após deformação, foram obtidos em equipamento Shimadzu, modelo XRD-6000, utilizando radiação de Cu-K α, para determinar a presença de fases martensíticas. 3 RESULTADOS E DISCUSSÕES A Figura 2 mostra uma micrografia do aço tipo ABNT 304 no estado como recebido. Observa-se uma microestrutura constituída de grãos austeníticos maclados. Deve-se notar que esta microestrutura permanece no aço não deformado, mesmo após seu resfriamento até a temperatura do nitrogênio líquido. Em outras palavras, o M s do aço está abaixo de -196 C. Figura 2: Micrografia do aço inoxidável estudado no estado como recebido: grãos austeníticos maclados. Ataque: glicerégia. 589

As curvas de tensão em função da deformação verdadeira, para as temperaturas de deformação de 20, -10, -30 e 50ºC, estão mostradas na Figura 3. Observa-se o encruamento e a mudança na forma das curvas à medida que a temperatura de deformação diminui. Este comportamento está relacionado à indução de maior quantidade de martensita α, conforme constatado pelas medidas descritas a seguir. 300 250 200 Tensão (MPa) 150 100 50 0 20ºC -10ºC -30ºC -50ºC 0,00 0,02 0,04 0,06 0,08 0,10 0,12 Deformação verdadeira Figura 3: Curvas tensão x deformação verdadeira para o aço deformado até 0,12 de deformação verdadeira em diferentes temperaturas: 20, -10, -30, e -50ºC. A Figura 4 mostra um espectro de difração típico de amostras do aço 304 deformado, contendo martensitas ε e α. As placas de fase martensita ε apresentaram-se de difícil resolução por difração de raiosx por serem extremamente finas e com alto grau de falhas de empilhamento dificultando sua observação e quantificação. A análise da evolução da quantidade relativa de martensita ε presente nas amostras só pode ser realizada através das curvas dilatométricas. Figura 4: Espectro de difração de raios-x de amostra de aço inoxidável após deformação de 0,06 a -10 C mostrando ocorrência de martensitas ε e α na matriz γ. Os resultados das medições de quantidade de martensita α, as quais foram realizadas com o detector de ferrita, são apresentados nas Figuras 5 e 6. Observa-se que a quantidade de martensita α aumenta 590

com a deformação, em uma mesma temperatura, de ensaio de tração (Figura 5). E, para uma mesma quantidade de deformação, constatou-se a diminuição de α, com a elevação da temperatura de ensaio (Figura 6). A quantidade de martensita ε não pode ser medida pelo ferritoscópio, uma vez que essa fase não é ferromagnética. As curvas dilatométricas reversas, no entanto, fornecem uma boa indicação da presença e quantidade relativa dessa fase. Fração volumétrica de martensita α' (%) 40 35 30 25 20 15 10 5 0 20ºC -10ºC -30ºC -50ºC 0,03 0,06 0,09 0,12 Deformação verdadeira Figura 5: Fração volumétrica de martensita α em função da deformação verdadeira. Fração volumétrica de martensita α' (%) 40 35 30 25 20 15 10 5 0 Deformadas de: 0,03 0,06 0,09 0,12-50 -40-30 -20-10 0 10 20 Temperatura de deformação (ºC) Figura 6: Fração volumétrica de martensita α em função da temperatura de deformação. Na Figura 7, é apresentada a curva da derivada numérica da dilatação relativa da amostra, em função da temperatura. Observa-se a ocorrência de duas transformações de fase nas faixas de temperaturas de 50ºC a 200ºC e 500ºC a 800ºC. Tratam-se das transformações reversas ε γ e α γ, respectivamente. 591

