Síndrome do impacto do ombro. Diagnóstico e tratamento*



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Rev Dor, 2009; 10: 2: 174-179 ARTIGO DE REVISÃO Síndrome do impacto do ombro. Diagnóstico e tratamento* Shoulder impingement syndrome. Diagnosis and management Antônio Bento de Castro 1 *Recebido do Centro Mineiro de Tratamento da Dor. Belo Horizonte, MG. RESUMO JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O diagnóstico preciso das entidades nosológicas responsáveis pela síndrome do impacto do ombro é imprescindível para se obterem bons resultados do tratamento. O objetivo deste estudo foi revisar e atualizar o diagnóstico e tratamento da síndrome do impacto do ombro. CONTEÚDO: Ombro doloroso é um termo empregado para denominar diversas entidades dolorosas que ocorrem na cintura escapular como a síndrome do impacto, a capsulite adesiva e a osteoartrite glenoumeral e acromioclavicular. A síndrome do impacto do ombro é produzida pelo atrito dos tendões dos músculos do manguito rotatório e do tendão da cabeça longa do bíceps, em sua passagem pelo arco coracoacromial. É muito frequente, só sendo suplantada, do ponto de vista epidemiológico, pelas cefaléias e dores de coluna. Seu diagnóstico é feito pela anamnese, exame físico e exames de imagens e o tratamento conservador resolve a maior parte dos casos, sendo o tratamento cirúrgico indicado apenas para aqueles pacientes que não se beneficiam do tratamento conservador e quando apresentam ruptura total dos tendões do manguito rotatório. 1. Título Superior em Anestesiologia pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia (TSA-SBA); Membro Co-Fundador da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED); Membro Co-Fundador e Presidente (1995-1996) da Sociedade Mineira de Estudo da Dor (SOMED); Co-Fundador e Membro do Corpo Clínico Interdisciplinar do Centro Mineiro de Tratamento da Dor, Belo Horizonte, MG. Endereço para correspondência: Dr. Antônio Bento de Castro Rua Matias Cardoso, 268/301 30170-050 Belo Horizonte, MG. E-mail: bento@bhlink.com.br CONCLUSÃO: A síndrome do impacto do ombro é muito comum e o seu diagnóstico é feito pela anamnese, exame físico e exames imaginológicos. A maioria dos casos é resolvida pelo tratamento conservador que inclui os anti-inflamatórios, a fisioterapia e a infiltração intracapsular do ombro com anestésico local e corticoide e o tratamento cirúrgico é reservado para aqueles casos não resolvidos pelo tratamento clínico e os que apresentam ruptura total dos tendões do manguito rotatório. Descritores: Dor, ombro congelado, ombro doloroso, síndrome do impacto do ombro. SUMMARY BACKGROUND AND OBJECTIVES: The precise diagnosis of nosologic entities responsible for the shoulder impingement syndrome is critical for a successful management. This study aimed at reviewing and updating shoulder impingement syndrome diagnosis and management. CONTENTS: Painful shoulder is a term used to define several painful entities at the scapular waist, such as impingement syndrome, adhesive capsulitis and glenohumeral and acromioclavicular osteoarthritis. Shoulder impingement syndrome is produced by the attrition of tendons of rotator cuff muscles and the tendon of the long biceps head, when crossing the coracoacromial arch. It is very frequent, being only second, in epidemiological terms, to headache and back pain. It is diagnosed by anamnesis, physical and imaging exams and conservative management resolves most cases, being surgery indicated only for patients not benefiting from conservative management and when there is total rupture of rotator cuff tendons. CONCLUSION: Shoulder impingement syndrome is very common and is diagnosed by anamnesis, physical and imaging exams. Most cases are resolved with conservative management, including anti-inflammatory drugs, 174 c Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor

