CÂMARA DO CÍVEL E ADMINISTRATIVO, LABORAL E FAMÍLIA ACÓRDÃO Proc. nº 51/92 NA CÂMARA DO CÍVEL E ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL POPULAR SUPREMO, EM NOME DO POVO, ACORDAM: CUSTÓDIA MATOS CORREIA, divorciada, residente em Luanda, requereu contra EDMUNDO FREIRE XISTO, divorciado, residente em Luanda, a providência cautelar de arrolamento de bens comuns, como incidente de uma Acção Principal de Reconhecimento de União de facto entre ambos, por ruptura, cujo processo n.º 12.208/90. C. - correu os seus trâmites legais. Da decisão que decretou a providência requerida, sem audição prévia do requerido, interpôs o mesmo embargos e posteriormente recurso, que em devido tempo e oportunidade foi objecto de apreciação e decisão nesta Câmara. O referido recurso da decisão que ordenou a providência, subiu imediatamente e em separado, com efeito meramente devolutivo, conforme o estipulado nos artigos 738.º n.º 1, alínea b) e n.º 1 "a contrario sensu" do artigo 740.º, ambos do Código de Processo Civil. Entretanto, nos mesmos autos do incidente de arrolamento, em data posterior àquela que decretou a providência cautelar, o Juiz "a quo", a pedido da requerente, proferiu o despacho, constante de fls. 45 e verso, no qual removeu o requerido das funções de depositário
relativamente a alguns bens, pelas razões que, em síntese, se descrevem: a) A questão da nomeação de depositário dos bens arrolados, no incidente "sub-judice" não é reconduzível à situação prevista no n.º 1 do artigo 426.º do C.P. Civil, mas sim ao caso previsto no n.º 2 do mesmo artigo, uma vez que "... a providência solicitada é preliminar da acção declarativa e não do eventual inventário subsequente, devendo pois o depositário definir-se não em função dos direitos ao cabeçalato, mas em atenção à qualidade de administrador de bens; b) Não se antevê manifesto inconveniente em que os bens requeridos fossem entregues à Autora do pedido, uma vez que ela já era detentora dos mesmos; Notificado da decisão, o requerido interpôs recurso, para ser admitido como agravo, assim que o procedimento cautelar estivesse findo e requerendo, ainda, que "atento o prejuízo irreparável, que na actual conjuntura a saída das viaturas da posse do requerente lhe possa causar para as suas actividades", lhe fosse atribuído efeito suspensivo. Admitido o recurso, por despacho proferido a fls. 54, foi notificada a parte contraria para se pronunciar sobre o pedido de fixação do efeito, o que esta veio fazê-lo manifestando a sua oposição por, no seu entender, a decisão que removeu o requerido e ora agravante da sua função de depositário "... não causar nenhum prejuízo irreparável, nem tão pouco de difícil reparação... já que a decisão só abrange duas das diversas viaturas arroladas e justamente as que se achavam na posse da requerente e com quem se deveriam manter nos termos do artigo 426.º n.º 2 do C.P. Civil".
O agravante, em alegações apresentadas a fls. 60 e seguintes, pretende fazer valer a sua pretensão, evocando como fundamentos os seguintes: 1º - Por entender que ao caso, forçosamente, terá de aplicar-se o disposto no artigo 426.º n.º 1, combinado com o artigo 1405.º, ambos do C.P.C, que impõem a nomeação do Agravante; 2º - Não existem dúvidas que nos termos da disposição legal citada, o cabeçalato incumbe ao Agravante; 3º - Os bens estão registados, em nome do Agravante. Esse registo, garante a posse jurídica do Agravante, pelo menos, até prova em contrário. O Agravado, em contra-alegações, também apresentadas, a fls. 65 e seguintes, manifestou, de novo, a sua oposição à pretensão do Agravante por, no seu entender, não se aplicar ao presente caso o processo de inventário, pois só assim seria se o arrolamento fosse preliminar desse processo especial, o que não é o caso. Assim, segundo alegações do agravado, o presente processo "não visa, em definitivo, definir os direitos das partes em relação aos bens... mas que se basta com medidas provisórias desde que aptas a mantê-los incólumes, até que seja proferida sentença no processo principal". Daí que, também entenda, que a simples detenção ou posse, seja suficiente para o exercício da função de depositário, nos termos do n.º 2, do artigo 426.º, do C.P. Civil. O Juiz "a quo" decidiu, em despacho constante de fls. 62 e verso, fixar ao recurso efeito meramente devolutivo, por considerar que a "... remoção da função de depositário relativamente a alguns bens e a consequente investidura no cargo da agravada, foi tão-somente um acto de confirmação legal com o que dispõe o artigo 462.º n.º 2 do
