1. INTRODUÇÃO Os significativos resultados obtidos pela Toyota através da aplicação do Sistema Toyota de Produção (STP) ou simplesmente Lean como é chamado por muitos fizeram com que, gradativamente, o sistema rompesse as barreiras da manufatura e passasse a ser disseminado em áreas tais como serviços, saúde e entretenimento, por exemplo. Uma busca no Google utilizandose a frase Sistema Toyota de Produção retorna, aproximadamente, 1.000.000 de resultados. O site Amazon.com oferece mais de 7.000 títulos sobre o tema Lean. Contudo, o Manufacturing Performance Institute de Cleveland-USA constatou, em novembro de 2007, que entre quase 450 empresas pesquisadas, apenas 2% atingiram os resultados esperados com a implantação do Lean e que, aproximadamente, 75% obtiveram pouco ou nenhum progresso! 2007 2006 Nenhum progresso 12,8% 19,6% Pequeno Progresso 61,1% 54,3% Progresso Significativo 24,2% 24,7% Atingiu plenamente seus objetivos 1,9% 1,4% Tabela 1 (Fonte: Industrial Week Census of US Manufacturers) A diferença entre o sucesso e o fracasso de um processo de implantação do Lean reside na capacidade dos agentes de provocar uma mudança da Cultura Organizacional. Em seu artigo Coming to a new awareness of organizational culture (Sloan Manager Review), Edgar Schein definiu Cultura Organizacional como sendo o... Conjunto de crenças que um grupo desenvolveu ao aprender a lidar com problemas de adaptação externa ou integração interna, que funcionou bem o suficiente para ser considerado válido e, portanto, transmitido a novos membros como a forma correta de pensar, perceber e se sentir em relação a esses problemas. Em resumo, uma vez que a aplicação de uma prática provou ser reiteradamente eficaz em determinadas situações, os membros de um grupo não mais questionarão se devem ou não utilizá-la: todos a utilizarão de forma instintiva e não por uma decisão explícita. Schein afirmou ainda que uma Cultura Organizacional pode ser dividida em três níveis (Figura 1):
Artefatos ( Aquilo que vemos ): Tudo aquilo que é tangível, manifestado verbal ou visualmente em uma organização. São os elementos visíveis de uma Cultura e podem ser reconhecidos por pessoas que não são parte dela. Normas ( Aquilo que dizemos ): É como os elementos de uma organização explicam o porquê de as coisas serem como são. Figura 1 Níveis da Cultura Organizacional Crenças ( Aquilo que está em nosso inconsciente ): Premissas básicas que estão profundamente enraizadas. Resumidamente, pode-se dizer que são quatro as Crenças das Pessoas da empresa Lean: Crenças Empresa Lean Figura 2 - Crenças das Pessoas da Empresa Lean 1- Devemos projetar processos para que os problemas sejam notados imediatamente. 2- Todos devemos solucionar problemas e promover a Melhoria contínua 3- Devemos compartilhar o conhecimento gerado nos processos de Solução de Problemas e de melhorias. 4- Líder=Mestre Líderes devem disseminar as 4 crenças nos membros da equipe.
2. EXEMPLO DE APLICAÇÃO NO AGRONEGÓCIO Para ilustrar a aplicação dos conceitos discutidos no item 1, daremos como exemplo um projeto de implantação do Lean Thinking num de nossos clientes: uma empresa que presta serviços de terceirização de colheita e plantio mecanizado de cana de açúcar, para usinas de produção de etanol, no estado de Goiás. Segue breve descritivo do processo: As mudas são colhidas (figura 1) em áreas indicadas pelo cliente, transportadas de caminhão a distâncias que variam de 20 a 60 quilômetros (figura 2), onde são plantadas (figura 3). Figura 1 - Colheita da Muda Figura 2 - Transporte Figura 3 Plantando as mudas Completaram o 2º grau 32% Completaram o 3º grau 2% Figura 4 - Escolaridade Não completaram o 1º grau 2% Completaram o 1º grau 22% Não completaram o 2º grau 42% Dado o nível de educação formal de sua mão de obra (figura 4) e a necessidade deste efetivo lidar com equipamentos sofisticados, tais como computadores de bordo e GPS, os colaboradores foram treinados em normas e procedimentos desenvolvidos internamente para este fim. Inicialmente experimentou-se um salto na qualidade, com diminuição de retrabalhos, quebra de equipamentos, etc.
