A DIGNIDADE HUMANA COMO FUNDAMENTO DOS DIREITOS DE PERSONALIDADE DO TRABALHADOR

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Transcrição:

A DIGNIDADE HUMANA COMO FUNDAMENTO DOS DIREITOS DE PERSONALIDADE DO TRABALHADOR Emanueli Dacheri - UNESC - emanueli.dacheri@gmail.com. Mairon Eing Orben - maironorben@gmail.com Marja Mariane Feuser UNESC - marja_mariane@hotmail.com RESUMO O presente artigo científico tem por objetivo apresentar o princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento dos direitos de personalidade do trabalhador. Para tanto, o estudo encontra-se dividido em três partes. A primeira aborda brevemente o conceito sobre os direitos de personalidade. A segunda procura identificar como ocorre na prática jurídica, a proteção dos direitos de personalidade. A terceira apresenta a dignidade humana como fundamento dos direitos de personalidade do trabalhador. Emprega-se o método indutivo e a técnica de pesquisa bibliográfica. Palavras-chave: Direitos de Personalidade, Relações de trabalho, Dignidade da Pessoa Humana. INTRODUÇÃO Hodiernamente, as relações de trabalho passam por grandes transformações, vive-se atualmente num processo de constante evolução, tanto cultural, quanto política e social, devido essencialmente a incorporação das tecnologias. Há tempos o Direito se preocupa com a tutela dos direitos do trabalhador, tanto que a Constituição Federal e a Legislação Trabalhista garantem ao trabalhador um vasto rol de direitos sociais. No entanto, é preciso enfatizar, que os direitos do trabalhador vão além daqueles especificados no texto legal, vez que, o trabalhador enquanto labora, não perde em momento algum a sua condição de pessoa humana, sendo que os seus direitos de personalidade merecem proteção equivalente aos demais direitos. Assim, pretende-se com a presente pesquisa, situar o leitor acerca de aspectos relevantes e necessários para uma melhor compreensão sobre o assunto abordado, sem, no entanto, esgotar os conceitos e a matéria apresentada. Para tanto, utilizou-se do método de abordagem indutivo e da técnica de pesquisa bibliográfica. Primeiramente, busca-se abordar breve noção sobre o conceito dos direitos de personalidade, as suas principais características e regulamentação jurídica.

Em seguida, trata-se de elucidar o caráter de fundamentabilidade dos direitos de personalidade, bem como a atual prática jurídica utilizada para a proteção nos casos de violação destes direitos. Por fim, apresenta-se a dignidade humana como fundamento essencial dos direitos fundamentais de personalidade do trabalhador. 1 BREVE NOÇÃO SOBRE DIREITOS DE PERSONALIDADE As primeiras construções dos direitos de personalidade ocorreram em meados do século XIX. Com o passar do tempo, referida expressão vem sendo considerada como todos aqueles direitos essenciais à condição humana (SCHREIBER, 2014). Segundo Schreiber (2014), a noção de personalidade foi lapidada sob dois aspectos distintos. Sob o aspecto subjetivo, identifica-se com a capacidade da pessoa, física ou jurídica, de ser titular de direitos e obrigações. É sob o aspecto objetivo que estão os direitos e personalidade, ou seja, o conjunto de características e atributos da pessoa humana, considerada como objeto de proteção por parte do ordenamento jurídico. A Constituição Federal 1 arrola como principais direitos de personalidade à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, sem a exclusão de outros disseminados no texto constitucional. O Código Civil 2, dispõe sobre a temática dos aludidos direitos de forma expressa. Já a Consolidação das Leis Trabalhistas 3, não trata de forma específica sobre a proteção dos direitos da personalidade do trabalhador, frente ao poderio empresarial, apenas dispondo sobre a vedação da revista íntima 4. O direito à privacidade ou à vida privada assim pode ser definido: Este direito corresponde à não-interferência e não-intromissão, seja do Estado ou de qualquer um na esfera da intimidade das pessoas e, com esta configuração, equiparase às liberdades públicas clássicas, ou direitos fundamentais de primeira geração, reclamando com isto medidas similares de proteção e garantia (VERGUEIRO, 2005 apud FINCATO; GUIMARÃES; MATTE et al., 2014, p. 100). Outra dimensão relevante da personalidade do sujeito é a honra, que diz respeito à autoestima que o indivíduo procura preservar em face do outro ou da comunidade. Também a imagem constitui direito de personalidade e diz respeito à preservação da noção que a pessoa possui de si mesma e que legitimamente procura pôr a salvo da interferência alheia indevida (LEDUR, 2011). 1 2 3 4 CF, art. 5º, X. CC, art. 11 e seguintes. Decreto-Lei nº 5.452/1943. Decreto-Lei nº 5.452/1943, art. 373-A, VI.

