Eliane de Souza Almeida 2

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Transcrição:

Sortilégio, Mistério Negro de Abdias do Nascimento: o Teatro Negro e a Liberdade de Expressão Possível 1 Eliane de Souza Almeida 2 O Teatro Experimental do Negro (TEN) foi fundado em 1944, por Abdias do Nascimento, no Rio de Janeiro. Abdias do Nascimento era ator, dramaturgo, político, professor, militante antirracista. Sempre prezou em defender as causas da população negra na estrutura em que estivesse inserido. É sabido que a história do teatro no Brasil sempre teve caráter excludente, desde a colônia e os autos sacramentais. Esta opressão também se reverbera quando falamos das questões do negro brasileiro, sendo notória a predominância branca e elitista nos espaços do teatro. Ao apontar esta realidade e criticá-la em sua dramaturgia, Abdias do Nascimento tem sua peça Sortilégio vetada pelo aparelho censório estadual de São Paulo, no ano de 1951. A peça trata de questões ainda estigmatizadas no contexto brasileiro, perpassando pelas relações de opressão racial e suas implicações nas relações humanas em diversos aspectos. Em nosso trabalho, tentamos esmiuçar as implicações destas questões no teatro brasileiro e nos mecanismos de censura da época estudada. Para estudar o veto da peça Sortilégio, utilizamos os documentos da censura presentes do Departamento de Diversões Públicas do Estado de São Paulo, catalogados no Arquivo Miroel Silveira da Biblioteca da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, com orientação da Profª Drª Maria Cristina Castilho Costa. 1. Artigo apresentado ao Eixo Temático 12 Violência política e social / Violência Simbólica / Racismo / Xenofobia / Exclusão do IX Simpósio Nacional da ABCiber. 2. Pesquisador é pesquisadora do Observatório de Comunicação, Censura e Liberdade de Expressão (OBCOM) da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. É Doutoranda em Interfaces Sociais da Comunicação da ECA/USP. E-mail: eliane.almeida@usp.br

O presente trabalho 3 visa debater a censura e a liberdade de expressão, da peça Sortilégio (mistério negro), de Abdias do Nascimento. O trabalho se embasa nos documentos originais de seu veto presentes no Arquivo Miroel Silveira (AMS) na Biblioteca da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). O AMS abriga 6.137 processos originais, cada um deles constituído de solicitações de censura apresentadas pelos responsáveis pela encenação da peça, com indicação de local, data e nomes de autores, tradutores, adaptadores, diretores, atores e atrizes; certificados de autoria; recibos de pagamento de taxas; despachos, pareceres e marcações dos funcionários do serviço de censura, além do texto original da peça com indicações e cortes feitos pelos censores. Toda esta documentação cobre um período de muita importância na História do Brasil republicano, contemplando a Primeira República; o Estado Novo e a criação do DIP (Departamento de Imprensa e Publicidade); o período de redemocratização no pós-guerra; o desenvolvimentismo do período Juscelino Kubitscheck; o Golpe Militar de 1964, a promulgação do AI-5, até o início da década de 1970. A federalização da censura e sua centralização em Brasília, ocorridas a partir da edição do AI-5 em 1968 acabou por extinguir as seções estaduais. Desde a década de 1980 a Biblioteca da ECA-USP tem a custódia do acervo do AMS, constituído por processos de censura prévia ao teatro de documentos originais oriundos do serviço de censura da Divisão de Diversões Públicas do Estado de São Paulo (DDP/SP), ligada à Secretaria de Segurança Pública. Tal denominação se deve ao fato de ter sido esse professor o responsável pelo resgate dessa documentação quando a censura prévia estava prestes a ser extinta pela Constituição de 1988. Guardado inicialmente em sua sala no Departamento de Artes Cênicas (CAC) da Escola de Comunicações e Artes (ECA/USP), esse material foi entregue à guarda da Biblioteca após a sua morte (1988), permanecendo sem qualquer tipo de organização que o disponibilizasse à consulta até o ano de 2000. Em 2000, os 6.137 prontuários de censura prévia ao teatro são organizados e disponibilizados para a consulta no AMS da Biblioteca da ECA-USP. O primeiro projeto de pesquisa científica em torno do AMS, com financiamento da FAPESP, intitulou-se ARQUIVO MIROEL SILVEIRA: a censura em cena, organização e análise dos processos de censura teatral do Serviço de Censura do Departamento de Diversões Públicas do Estado 3. Este texto é baseado no relatório elaborado por esta autora dentro do Projeto Censura em Cena, do OBCOM. O relatório deu origem ao projeto de doutorado, em andamento, que está provisoriamente intitulado como O VETO À PEÇA SORTILÉGIO, MISTÉRIO NEGRO E SUAS REVERBERAÇÕES: estudo do silenciamento da dramaturgia de Abdias do Nascimento pela máquina censória do Estado.