Castro Rev Dor, 2009; 10: 2: 174-179 physical therapy and shoulder intracapsular infiltration with local anesthetics and steroids. Surgery is indicated for cases not resolved with clinical management and for those with total rupture of rotator cuff tendons. Keywords: Frozen shoulder, pain, painful shoulder, shoulder impingement syndrome. INTRODUÇÃO Ombro doloroso é um termo genérico empregado por muitos profissionais da área da saúde para denominar diversas entidades dolorosas específicas que ocorrem na cintura escapular. As causas mais comuns são: a síndrome do impacto do ombro, a capsulite adesiva também chamada de ombro congelado, e a osteoartrite glenoumeral e acromioclavicular. A síndrome do impacto do ombro é uma entidade dolorosa produzida pelo atrito dos tendões dos músculos supraespinal, infraespinal, redondo menor e subescapular do manguito rotatório e do tendão da cabeça longa do bíceps, em sua passagem pelo arco coracoacromial - processo coracoide, ligamento coracoacromial e borda ântero-inferior do acrômio. Esta síndrome foi descrita pela primeira vez em 1972 por Neer 1, porém Henrichs e Stone 2 relataram ter a mesma sido previamente descrita em 1867. Trata-se de uma síndrome dolorosa das mais frequentes, só sendo suplantada, do ponto de vista epidemiológico, pelas cefaléias em geral e pelas dores de coluna. Nos Estados Unidos, no ano 2000, o custo direto para o tratamento do ombro doloroso foi de 7 bilhões de dólares 3. Revendo e analisando os prontuários eletrônicos do banco de dados de 23 anos de atividade da Clínica de Dor, verificou-se que no período de 1985 a 2007, foram avaliados, diagnosticados e tratados 3.665 pacientes portadores das mais diferentes síndromes dolorosas, sendo que entre eles 268 pacientes eram portadores da síndrome do impacto do ombro, em seus diferentes estágios. DIAGNÓSTICO Figura 1 Localização da dor na síndrome do impacto do ombro direito. escovar os dentes, ensaboar-se durante o banho, pentear os cabelos, vestir ou retirar do corpo blusas, camisas ou paletós. Todas estas atividades produzem movimentos de abdução e rotação, interna e externa do braço. A síndrome é mais comum na idade avançada. Nas pessoas mais jovens está relacionada a certas atividades e profissões como atletas, nadadores, mergulhadores, fiscais de trânsito e trabalhadores braçais. Exame físico Inicia-se pela palpação do ombro e do tendão da cabeça longa do bíceps braquial em seu trajeto dentro do sulco intertubercular (bicipital) do úmero. A seguir, pede-se para o paciente fazer a abdução ativa do braço (Figura 2). Quando a abdução do braço produz dor no ombro homólogo, sugere acometimento do músculo supraespinal. A seguir fazem-se os movimentos de rotação interna e externa do braço. Dor no ombro homólogo aos mo- É fundamentalmente baseado na tríade anamnese, exame físico e exames de imagens. Anamnese O paciente relata dor no ombro que, quase sempre, se propaga para o trapézio superior e para a face lateroexterna do braço homólogo (Figura 1). A dor pode ser contínua ou intermitente e diária, de predominância noturna. É desencadeada, ou exacerbada por atividades da vida diária como movimentar o membro superior para Figura 2 Movimento de abdução do braço. 175

Rev Dor, 2009; 10: 2: 174-179 Síndrome do impacto do ombro. Diagnóstico e tratamento vimentos de rotação interna sugere acometimento do subescapular. A rotação externa dolorosa do mesmo ombro sugere lesões dos músculos infraespinal e redondo menor. Estas dores são geralmente causadas por tendinite, ruptura parcial ou total dos tendões e bursite subacromial-subdeltóidea. Entretanto, o modo mais prático de examinar estes músculos e tendões é fazer com que o paciente execute os movimentos associados de adução e rotação interna e de abdução e rotação externa do braço. A abdução e rotação interna são feitas pedindo-se ao paciente para abduzir o braço e levá-lo à região torácica do lado oposto, com a mão espalmada para trás (Figura 3). Se esta manobra produz dor no ombro homólogo, é sugestiva de lesões do subescapular. Os movimentos associados de abdução e rotação externa são pesquisados, instruindo o paciente a abduzir o braço e levar a mão à parte lateral oposta da região cervical posterior, com a mão espalmada para dentro (Figura 4). Se esta manobra produzir dor no ombro homólogo, podem estar presentes lesões dos músculos infraespinal e redondo menor. Figura 4 Movimentos de abdução e rotação externa do braço. Figura 3 Movimentos de abdução e rotação interna do braço Pontos-gatilho associados Examinam-se, a seguir, os músculos trapézio superior, supraespinal e infraespinal, que são locais comuns de pontos-gatilho (Figura 5) associados à síndrome do impacto do ombro. Estes pontos-gatilho, quando não são detectados, localizados com precisão e inativados durante o tratamento (Figura 6), são responsáveis pela perpetuação da dor do paciente, não obstante