A CAPES : quais ambições para a pesquisa em Letras e Linguística?



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Transcrição:

A CAPES : quais ambições para a pesquisa em Letras e Linguística? Universidade de São Paulo benjamin@usp.br Synergies-Brésil O Sr. foi o representante da Letras junto à CAPES. O Sr. poderia explicar qual é a função da CAPES, em especial nas suas missões: - de avaliação dos Programas de pós-graduação do país; - políticas, pelas quais a CAPES direciona a pesquisa. Eu fui coordenador da área de Letras e Linguística e representante das áreas de Humanas no Conselho Técnico-Científico do Ensino Superior. Essa experiência advinda dessa representação mais ampla possibilitou-me uma visão mais amadurecida do que ocorre no conjunto das áreas do conhecimento da Capes. Nós nos reuníamos no mínimo uma vez por mês, às vezes por quatro ou cinco dias por mês, durante praticamente cinco anos, com uma convivência formal nas reuniões e também em situações mais espontâneas e diretas na sociabilidade da convivência estabelecida. Nas reuniões do CTC-ES, todos os processos tinham relatores de áreas diferenciadas, de maneira que pude ter uma visão bastante abrangente de outras áreas, como das ciências da saúde, das ditas exatas e também das engenharias e tecnológicas. A função da CAPES, no campo da pós-graduação, é de administrar o Sistema Nacional de Pós-Graduação, através do processo de credenciamento e de avaliação. Nesse sentido, tem servido de paradigma para outros países, inclusive da Europa. E, em decorrência desse instrumento, já que possui diretorias de programas e de cooperação, a par de contato estreito com agências de fomento à pesquisa (CNPq, FINEP, FAPs), estabelece políticas de indução à pesquisa em determinadas áreas, tendo em conta o que estabelece como prioridades nacionais. Tais políticas não se dirigem apenas para a criação de programas de pós-graduação nessas áreas, ou para o estabelecimento de programas em regiões carentes, mas também na indução à pesquisa através de editais específicos. Como se percebe, há aqui uma questão política importante: quem estabelece tais prioridades? Percebi, assim, a mobilização das áreas do conhecimento, através de suas coordenações e associação no sentido de fazer valer o que colocam como prioridades em suas respectivas áreas, lutando para implementá-las no conjunto dessas agências, inclusive na CAPES.. Synergies-Brésil A CAPES está reorganizando a estrutura da representação única denominada Letras e Linguística (LL) por 2 representações autônomas: Literatura e Linguística. Synergies Brésil n 8-2010 pp. 33-37 33

Synergies Brésil n 8-2010 pp. 33-37 - Quais insuficiências, ou obstáculos, foram detectados na representação única? O que se espera da dupla representação, em termos de melhoria das atuações? - Dito de outra maneira: será que o projeto de nova estrutura de representação foi promovido mais com o objetivo de melhorar o funcionamento político-administrativo das instâncias da CAPES, ou mais com o objetivo de melhorar os próprios Programas? Na avaliação da representação LL, de junho passado, lê-se que a divisão visa a atender as especificidades dos Programas focados nos Estudos Linguísticos e dos Programas focados nos Estudos Literários. O Sr. poderia desenvolver mais esse ponto? Veio dessa minha experiência acima mencionada uma visão bastante clara do que ocorre em outras áreas do conhecimento. É uma questão de poder político. Há, por exemplo, no campo das Ciências Biológicas uma divisão em sete áreas. Foi recentemente criada a área de Biodiversidade, reunindo subáreas que estavam numa dessas sete áreas. Vale dizer que quatro delas sequer têm designação própria: são as Ciências Biológicas I, II, III, IV, como existem com essa mesma divisão as Engenharias e as Medicinas, ao lado de outras áreas delas decorrentes, mas afinadas entre si. Tive a oportunidade na condição de relator de examinar os documentos de área dessas divisões de