EDUCAÇÃO AMBIENTAL E PARA A SUSTENTABILIDADE : O PROJETO MINIETARS DE PLANTAS MACRÓFITAS Mafalda Vaz(1,2,*), Dina Mateus(3,4), Henrique Pinho(3,5), Isabel Capela(1,6) Departamento de Ambiente e Ordenamento, Universidade de Aveiro (*) mafaldamnvaz@gmail.com (1) (2) Agrupamento de Escolas Nuno de Santa Maria, Tomar (3) Escola Superior de Tecnologia, Instituto Politécnico de Tomar (4) GEOBIOTEC, Departamento de Geociências, Universidade de Aveiro (5) IBB, Instituto Superior Técnico (6) CESAM, Departamento de Ambiente e Ordenamento, Universidade de Aveiro Resumo O projeto desenvolveu-se no ano letivo 2013/2014 com alunos do Ensino Básico do Agrupamento de Escolas Nuno de Santa Maria, Tomar, no âmbito do 11º Prémio Fundação Ilídio Pinho Ciência na Escola, subordinado ao tema Ciência e Tecnologia para a Rentabilização dos Recursos Naturais. Os alunos realizaram atividades para o estudo da eutrofização, do tratamento terciário de águas residuais e da reutilização da água residual tratada. Montaram-se Mini-Etars de Plantas, com vários materiais de enchimento e fezse a monitorização da remoção de fósforo (P) de um efluente sintético. Utilizaram-se resíduos da construção civil, cascas de ovo e conchas como materiais de enchimento. Estes materiais são acessíveis e verificou-se que podem ser utilizados como enchimento, pois as eficiências de remoção de P foram superiores a 90%. A agricultura consome cerca de 70% da água gasta mundialmente, pelo que a reutilização de água tratada na rega é uma forma de rentabilizar este recurso. Montou-se uma horta vertical e comparou-se a produtividade de alfaces regadas com água da torneira e com água das Mini-Etars. Conclui-se que, neste último caso a produtividade foi 12% superior. O jacinto de água desenvolve-se rapidamente em águas ricas em nutrientes, contribuindo para a sua eutrofização. Os alunos monitorizaram o crescimento destas plantas em água com diferentes concentrações de P, tendo concluído que à maior concentração corresponde o maior crescimento; a biomassa duplicar em menos de um mês. Palavras chave: tratamento de águas residuais; zonas húmidas construídas; reutilização de recursos naturais; macrófitas; eutrofização. 1
1. INTRODUÇÃO A água é um recurso essencial à vida e ao desenvolvimento de diversas atividades e cuja exploração e consumo tem aumentado bastante nas últimos anos, como consequência do aumento da população mundial e da necessidade de produção de diversos bens e serviços, dos quais se destaca a produção de alimentos. A rega agrícola é responsável pelo consumo de cerca de 70% do total de água doce gasta em todo o mundo, podendo atingir os 90% em alguns países (Bdour et al., 2009; Grassi et al., 2001; Palese et al., 2009). Neste contexto, sendo garantidos os níveis sanitários adequados, a reciclagem e reutilização de água residuais tratadas na rega agrícola poderá ser uma forma de rentabilizar os recursos hídricos existentes (Bdour et al., 2009; Palese, 2009; WHO, 2006). Da totalidade de água existente no nosso planeta, cerca de 97,5% é água salgada, e portanto imprória para consumo humano directo, e os restantes 2,5% é água doce. Desta, a maior parte encontra-se armazenada sob a forma de gelo e penas 0,77% se encontra nos rios lagos e água subterrânea e acessível para consumo (Grassi et al., 2001). A sobre-exploração dos recursos hídricos existentes, decorrente das necessidades atuais, pode agravar os problemas futuros de escassez e diminui a qualidade da água, uma vez que a taxa de exploração excede o ritmo de reposição natural dos aquíferos e a capacidade de autodepuração dos sistemas naturais. Para além do elevado consumo de água na agricultura, a utilização de grandes quantidades de fertilizantes sintéticos para aumentar a produtividade das culturas, e as consequentes escorrências para águas naturais constituem também uma ameaça à preservação dos recursos hídricos existentes. O excesso de azoto e fósforo descarregado em águas naturais, tanto provenientes de escorrências agrícolas como de águas