Grande parte dos direitos de personalidade exposto no texto do Código Civil (como a imagem, honra, privacidade), são também trazidos no texto constitucional no art. 5º. Porém, o rol de direitos da personalidade contemplado no Código Civil não é taxativo ou fechado, pois além dos atributos ali indicados, outros podem se revelar ameaçados na análise de conflitos entre particulares, como o direitos à identidade pessoal, o direito à integridade psíquica ou do direito à liberdade de expressão (SCHREIBER, 2014). O Código Civil, no seu artigo 11, dispõe que: Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária. Logo, os direitos de personalidade são exclusivos do seu titular e não podem ser transferidos, exceto quando violados direitos da personalidade de pessoa morta, eis que a lei deu legitimação aos herdeiros para requerer as medidas destinadas a fazer cessar a lesão ou a ameaça aos direitos da personalidade do morto (CC, Art. 12, parágrafo único). Conforme preconiza Schreiber (2014, p. 25): Os direitos da personalidade projetamse para além da vida do seu titular. O atentado à honra do morto não repercute, por óbvio, sobre a pessoa já falecida, mas produz efeitos no meio social. Os direitos da personalidade também são irrenunciáveis, de modo que o seu titular não pode despir-se deles de modo definitivo. Ninguém pode abrir mão, de modo geral ou permanente, da sua privacidade, da sua imagem, ou de qualquer outro de seus atributos essenciais (SCHREIBER, 2014). A vedação à limitação voluntária do exercício dos direitos de personalidade, prevista na parte final do art. 11 do Código Civil, encontra oposição no Enunciado nº 4, aprovado na I Jornada de Direito Civil: O exercício dos direitos da personalidade pode sofrer limitação voluntária, desde que não seja permanente nem geral. Deste modo, a autolimitação ao exercício dos direitos da personalidade deve ser admitida pela ordem jurídica quando atenda a propósito de realização da personalidade do seu próprio titular e deve, ao contrário, ser repelida sempre que guiada por interesses que não estejam própria ou imediatamente voltados à realização da dignidade daquela pessoa, ou seja, do seu próprio titular. A total vedação lançaria na ilicitude os reality shows, mas também atos como furar a orelha, lutar boxe, expor informações em redes sociais, entre outras (SCHREIBER, 2014). Para exemplificar, Schereiber (2014) elucida o fato da colocação de microchip sob a pele para controle das funções vitais e monitoramento da saúde, que é admitido no ordenamento jurídico. Doutro lado, por exemplo, não tolera-se a colocação de microchip no empregado para controle da sua jornada de trabalho. Em ambas as hipóteses, há limitação voluntária à integridade física, de igual duração e alcance restrito, mas enquanto o primeiro microchip atende ao interesse do titular, o segundo atende interesse do empregador.