um antigo campo disciplinar e verifiquei que eles são em boa medida semelhantes, diferenciando-se sobretudo no peso, bases de dados, índices de impacto etc. das publicações. Às vezes a redação chegava a ser a mesma, evidenciando que todo o conjunto se reunia ou estabelecia discussões sobre critérios comuns, em nível desses campos de conhecimento mais abrangente ou mesmo em nível da Grande Área. Vale dizer ainda, que essas divisões começaram com pouco mais de dez programas, como a área de Materiais (interface engenharia/física), da Biotecnologia e agora a da Biodiversidade. É de se lembrar que Letras e Linguística possui mais de 140 programas. Com esse horizonte, a divisão de nossa área apenas potenciaria nossa capacidade de atuação, procurando editais mais específicos para obtenção de recursos de indução à pesquisa, saindo da generalidade que acaba atingindo o conjunto das áreas de Humanas, onde os relativamente poucos recursos são divididos por duas dezenas de áreas do conhecimento. Temos de ter consciência desse horizonte para obtenção de maiores recursos para Letras e Linguística. Um exemplo no campo das Humanas ocorre com as Ciências Sociais, divididas em Sociologia, Política e Antropologia, estando ainda em perspectivas de desenvolvimento o campo das Relações Internacionais. Essas áreas estão afinadas entre si, tendo inclusive uma mesma Associação (a ANPOCS). Algo similar ocorreria assim com a ANPOLL na hipótese da divisão. Do ponto de vista político, há evidentes obstáculos para essa divisão. Ela não interessa às outras áreas, em termos de poder o que demandaria uma boa mobilização política. Elas se dividem e veem com desconfiança a divisão dos outros. Falam da excessiva fragmentação, mas se é assim, já explicitamos nosso ponto de vista de poderíamos ficar agrupados em Letras e Linguística, mas com três câmaras: Literatura, Linguística e a dos cursos mistos (o ideal é todos fossem interdisciplinares, o que não ocorre. Aceitariam assim uma única área das Biológicas, com sete câmaras? Há que se ter reciprocidade... Fizemos um primeiro texto com um diagnóstico da área, que entregamos à ANPOLL. Este é o veículo para o encaminhamento de nossas reivindicações. Nesse documento fica claro que os bons programas atingem especificidades. A tal ponto, se se tratar de programas 34

A CAPES : quais ambições para a pesquisa em Letras e Linguística? mistos, que os colegas de Literatura e de Linguística, na maior parte dos casos, não dialogam cientificamente entre si, mas com colegas da outra área pertencentes a outros programas. Programas mistos têm essas duas áreas de concentração e quase sempre foram criados com essa estrutura pela escassez de recursos humanos. Em termos de avaliação, temos dividido os programas nesses grupos e depois fazemos uma discussão conjunta dos resultados obtidos, mas é muito precário. Na Capes, quando da avaliação trienal, por exemplo, as medicinas são colocadas conjuntamente num mesmo prédio e num mesmo período, de forma a facilitar a interlocução, mas trabalham em separado. Têm por isso maior tempo para a análise e discussão (discutem apenas no campo da segmentação Medicina I, II, III etc.). Logo, a persistir esse sistema, haveria ganhos. O CTC-ES para resolver essas situações, propôs avaliações segmentadas, por grupos de programas. Por exemplo, só os programas de conceito 3, ou os programas problemáticos, ou os de conceito 6 e 7. É de se refletir um pouco sobre o número de programas: avaliar pouco mais de uma dezena de programas é muito mais objetivo do que avaliar um conjunto de mais de 140 programas. Entretanto, esses procedimentos são de ordem administrativa, e a questão que levantei até aqui é de ordem sobretudo política: acesso aos recursos e promoção de áreas de indução à pesquisa. Synergies-Brésil Há algumas décadas já, a busca da interdisciplinaridade foi se desenvolvendo, no intuito de proporcionar a integração articulada dos saberes. O Sr. não acha que a divisão