2,5x10-5 )/dt 1,5x10-5 5,0x10-6 0,0 ε γ α' γ Figura 7: Curva da derivada numérica da dilatação relativa de uma amostra de aço do tipo ABNT 304 deformada. Amostra deformada de 0,09 por tração na temperatura de 30ºC. A Figura 8 mostra a influência da quantidade de deformação nas curvas dilatométricas de amostras submetidas a diferentes deformações (0,03 a 0,12), na temperatura de -50ºC. Observam-se quantidades relativas, distintas das martensitas ε e α, em função da deformação aplicada. Na temperatura de -50ºC, a quantidade máxima de ε é observada em 0,03 de deformação verdadeira. A partir dessa deformação, nessa temperatura, a quantidade de ε que reverte para austenita diminui. Por outro lado, verifica-se que a quantidade de martensita α que reverte para a austenita cresce, continuamente, com o aumento da quantidade de deformação. Dados obtidos através do detector de ferrita corroboram essa observação (Figura 5). )dt 0,0 - - -3,0x10-5 Deformadas em -50ºC de: 0,03 0,06 0,09 0,12 Figura 8: Derivada da dilatação relativa, em função da temperatura de amostras deformadas de 0,03, 0,06, 0,09 e 0,12, em 50ºC. De acordo com Mangonon e Thomas [6], a martensita α forma-se preferencialmente nas intersecções entre placas de ε, com contornos de macla e com contornos de grão, e que a formação de ε atinge um máximo com a deformação. Foi observado, na Figura 8, que para amostras deformadas de 0,03 em -50ºC, o pico de transformação ε γ, que ocorre no aquecimento, é máximo. À medida que a deformação aumenta, a transformação ε γ fica menos evidente e, simultaneamente, mais clara torna-se a transformação 592

α γ. Constatou-se, portanto, que o desaparecimento de ε ocorre pela transformação ε α. Como já foi verificada, a quantidade de α aumenta, continuadamente, com a deformação (Figura 6). Então, a quantidade de martensita ε atinge um máximo e decresce, gerando α (Figura 8). As Figuras 9, 10 e 11 apresentam as curvas dilatométricas das amostras deformadas de 0,03 a 0,12 nas temperaturas de -30, -10 e 20ºC, respectivamente. Nas Figuras 8 e 9, o máximo de martensita ε que reverte para a austenita (γ) ocorre em deformações de 0,06. Na Figura 10, a quantidade de martensita ε não alcança seu máximo até 0,12 de deformação verdadeira. Observa-se, no entanto, que em amostras deformadas em 20ºC (Figura 11), a quantidade de martensita α é muito pequena. A ausência de quantidades significativas de α possibilita o aumento da quantidade de ε. Tais dados indicam que a martensita α formase à custa da martensita ε. )/dt 0,0 - - Deformadas em -30ºC de: 0,03 0,06 0,09 0,12 Figura 9: Derivada da dilatação relativa, em função da temperatura de amostras deformadas de 0,03, 0,06, 0,09 e 0,12 em 30ºC. 2,5x10-5 )/dt 1,5x10-5 5,0x10-6 0,0-5,0x10-6 304A Def. em -10ºC de: 0,03 0,06 0,09 0,12 Figura 10: Derivada da dilatação relativa, em função da temperatura de amostras deformadas de 0,03, 0,06, 0,09 e 0,12 em 10ºC. 593

2,5x10-5 )/dt 1,5x10-5 5,0x10-6 304A Deformadas em 20ºC de: 0,03 0,06 0,09 0,12 Figura 11: Derivada da dilatação relativa em função da temperatura de amostras deformadas de 0,03, 0,06, 0,09 e 0,12 em 20ºC. Na Figura 12, é apresentada a curva dilatométrica das amostras deformadas de 0,12, nas temperaturas de 20, -10, -30 e 50ºC. A formação da martensita α é mais fácil em amostras deformadas em temperaturas menores; neste trabalho, utilizou-se a temperatura de -50ºC. Medições feitas pelo detector de ferrita mostram essa relação (Figura 5). Na amostra deformada de 0,12 em, -50ºC, praticamente, não há mais martensita ε revertendo para a austenita. Observa-se, ainda, que a quantidade de ε é máxima em amostras deformadas de 0,12, na temperatura de -10ºC, o que pode estar relacionado ao balanço entre a facilidade de formar-se ε em temperaturas menores e a quantidade de α presente. 3,0x10-5 )/dt 0,0 - - -3,0x10-5 Deformado de 0,12 em: 20ºC -10ºC -30ºC -50ºC Figura 12: Amostras deformadas de 0,12 nas temperaturas de 20, -10, -30 e -50 ºC. 4 CONCLUSÕES Ensaios de dilatometria permitiram verificar, no aço inoxidável austenítico ABNT 304 deformado, o tipo, a quantidade relativa das fases martensíticas (ε e α ) e a faixa de temperaturas de ocorrências das transformações reversas. Os intervalos de temperaturas de reversão das martensitas foram de 50 a 200ºC e de 500 a 800ºC relacionadas, respectivamente, às transformações ε γ e α γ. 594