de São Paulo 4. De responsabilidade da Profa. Dra. Maria Cristina Castilho Costa, teve a duração de dois anos e meio, quando se procedeu a uma primeira organização das informações, gerando-se uma base de dados a partir da qual elas pudessem ser acessadas. Atualmente, o projeto de pesquisa vinculado ao AMS intitula-se Interdição e partilha do sensível: Análise, recuperação e resgate de peças teatrais vetadas pela censura no Estado de São Paulo (1932 1966) presentes no Arquivo Miroel Silveira (ECA/USP), que, em parceria com o Centro de Pesquisa e Formação do SESC, tem como proposta resgatar a memória de peças teatrais vetadas, em que os processos estão arquivados no AMS, através da leitura dramática seguida de debate sobre o veto, suas implicações e recepção do público antes e no pós veto. Dentre as peças teatrais vinculadas ao atual projeto presente no AMS, está Sortilégio(Mistério Negro), de autoria de Abdias do Nascimento. A obra foi negada pelos censores, mandada diretamente para a condição de veto, aspectos consubstanciais aos aparelhos estatais responsáveis pelo filtro ideológico da produção artística e intelectual no Estado brasileiro. Foram analisados os 3 processos aos quais a peça foi submetida. O primeiro, de 1951, foi vetado por 2 dos 3 censores sem que houvesse uma argumentação consistente para o veto. No segundo, de 1953, a peça foi enviada ao Departamento de Diversões Públicas por duas vias: a política com a ajuda do conterrâneo de Abdias, o Deputado Rogê Ferreira e outra pela via normal, a censura prévia. Foi novamente vetada utilizando a argumentação dos censores anteriores e mais o aval de um único censor. O terceiro processo, de 1957, foi encaminhado, com pedido do teatrólogo Almeida Salles para a censura contando com o apoio de autores, escritores, teatrólogos e cientistas, brancos e negros, confirmando a importância de Sortilégio (Mistério Negro) ser representada em São Paulo. Em única apresentação, Sortilégio, enfim, vai ao palco paulistano. Para entender os pontos que entravaram a liberação da peça e seu veto direto, buscamos nos meios de comunicação da época, notadamente, o Jornal Folha de São Paulo (que àquele tempo era Folha da Manhã). Com muita dificuldade, encontrou-se 1 (um) anúncio de jornal falando da única apresentação em São Paulo. Outros foram encontrados em 4 Projeto de Pesquisa Científica ARQUIVO MIROEL SILVEIRA: a censura em cena, organização e análise dos processos de censura teatral do Serviço de Censura do Departamento de Diversões Públicas do Estado de São Paulo. Processo FAPESP 2002/07057-3. Coordenação: Profa. Dra. Maria Cristina Castilho Costa. Duração: 2002 a 30 de junho de 2005.