Assim, mesmo frente a ausência de regulamentação de lei específica trabalhista que oriente a matéria, é de suma importância a real distinção dos interesses com o objetivo de proteger os direitos de personalidade, vez que são prerrogativas de caráter fundamental e quando violados merecem a devida proteção jurídica, o que se aborda no tópico que segue. 2. A PROTEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE PERSONALIDADE Direitos fundamentais são aqueles que objetivam respeitar a dignidade da pessoa humana, protegendo-a do arbítrio estatal, criando condições necessárias para uma vida em sociedade livre de preconceitos e visando ao desenvolvimento do ser humano (VECCHI, 2016). Segundo Schreiber (2014, 13-14): A expressão direitos da personalidade é empregada na alusão aos atributos humanos [...] O valor tutelado é idêntico e unitário: a dignidade humana [...] Os direitos da personalidade, são, portanto, direitos fundamentais. Assim, em razão da fundamentabilidade que é atribuída, os direitos de personalidade devem ser tratados com extrema cautela, inclusive devido ao avanço das tecnologias, conforme preconiza Schreiber (2014, p. 226): Tratar dos direitos de personalidade de modo regulamentar, com normas casuísticas, fechadas, é extremamente perigoso. Isso por três razões principais. Primeiro, porque são direitos de índole constitucional, cuja proteção não pode ser indevidamente limitada pelo legislador ordinário. Segundo, porque as situações fáticas em que se configura a ameaça aos direitos de personalidade são amplíssimas e têm se expandido continuamente em face das novas tecnologias. Terceiro, não é incomum que os direitos da personalidade colida com a tutela de outros direitos de ordem constitucional. Neses casos, as normas fechadas estabelecidas pelo legislador ordinário perdem o sentido, exigindo que o intérprete proceda à necessária ponderação entre os interesses conflitantes. Os direitos de personalidade são direitos fundamentais, porém, nem todos os direitos fundamentais são de personalidade, vez que o rol do art. 5º da Constituição Federal amplia a proteção a outros interesses, como os de cunho patrimonial e coletivo: direito de propriedade e direito de greve, por exemplo. Estes últimos, embora também encontram relação indireta com a proteção da pessoa, não são considerados atributos essenciais à condição humana, portanto, não se qualificam como direitos da personalidade (SCHREIBER, 2014). O caráter de fundamentabilidade apregoado aos direitos de personalidade funcionam como verdadeiros escudos contra os abusos do Estado e demais particulares, sendo relevante identificar entre os direitos, àqueles de personalidade que merecem a devida proteção (VECCHI, 2016).

Ademais, devido ao seu caráter fundamental, a Constituição Federal assegura o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de violação dos direitos de personalidade. O art. 5º, V, da Constituição Federal prevê indenização por dano material, moral ou à imagem. Ademais, o inciso X do art. 5º da Constituição estabelece que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. O Código Civil também prevê regras voltadas à reparação de danos de cunho extrapatrimonial. O art. 186 do Código Civil assim estabelece: aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. O dano moral consiste na lesão a um atributo da personalidade humana, no entanto, não pode depender de qualquer repercussão sentimental do fato sobre a vítima. Deve concentrar-se sobre o interesse violado e não sobre as consequências emocionais, subjetivas e eventuais da lesão (MORAES, 2017). Quando violado direitos de personalidade, na visão da vítima, a lesão é algo quase sempre irreparável. Porém, a compensação mais frequente é em dinheiro, cujo valor é arbitrado de acordo com a gravidade do dano em face as reais condições pessoais da vítima. Ademais, embora tal prática seja pouco utilizada, o dano também pode ser compensado de modo não pecuniário, pedidos de desculpas do empregador espalhados pela empresa, por exemplo, caso assim atenda aos interesses da vítima (SCHREIBER, 2014). Quatro são os critérios normalmente utilizados para o arbitramento do dano moral: a gravidade do dano; a capacidade econômica da vítima; o grau de culpa do ofensor; a capacidade econômica do ofensor. Os dois últimos critérios exercem uma função exclusivamente punitiva, pois não dizem respeito ao dano em si, mas à conduta e à pessoa do ofensor (MORAES, 2017). Para Schreiber (2014), a utilização dos critérios punitivos no cálculo da indenização por dano moral implica violação ao art. 944 do Código Civil, na qual a indenização mede-se pela extensão do dano. Ademais, a pena é aplicada a um processo civil, sem prévia cominação legal, sem as garantias próprias do processo penal (ampla defesa). Porém, na prática judicial brasileira, o réu acaba condenado ao pagamento de um valor fechado que não distingue a indenização compensatória da indenização punitiva. A falta desta distinção compromete a sua ampla defesa e, por esta razão, deve-se resistir a aplicação dos danos punitivos, devendo eles serem incorporados unicamente quando baixo for o valor das indenizações compensatórias, vez que o tribunais superiores tem procedido a um tabelamento judicial, que contraria a própria essência do dano moral: singular, inigualável e diversos em relação a cada ser humano (SCHREIBER, 2014).