o tratamento eficiente, mas isolado, da síndrome do impacto do ombro. Figura 5 Os pontos-gatilho mais comuns localizam-se nos músculos trapézio superior, supraespinal e infraespinal. Exames complementares Os exames complementares são necessários para confirmar os achados obtidos pelo exame físico. Empregamse, na rotina diária, a radiografia e a ultrassonografia do ombro. A radiografia de, preferência digital, pode mostrar desmineralização óssea, focos de calcificação e osteoartrose regional. A ultrassonografia, que é de baixo custo, pode revelar ruptura parcial ou completa de um ou mais tendões, bursite subacromial/subdeltoidea, derrame articular e microfocos de fibrose tendinosa por tendinopatia prévia. 176

Castro Rev Dor, 2009; 10: 2: 174-179 Figura 6 Infiltração intracapsular do ombro direito por via de acesso posterior. Reserva-se a artro-ressonância magnética, de custo mais elevado, aos casos que necessitam de tratamento cirúrgico e naqueles que apresentam dor persistente após três meses de tratamento conservador. CLASSIFICAÇÃO Feitos a anamnese, o exame físico e os exames de imagens, o caso deve ser analisado de acordo com a classificação da síndrome do impacto, que é importante para orientar o tratamento e as possibilidades prognósticas. Neer 4, em 1983, classificou a síndrome do impacto em 3 estágios, a seguir descritos: Estágio I Dor aguda, edema e hemorragia da bolsa subacromial/subdeltoidea de um ou mais dos tendões regionais. Ocorre mais frequentemente em pacientes até 25 anos, envolvidos em atividades que exigem uso excessivo dos membros superiores. Estágio II Fibrose e tendinite, mais comuns em pacientes na faixa etária entre 25 e 40 anos. Estágio III Ruptura parcial ou total de um ou mais dos tendões do manguito rotatório e do tendão da cabeça longa do bíceps braquial. TRATAMENTO Conservador A grande maioria dos casos pode ser totalmente resolvida pelo tratamento conservador, dispensando o tratamento cirúrgico 5,6. 1. Repouso e limitação dos movimentos articulares do ombro doloroso são necessários durante a fase aguda do processo. 2. Medicamentos são empregados os anti-inflamatórios não esteroides (AINES), respeitadas suas contra-indicações, podendo-se associar os miorrelaxantes. Quase todos os pacientes, quando chegam à clínica de dor, fizeram uso de AINES, miorrelaxantes e outros analgésicos, sem obter alívio prolongado ou abolição permanente da dor. 3. Fisioterapia estudo recente do Departamento de Ortopedia da Clínica de Cleveland, USA 7 afirma que a fisioterapia é a terapêutica principal e mais importante para o tratamento da síndrome do impacto do ombro. Estudo prospectivo aleatório 8 concluiu que todos os pacientes apresentaram melhora da dor, tratados apenas com terapia convencional e auto-treinamento. Estudo controlado 9 sugere que um programa de exercício doméstico pode ser efetivo para reduzir os sintomas e melhorar as funções em operários portadores de ombro doloroso. Por sua vez, Desmeules e col. 10, fazendo uma revisão de estudos controlados aleatórios que avaliaram a efetividade de exercícios terapêuticos e terapia manual, concluíram que existe evidência limitada de sua eficácia para pacientes portadores dessa síndrome. Outros autores 11 preconizam que, nas primeiras seis semanas, deve-se tratar apenas com AINES e fisioterapia. Não havendo bons resultados após este período, deve-se substituir o AINE e associar corticoide por via subacromial. É oportuno ressaltar que as diversas formas de fisioterapia devem sempre ser programadas, orientadas e supervisionadas por fisiatras e fisioterapeutas. CONDUTAS SEMI-INVASIVAS São constituídas pela infiltração intracapsular do ombro, pela inativação de pontos-gatilho das síndromes miofasciais frequentemente associadas e pela acupuntura. Infiltração intracapsular do ombro: trata-se de alternativa terapêutica das mais efetivas (Figura 6), sendo sua indicação e sua eficácia terapêutica corroboradas pela maioria dos estudos 7,12. É feita empregando-se 3 ml de bupivacaína a 0,5% sem vasoconstritor associados à 10 mg de dexametasona. Alguns autores entendem que as injeções de corticoide podem enfraquecer os tendões, levando às modificações histológicas. Estas infiltrações não apresentam efeitos colaterais indesejáveis 12,13. Nos casos de pacientes portadores de ruptura total de tendões, sujeitos à tratamento cirúrgico, não devem ser feitas mais que duas sessões de infiltração intracapsular com corticoide, a fim de evitar o 177