em representações autônomas não representa uma volta par trás, uma divisão que pode acarretar uma indiferença (quando não uma ignorância) mútua entre disciplinas solidárias? Em vários momentos, tive a oportunidade de relevar que todo o conhecimento novo é necessariamente interdisciplinar. É o que vem ocorrendo em todas as áreas do conhecimento. Tenho inclusive mantido estreito contato com colegas da área Multidisciplinar da CAPES, que tem recebido cerca de 40% das propostas de cursos novos. E também é aquela que mostra eloquentemente um maior número de reprovação dessas propostas (cerca de 80%). Qual a razão? Basicamente, ausência de foco. A pesquisa interdisciplinar/multidisciplinar parte como nós em Letras de um foco disciplinar. A partir daí é que se estabelecem os laços com outras áreas do conhecimento. Se estamos no campo literário, é a partir daí que podemos enlaçar a sociologia, a história, o cinema etc. Ou, na linguística, a medicina, a biologia, a política, a educação etc. No campo da neurolinguística, sequer é usado o suporte das letras... Pode haver a interdisciplinaridade entre literatura e linguística, mas em nosso diagnóstico isso ocorre com pouca frequência (os programas mistos frios predominam sobre os mistos quentes ). Defendi na CAPES a constituição de mestrados profissionais direcionados para a qualificação de docentes do ensino básico e médio enquanto política de estado e forma de valorização do professor (também em termos salariais). Seriam programas direcionados para o ensino de língua e literatura, com interfaces com outras áreas do conhecimento, inclusive com as novas mídias. O problema que se coloca é que a interdisciplinaridade da literatura tem se voltado sobretudo para outros campos e não para a linguística. Evidentemente, essa interrelação também é necessária. Quando um linguista vai ao texto literário, quase sempre o vê como um discurso. Analisa-o como afirmou um colega da própria linguística como também analisa uma bula de remédios... Há que se perceber o simbólico, fundamental 35

Synergies Brésil n 8-2010 pp. 33-37 para a literatura. Considerando-o, poderemos ter uma interdisciplinaridade efetiva, sem que cada uma dessas áreas, com suas metodologias, colonialize a outra. E a literatura não fique assim como um mero documento, como ocorre muitas vezes com nossos colegas da historia, da sociologia etc. Ou ainda com aqueles colegas que importam metodologia de outras áreas de forma acrítica, ou mesmo modelos de nossas áreas, mas de outros contextos situacionais, que são aplicados em nossos objetos de estudo. Synergies-Brésil Vamos agora nos concentrar mais na pesquisa em línguas estrangeiras. Até hoje, estando ainda em vigor a representação única Letras e Linguística, elas estão inseridas em ambas as disciplinas. O desempenho na pesquisa em línguas estrangeiras, no plano da produção intelectual e no número de titulações de alunos de Mestrado e Doutorado, está estruturalmente limitado (exceto para o inglês cuja demanda social continua muito forte pelas razões que, por serem conhecidas, não vamos aqui retomar). É significativo o fato de a Universidade de São Paulo ser a única universidade do país a possuir um Departamento de Letras Modernas onde atuam Programas de Língua e Literatura estrangeira em nível de Mestrado e Doutorado (inglês, francês, espanhol, alemão, italiano). - Qual foi, segundo o Sr., o desempenho da pesquisa em línguas estrangeiras nas nossas universidades nas últimas décadas? - Tendo em vista o objetivo de implementar a meta da CAPES para o próximo triênio (2010-2013), isto é, a dupla representação: Literatura e Linguística, como o Sr. vê, a médio e longo prazo, o futuro desempenho da pesquisa em línguas estrangeiras, assim como seu direcionamento geral (podemos pensar no francês como exemplo)? A Universidade de São Paulo foi pioneira na implantação da pós-graduação brasileira. Os recortes estabelecidos vieram da experiência anterior, que foi a das