No aço 304, o mecanismo γ ε α de formação de martensita α é atuante, nas faixas de temperaturas e deformações estudadas. O máximo da quantidade de ε formada nos ensaios de tração depende da temperatura de deformação. Esse máximo ocorreu em 0,12 de deformação verdadeira, em amostras à temperatura ambiente, em 0,06, em amostras deformadas em -10ºC e em -30ºC, e em 0,03 de deformação verdadeira, em amostras deformadas em -50ºC. Medições utilizando o ferritoscópio indicaram que, para uma mesma deformação, a quantidade de martensita α é maior em temperaturas de deformação mais baixas e que, em uma mesma temperatura de deformação, a quantidade de α aumenta com a deformação. 5 AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao CNPq e FINEP por suporte financeiro. T.F.A.S. e M.S.A. agradecem ao CNPq e Fapemig, respectivamente, por bolsas de estudo. 6 BIBLIOGRAFIA [1] PADILHA, A.F., RIOS, P.R., Decomposition of austenite in austenitic stainless steels, ISIJ International, v. 42, n. 4, pp. 325-327, 2002. [2] LIPPOLD, J.C., KOTECKI, D.J., Welding metallurgy and weldability of stainless steels, New Jersey: Wiley-Interscience Publication, 2005. [3] TALONEN, J., NENONEN, P., PAPE, G., HÄNNINEN, H., Effect of strain rate on the strain-induced γ α -martensite transformation and mechanical properties of austenitic stainless steel, Metallurgical and Materials Transactions A, v. 36, n. 2, pp. 421-432, 2005 [4] PICKERING, F.B., Physical Metallurgical Development of Stainless Steels, International Metals Reviews, pp. 227-268, 1976. [5] GUY, K., BUTLER, E.P., WEST, D.R.F., ε and α martensite formation and reversion in austenitic stainless steels, Journal de Physique, v. 43, n. 3, p. CA-575, 1982. [6] MANGONON, L., THOMAS, G., The martensite phases in 304 stainless steel, Metallurgical Transactions, v. 1, pp.1577-1586, 1970. [7] PADILHA, A.F., PLAUT, R.L., RIOS, P.R., Anneling of Cold-worked Austenitic Stainless Steels, ISIJ International, v. 43, n. 2, pp. 135-143, 2003. [8] BLANC, C., Mécanismes de déformation des aciers inoxydables austénitiques, In: Lacombe, P., Baroux, B., Beranger, G. (Org.), Les Aciers Inoxydables, p. 611-617, Courtaboeuf: Les Éditions de Physique, 1990. [9] DE, A. K, SPEER, J.G., MATLOCK, D.K., MURDOCK, D.K., MATAYA, M.C., COMSTOCK, Jr., R.J., Deformation-Induced phase transformation and strain hardening in type 304 austenic stainless steel, Metallurgical and Materials Transactions A, v. 37A, pp. 1875-1886, 2006. [10] ANDRADE, M.S., VILELA, J.M.C., GOMES, O.A, CASTRO, A.L.R., PINTO, T.B., OLIVEIRA, N.J.L., SERRANO, A.L., MORAES, J.M.D., Reversão da martensita em aços inoxidáveis do tipo ABNT 304, In: 58º Congresso Anual da ABM, pp. 3155-3464, Rio de Janeiro, 2003. [11] CHOI, J.Y., JIN, W., Strain induced martensite formation and its effect on strain hardening behavior in the cold drawn 304 austenitic stainless steels, Scripta Materialia, v. 36, n. 1, pp. 51-56, 2004. [12] GARCÍA DE ANDRÉS, C., CABALLERO, F.G., CAPDEVILA, C., ÁLVAREZ, L.F., Application of dilatometric analysis to the study of solid-solid phase transformations in steels, Materials Characterization, v. 48, pp. 101-111, 2002. 595

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