C.P. Civil, não podendo decorrer de tal reconhecimento formal qualquer prejuízo irreparável ou de difícil reparação, uma vez que os bens abrangidos já se encontravam na posse da Agravada no momento do decretamento do arrolamento". Assim e nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 738.º "in fine" foi o recurso do despacho impugnado expedido, tendo sido o mesmo admitido nesta Câmara. As partes, como se viu, apresentaram as suas alegações e por isso foi cumprido o estipulado no artigo 707.º do C.P. Civil, não tendo o Ministério Público nada requerido, pelo que colhidos os vistos legais, cumpre decidir: O Agravante, como em síntese se descreveu veio, pelo presente recurso, impugnar a decisão que o removeu da função de depositário de alguns dos bens arrolados. Para esse efeito o Agravante, em alegações apresentadas, concluiu que: 1º "Declarada, judicialmente, que seja a União de facto, a partilha dos bens comuns, em caso de litígio, só poderá operar-se, em processo de inventário; 2º - Na providência de arrolamento deverá ser nomeado depositário dos bens a pessoa a quem incumbe o cabeçalato no inventário; 3º - Sendo irrelevante que ainda esteja acção pendente para consagrar a existência da mencionada união de facto; 4º - A posse jurídica resulta do registo em nome de quem se encontram os bens;
5º - Nomeado um depositário, com posse jurídica, não é lícito proceder à sua substituição por outro sem se provar que é efectivamente possuidor ou detentor, lateral dos mesmos bens". Como se verifica dos argumentos aduzidos pelo agravante é seu entendimento de que, a função de depositário deverá recair, na providência de arrolamento, sobre a pessoa a quem incumbe as funções de cabeça-de-casal, no processo de inventário, por força das disposições combinadas dos artigos 426.º n.º 1 e 1405.º, ambos do C.P. Civil, sendo, nesse sentido, irrelevante que se encontre pendente a acção especial do reconhecimento da união de facto. Por outro lado, o registo em nome de quem se encontram os bens conceder-lhe-á a posse jurídica, relevante para o presente caso. Os argumentos expendidos pelo agravante denotam, em nosso entender, alguma imprecisão sobre a natureza dos procedimentos cautelares, bem como sobre o conceito de posse no incidente de arrolamento. Como é consabido o arrolamento constitui providência cautelar, que como incidente processual só pode ser suscitado por quem tenha um interesse directo e legítimo sobre bens ou direitos que resulte de um direito constituído ou a ser judicialmente declarado. Ora, sendo o processo de inventário de partilha de bens, uma acção eventual e superveniente, se houver uma situação de litígio sobre os mesmos bens, não pode o Agravante considerar, de todo irrelevante a pendência da acção especial de reconhecimento da união de facto, porquanto estaria o incidente destituído de um dos seus pressupostos fundamentais, legalmente prescrito no n.º 1 do artigo 423.º do C.P. Civil.
Ora, como bem se concluiu no douto Acórdão desta Câmara sobre a matéria do arrolamento, o arrolamento, no presente caso, surge como matéria incidental de demanda principal que o novo Código da Família protegeu, que é o reconhecimento da união de facto por morte ou ruptura, admitido pelo artigo 122.º e seguintes da Lei n.º 1/88, de 20 de Fevereiro. Deste modo, visou o legistador acautelar os efeitos jurídicos resultantes dessa União de facto. Por isso, se revela inconsistente a evocação pelo agravante do processo de inventário, pois a providência requerida no caso, em apreciação forense, constitui uma acção incidental de um outro processo principal que não o processo de inventário, como aliás o próprio agravante admite, quando evoca o condicionalismo sito determinante para que se possa fazer prevalecer os direitos sobre coisas ou bens e em regra constitui presunção de um direito em regra, de propriedade ou de outro acto substantivo que tem através de si. Ora, no presente caso não estando em causa o direito das partes sobre os bens, a evocação do instituto de registo, mostra-se de todo desnecessário e irrelevante. Não tendo o Requerido e ora agravado demonstrado o eventual prejuízo irreparável decorrente da remoção de alguns bens, nem evidenciado qualquer prova de que os mesmos se encontravam na sua posse, antes limitando-se a evocar o registo dos referidos bens a seu favor, bem andou o Juiz "a quo" ao decidir atribuir à agravada a função de depositário em face do disposto no n.º 2 do artigo 426.º do Código de Processo Civil. Destarte se decide em negar provimento ao recurso confirmando-se decisão recorrida. Custas pelo Agravante com Procuradoria a favor da Agravada no valor de cinco mil novos Kwanzas (5.000,00 NKz).
Luanda, aos 4 de Março de 1992. Rui António da Cruz (Relator) Maria do Carmo Medina João Felizardo