residuais com insuficientes níveis de tratamento são responsáveis pela eutrofização e diminuição da qualidade das águas naturais (Grassi, 2001). A remoção de azoto e de fósforo das águas residuais é feita essencialmente ao nível do tratamento terciário (Medcalf Eddy, 2003). As zonas húmidas construídas (ZHC), também conhecidas por leitos de macrófitas, constituem uma alternativa aos sistemas convencionais de tratamento para remoção de fósforo e azoto. Quando bem projetadas, as ZHC constituem uma tecnologia mais ecológica e sustentável, particularmente para a remoção de fósforo em efluentes domésticos, embora existam sistemas deste tipo a realizar tratamento de efluentes industriais, nomeadamente para remoção de metais pesados (Bdour et al., 2009; Kadlec Wallace, 2009) Nos sistemas convencionais de tratamento, a remoção de fósforo faz-se, normalmente, por precipitação química, através da adição de sais de ferro e de alumínio (Bashan & Bashan, 2004; Medcaly Eddy, 2003), o que aumenta a quantidade de lamas produzidas e dificulta/encarece o seu processamento. 2
As ZHC são constituídas por leitos, normalmente escavados no solo. Estes são impermeabilizados e preenchidos com materiais de enchimento e podem ser plantados, ou não, com macrófitas. O caniço (Phragmites australis) é uma das macrófitas mais utilizadas em ZHC, devido à sua grande capacidade de remoção de poluentes e elevada resistência a condições ambientais extremas. O tratamento dos efluentes ocorre à medida que estes atravessam o leito. O escoamento pode fazerse de forma superficial ou sub-superficial. Este último é mais utilizado por questões sanitárias, pois não há contacto direto entre o efluente e a atmosfera (Kadlec & Wallace, 2009). A escolha do material de enchimento é fundamental para a eficácia da remoção de fósforo nas ZHC e para a sua viabilidade económica, pois o custo deste material constitui a parcela mais significativa do investimento de capital na construção de um leito de macrófitas e um dos entraves ao desenvolvimento desta tecnologia. As grandes áreas necessárias à instalação das ZHC é outro constrangimento (Guan et al., 2009). A remoção de fósforo nos leitos de macrófitas pode fazer-se por adsorção, precipitação e consumo biológico (Kadlec & Wallace, 2009; Mann & Bavor, 1993; Vohla et al., 2011). A precipitação química do fósforo é um contributo muito importante para a eficácia das ZHC e depende da composição dos materiais de enchimento. Os materiais contendo cálcio, ferro e alumínio removem maiores quantidades de fósforo do que aqueles que são pobres ou não têm estes elementos (Bashan & Bashan, 2004; Sakadevan & Bavor, 1998; Vohla et al., 2011). Assim, a seleção do material de enchimento é crucial para a viabilidade das ZHC e deve seguir critérios de desempenho, acessibilidade e preço. Os resíduos e desperdícios de diversas indústrias, assim como os materiais naturais são aqueles que oferecem um melhor compromisso entre eficácia e preço (Mateus et al., 2012). Neste sentido, têm sido desenvolvidos diversos estudos com vista à avaliação das potencialidades de utilização de diversos resíduos e desperdícios da construção civil e da exploração de rochas e minerais industriais como materiais de enchimento de ZHC para remoção de fósforo (Boujelben et al., 2008; Drizo et al., 1999; Kose Kivanç, 2011; Mann & Bavor, 1993; Mateus et al., 2012). Estes materiais constituem uma opção mais económica e sustentável do que a utilização de outros produzidos especialmente para o efeito, como é o caso das argilas expandidas, justificando-se a realização de estudos com materiais alternativos com vista à sua possível utilização em ZHC. A tomada de consciência para as questões ambientais e para a necessidade de preservação dos recursos naturais é fundamental para se ajustarem comportamentos e mobilizar ações no sentido do desenvolvimento de uma sociedade mais justa e sustentável. Isto só é possível com cidadãos esclarecidos quanto às questões científicas e tecnológicas e sociais e económicas envolvidas, e o papel da Escola e dos educadores é fundamental neste contexto (Azevedo, 1999). 3