A forma prática de proteção dos direitos de personalidade ocorre por meio do dano moral indenizável, que protege muito mais que os direitos de personalidade, mas também a essência deles, consubstanciada na dignidade humana, conforme segue. 3 DIGNIDADE HUMANA: FUNDAMENTO DOS DIREITOS DE PERSONALIDADE A ideia de dignidade da pessoa humana, parte do pressuposto de que o homem, em virtude tão somente de sua condição humana e independente de qualquer circunstância, é titular de direitos que devem ser reconhecidos e respeitados por seus semelhantes e pelo Estado. Também pode ser definida como sendo o valor-síntese que reúne as esferas essenciais de desenvolvimento e realização da pessoa humana. Seu conteúdo não pode ser descrito de modo rígido; deve ser aprendido por cada sociedade em cada momento histórico, a partir de seu próprio substrato cultural (SCHREIBER, 2014). É incontroverso a importância deste princípio: Nesse contexto é que pode situar o princípio da dignidade humana em toda a sua importância jurídica. Precisamente porque o princípio da dignidade encontra-se como primeiro princípio, fonte de todos os demais, ele deve permanecer subsidiário, A sua utilização deverá restringir-se às questões em que nenhum outro princípio ou conceito jurídico possa ser utilizado, sob pena de ocorrer a dissolução de todo direito na dignidade. Tudo passa a ser então questão de dignidade e com isto o sistema jurídico esvazia-se de qualquer sentido normativo. A proliferação do uso indiscriminado do princípio da dignidade humana na argumentação judicial faz com que se encontre onipresente, mesmo quando o próprio texto da lei atende às necessidades da ordem jurídica (BARRETO, 2010, P. 62). A consagração da dignidade humana no cenário internacional ocorreu por meio da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948 e a sua incorporação na Constituição Federal impulsionou o legislador ao instituir o Código Civil de 2002 que dedicou o capítulo II, artigos 11 ao 21, para tratar dos direitos da personalidade. Tal fato foi visto como a despatrimonialização do direito civil, que até então tutelava o ter, antes restrito ao tratamento das coisas e marcado exclusivamente por uma ótima patrimonialista (SCHEREIBER, 2014). Identifica-se, deste modo, que o livre desenvolvimento da personalidade é direito que se fundamenta na garantia da dignidade da pessoa humana, núcleo essencial dos direitos fundamentais (LEDUR, 2011). Hodiernamente, o princípio da dignidade da pessoa humana foi erigido pelos legisladores constituintes à condição de fundamento da República Federativa do Brasil 5. Isso 5 O art. 1º, inciso III, da CF dispõe: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constituem-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III a dignidade da pessoa humana.

evidencia que o sistema jurídico brasileiro, revestiu a dignidade da pessoa humana de juridicidade, constituindo-a como principal alicerce de sua estrutura, ao ponto de garantir a plena eficácia na realidade concreta da vida das pessoas em sociedade (GOLDSCHMIDT, 2009). Neste sentido, Sarlet (2011, p. 70) preceitua que: Num primeiro momento, convém frisá-lo, a qualificação da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental traduz a certeza de que o art. 1º, inciso III, de nossa Lei Fundamental não contém apenas (embora também e acima de tudo), uma declaração de conteúdo ético e moral, mas que constitui norma jurídico-positiva dotada, em sua plenitude, de status constitucional formal e material e, como tal inequivocadamente carregado de eficácia. A Constituição Federal confere muito mais que o valor supremo à dignidade da pessoa humana, ao elevá-la a princípio constitucional fundamental que inspira a ordem jurídica, pois se é fundamento, é porque se constitui num valor fundante não somente da República, mas da Federação, do País, da Democracia e do Direito. Não só se trata de um princípio da ordem jurídica, mas também da ordem política, social econômica e cultural, daí porque sua natureza de valor supremo, porque está na base de toda a vida nacional (SILVA, 1998, p. 92). Segundo Farias (1996, p. 51-52): O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana refere-se às exigências básicas do ser humano no sentido de que ao homem concreto sejam oferecidos os recursos de que dispõe a sociedade para a mantença de uma existência digna, bem como propiciadas as condições indispensáveis para o desenvolvimento de suas potencialidades. Assim, o princípio em causa protege várias dimensões da realidade humana, seja material ou espiritual [...] A sua proteção envolve tanto um aspecto de garantia negativa no sentido de a pessoa humana não ser ofendida ou humilhada, quanto outro de afirmação do pleno desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo. O principal propósito da sua incorporação ao ordenamento jurídico consiste na proteção da condição humana, em seus mais verdadeiros aspectos e manifestações, tomando a pessoa sempre como um fim e nunca como um meio. Contrário à dignidade humana está tudo aquilo que puder reduzir o sujeito de direitos à condição de objeto (SCHREIBER, 2014). A dignidade da pessoa humana, mais do que princípio constitucional, constitui o fundamento dos direitos de personalidade (SCHEREIBER, 2014). Para que se realize na sua inteireza, a dignidade da pessoa humana deve ser considerada como um diálogo entre deveres e direitos em correlação uns com os outros, devendo ser vivenciada nas experiências concretas de cada indivíduo, sendo que a identificação de situações que ocorram a sua violação, servirá como um importante