Rev Dor, 2009; 10: 2: 174-179 Síndrome do impacto do ombro. Diagnóstico e tratamento possível enfraquecimento dos tendões a serem reparados cirurgicamente 7. Uma provável contra-indicação relativa é a diabetes mellitus, pois o corticóide pode elevar temporariamente a glicemia. A infiltração intracapsular do ombro leva à abolição da dor, possibilitando a melhor aceitação das condutas de fisioterapia. Deve ser feita preferencialmente por via posterior e tem como melhor referência a borda posterior do acrômio, sendo a agulha introduzida a 0,5 cm abaixo da borda do osso (Figura 6). Quando mal conduzida, é o principal fator responsável pela falta de bons resultados da técnica e mesmo pela exacerbação da dor já préexistente, que quase sempre ocorre quando o bisel da agulha lesa o periósteo dos ossos ou um dos tendões na proximidade de sua inserção nos tubérculos do úmero. Inativação de pontos-gatilho: é muito comum, simultaneamente com a síndrome do impacto do ombro, a presença de pontos-gatilho (Figura 5), produzindo síndromes miofasciais, principalmente nos músculos trapézio superior, supraespinal e infraespinal. É de suma importância fazer o diagnóstico diferencial entre a dor causada pela síndrome do impacto do ombro e a responsável pelas síndromes miofasciais regionais. A dor da síndrome do impacto do ombro limita-se ao território do trapézio superior, do ombro e da face látero-externa do braço, nunca ultrapassando o cotovelo homólogo (Figura 1). A dor causada pelas síndromes miofasciais do supra-espinal e infra-espinal localiza-se no trapézio superior, ombro e em toda a face látero-externa do braço e antebraço homólogos (Figura 5). O exame neurológico pode detectar, em muitos casos, hipoalgesia e hipoestesia nos dermátomos homólogos C 5 e C 6, imitando todos os distúrbios sensitivos das cervicobraquialgias causadas pelas radiculopatias compressivas cervicais. Estas são as razões por que estas síndromes miofasciais são frequentemente confundidas com as radiculopatias cervicais pelos médicos menos experientes. Diagnosticada uma síndrome miofascial associada, é necessária a inativação do(s) ponto(s)-gatilho, feita pelo agulhamento seco ou pela infiltração destes pontos (Figura 6). Esta infiltração é feita com 2 a 3 ml de lidocaína ou bupivacaína a 0,25% sem vasoconstritor, associada a pequena dose de corticoide 14,15. A negligência em procurar, encontrar e inativar estes pontos-gatilho é a principal causa pela persistência da dor. A inativação destes pontos-gatilho merece consideração especial, tal a sua frequência e a importância de sua inativação para abolir a dor. Em primeiro lugar, palpando e comprimindo os músculos trapézio superior, supraespinal e infra-espinal, localiza(m)-se com precisão o(s) ponto(s)-gatilho que é(são) marcado(s) com tinta indelével. A compressão do(s) ponto(s) dispara dor referida no ombro, no braço e mesmo no antebraço homólogo. Se a opção for pelo agulhamento seco, pode-se usar uma agulha de acupuntura que é lentamente inserida, até que sua ponta penetre no ponto-gatilho e desencadeie a dor referida. Neste momento se faz repetidamente a rotação da agulha no ponto. A rotação da agulha é o principal fator responsável pela inativação do ponto-gatilho. A alternativa terapêutica mais eficiente consiste na inativação do ponto-gatilho com a injeção de 2 ml de lidocaína ou bupivacaína a 0,25% sem vasoconstritor, associados ou não à 10 mg de dexametasona, com agulha descartável 30 x 7 (Figura 7). Aprofunda-se lentamente a agulha, até que seu bisel penetre no ponto-gatilho, quando é disparada a dor referida e injeta-se lentamente a solução anestésica. Algumas vezes é necessário repetir o procedimento poucos dias depois, a fim de inativar totalmente o ponto-gatilho. Figura 7 - Inativação do ponto-gatilho pela infiltração de anestésico local associado ou não a corticoide. Acupuntura Trata-se de uma técnica complementar, adjuvante, indicada por vários autores. É feita geralmente em três sessões semanais pelo período de três semanas. Alguns pacientes, imediatamente após as sessões de acupuntura, foram encaminhados à Medicina física e submetidos a vários tipos de fisioterapia, relatando, quase todos eles, melhor aceitação destas técnicas. TRATAMENTO CIRÚRGICO Está situado no ápice da escada de tratamento e somente casos selecionados exigem o procedimento cirúrgico. Se o paciente não obtém resultado positivo e permanente à fisioterapia e à infiltração intracapsular descritas depois 178