jornais do estado do Rio de Janeiro. Mas nosso foco era o estado de São Paulo e não os consideramos nesta pesquisa. Também se fez necessário entender como estava a situação das organizações, em São Paulo, que traziam à tona a problemática racial na sociedade brasileira naquele momento. Além da busca em jornais, pesquisamos revistas especializadas em arte, críticas e comentários sobre a peça. Pouco foi encontrado. Uma única revista, a Anhembi, bem conceituada na alta sociedade paulistana, dirigida por Paulo Duarte, em 1953, fez uma dura crítica aos argumentos frágeis dos censores. O projeto ideológico da revista era dar rumos a serem seguidos pelo Brasil sob o comando da elite paulistana. Paulo Duarte apontou para a importância em se falar de assuntos que incomodavam a sociedade brasileira que se esforçava para esquecer seu passado escravocrata. Apresentava o conteúdo completo da peça e seu comentário bastante duro nas notas de rodapé. No terceiro processo enviado à censura, Abdias do Nascimento anexa em livreto, impresso pelo Teatro Experimental do Negro, fotos com textos explicativos da ação do mesmo. Mostra todas as frentes onde o TEN atua e, ao final dele, diversas cartas que apoiam a iniciativa de Abdias e seus corajosos seguidores. Relacionando o contexto histórico da época em questão, década de 1950, a análise dos documentos presentes no AMS, o histórico do Teatro Experimental do Negro e de Abdias do Nascimento, muito se pôde compreender a respeito do veto de tal obra. Ainda para entender o que aconteceu e acontece com a peça, buscamos entender como esta obra chega aos dias de hoje e como se desdobra nos palcos brasileiros atuais. O aporte teórico utilizado neste trabalho foi o de Partilha do Sensível utilizado pelo filósofo francês Jacques Rancière, em sua obra Partilha do Sensível. A obra explicita quais os sensíveis são partilháveis ou não a partir do interesse do equipamento estatal de controle. Para o entendimento sobre Censura e Liberdade de Expressão no Teatro foi utilizado como obra referencial o livro Censura em Cena, da Profª. Drª Maria Cristina Castilho Costa onde a autora explana sobre a história da censura ao Teatro Brasileiro desde a década de 1930 até 1970. Fala também sobre os tipos e Censura e as motivações do Estado para os vetos. A organização dos arquivos digitais dos jornais e revistas foram essenciais para o acesso às noticias da época. Foi possível, através destes arquivos, encontrar pistas que nos

levaram a diamantes a serem lapidados em novas que já estão em planejamento. Para desenvolver o raciocínio sobre o método de pesquisa indicial-histórico, usou-se como referência o historiador judeu-italiano Carlos Giznburg e sua obra O queijo e os vermes, onde aponta o método que tem o arquivo como fonte primária de pesquisa. Em nosso caso, este método se justifica já que os processos encontram-se depositados no Arquivo Miroel Silveira, na ECA/USP. O que se espera com esse trabalho é apontar quais sensíveis, para utilizar a expressão de Rancière, serão possíveis de ser partilhados já que, como será apontado, a fala dos censores não leva em consideração a questão racial. Também, como se verá, não legitimava ou permitia que uma companhia de teatro negra ocupasse o mais alto lugar da cultura de elite naquele momento histórico: os palcos dos teatros. Palavras-chave: Abdias do Nascimento; Censura; Teatro Experimental do Negro; Racismo; Liberdade de Expressão. Referências bibliográficas ANHEMBI, São Paulo, v.3, n.12, p. 544 547 (Comentário Crítico de Paulo Duarte) CAVALCANTI, Pedro Celso Uchôa & RAMOS, Jovelino (Coord.). Memórias do Exílio, Brasil 1964-19??. São Paulo: Editora e Livraria Livramento LTDA., 1978. COSTA, Cristina (Org.). Censura, repressão e resistência no teatro brasileiro. São Paulo: Annablume; FAPESP, 2008. COSTA, Cristina (Org.). Teatro, comunicação e censura. Anais do Seminário Internacional A Censura em Cena. São Paulo: Terceira Margem; FAPESP, 2008. COSTA, Cristina. Censura em cena. São Paulo: EDUSP, 2006. COUTINHO, Lis de Freitas. O rei da Vela e o Oficina (1967-1982): Censura e dramaturgia. Dissertação (Mestrado). Orientador Maria Cristina Castilho Costa. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2011. FERNANDES, Florestan. A integração do Negro na Sociedade de Classes. São Paulo: Editora Ática, 3.ed, 1978.

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