instrumento para a construção de uma definição de dignidade humana em cada sociedade (SARLET, 2011). Neste ínterim, o valor máximo que se busca proteger nos direitos de personalidade é a dignidade da pessoa humana e, mesmo na ausência de previsão legal, é necessário que se defina quais manifestações realmente integram ou não este princípio, no escopo de se distinguir em meio às ações judiciais, os interesse que merecem ser protegidos, com o fim de se evitar a banalização do instituto da personalidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS É preciso que se dê maior atenção aos direitos dos trabalhadores, especialmente devido as transformações que ocorrem nas relações de trabalho, com relação ao uso das tecnologias, incorporados pelo empregador para aprimorar o controle e monitoramento das atividades e também, do seu patrimônio. Quando o uso das tecnologias para facilitar o controle e monitoramento do trabalhador, por exemplo, ocorre de forma excessiva, acabam violando direitos, não somente aqueles puramente sociais, especificados no texto legal, mas também aqueles direitos intrínsecos do trabalhador, que manifestam a sua condição humana, os de personalidade. Os direitos de personalidade tem previsão expressa na Constituição Federal e no Código Civil e podem ser identificados como àqueles inerentes à privacidade, à honra, à imagem, etc., no entanto, eles vão além daqueles direitos que estão incorporados no ordenamento jurídico. Eles encontram-se implícitos no sistema, vez que são todos os àqueles essenciais à condição humana, de forma absoluta, imprescritível, inalienável e indisponível. Em decorrência das transformações das relações de trabalho, os direitos de personalidade vêm sendo flexibilizados, o que não poderia ocorrer, em razão da carga de fundamentabilidade que eles carregam. Por esta razão, merecem total atenção e proteção especial, eis que são constituídos de características e atributos da pessoa humana, logo, o princípio da dignidade exprime tal qualidade, sendo incorporado no ordenamento jurídico para proteção da condição humana, portanto, deve ser tratado como o fundamento dos direitos de personalidade. Dentro deste contexto, é que os direitos fundamentais de personalidade ganham maior importância, e faz-se necessário que se garanta muito mais que os direitos trabalhistas ao empregado, é preciso que se tutele sua condição de ser humano, no escopo de proteger a sua dignidade como pessoa. REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição: República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 8 jun. 2018.. Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em: 8 jun. 2018.. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 06 de junho de 2018. FARIAS, Edílson Pereira de. Colisão de Direitos. Porto Alegre: Fabris, 1996. FINCATO, Denise; GUIMARÃES, Cíntia; MATTE, Maurício (Orgs.). Direito e Tecnologia - Reflexões Sociojurídicas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. GOLDSCHMIDT, Rodrigo. Flexibilização dos direitos trabalhistas: ações afirmativas da dignidade da pessoa humana como forma de resistência. São Paulo: LTr, 2009. LEDUR, José Felipe. Fundamentos dos direitos da personalidade do trabalhador: algumas reflexões. Revista Tribunal Superior do Trabalho. Brasília, v. 77, n. 3, p. 154-181, jul./set. 2011. MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civilconstitucional dos danos morais. 2. Ed. Rio de Janeiro: Processo, 2017. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. SILVA, José Afonso da. A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia. Revista de direito administrativo, n. 212. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 3. Ed. São Paulo: Atlas, 2014. VECCHI, Ipojucan Demétrius. Direito material: noções introdutórias, relações de emprego e contrato de trabalho. Curitiba: Juruá, 2016.