Castro Rev Dor, 2009; 10: 2: 174-179 de três meses de tratamento conservador, deverá ser encaminhado à avaliação cirúrgica 7. São duas as indicações básicas para a cirurgia: quando falha o tratamento conservador ou quando existe uma ruptura completa de tendões do manguito rotatório 11. A maioria das publicações recentes indica a descompressão subacromial por artroscopia como a técnica mais indicada para o tratamento cirúrgico, permitindo o retorno da maioria dos pacientes as atividades laborativas e a vida diária. Vários autores 7,14 afirmam que 80% a 94% dos pacientes submetidos à esta técnica cirúrgica obtiveram excelentes resultados e que 75% são capazes de voltar às atividades esportivas, sendo que o tempo de restabelecimento é de 3 a 4 meses. CONCLUSÃO Qualquer distúrbio local que dificulta ou impede a livre passagem dos tendões dos músculos do manguito rotatório supraespinal, infraespinal, redondo menor, subescapular e tendão da cabeça longa do bíceps em seu trajeto dentro do arco coracoacromial pode desencadear a síndrome do impacto do ombro. Os mais comuns são a bursite subacromial/subdeltoidea com ou sem depósitos calcáreos, as tendinites e as rupturas parciais ou totais dos tendões do manguito rotatório e do tendão da cabeça longa do bíceps braquial. Trata-se de uma entidade dolorosa muito comum, só sendo suplantada, do ponto de vista epidemiológico, pelas cefaléias em geral e pelas dores de coluna. Seu diagnóstico é obtido através da anamnese, do exame físico e dos exames de imagens representados pela radiografia, pela ultrassonografia e pela artro-ressonância magnética. A grande maioria dos casos é totalmente resolvida pelo tratamento conservador que inclui os AINES, a fisioterapia e a infiltração intracapsular com anestésico local e corticoide. Poucos casos necessitam do tratamento cirúrgico, só sendo submetidos à cirurgia aqueles não resolvidos pelo tratamento clínico e aqueles que apresentam ruptura total dos tendões do manguito rotatório. REFERÊNCIAS 1. Neer CS 2nd. Anterior acromioplasty for the chronic impingement syndrome in the shoulder: a preliminary report. J Bone Joint Surg Am, 1972;54:41-50. 2. Henrichs J, Stone D. Shoulder impingement syndrome. Prim Care, 2004;31:789-805. 3. Meislin RJ, Sperling JW, Stitik TP. Persistent shoulder pain: epidemiology, pathophysiology and diagnosis. Am J Orthop, 2005;34(Suppl12):5-9 4. Neer CS 2nd. Impingement lesions. Clin Orthop, 1983;173:70-77. 5. Paternostro-Sluga T, Zöch C. Conservative treatment and rehabilitation of shoulder problems. Radiologe, 2004;44:597-603. 6. Ecklund KJ, Lee TQ, Tibone J, et al. Rotator cuff tear arthropathy. J Am Acad Orthop Surg, 2007;15:340-349. 7. Codsi MJ. The painful shoulder: when to inject and when to refer. Cleve Clin J Med, 2007;74::473-488. 8. Walther M, Werner A, Stahlschmidt T, et al. The subacromial impingement syndrome of the shoulder treated by conventional physiotherapy, self-training, and a shoulder brace: results of a prospective, randomized study. J Shoulder Elbow Surg, 2004;13:417-423. 9. Ludewig PM, Borstad JD. Effects of at home exercise programme on shoulder pain and functional status in construction workers. Occup Environ Med, 2003;60:841-849. 10. Desmeules F, Côté CH, Frémont P. Therapeutic exercise and orthopedic manual therapy for impingement syndrome: a systematic review. Clin J Sport Med, 2003;13:176-182. 11. Koester MC, George MS, Kuhn JE. Shoulder impingement syndrome. Am J Med, 2005;118:452-455. 12. Akgün K, Birtane M, Akarirmak U. Is local subacromial corticosteroid injection beneficial in subacromial impingement syndrome? Clin Rheumatol, 2004;23:496-500. 13. Esenyel CZ, Esenyel M, Yesiltepe R, et al. The correlation between the accuracy of steroid injections and subsequent shoulder pain and function in subacromial impingement syndrome. Acta Orthop Traumatol Turc, 2003;37:41-45. 14. Alvarez-Nemegyei J, Canoso JJ. Evidence-based soft tissue rheumatology. Part 1: subacromial impingement syndrome. J Clin Rheumatol 2003;9:193-199. 15. Tallia AF, Cardone DA. Diagnostic and therapeutic injection of the shoulder region. Am Fam Physician 2003;67:1271-B Apresentado em 05 de março de 2009. Aceito para publicação em 28 de maio de 2009. 179