A Educação Ambiental insere-se particularmente nos conteúdos programáticos de Ciências Físicas e Naturais do 8ºAno de escolaridade, no tema Gestão sustentável dos Recursos e foi neste contexto que se desenvolveu o projeto Mini-ETARs de Plantas Macrofitas. 2. DESENVOLVMENTO DO PROJETO E RESULTADOS 2.1. Mini-Etars de Plantas Macrófitas O projeto incluiu a montagem e monitorização de Mini-Etars de plantas onde se avaliou o grau de remoção de fósforo de um efluente sintético preparado com detergente da loiça e adubo químico. Utilizaram-se garrafões de plástico e desperdícios (fragmentos de calcário, de tijolo, cascas de ovo e conchas) para a construção das Mini-Etars. Algumas foram plantadas com caniço (Figura 1). Durante abril e maio foram recolhidas amostras de efluente à entrada e à saída das Mini-Etars que se analisaram quanto à concentração de fósforo pelo método do ácido ascórbico (Greenberg et al., 1992), tendo-se concluído que qualquer um dos materiais de enchimento pode ser utilizado no tratamento de águas residuais. A percentagens média de remoção de fósforo foi a seguinte: Mini-Etar 1 (tijolo) : 92 % Mini-Etar 2 (tijolo+caniço) : 94 % Mini-Etar 3 (tijolo+ casca ovo) : 98 % Mini-Etar 4 (conchas+caniço) : 88 % Mini-Etar 5 (calcário+caniço) : 84 % Mini-Etar 6 (calcário) : 80 % Figura 1 Mini-Etars de plantas macrófitas. 4
2.2. Horta vertical O projeto incluiu também a montagem e monitorização de uma horta vertical plantada com alfaces e morangueiros (Figuras 2 e 3). O objetivo principal foi avaliar a possibilidade de reutilização da água tratada na rega agrícola. A horta foi construída com garrafas de plástico e ficou pronta no final de março. Uma parte das alfaces foi regada com a água da torneira e outra com água tratada nas Mini-Etars. No início de maio (alfaces com 1 mês) colheram-se e pesaram-se as alfaces e verificou-se que a produtividade foi 12% superior no caso da rega com água das Mini-Etars, devido ao suplemento de nutrientes da água de rega. O peso médio das alfaces foi: Rega com água da torneira : 37,9 g Rega com água das Etars : 42,5 g Figura 2 Horta vertical, a 31 de março. Figura 3 Horta vertical, a 6 de maio (antes da colheita das alfaces). 5
2.3. Eutrofização A eutrofização das águas naturais também foi abordada no projeto. Para isso montaram-se 3 tinas com jacintos de água (Figuras 4 e 5). Numa das tinas colocou-se água da torneira e nas outras duas água da torneira misturada com efluente sintético. O volume de água utilizado foi de 3 L. Durante o mês de maio fizeram-se pesagens regulares do jacintos de cada tina e avaliou-se o seu desenvolvimento, tendo-se concluído que as plantas se desenvolveram mais na água com maior carga poluente. O aumento de biomassa foi o seguinte: Tina A (3 L de água da torneira) : 46 % Tina B (3 L de água com 100 ml de efluente sintético) : 73 % Tina C (3 L de água com 200 ml de efluente sintético) : 105 % Figura 4 Tinas de eutrofização, a 6 de maio. Figura 5 Tinas de eutrofização, a 27 de maio. 6
3. CONCLUSÕES O projeto foi bastante importante em termos pedagógicos e muito proveito no sentido de alertar para a necessidade de preservação dos recursos naturais e de se procurarem novas estratégias para rentabilização desses mesmos recursos. A água é um dos recursos mais importantes e dos mais focados em termos de Educação Ambiental, no entanto a questão da reutilização das águas residuais tratadas ainda é pouco abordada, inclusivamente nos manuais escolares. A referência às ETARs de Plantas, ou Fito-ETARs, também não é muito frequente nos manuais, embora alguns já comecem a incluir esta tecnologia nos sistemas de tratamento de águas. A questão da educação para o desenvolvimento sustentável é muitas vezes focado em contextos de ensino, mas geralmente de uma forma mais descritiva e muito raramente se desenvolvem projetos e atividades que permitam aos alunos uma participação ativa e direta e uma construção do