Contudo, com o passar do tempo, as melhorias se degradavam, visto que as mudanças realizadas nos processos eram pontuais e não sistêmicas. Analisando esta situação, os diretores buscaram opções e entenderam que o Sistema Toyota de Produção seria a solução. 3. IMPLANTANDO O SISTEMA TOYOTA DE PRODUÇÃO - AGRONEGÓCIO FASE 1 - DESENHANDO PROCESSOS PARA QUE OS PROBLEMAS SEJAM PADRÕES NOTADOS IMEDIATAMENTE Inicialmente, a produção (expressa em hectares 1 plantados) que era medida mensalmente, passou a ser monitorada diariamente (figura 5), através de controles visuais, localizados na área de vivência, da frente de plantio. Figura 5 - Gestão Visual De maneira qualitativa, chegou-se ao consenso de que os Padrões de produção não estavam sendo atingidos em função de problemas na operação dos diversos equipamentos e do elevado número de horas de manutenção corretiva nos mesmos. (Até aquele momento, não se mediam as horas improdutivas downtime ). Para garantir um Padrão na utilização e na checagem dos equipamentos (manutenção preventiva), foram criadas Instruções de Trabalho para as diversas etapas do processo, seguindo-se os conceitos do TWI (Training Within Industry): 1 1 hectare = aproximadamente, a área de um campo de futebol = 10,000 m 2
Primeiramente, foi realizada Macro divisão das Atividades: Em seguida, as atividades foram divididas em Tarefas Centrais e Auxiliares As tarefas foram divididas em etapas de treinamento Por fim, para cada uma das etapas de treinamento foram definidas as etapas de execução e respectivos pontos chave, justificativa para sua realização e pontos de segurança. Estes elementos foram transcritos para as Instruções de Trabalho. (figura 6)
Figura 6- IT de Manutenção Preventiva de Distribuidora de Cana O passo seguinte foi a criação de Matrizes de Versatilidade: documentos que definem o grau de conhecimento atual de cada colaborador, em relação ao conteúdo das diversas Instruções de Trabalho (figura 7). Figura 7 - Matriz de Versatilidade da Sulcação
Por fim, foram estabelecidos estrutura e cronograma de treinamentos. À medida que o cronograma avançou, passaram a ser registradas para cada máquina as horas paradas por necessidade de manutenção corretiva. Estes dados serviram para a verificação da eficácia do processo. O padrão de treinamentos baseado em Instruções de Trabalho facilitou, não só a multiplicação do conhecimento inerente a cada atividade, mas principalmente a verificação de sua correta utilização. A partir deste momento, experimentou-se o crescimento do sentimento de propriedade por parte dos operadores, visto que esta equipe passou a participar ativamente da conservação dos equipamentos. O número de horas de manutenção corretiva baixou sensivelmente. Neste ponto, iniciou-se a definição de padrões de tempo de abastecimento de adubo (operação gargalo, naquele momento). Para tanto, foi utilizada a técnica de Troca Rápida de Ferramentas (TRF), onde o processo é filmado e decomposto em atividades, que posteriormente são reagrupadas ou eliminadas. (figura 8) A técnica de Troca Rápida também foi aplicada aos processos de abastecimento de adubo e de mudança de área de plantio, quando toda a estrutura de máquinas e equipamentos (tratores, área de vivência, caminhões de manutenção, plantadoras, entre outros) deve ser transportada a distâncias que podem chegar a 60 km. Figura 8 - Planilha de análise
CONEXÕES Dado o grande número de variáveis no processo de plantio das mudas de cana fora do controle do pessoal da empresa (topologia, tipo de solo, variedade da cana, entre outros), foi impossível estabelecer-se o fluxo contínuo entre as operações de sulcação (que abre os sulcos e deposita adubo) e de plantio da muda (figura 3). Desta forma, estabeleceu-se um estoque padrão de 10 hectares de sulcos preparados, entre o trator sulcador e a plantadora. Este estoque intermediário foi suficiente para absorver as variações. FASE 2 - TODOS SÃO RESPONSÁVEIS POR RESOLVER PROBLEMAS E KAIZEN TEIAN PROMOVER A MELHORIA CONTÍNUA Com a estrutura de treinamentos funcionando de forma adequada, os colaboradores passaram a ser treinados em Kaizen Teian técnica que promove a melhoria contínua dos processos. Uma vez que todos os colaboradores haviam sido treinados, iniciou-se um sistema de premiação semestral, em função do número de kaizens aprovados por colaborador. Como prêmios são distribuídos brindes, tais como lanternas, fornos de micro-ondas, etc. São considerados válidos Kaizens que trazem benefícios relacionados à Segurança, Produção, Qualidade e/ou Custos, e/ou eliminam pelo menos 1 dos 7 desperdícios. O proponente também deve apresentar uma análise de causa raiz do problema, baseando-se nos 5 porquês. Nos primeiros 18 meses do programa, foram aprovados e implantados mais de 120 kaizens. Aproximadamente, 40% destes kaizens focaram em melhorias nos tratores e implementos, fato que veio reforçar o comprometimento dos colaboradores com o perfeito estado de funcionamento destes equipamentos.