cátedras. Há peso favorável em relação a essa situação de pioneirismo, mas que vem sendo questionado. Em universidades mais recentes, com um corpo de professores já mais maduros, já ocorrem diferenciações, sobretudo em relação ao inglês. Se pensarmos a pós-graduação em sentido prospectivo, precisamos cada vez mais articular a atividade do docente em termos de pesquisa. É a partir dessa pesquisa que podemos estruturar adequadamente as áreas de concentração e linhas de pesquisa. No caso das Modernas, há um bom exemplo numa das universidades bem conceituadas, onde existem áreas de concentração diferenciadas, mas que são aproximadas por uma costura através de linhas de pesquisa comuns. Numa outra instituição, há um programa de tradução que as aproxima. Se pensarmos em línguas estrangeiras diferenciadas, fazem-se necessárias, em cada uma delas, articulações desde projetos comuns de pesquisa (literatura/linguística) ou também de projetos de cada uma dessas áreas com suas interações interdisciplinares. No documento para a discussão na ANPOLL, estamos apontando para três divisões. E cada uma dela a par da parte comum às três áreas teria um sistema de avaliação com especificidades capazes de contemplar interfaces linguística/literatura e outras modalidades de interdisciplinaridade. Em relação à próxima avaliação, como afirmei anteriormente, uma reconfiguração da área de L&L seria hoje muito problemática e duvido que ocorra em curto prazo. Deveremos seguir como estamos, talvez operacionalizando melhor a forma de avaliação desse nosso grande conjunto de programas. Evidentemente, como argumentei, esta é 36

A CAPES : quais ambições para a pesquisa em Letras e Linguística? uma questão política de importância para o próprio desenvolvimento da área e não uma questão eminentemente burocrática, como uma visão de curto alcance, pode levar a acreditar. Há mais de vinte anos, já apontei a necessidade de uma reconfiguração dos cursos de Letras e entendo que o desenvolvimento das pesquisas em línguas estrangeiras devem se encaminhar nessa perspectiva, que é interdisciplinar, com focos específicos. A pesquisa, assim entendida, deve ser generalizada já na graduação. É de se apontar que nas áreas acadêmicas hegemônicas, nas melhores universidades, praticamente todos os alunos têm bolsas de IC e permanecem oito horas entre laboratórios e aulas. Num sentido intercultural, já que me solicitou o foco na língua francesa, como seriam interessantes pesquisas de IC associadas à língua/cultura francesas ou literatura/cultura francesas, com encaminhamento para a pós-graduação, onde questões linguísticas ou literárias seriam investigadas e problematizadas? Tudo isso sem perder perspectivas de nosso lócus enunciativo é Brasil, advindo dessa situação a interação com a língua/cultura brasileira? Importa, pois, inovar. E, para tanto, obter mais recursos para a pesquisa. Fui comunicado de uma possibilidade de reconfiguração das áreas de Modernas, na USP: linguística, literatura e tradução. A questão da demanda que preocupa as áreas de Modernas poderia crescer, mas também aqui cabe uma observação política: quais seriam os ganhos, pois há uma série histórica com conquistas já estabelecidas. Fica, não obstante, a pergunta: até quando? Em termos de segmentações, é de se observar que os cursos de graduação de Ciências Sociais unificam os de pós-graduação, que são segmentados atualmente em Sociologia, Política, Antropologia, para ficarmos restritos a nossa unidade que é a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas unidade, na diversidade. O exemplo que vemos de outras áreas, como observado acima, é de uma grande dinamicidade nessas configurações (currículo) e nosso modelo (graduação) foi elaborado há mais de 60 anos por docentes que tinham muitas vezes o pensamento marcado nas segmentações disciplinares do século XIX. Note 1 Entrevista de Synergies-Brésil com o Sr. Prof., Representante da Letras junto à CAPES (triênio 2007-2010). 37