Modelo concede flexibilidade a hospitais públicos Servidores continuariam a ser admitidos por concurso, mas passariam a ser regidos pela CLT, por exemplo Karine Rodrigues, RIO O Estado de S. Paulo, 31 de dezembro de 2006 Sem deixar de ser públicos, hospitais e outras unidades de serviços de saúde e pesquisa, sempre atolados em burocracia, orçamentos minguados e corporativismo, podem ganhar em 2007 um estatuto que promoveria uma reviravolta na vida administrativa dessas instituições. Depois de um ano inteiro de discussão, a Casa Civil está finalizando uma proposta para criar as fundações governamentais de direito privado. O novo modelo precisa ser discutido e votado por deputados e senadores para entrar em vigor. Submetidas a um contrato de gestão, as fundações hospitalares ganhariam autonomia administrativa e financeira. A grande novidade: na parte de recursos humanos, a contratação continuaria sendo feita por meio de concurso público, mas os funcionários passariam a ser regidos pelas normas dos trabalhadores do setor privado, isto é, pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). As fundações poderiam estabelecer livremente os valores dos salários, diferenciar as remunerações conforme o mérito de cada um e até demitir, caso as metas acertadas em contratos de gestão não sejam cumpridas. Elaboramos uma alternativa que agrega autonomia, agilidade para os gestores, maior produtividade e responsabilização, além de um melhor controle de gastos, resumiu ao Estado Pedro Barbosa, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Ele foi o coordenador do grupo criado para conceber o modelo, que é uma adaptação de uma figura jurídica já existente na legislação brasileira. Debatemos muito com juristas e outros especialistas. Procuramos uma forma que garanta os princípios constitucionais e a transparência. Não vai resolver todos os problemas, mas, certamente, vai preencher uma grande lacuna, avalia Valter Correia, secretário de gestão do Ministério do Planejamento e membro do grupo que criou o modelo.
CONTRATO E RECEITA PRÓPRIA A autonomia não vai diminuir o caráter público das instituições, assegura Barbosa, lembrando que o modelo prevê atendimento exclusivo para usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), ao contrário do que ocorre hoje em alguns hospitais, como é o caso do Instituto do Coração (Incor). Além disso, a sujeição à administração pública está presente na contratação por concurso público, nas compras realizadas por licitação e no controle de gastos feito pelos tribunais de contas e pelo Ministério da Saúde. Por ser um modelo com maior autonomia de gestão, orçamentária e financeira, novos dispositivos de acompanhamento, de prestação de contas e de responsabilização serão adotados, como os conselhos de administração. A contrapartida da autonomia é a responsabilidade, ressalta Francisco Braga, que também é da Fiocruz e participou do grupo. Gestores que descumprirem injustificadamente o que foi acordado no contrato poderão sofrer penalidades ou perder o cargo. Outra mudança é a forma como as unidades hospitalares estarão vinculadas ao SUS - o que hoje é feito por meio do Orçamento. O modelo desenhado agora estabelece que a ligação será por um contrato de gestão, que determina compromissos, metas, avaliações e responsabilização dos gestores. Além das receitas públicas, garantidas pelo contrato de gestão, a fundação pode contar também com receitas próprias, decorrentes, por exemplo, de atividades de pesquisa científica e tecnológica e de ensino especializado. SALÁRIOS DIFERENCIADOS Os salários não estarão dentro do Orçamento Geral da União, mas do contrato de gestão. E isso permite maior flexibilidade, vai ser possível realizar pagamentos diferenciados. Hoje há uma dificuldade muito grande de fazer isso com especialistas com altíssima excelência, como 2
no caso da área de oncologia, destaca Correia, do Ministério do Planejamento. Isso muda a vida dos hospitais porque eles não vão sobreviver em cima de um orçamento pré-fixado pela União. Vai haver um controle maior sobre seus gastos, com perdas menores, explica o secretário. Integrante do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e consultor do Ministério do Planejamento, Sábado Girardi acompanhou a elaboração do modelo e frisa que a gestão permanece pública, só que as regras são do setor privado, situação que garante uma maior flexibilidade. Não é uma camisa-de-força, diz, lembrando como outro ponto fundamental da alternativa o atendimento exclusivo para pacientes do SUS. Professora de Administração da Fundação Getúlio Vargas (FVG) e diretora do