conhecimento apoiado no trabalho experimental e em resultados por eles obtidos. O desenvolvimento do projeto Mini-Etars de Plantas Macrófitas permitiu a abordagem do tema Gestão Sustentável de Recursos do programa do 8ºano de uma forma mais atrativa e participativa dos alunos, tendo-se verificado um grande entusiasmo e trabalho de equipa por parte dos alunos diretamente envolvidos nas atividades. Foi notória a surpresa dos alunos quanto à possibilidades de se utilizarem calhaus para tratar as águas e plantas que conseguem crescer nos calhaus (utilizando as expressões dos próprios alunos). Salienta-se a motivação e melhoria de desempenho escolar que se conseguiu em alguns alunos com maiores dificuldades de aprendizagem em Ciências, o que reforça a importância de se desenvolverem projetos deste tipo e com forte interligação entre Ciência, Tecnologia e Cidadania. Sendo 2014 o Ano Internacional da Agricultura Familiar, foram diversas as iniciativas do nosso Agrupamento subordinadas a este tema. O projeto Mini- Etars de Plantas Macrófitas também teve isto em consideração, daí a inclusão de uma horta. 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Azevedo, E. B. (1999). Poluição vs Tratamento de Água: duas faces da mesma moeda. Química Nova na Escola, 10, 21-25. Bashan, L. E. Bashan, Y. (2004). Recent advances in removing phosphorus from wastewater and its future use as fertilizer (1997-2003). Water Research, 38(19), 4222 4246. 7
Bdour, A. N., Handi, M. R. Tarawneh, Z. (2009). Perspectives on sustainable wastewater treatment technologies and reuse options in the urban areas of the Mediterranean region. Desalination, 237, 162-174. Boujelben, N., Bouzid, J., Eloquear, Z., Fequi, M., Jamoussi, F. Montiel, A. (2008). Phosphorus removal from aqueous solution using iron coated natural and engineered sorbents. Journal of Hazardous Materials, 151, 103-110. Drizo, A., Frost, C. A., Grace, J. Smith, K. A. (1999). Physico-chemical screening of phosphate-removing substrats for use in constucted wetland systems. Water Research, 33(17 ), 3595 3602. Grassi, M. T. (2001). Águas do planeta Terra. Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola. Edição especial de Maio, 31-40. Greenberg, A. E., Clesceri, L. S. Eaton, A. D. E. (1992). Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater. 18th ed. Washington DC: APHA, AWWA, WPCF. Guan, B., Yao, X., Jiang, J., Tian, Z. An, S. (2009). Phosphorus removal ability of three inexpensive substrates: Physicochemical properties and application. Ecological Engineering, 35, 576-581. Kadlec, R. H. Wallace, S. D. (2009). Treatment Wetlands. 2 nd Edition. Boca Raton, USA: CRC Press. Kose, T. E. Kivanç, B. (2011). Adsorption of phosphate from aqueous solution using calcined waste eggshel. Ecological Engineering, 178, 34-39. Mann, R. A. Bavor, H. J. (1993). Phosphorus removal in constructed wetlands using gravel and industrial waste substrata. Water Science Technology, 27(1), 107 113. Mateus, D. M. R., Vaz, M. M. N. Pinho, H. J. O. (2012). Fragmented limestone wastes as a constructed wetland substrate for phosphorus removal. Ecological Engineering, 41, 65-69. Metcalf Eddy. (2003). Wastewater Enginnering, Treatment and Reuse. 4 th Edition (International Edition): McGraw Hill. Palese. A. M., Pasquale, V., Celano, G., Figliuolo, G., Masi, S. Xiloyannis, C. (2009). Irrigation of olive groves in Southern Italy with treated muicipal wastewater: Efects on microbiological quality of soils and fruits. Agriculture, Ecosystems and Environment, 129, 43-51. Sakadevan, K. Bavor, H. J. (1998). Phosphate adsorpsion characteristics of soils, slags and zeolite to be use as substractes in constructed wetland systems. Water Research, 32(2), 393 399. WHO (2006). Guidelines for safe use of wastewater, excreta and greywater, 3 rd ed. World Health Organization. Vohla, C., Kõiv, M., Bavor, H.J., Chazarenc, F. Mander, Ü. (2001). Filter materials for phosphorus removal from wastewater in treatment wetlands A review. Ecological Engineering, 37, 70-89. 8