5 PORQUÊS Em abril/14, o controle de produção passou a ser efetuado Hora a Hora: diariamente, considerando variáveis como topologia, tipo de solo, distâncias entre a colheita de mudas e plantio, o Coordenador de Plantio passou a prever a área a ser plantada no dia seguinte, dividindo este valor pelas horas disponíveis. No decorrer dos turnos, a quantidade de hectares plantados é checada a cada hora e, havendo desvios em relação ao padrão, a equipe se reúne, busca através de um diagrama de Ishikawa as causas raiz dos problemas e define as contramedidas cabíveis. A padronização das contramedidas é garantida através de revisões e/ou criação de novas Instruções de Trabalho. Em paralelo, pode-se checar a eficiência da do processo de manutenção preventiva e definidas ações para aprimora-las. A3 DE SOLUÇÃO DE PROBLEMAS Problemas complexos são resolvidos com auxílio de métodos científicos de Solução Problemas (Toyota Business Practices)
FASE 3 - DEVEMOS COMPARTILHAR O CONHECIMENTO GERADO NOS PROCESSOS DE SOLUÇÃO DE PROBLEMAS E DE MELHORIA YOKOTEN (APRENDIZADO LATERAL) Além das constantes atualizações das Instruções de Trabalho e respectivos treinamentos, os kaizens teian são exibidos aos colaboradores em quadros, durante o processo que vai desde sua proposição até sua implantação O quadro de Yokoten fica num posto de gasolina, às margens de uma rodovia. Neste ponto de encontro, os trabalhadores tomam os ônibus que os levará até as áreas de colheita e plantio das mudas. 4. RESULTADOS Desde o início da implantação (24 meses), o principal indicador de produtividade número de Hectares plantados por mês experimentou um acréscimo de, aproximadamente, 30% (mantidos o número de máquinas e colaboradores). 5. PRÓXIMOS PASSOS Iniciar a implantação dos Círculos de Controle da Qualidade; Implantar a Padronização de Trabalho da Liderança. Diminuir o buffer de hectares sulcados entre o Sulcador e a Plantadora
Sobre o autor: : Formado em Engenharia pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo possui mais de 20 anos de experiência em melhoria de processos. Recebeu treinamento nas técnicas do Toyota Production System (TPS Lean Manufacturing) diretamente dos Senseis da Toyota do Brasil, Canadá, Venezuela e Japão. Tem apoiado empresas dos segmentos de autopeças, gráfico, lavanderia industrial, produção de alimentos (food & pet food), lentes para óculos, produtos para higiene pessoal, calibração de instrumentos de medição, colheita e plantio mecanizados de cana de açúcar, projeto de tubos flexíveis, seguros e corretagem de seguros em sua jornada para alcançar a excelência no Pensamento Lean; no Brasil, Estados Unidos, México, Venezuela, Polônia e Itália. Palestrante convidado do curso de graduação em Engenharia de Produção da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Docente da Fundação Vanzolini. Palestrante do I Portugal Lean Summit e do X Fórum Nacional de Lean. Co-autor do livro Toyota by Toyota: Reflections from the Inside Leaders on the Techniques That Revolutionized the Industry, editado pela CRC Press.