Programa de Estudos Avançados em Administração Hospitalar e de Sistemas de Saúde, realizado em parceria com o Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, Ana Maria Malik vê pontos positivos no modelo, como o contrato de gestão, mas lembra que isso, assim como a contratação pela CLT, não é novidade. Se conseguir fazer com que os hospitais não entrem em crise por falta de recursos vai ser maravilhoso. Num primeiro momento, porém, vai ser difícil, por isso é preciso continuidade. É importante começar logo no ano que vem, para ter quatro anos para acertar, diz, enfatizando, porém, que a existência de um novo modelo, por si só, não garante nada, se não houver competência, disposição e boa fé. RECONTRATAÇÃO Caso o modelo seja aprovado no Congresso Nacional, será iniciado um processo para conversão das unidades em fundações governamentais de direito privado. Com isso, haverá recontratação de recursos humanos. Correia, porém, não fala de custos ou investimentos. Os custos vão depender de cada fundação, diz, explicando que é necessário uma lei complementar para instituir o modelo, e 3
depois, leis específicas para a criação de cada fundação. Ele adianta que a alternativa pode ser adotada também em outras áreas. Estamos discutindo com os ministérios da Cultura, do Turismo e da Educação. ILEGALIDADE Muitas unidades estão ameaçadas de parar, pois suas fundações privadas de apoio estão sendo questionadas pelos órgãos de controle federais. Fundações como a Zerbini, a Ary Frauzino e a Fundacor, apóiam, respectivamente, o Incor, o Instituto Nacional de Câncer (Inca) e o Instituto Nacional de Cardiologia Laranjeiras (INCL). Porém, segundo o Tribunal de Contas da União, elas exercem atividades incompatíveis, ferindo normas da administração pública. PRINCIPAIS MUDANÇAS Recursos: pela proposta em finalização pela Casa Civil, a fundação governamental de direito privado fica sujeita a contrato de gestão e administra com autonomia as receitas obtidas com pesquisa Pessoal: Mais flexibilidade na política de recursos humanos permitiria que as instituições atraíssem, com salários competitivos em relação ao mercado, profissionais de alta especialização Crises deram impulso à discussão de alternativa RIO A necessidade de rever a alternativa tradicional de gestão hospitalar ganhou força com a crise nos hospitais federais, a maioria deles concentrados no Rio. Seis instituições no Estado sofreram intervenção em março de 2005, após ser decretado estado de calamidade pública na rede municipal de saúde. Durante vários meses, Sérgio Côrtes, futuro secretário estadual de Saúde do Rio, coordenou a intervenção federal no Rio. Por isso, conhece bem as travas existentes nas unidades públicas, especialmente no Instituto Nacional de Traumato-Ortopedia (Into), unidade pública de 4
referência nacional, que dirige até assumir o novo cargo, em janeiro. A nova alternativa de gestão é importante, principalmente, para a área de recursos humanos, pois os cargos oferecidos em concursos públicos muitas vezes não são preenchidos por causa do valor do salário. É preciso uma diferenciação, e prever gratificações por desempenho. Acho que este é um grande gargalo. Valter Correia, secretário de gestão do Ministério do Planejamento, confirma a situação e diz que ela é quase generalizada. Isso acontece em vários hospitais. Quando fazemos os concursos, às vezes as pessoas até se inscrevem, pois estão necessitando muito, mas acabam não tomando posse, pois conseguem emprego em outro local. Não conseguimos manter os grandes especialistas. O Estado brasileiro não está estruturado para isso, mas tenho muita confiança de que a fundação vai resolver esta lacuna. TERCEIRIZADOS Até lá, o setor de pediatria infantil do Into, assim como várias outras unidades de hospitais federais do País, corre o risco de fechar caso os terceirizados sejam dispensados. O Tribunal de Contas impôs que o Ministério da Saúde faça concursos públicos para a substituição de pessoal terceirizado e elimine outros procedimentos considerados irregulares, realizados por fundações privadas de apoio. Os grandes hospitais públicos buscaram a fundação de apoio como uma forma de ter mais recursos, mas elas acabaram desvirtuadas. Ainda assim, não podem simplesmente ser fechadas, pois as unidades hospitalares praticamente teriam de fechar as portas, já que muitos dos funcionários são terceirizados contratados pelas fundações, ou mesmo servidores que recebem delas complementação salarial, diz Pedro Barbosa, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, lembrando a importância de uma rápida conversão do atual modelo. 5